Qual é a diferença que importa?

12 de setembro de 2022 § 4 Comentários

Impugnar a candidatura de Bolsonaro? “Cancelar” a metade do país que saiu às ruas no 7 de Setembro? Apagar aquelas multidões da memória nacional?

Porque não no país que iniciou essa novela tornando legal a do ladrão condenado e mandando prender a polícia que o tinha prendido?

Porque não no país que acaba de instituir a censura prévia da censura prévia com a proibição de levar celulares ou qualquer aparelho capaz de produzir provas às cabines eleitorais?

Porque não no país onde Geraldo, O Canalha, aciona o TSE para censurar o uso de suas próprias palavras de ontem sobre o seu “aliado” de hoje?

Porque não no país onde a “imprensa” autorizada a falar, por “aliada do estado de direito”, é a que se declara a “monitora” dos jornalistas que ousarem furar a censura para entregá-los às fogueiras do inquisidor-mor Alexandre de Moraes?

Como caímos nesse pesadelo em que qualquer insanidade vale?

A morte de Elizabeth II veio arrancar o Brasil do seu surto psicótico. De repente, ao acordar flutuando serenamente no Oceano da História, o país deu-se conta de que a gota de esgoto em que se ia afogando é daquelas que formigas atravessam com águas pelas canelas, para lembrarmos a expressão de Nelson Rodrigues, um dos gênios da raça que militou no jornalismo pátrio.

A imprensa e o STF são os freios do sistema. O STF o de mão, a imprensa o de pedal com que se modula a marcha pelos obstáculos do caminho. Mas o lulismo, por baixo dos panos, trocou os dois pelos comandos do acelerador. E desde então o país se vem despenhando pirambeira abaixo em ritmo de trem fantasma, numa carreira que fatalmente produzirá mortos e feridos.

O jornalismo e o STF vão sobreviver porque o Brasil é maior que os dois e ambos são instituições indispensáveis. 

A limpeza e a renovação da imprensa é fácil. Ela habita o universo do “mercado”, território sob a hegemonia incontestável do distinto publico que joga fora o que está contaminado e engendra e regula os seus substitutos pela demanda. E ninguém, senão quem fez por merecer, perde nada com isso.

Mas a desinfecção do STF é bem mais complicada. O avião tem de ser consertado em voo porque, se cair, quem morre são os passageiros que já não podem saltar da nave. 

O cálculo dos que enfiaram o país na seringa da monocracia é sibilino. Qualquer manobra dentro dela é virtualmente impossível. O único caminho é para adiante…

O prêmio máximo, desde sempre, é que caia mesmo o avião da democracia. Mas até que se arrebente, os que rechearam essa instituição com militantes absolutistas e advogadozinhos de porta-de-cadeia contam com o pavor dos passageiros para garantir sua impunidade ao longo do processo.

É chantagem, nem mais, nem menos…

A saída que ha, a “3a Via” real, segue sendo a única que jamais foi inventada: nem os políticos, nem os juízes; o povo mesmo decidindo o que é bom para ele.

O que faz a saída democrática materializar-se é a tecnologia consagrada em uso em todo o mundo que deu certo: a hierarquização da relação dos representados com seus representantes eleitos que começa com o voto distrital puro e completa-se com a precarização radical dos mandatos pelo instrumento do recall porque o ser humano trabalha mesmo é para quem tem o poder de demiti-lo. Compõem a receita, para torná-la proativa, os complementos da inciativa e do referendo popular de leis de modo a que nós, e não “eles”, tenhamos a última palavra sobre tudo que afeta o nosso destino.

É na negação da essência da revolução democrática que se unem as três “vias” do status quo brasileiro, é verdade. Dos mandantes dos crimes do STF ao próprio presidente em exercício que, alvo permanente, pode dar-se o conforto de viver só de não ser tão execrável quanto os que tocaiam o Brasil, nenhum tem qualquer proposta para religar, nem muito menos para submeter o País Oficial ao País Real e acabar com esse divórcio radical de onde manam todas as nossas desgraças.

Mas a diferença que importa é que quando acabam os mandatos de todos os outros o país está pronto para recomeçar.

Menos os do PT. Os mandatos dele quando não matam, aleijam.

