O Brasil tem saída: a de sempre
20 de dezembro de 2016 § 17 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 20/12/2016
Tem sido um linchamento. Cada vez que estremece e esboça uma reação cai com mais fúria a chuva de pauladas sobre o corpo moído da nação.
No país sem voz é a guerra; 60 mil mortos por ano; 12 milhões de famílias não sabem se comem amanhã. Daí para cima, ou é prostração, ou um mal contido pânico travestido de “fervor cívico” sem propósito definido nem pontaria certa. Nesse segmento “mobilizado” a ordem cronológica está subvertida. Posto diante das entranhas daquilo a que sempre esteve acomodado, esse Brasil não se admite mais como o que é. Projeta como realidade vivida aquilo que deveria ter sido. Todos cobram “dos outros” o que cada um se recusa a entregar de seu. Ninguém se assume como parte constitutiva de um organismo doente e isso tira de cena a idéia de buscarmos juntos uma cura. A conflagração ocupa todos os espaços. O passado transformou-se em arma de destruição do futuro.
Quem “ganha”, quem “perde” com cada golpe desferido? O dano infligido ao país nunca entra em consideração. O interessado em reformas “é o governo”, não o país. A imprensa não cobre o Brasil; a imprensa cobre a disputa de Brasília pela carniça do Brasil. Lá, sim, são “impopulares” as medidas de salvação nacional. Não ha desempregados discutindo a crise na televisão. Tudo é filtrado pela ótica do poder e é isso que alimenta esse pandemônio.
Não tem nada a ver com jornalismo trombetear aquilo a que facções em luta “lhe dão acesso” na hora e no lugar que elas escolherem. Isso não é informar, é tornar-se parte. A garantia de sigilo para alardear “furos” que não são “furos” contrata os próximos atentados contra a nação. De prático ela só fica com a retaliação da retaliação da retaliação. O Judiciário ataca Renan porque Renan desafiou os privilégios do Judiciário. E Renan só desafia os privilégios do Judiciário porque o Judiciário atacou Renan. Não tem nada a ver com justiça nem com zelo pela austeridade.
Essa briga só acaba se for “narrada” como o que é. Nesse filme a sequência é que é o fato, não cada factóide tomado isoladamente. A quebra da impunidade dos corruptos arrombou a porta mas a luta pelo poder montou nas costas dela. Doze milhões de empregos morreram quase ignorados. Mas então a gangrena da arrecadação cessante tomou o Rio Grande do Sul e subiu para o Rio de Janeiro. Agora é em Minas Gerais que o sangue deixou de circular. Não vai parar por aí. Com o naufrágio do Estado seguindo o da nação com três anos de atraso e a súbita virada dos ventos do sacrificio, a luta tornou-se, de repente, feroz. Exumam-se velhos cadáveres e cobram-se dívidas ha muito acochambradas numa sequência frenética mas não ha rigorosamente nada que já não se soubesse ou que não tivesse sido extensamente publicado. É impossível ignorar em boa fé a relação de causa e efeito entre esses requentamentos e cada tentativa esboçada de impor limites ou recuos aos privilégios de corporações poderosas. Prender e soltar pessoas de forma seletiva e arbitrária sob o pretexto de crimes de todos conhecidos mas sempre relevados não são vitórias da justiça, são só expedientes para impedir que o ajuste das contas publicas avance pelo único caminho pelo qual ele pode de fato se dar.
Nesse lado do problema os dados são claríssimos. Não ha preço, na arena global, que comporte os privilégios das corporações que se nutrem de quem produz no Brasil. Essa referência é inamovível. Não ha liminar, falcatrua regimental, “acordão”, “movimento social” ou estelionato inflacionário suicida que consiga tira-la de onde está. As coisas terão obrigatoriamente de ser arrumadas desse marco para trás ou permaneceremos expulsos do mundo.
A PEC do teto de gastos (que está na constituição mas ninguém cumpre), a reforma da Previdência e os ajustes microeconômicos, todos imprescindíveis, só põem dinheiro no caixa lá adiante mas o país está falido aqui e agora. Não ha como escapar. Vai ser preciso mexer no “imexível”. Carros, frotas de jatos, mordomias e “auxílios” obscenos, isenções, acumulações, viagens, super-salários, super-aposentadorias, tudo isso vai ter de sair da conta para que possam voltar a caber nela os salários e aposentadorias sem mais adjetivos dos funcionários que não entraram no serviço público pela janela e mais a saúde e a segurança pública que se requer. O mínimo fora do qual é o caos.