O Brasil é um país sem luxos. As multidões de 7 de Setembro eram as dos que não acreditam no país que lhes pintam, acreditam no país que vêm. Neste que lhes grita todos os dias na cara o que de verdade é mas lho proíbe de dize-lo. Eram as dos “passageiros” que sabem que a escolha que há é entre manter entreaberta a porta para o nosso ingresso, um dia, no século 18 das revoluções democráticas, ou vê-la ser monocraticamente trancafiada já, sabe-se lá até quando.

Democracia: qual é a dos imbecis?

8 de setembro de 2022 § 2 Comentários

Estava programado e, depois das manifestações de ontem e a tentativa final de “tapetão” em curso, serve como um parêntese civilizatório…

Está encerrada a temporada de eleições primárias que movimentou o país inteiro nas quais os eleitores norte-americanos (e não os donos dos partidos ou os fabricantes de “regras do jogo”) escolheram no voto os candidatos com direito a concorrer à eleição final de 8 de novembro próximo. 

Estarão em disputa entre os representantes de cada partido ou candidatos independentes escolhidos diretamente pelo povo as 435 cadeiras da Câmara dos Representantes do Congresso Nacional, 35 das 100 cadeiras do Senado Federal (inclusive a da vice-presidente Kamala Harris), os postos de governador de 39 estados (outros 11 fazem eleições em datas de sua escolha) e milhares de outros cargos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, dos membros dos school boards, encarregados de gerir cada escola pública de cada bairro do país, para cima. 

Será também a primeira eleição depois do censo de 2020 que redesenhou os distritos eleitorais país afora. Não ha “falsas matemáticas” na democracia verdadeiramente representativa. Os estados e as parcelas menores da nacionalidade elegem um numero exatamente proporcional ao tamanho de suas populações versus o total representado em cada instância de governo em disputa. E, para cada uma, o direito de pedir votos na eleição pra valer é objeto de eleições primárias para a escolha dos candidatos diretamente pelo povo. Tudo passa por esses “dois turnos” em que só os eleitores têm voz.

A Califórnia, embora tendo perdido uma cadeira de sua delegação ao Congresso Nacional, que cai de 53 para 52 representantes em função da emigração para outros estados de uma parcela de sua população constatada pelo censo, continua tendo a maior bancada federal. Alem dos 52 federais, 80 deputados estaduais serão eleitos. E 20 das 40 cadeiras do senado estadual estarão em jogo.

No Executivo 12 altos cargos concorrem pelos eleitores. O governador Gavin Newson (D) que escapou de um recall no começo deste ano tenta a reeleição. Estarão em disputa por eleição direta também os cargos de vice-governador, promotor geral do estado, secretário de estado (encarregado de organizar “eleições especiais” como as de recall e outras), tesoureiro (fazenda), controller (aqui função dos perpétuos Tribunais de Contas nomeados pelos próprios “fiscalizados”), superintendente de educação pública, comissário de seguros (que fiscaliza a seguridade social) e quatro cadeiras da comissão estadual de equalização (um órgão que assessora o controle de contas públicas e as ações de assistência social).

Quais servidores públicos são diretamente eleitos e quais podem ser nomeados por governadores ou outros executivos é um assunto que os eleitores decidem aprovando leis de iniciativa popular. A lista pode ser infinitamente alterada “a gosto” da maioria dos “servidos”. E todos – seja os diretamente eleitos, sejam os seus nomeadores – estão permanentemente sujeitos a recall a qualquer momento.

No Judiciário, quatro dos sete juízes da Suprema Corte da Califórnia e 41 juizes das seis Cortes Estaduais de Apelação enfrentarão retention elections. Seus nomes estarão nas cédulas dos eleitores de suas comarcas com a pergunta “Fulano de Tal permanece juiz mais quatro anos”? “Sim” ou “não”.

Serão eleitos ainda centenas de representantes e funcionários municipais, a começar pelos membros dos 98 school boards do estado.

Sete medidas de alteração da constituição estadual (e centenas de outras de alcance municipal ou menos, cada qual votada só pelos eleitores de determinados distritos, o que se pode saber positivamente pelo endereço de cada um no sistema de voto distrital puro) também serão diretamente decididas em 8 de novembro, incluindo da Proposition 1 que restabelece o direito de aborto, à Proposition 30 que aumentará em 1,75 pontos percentuais, se for aprovada, o imposto de renda de pessoas físicas com renda superior a 2 milhões de dólares/ano para financiar os programas de banimento de carros a gasolina, passando pelas Proposition 26 e 27 que tratam de apostas esportivas online e em cassinos indígenas.

Praticando a democracia semi-direta ha quase um século e meio, o povo da Califórnia pode errar mas não tem compromisso com o erro: tem as leis e os impostos que quer ter, e altera essas decisões a cada dois anos ou menos se considerar urgente alguma de suas propostas. Somente entre 1985 e 2020, ele votou 395 referendos ou leis de iniciativa popular de alcance estadual (e milhares de outras de alcance local), das quais aprovou 228 (57,7%) e rejeitou 167 (42,3%).

Esse rápido exame do que é o verdadeiro deixa em carne viva a trapaça que é esse “estado democrático de direito” macaqueado pelos ditadores do STF que conhecem perfeitamente o que se descreveu acima e só ousam afirmar o seu “orgulho” da nossa falsificação que pode ser “aferida” em minutos e afrontar o povo brasileiro porque confiam cegamente no aplauso automático dos “imbecis” aos quais, mais que a internet, a imprensa que lhes bate bumbo faz questão de dar voz.

O maior de todos os negacionismos

19 de julho de 2022 § 9 Comentários

A metafísica é um cego num quarto escuro procurando um gato preto que não está lá”. A frase é atribuída a Voltaire mas há controvérsias. No entanto ela me vem à cabeça a cada editorial, comentário ou “contras e a favores” que vejo ou leio na nossa imprensa a respeito da farsa política brasileira.

Estes dias li dois que eram sínteses desse desesperançado tatear de toda a mídia brasileira, sem nenhuma exceção à direita ou à esquerda. O primeiro culpava a sociedade brasileira por “não se assumir como a verdadeira responsável pelo seu próprio destino” e deixar-se embalar “pelo sebastianismo, essa eterna espera por um salvador que nunca chega”, num debate publico que “fica reduzido a nomes”.

Segunda-feira vinha outro para “refletir sobre a parcela de responsabilidade que recai sobre os próprios eleitores pela abissal distância que os separa dos seus representantes eleitos”, e a inutilidade do gesto desesperado deles (adjetivo meu) de querer sempre renovar o maior numero possível dos eleitos no pleito anterior. 

Tanto as “escolhas” dos eleitores quanto a crescente rejeição dessas “escolhas” eram atribuídas à “falta de educação cívica de qualidade” e à “cultural propensão do eleitor brasileiro a escolher apaixonadamente entre nomes”, para a seguinte conclusão: “sem escolhas mais criteriosas … será muito difícil superar a crise de representação política que tantos males tem causado ao país”.

Mas que nível de “escolha” pode exercer o eleitor brasileiro no sistema eleitoral que temos? Nenhuma palavra sobre isso foi sequer de longe ameaçada em qualquer dos textos…

Nós não escolhemos os “nossos” partidos políticos. Qualquer meliante que se disponha a criar um do nada é financiado compulsoriamente por todo mundo que não o escolheu, sob os auspícios da Receita Federal. O Supremo Tribunal, que ninguém elegeu, pode inclusive “cancelar” ou cassar a palavra – e concretamente tem-no feito – a qualquer deles que denuncie o conflito desse desvio com a constituição que, diga-se de passagem, veda expressamente essa prerrogativa ao indigitado tribunal.

“Nossos” “partidos políticos” nascem e morrem, portanto, 100% à revelia dos eleitores.

Os candidatos escolhidos pelas criaturas dessas agremiações impostas é que são oferecidos à “escolha” do povo. As “escolhas”, portanto, não são dele, são “escolhas” dentro de escolhas alheias. O voto nos candidatos alheios, por outro lado, é obrigatório. A única “escolha” real que o povo tem é anular o seu, qual seja, imolar a sua cidadania em protesto, ou “escolher” um escolhido dos meliantes, com o altíssimo risco de eleger alguém cujo nome jamais conheceu pois no nosso “sistema proporcional” somente 15% dos eleitos tiveram votos em seus nomes, 85% o foram de carona pelo voto partidário que o voto nominal incluiu à revelia do eleitor.

Pelos quatro anos seguintes – com muitos desses privilégios se tornando automaticamente vitalícios e alguns hereditários não por “escolha” do povo mas por escolha dos compulsoriamente “escolhidos” para ele – essas auto-qualificadas “excelências” (existe adjetivo menos democrático?) são intocáveis, seja qual for o crime cometido. E os juízes que ousarem aplicar a eles a lei que eles próprios escrevem ficam sujeitos a linchamento moral e até a pena de prisão…

Mas em nada disso esbarrou o nosso articulista arquetípico do atual jornalismo brasileiro na sua tateada meditação. A culpa pelo envenenamento é do envenenado e não do envenenador.