Parece impossível hoje mas as prerrogativas medievais dessa casta são biodegradáveis. Dissolvem-se no escândalo das proporções indecentes que tomaram assim que forem expostas ao sol. Eis aí um bom papel para a imprensa. Apressar o inevitável é um meio certo e seguro de evitar o desperdício de mais uma geração e salvar milhões de famílias das tragédias que vêm vindo a galope. Mas mesmo que ela persevere na omissão de fazer da denuncia desses privilégios a sua obsessão, a agonia do funcionalismo desadjetivado vai produzir o milagre. E logo. Só que aí o preço sairá dobrado…
O Brasil precisa estar vivo para chegar ao fim desta travessia. E é com os políticos que temos que teremos de faze-la. Seguir olhando só para trás é mergulhar inevitavelmente na conflagração. O Brasil não tem conserto dentro do que é hoje. Para olhar para a frente é preciso definir um porto de destino. O remédio para a doença que nos aflige é conhecido desde 1776. Chama-se igualdade perante a lei. Não existe outro. Consiste em reestruturar o Estado e a nação segundo o princípio de que tudo que não vale para todo mundo tem de deixar de valer para quem quer que seja. E sendo os operadores da Republica no Judiciário e no Legislativo os principais beneficiários da situação que exige reforma, estender os direitos dos eleitores para depois das eleições com a instituição do “recall” dos representantes e do “referendo” das leis dos legislativos por inciativa popular tem sido, historicamente, o instrumento que, ao transferir o poder de decisão final das mãos dos “contribuídos” para as dos contribuintes, inicia esse tipo de revolução pacífica e a torna irreversível.
Se a TV Globo utilizasse os horarios nobres para promover debates sobre o Brasil,ao redor de mesas redondas,entre os mais variados protagonistas da vida nacional-patroes,empregados,sindicalistas,aposentados,et e etc-ganharia muito mais dinheiro , apoio e telespectores do que ganha com essas novelinhas estupefacientes.
Hoje ninguem quer mais ser estupedificado;as pessoas estao mais interessadas em discutir suas vidas reais.
Tomara que a Globo se manque.
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estupidificados..
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Caro Fernão,
Em decisão recente o juiz Fux me fez pensar que uma reinvidicação com milhões de assinaturas do povo não tem o respeito do legislativo, isso porque as assinaturas não podem ser legitimadas.
Deveriamos com o apoio da imprensa dar legitimidade as reinvidicações do povo.
Gito Escorel
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O Fernão Mesquita traz no DNA a capacidade de expor ao cidadão comum a realidade que o Brasil expressa. O Estadão sempre traz, uma explanação da realidade nua e crua do Brasil,sobretudo para aqueles que seguem diariamente suas informações e editoriais. O Brasil faliu! e muitos ainda não perceberam e querem continuar vivendo seus sonhos as custas do povo ignorante e sem nocao dá força que possui.E melhor que os próprios privilegiados se auto retirem os privilégios ou assistiremos algo muito doloroso em pouco tempo. Esses privilégios( carros, motoristas,excessos salariais a vários títulos,aviões,auxílios de toda natureza) estão hoje escancarados é só não provocam reação maior porque o povo é ignorante. Mas mesmo essa horda de seres amorfos intelectualmente, vai se rebelar e as coisas não ficarão como estão. A maturação chegou e a tolerância está acabando. O Fernão está ajudando muito nesse processo de esclarecimento apontando aquilo que sempre combateu, MORDOMIAS de toda a sorte no âmbito governamental (executivo, judiciário e legislativo) e aos poucos a assimilação por parte do povo irá nos levar a um patamar de intolerância com tais práticas que eliminará as suas existências. Espero que isso ocorra logo por iniciativa dos próprios beneficiários ou tudo ficará imensamente mais difícil mas acontecerá anyway.
linha editoriak
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“horda de seres amorfos intelectualmente…”discordo.o povao nao e amorfo intelectualmente;eles-os mais excluidos da sociedade com mais condicoes economicas- sentem com muita mais crueza as injusticas,apenas que eles tem banidos os canais de expressao e mesmo de organizacao.qdo os tem,e porque sao manipulados por oportunistas, e dps caem do burro,como cairam com o sem vergonha do lula ,que os incitou a arrogancia e a ilusao.alem disso,talvez,a doutrinacao catolica os fez mansos(ao contrario da evangelica,que os faz tb arrogantes e iludidos,na minha opiniao),ou qdo nao,revoltados e agressivos(o acesso a drogas ajuda).mas eles nao sao amorfos intelectualmente.