E no entanto, a um click de distância na internet, ou a poucas horas de vôo mesmo para quem ainda perde tempo com o mundo físico, está a outra América, que começou junto com a nossa e hoje está a 25 vezes o nosso PIB de distância da nossa miséria.

O que foi que eles descobriram que nós ainda não sabemos? O que foi que eles inventaram?

Rigorosamente nada!

Quem já viveu o pouco que é necessário para entender que nossa espécie, quando trabalha, trabalha para quem tem o poder de demiti-la, já não tem desculpa para não entender a essência da mecânica de qualquer sistema realista de representação.

Como transformar essa verdade elementar num sistema de organização social democrático que custou à humanidade milênios de sangue, suor e lágrimas, também é obra feita. Deixar de copiá-la, como têm feito os americanos do norte e todos os povos que se salvaram da miséria, é tão imperdoável quanto soprar fumaças no rosto em vez de tratar doentes de infecção com antibióticos ou combater epidemias com sacrifícios de criancinhas aos deuses em vez de vacinas em pleno 3º Milênio, só porque nenhuma das duas são obras domésticas.

Quem matou a charada foram os suíços, o único povo que nunca teve um rei: “é o contrario, cara-pálida; é o povo que tem de educar o governo e não o governo ao povo”.

Os direitos de iniciativa popular e de referendo de leis foram sistematizados nos cantões (estados) suíços na constituição de 1848 e estendidos ao nível federal nas reformas de 1874 e 1891: 

  • Todas as questões de importância passaram a ser “constitucionais” e decididas diretamente pela maioria do povo (um voto por pessoa) e dos cantões (um voto por estado) membros da federação, em referendos obrigatórios, seja de propostas dos legislativos, seja de propostas de iniciativa popular. 
  • As questões de importância secundária objeto de leis ou regulamentos ordinários, são decididas pelos parlamentos, reservado o direito do povo de desafiá-las em referendos opcionais

O resumo é que nem todas as decisões começam pelo povo, mas elas SEMPRE acabam nele, que tem SEMPRE a última palavra.

A Suprema Corte Federal suíça NÃO TEM o poder de anular leis federais porque todas elas, ou foram propostas e aprovadas, ou foram confirmadas em referendo diretamente pelo povo do qual realmente “EMANA TODO O PODER”.

Isso ensinou os governos a negociar cada um de seus passos e aparar cada aresta de suas propostas, sob pena de ser empurrado de volta para trás.

O resto é tapeação. Essa é a diferença que faz a democracia suíça muito superior até à americana, e do ”estado democrático de direito” brasileiro uma piada triste de gente primitiva quando não uma falsificação deliberada de golpistas.

Os americanos copiaram os suíços na primeira grande crise de sua receita de democracia para países do tamanho do Brasil na virada do século 19 para o 20, deixando fora do controle direto do povo apenas as leis federais, o que, mesmo assim, fez deles a maior potência que a humanidade já viu.

Muitos outros povos os seguiram. O resultado é tão fulminante para quem adota – as sociedades mais ricas e bem educadas do mundo (o que é consequência e não causa da adoção) – quanto para quem não adota (as mais miseráveis e oprimidas, como a brasileira), ficando pelo meio da escala quem adota apenas pedaços da receita.

O Brasil já está grandinho para andar com as próprias pernas. Nada mais, nos dias que correm, justifica negar a existência da única solução que funciona.

Eleições democráticas x eleições brasileiras – 1

23 de junho de 2022 § 13 Comentários

1212 candidatos à presidência da república dos Estados Unidos inscreveram-se na Comissão Federal de Eleições (FEC) para a disputa de 2020. 323 candidataram-se pelo Partido Democrata (D), 164 pelo Republicano (R), 65 pelo Partido Libertário (L), 23 pelo Partido Verde (V) e os demais por algum dos 420 partidos políticos registrados no país ou como “independentes”.

Para ser candidato a presidente dos Estados Unidos não é preciso pedir ordem a ninguém, salvo os eleitores/contribuintes das campanhas. Tudo que é exigido é que seja alguém nascido no país, com mais de 35 anos e nele residente ha pelo menos 14. O candidato pode declarar-se como tal quando quiser mas depois que tiver recebido US$ 5 mil em contribuições ou gasto um valor acima desse montante em sua campanha fica obrigado a registrar-se na FEC no prazo de 15 dias. 

Só a sociedade civil, por seus indivíduos ou instituições, pode financiar esses partidos e/ou campanhas. Os candidatos são obrigados a prestar contas minuciosas do quanto receberam de quem ANTES das votações decisivas, seja das primárias cuja etapa final para a eleição de novembro esta ocorrendo agora, seja das eleições finais. É esta a principal e quase única função da FEC, constituída por cinco gatos pingados. Cabe ao eleitor decidir quais doações comprometem quais candidatos e votar de acordo com sua conclusão.

Os passos seguintes variam de estado para estado e de partido para partido, com diferenças até, dentro do mesmo partido, de estado para estado. Cada um estabelece suas nuances no modo de pedir ou exigir dos eleitores o endosso a cada candidato nas sucessivas etapas das eleições primárias, com alterações que têm, como objetivo precípuo, eliminar a interferência dos “donos” dos partidos e concentrar a escolha cada vez mais diretamente nos eleitores.

No final do processo, quatro candidatos se tinham qualificado para disputar a maioria acima de 270 votos do colégio eleitoral: Donald Trump (R), Joe Biden (D), Howie Hawkins (V) e Jo Jorgensen (L). Sete outros cumpriram os requisitos para ter seu nome impresso nas cédulas de cinco estados ou mais. Nas cédulas de Vermont e Colorado estavam impressos os nomes de 21 candidatos a presidente cada. Arkansas e Louisiana vinham em segundo lugar com 13 candidatos nas cédulas. 12 estados tinham só três candidatos inscritos no quesito “Presidente da Republica”.

Além dos demais membros do Executivo e do Legislativo, os americanos elegem diretamente (e, dos estados para baixo, têm o poder de “deseleger” a qualquer momento por recall) também todos os funcionários públicos com funções específicas de fiscalização do governo, prestação de justiça e responsáveis pela educação pública tais como promotores, juizes, chefes de polícia, fiscais de contas públicas, membros dos conselhos de pais que mandam nas escolas públicas e outros, sempre seguindo essa mesma orientação geral de “derrubar as porteiras” de entrada e deixar para os eleitores – e não para os partidos e nem muito menos para os “nomeadores” – a decisão final de quem vai chegar à reta final com direito a pedir um voto decisivo ao conjunto dos eleitores. 

A lista dos funcionários a serem diretamente eleitos ou que podem ser nomeados, seja por alguém, seja por bancas também eleitas especificamente criadas para esse fim, muda constantemente ao sabor de leis de iniciativa popular que os eleitores refazem livremente a cada eleição. Cada cidade decide a sua.

Acompanha esse poder de propor leis que os legislativos são obrigados a tragar exatamente como lhes chegarem dos eleitores a menos que violem algum dos direitos fundamentais que constam da constituição federal, alem do poder de retomar a qualquer momento os mandatos de todos eles por qualquer razão que lhes der na telha, também o de rejeitar, pela convocação de um referendo, qualquer lei que os legislativos atirem sobre suas cabeças. São eles que têm a palavra final SEMPRE e EM TUDO, exceto nas leis e nos cargos federais cujo alcance é estritamente limitado a uns poucos assuntos.

Todos esses mecanismos os americanos copiaram da democracia suíça, a mais antiga do mundo moderno, vigendo desde 1290. Cometeram o erro de não estender esses poderes dos eleitores também à esfera federal, como têm os suíços, que podem propor alterações até na própria constituição a serem submetidas ao resto do eleitorado colhendo umas poucas assinaturas. Esse direito os americanos têm somente quanto às constituições estaduais e municipais, onde está inscrito tudo que extrapola os poucos direitos “imexíveis” enumerados na constituição federal. 

Os suíços, o único povo que jamais teve um rei em toda a sua história, convencidos pela longa experiência comum a todos nós de que a vaidade é o pecado preferido do diabo, aboliram até mesmo a figura do presidente da república. Elegem um board de cinco membros para fazer as funções que fora de lá ficam nas mãos de um único homem, deixando o resto da população refém do seu ego. Os americanos, por enquanto, só aboliram os prefeitos, trocando por boards à la Suíça os da maioria das suas cidades.