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Eles são amorfos intelectualmente sim, infelizmente Carmem, na sua maioria.
Isso tanto é verdade que depois de 516 anos de “civilização”, ainda estamos discutindo teses já enterradas há décadas em países que conseguiram se desenvolver, por terem tido colonização e religião que os ensinou a crescer, produzir e não esperar do Estado as benesses a que o brasileiro tanto se acostumou. Essa realidade temos que encarar antes de mais nada se quisermos sair desse atoleiro em que nós mesmos nos enfiamos por falta de cultura e por votar nesses malditos esquerdistas que nos infelicitaram por mais de treze anos.
O governo feliz ou infelizmente é reflexo do povo !!!!!!
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Um problema cronico do Brasil é seu “estamento burocratico” rigido semelhante ao da Russia e China,um sistema eleitoral podre e fraudado, uma maquina estatal dominada por mercenarios que tem em seu DNA a tradiçao secular de saquear os recursos publicos e transferi-los para o seu patrimonio particular.
A lista da Odebrecht – embora incompleta – mostra o grau astronomico da roubalheira dos governantes brasileiros, que numa estimativa baixa foi de 10 trilhoes de reais até agora,em apenas 15 anos.
O tamanho do Estado brasileiro, onde durante geraçoes milhoes de funcionarios publicos tem cargo e salario vitalicio e até hereditario, enquanto se protegem mutuamente da revolta popular, não é só politica e administrativamente inviavel com os criminosos que ai estão, MATEMATICAMENTE é impossivel que uma pequena massa trabalhadora e empresarial consiga sustentar esse enorme Estado e Governo de criminosos contumazes e funcionarios marajás de prefeituras, estados e orgãos federais.
O Problema é que nenhum politico, nem banqueiro, nem militar quer e nem vai mudar esse pais. O povo está quebrado mas os governantes mais ricos do que nunca…..
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Fernão, dois pontos, um positivo outro negativo:
+ “Isso não é informar, é tornar-se parte”!
O Brasil precisa que a imprensa adote um papel mais amplo que a (des)informação! O da educação em todos os níveis!
– “E é com os políticos que temos que teremos de faze-la.”
Será? Então não há esperança para a tal da travessia, pinguela ou barbantinho, pois como isto seria possível com a institucionalização deste “dane-se o país” que reina?
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Perfeito, como sempre. Essas corporações, sejam elas federais, estaduais ou municipais dos três poderes ainda não entenderam as manifestações de 2.013 a 2.016. Não era só o PT, não era Dilma, é a impossibilidade da persistência da situação atual. Com 12 milhões de desempregados, 5 milhões sub-empregados e 3 milhões que já desistiram de procurar emprego, ainda me deparo na Rua Riachuelo, com uma manifestação de funcionários do MP de SP, com seus elegantes trajes pedindo… aumento de salários!!! Leio que a Alerj votou a suspensão dos famosos carros pretos, mas só para 2.019!!! Também deixou de votar as outras medidas encaminhadas pelo executivo para… fevereiro!!! Enquanto isso em Brasília, enquanto o país derrete,teremos os recessos do parlamento e do judiciário!!! Acho que alguns já entenderam, tanto que conforme reportagens, alguns ministros do STF já estão evitando as áreas comuns dos aeroportos, indo com seus carros diretamente para a pista de embarque. E os outros, quando vão entender o risco da situação? Minha pergunta é: eles vão mudar e perceber o quê a população exige, ou ela vai ter de se tornar violenta?
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quando passar a exigir isso expressamente a coisa vai, marcelo.
quando o povo foca, ate presidente cai…
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Essa é a nossa eterna realidade! Medeiros
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Estava aqui me perguntando se outros povos reféns de estruturas estatais inoxidáveis, como os da China e Venezuela, também acreditam que haja saída para eles…
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“Não tem nada a ver com jornalismo trombetear aquilo a que facções em luta lhe dão aceso” na hora e lugar que elas escolherem. Isso não é informar, é tornar-se parte”. Na mosca! Perfeito.
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Gostaria de ter escrito este artigo. Pena que falta-me estofo para tal
empreitada. Sem reparos. Congratulações.
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Republicou isso em 柔術 Arte Suave.
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Tudo é muito sério. Parabéns por mais este texto.
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[…] importante frisar a vocês. E podem confiar, pois tem tudo a ver com Segurança Pública. Leiam! O Brasil tem saída: a de sempre. (Blog) O Brasil tem saída: a de sempre. (Estadão) No seguinte […]
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