Democracia, nunca é demais repetir, não é um lugar definido de destino, é só um manual de regras de navegação.

Daí a americana, criada declaradamente para extinguir o sistema de privilégios “absolutos” que prevalecera até então, “fechar-se” no menor número possível de balizas deixando tudo o mais em aberto para evoluir, dócil às circunstâncias, na base do ensaio e erro. 

Nesse sentido vem perfeitamente a calhar o radical federalismo americano, também copiado dos suíços. 

Fora o pouco que está “congelado” na constituição federal – os direitos fundamentais à vida, à intocabilidade do que vai pelo pensamento e pelo coração e se expressa na fé e nas palavras de cada pessoa, à intocabilidade da propriedade amealhada com trabalho e dos instrumentos de defesa desses direitos fundamentais especificados nas 8 primeiras emendas à constituição federal e mais as regras do jogo do sistema dos três poderes independentes e harmônicos que “emanam” (pelo voto e só pelo voto) diretamente do povo – cada parcela desse povo nos estados e mesmo nas cidades ou nas comunidades ainda menores tem o direito e o poder de modificar (pelo voto e só pelo voto) toda as outras regras. 

Assim, da próxima vez que você se sentir tentado a chutar o povo brasileiro que “não sabe votar” e “escolhe as pessoas erradas”, lembre-se que a nossa “democracia” é uma falsificação grosseira que não nos dá o direito de escolher coisa nenhuma, senão dentro das escolhas da bandidagem que, desde 1500, continua lá, trancada no poder, e vá tratar de lutar para que a verdadeira afinal seja instalada entre nós.

O Brasil do jeito que o diabo gosta

1 de junho de 2022 § 12 Comentários

A “3a via” conseguiu morrer de inanição sentada à mesa de um banquete. O povo pede desesperadamente por algo em que se possa agarrar e nada se apresenta. Tudo é pretexto para qualquer aventureiro lançar mão da coroa, menos democracia, a que nunca houve mas todos juram querer “salvar”. 

O Vespeiro passou as últimas seis edições dando uma pequena amostra dos componentes do remédio que fez a humanidade saltar dois mil séculos em um. É tudo voto na veia: “o povo no poder”; “desestatização dos partidos políticos”, “das campanhas eleitorais”, “dos mandatos dos políticos, dos juízes e dos funcionários públicos”; “tiros no coração da corrupção”… 

Nenhum saiu da minha cabeça. São todos remédios consagrados pela História, em pleno uso nos países mais prósperos do mundo. Mas não pareceu interessante às pretensas excelências vender água no deserto. Tudo que têm a oferecer é mais areia… 

É desse caldo, que inclui todos os temperos menos o da escola, que se extrai, entre nós, o milagre da re-conversão de todo e qualquer tema banal já pacificado pelo resto da humanidade em uma nova guerra de religiões, onde só o que muda é a pontaria dos contendores o que, considerando que você é que é o alvo, faz uma diferença enorme. 

Bolsonaro, que gosta tanto de armas, atira muito mal. Zero de precisão numa seara em que o desvio de uma ênfase é o que faz acertar no diabo aquele que mira em deus. Adequadamente sovado, passa a reagir automática e generalizadamente a qualquer acontecimento que “confirme suas teses”como tem reagido às brutalidades e aos crimes dos policiais e dos desmatadores. E então erra até quando acerta. A exata mesma coisa, mas com menos má fé, que faz a esquerda, exímia praticante do tiro dialético, com os “equívocos” cometidos pelos “companheiros”, aí incluídos até os genocídios, ou com todo tema que possa ser criado ou distorcido para “atingir o inimigo”, da pan-demia à pan-inflação. 

É desses tropeços em cadeia que evoluímos dos confrontos com baixas de um lado só para as câmaras de gás de beira de estrada, e da torcida do “quanto pior, melhor” em matéria de inflação mundial para o ato deliberado de extorquir o favelão nacional solúvel em água, na pior “estação” da sua via cruxis, pela avalanche de impostos dos governadores e prefeitos em cima dos resgates exigidos pela Petrobras pela gasolina do motoqueiro morto de fome e o gás do fogãozinho da mãe deles nos barracos que resistirem às enxurradas.

É uma doença altamente contagiosa. Tenho amigos que enriqueceram como reis de pura perspicácia em não se deixar tapear e até parentes próximos que SEI que não estão lucrando nada ao fazê-lo, que deixam subitamente de raciocinar à simples menção da palavra “urna”. “Arma” então, produz uma apneia virtualmente irreversível do pensamento.

O Estado tem mesmo o direito de decidir se você deve ou não defender a sua e a vida das suas crias do ataque do predador, como o resto das criaturas de deus”? Na terra em que mais se assassina no mundo, onde “é de lei” cinco “saídas temporárias” da cadeia por ano para “ressocialização e reinserção” até de preso por assassinato de mãe, e onde ladrão de país é quem prende o juiz que ousar mandar prendê-lo, essa questão tão prosaica, antiga e objetiva, resolvida desde o Velho Testamento em seus limites de baixo e de cima, acaba facilmente “confundida”, no tiroteio desses dois, com uma conspiração para que o povo faça justiça com suas próprias mãos e, até, com um preparativo para um “golpe” armado…

A por baixo da questão das urnas, então, está filosoficamente pacificada ha pelo menos meio milênio e transformada em prática insofismável ha 255 anos. Se a função da revolução do poder eleito pelo povo, e não diretamente “por deus” como jurado por algum demiurgo, é legitimar o poder eleito pelo sufrágio universal acima de qualquer suspeita com a satisfação oferecida ao eleitorado da contagem pública dos seus votos expressos numa linguagem que ele possa entender, porque negar ao eleitor brasileiro aquilo que até a culta Alemanha exige, qual seja, que fique vetada a aferição dessa votação exclusivamente por uma confraria de técnicos escolhidos por demiurgos, numa linguagem de que nem esses demiurgos entendem um catso?

Releve-se que o juiz supremo desta eleição é o militante do MST cuja decisão monocrática pôs o Lula que o pôs na condição de fazê-lo fora da cadeia e de volta à eleição. Releve-se que ele é o mesmo que rebatizou como “tentativa de invasão armada” o atendimento pelas FAs do convite feito por aquele seu colega que a tudo responde com estrebuchos de paixão para testar e questionar a urna. Releve-se que os representantes eleitos do povo brasileiro, do qual “emana todo o poder”, como o resto dos representantes eleitos de todos os povos do mundo, determinaram por três vezes, no voto, desde 2006, que o voto eletrônico fosse acompanhado de um comprovante impresso, e que por três vezes os representantes eleitos exclusivamente pelo Lula para o STF desfizeram o que o povo brasileiro mandou fazer alegando sempre um motivo fútil (a saber, literalmente: a remota possibilidade de que uma única urna “enguiçada” revelasse a um único mesário quem é o dono de um único voto secreto). Releve até qualquer conclusão que você, pessoalmente, possa tirar desses fatos.

Porque uma medida tão elementar e universal de pacificação do país é convertida na discussão bizantina que põe 100 milhões de brasileiros contra 100 milhões de brasileiros se esganiçando sobre se já houve ou não alguma fraude no sistema que não permite aferir se já houve ou não alguma fraude, e essa conversão “cola” em gente de posse de suas faculdades mentais?

Diante desse quadro de falência múltipla dos miolos da Nação, o que nos resta é considerar que, historicamente falando, quando os bolsonaros vão embora levam com eles todos os traços de sua passagem. Já os lulas, ainda que se consiga extirpa-los do poder a que se aferram à custa de pesados e definitivos aleijões morais, deixam atras de si o funcionalismo dono do Estado, o MST dono das fazendas, um Legislativo apodrecido, um Judiciário “cancelado”, a fé em eleições destruída, uma educação montada para garantir sua imortalidade e esse STF transformado em milícia, aumentado dos 7 a 5 “dele” a que já chegou, para desmontar o país se tudo o mais falhar. 

Sob o signo da tecnologia do orgasmo instantâneo que exige que tudo se resolva em no máximo 140 caracteres, fica difícil romper o círculo do pensamento mágico em que dá voltas e trombadas a “3a via”, com qualquer quantidade de História das Idéias. 95 teses, então, nem pensar. A condição voltou, portanto, a ser a da Igreja de antes da Reforma: a Bíblia como única fonte autorizada de saber trancada nas “bibliotecas beneditinas” de Silicon Valley e só as “narrativas” do que estaria escrito nela pelas fontes autorizadas pelo papa em circulação.

O Brasil, senhoras, senhores e intermediáries, está do jeitinho que o diabo gosta.

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