O Brasil do jeito que o diabo gosta

1 de junho de 2022 § 12 Comentários

A “3a via” conseguiu morrer de inanição sentada à mesa de um banquete. O povo pede desesperadamente por algo em que se possa agarrar e nada se apresenta. Tudo é pretexto para qualquer aventureiro lançar mão da coroa, menos democracia, a que nunca houve mas todos juram querer “salvar”. 

O Vespeiro passou as últimas seis edições dando uma pequena amostra dos componentes do remédio que fez a humanidade saltar dois mil séculos em um. É tudo voto na veia: “o povo no poder”; “desestatização dos partidos políticos”, “das campanhas eleitorais”, “dos mandatos dos políticos, dos juízes e dos funcionários públicos”; “tiros no coração da corrupção”… 

Nenhum saiu da minha cabeça. São todos remédios consagrados pela História, em pleno uso nos países mais prósperos do mundo. Mas não pareceu interessante às pretensas excelências vender água no deserto. Tudo que têm a oferecer é mais areia… 

É desse caldo, que inclui todos os temperos menos o da escola, que se extrai, entre nós, o milagre da re-conversão de todo e qualquer tema banal já pacificado pelo resto da humanidade em uma nova guerra de religiões, onde só o que muda é a pontaria dos contendores o que, considerando que você é que é o alvo, faz uma diferença enorme. 

Bolsonaro, que gosta tanto de armas, atira muito mal. Zero de precisão numa seara em que o desvio de uma ênfase é o que faz acertar no diabo aquele que mira em deus. Adequadamente sovado, passa a reagir automática e generalizadamente a qualquer acontecimento que “confirme suas teses”como tem reagido às brutalidades e aos crimes dos policiais e dos desmatadores. E então erra até quando acerta. A exata mesma coisa, mas com menos má fé, que faz a esquerda, exímia praticante do tiro dialético, com os “equívocos” cometidos pelos “companheiros”, aí incluídos até os genocídios, ou com todo tema que possa ser criado ou distorcido para “atingir o inimigo”, da pan-demia à pan-inflação. 

É desses tropeços em cadeia que evoluímos dos confrontos com baixas de um lado só para as câmaras de gás de beira de estrada, e da torcida do “quanto pior, melhor” em matéria de inflação mundial para o ato deliberado de extorquir o favelão nacional solúvel em água, na pior “estação” da sua via cruxis, pela avalanche de impostos dos governadores e prefeitos em cima dos resgates exigidos pela Petrobras pela gasolina do motoqueiro morto de fome e o gás do fogãozinho da mãe deles nos barracos que resistirem às enxurradas.

É uma doença altamente contagiosa. Tenho amigos que enriqueceram como reis de pura perspicácia em não se deixar tapear e até parentes próximos que SEI que não estão lucrando nada ao fazê-lo, que deixam subitamente de raciocinar à simples menção da palavra “urna”. “Arma” então, produz uma apneia virtualmente irreversível do pensamento.

O Estado tem mesmo o direito de decidir se você deve ou não defender a sua e a vida das suas crias do ataque do predador, como o resto das criaturas de deus”? Na terra em que mais se assassina no mundo, onde “é de lei” cinco “saídas temporárias” da cadeia por ano para “ressocialização e reinserção” até de preso por assassinato de mãe, e onde ladrão de país é quem prende o juiz que ousar mandar prendê-lo, essa questão tão prosaica, antiga e objetiva, resolvida desde o Velho Testamento em seus limites de baixo e de cima, acaba facilmente “confundida”, no tiroteio desses dois, com uma conspiração para que o povo faça justiça com suas próprias mãos e, até, com um preparativo para um “golpe” armado…

A por baixo da questão das urnas, então, está filosoficamente pacificada ha pelo menos meio milênio e transformada em prática insofismável ha 255 anos. Se a função da revolução do poder eleito pelo povo, e não diretamente “por deus” como jurado por algum demiurgo, é legitimar o poder eleito pelo sufrágio universal acima de qualquer suspeita com a satisfação oferecida ao eleitorado da contagem pública dos seus votos expressos numa linguagem que ele possa entender, porque negar ao eleitor brasileiro aquilo que até a culta Alemanha exige, qual seja, que fique vetada a aferição dessa votação exclusivamente por uma confraria de técnicos escolhidos por demiurgos, numa linguagem de que nem esses demiurgos entendem um catso?

Releve-se que o juiz supremo desta eleição é o militante do MST cuja decisão monocrática pôs o Lula que o pôs na condição de fazê-lo fora da cadeia e de volta à eleição. Releve-se que ele é o mesmo que rebatizou como “tentativa de invasão armada” o atendimento pelas FAs do convite feito por aquele seu colega que a tudo responde com estrebuchos de paixão para testar e questionar a urna. Releve-se que os representantes eleitos do povo brasileiro, do qual “emana todo o poder”, como o resto dos representantes eleitos de todos os povos do mundo, determinaram por três vezes, no voto, desde 2006, que o voto eletrônico fosse acompanhado de um comprovante impresso, e que por três vezes os representantes eleitos exclusivamente pelo Lula para o STF desfizeram o que o povo brasileiro mandou fazer alegando sempre um motivo fútil (a saber, literalmente: a remota possibilidade de que uma única urna “enguiçada” revelasse a um único mesário quem é o dono de um único voto secreto). Releve até qualquer conclusão que você, pessoalmente, possa tirar desses fatos.

Porque uma medida tão elementar e universal de pacificação do país é convertida na discussão bizantina que põe 100 milhões de brasileiros contra 100 milhões de brasileiros se esganiçando sobre se já houve ou não alguma fraude no sistema que não permite aferir se já houve ou não alguma fraude, e essa conversão “cola” em gente de posse de suas faculdades mentais?

Diante desse quadro de falência múltipla dos miolos da Nação, o que nos resta é considerar que, historicamente falando, quando os bolsonaros vão embora levam com eles todos os traços de sua passagem. Já os lulas, ainda que se consiga extirpa-los do poder a que se aferram à custa de pesados e definitivos aleijões morais, deixam atras de si o funcionalismo dono do Estado, o MST dono das fazendas, um Legislativo apodrecido, um Judiciário “cancelado”, a fé em eleições destruída, uma educação montada para garantir sua imortalidade e esse STF transformado em milícia, aumentado dos 7 a 5 “dele” a que já chegou, para desmontar o país se tudo o mais falhar. 

Sob o signo da tecnologia do orgasmo instantâneo que exige que tudo se resolva em no máximo 140 caracteres, fica difícil romper o círculo do pensamento mágico em que dá voltas e trombadas a “3a via”, com qualquer quantidade de História das Idéias. 95 teses, então, nem pensar. A condição voltou, portanto, a ser a da Igreja de antes da Reforma: a Bíblia como única fonte autorizada de saber trancada nas “bibliotecas beneditinas” de Silicon Valley e só as “narrativas” do que estaria escrito nela pelas fontes autorizadas pelo papa em circulação.

O Brasil, senhoras, senhores e intermediáries, está do jeitinho que o diabo gosta.

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§ 12 Respostas para O Brasil do jeito que o diabo gosta

  • Como seu correligionário de ideias, hoje minha crítica vai para sua habitual “metaforarragia”… fico pensando como seria o mesmo texto com um pouco menos delas…

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  • Jeronimo Amaral disse:

    Fernão, O diabo tradicional não me assusta. Esse aí, porém, é o que tira o meu sono… J Jeronimo B Amaral 31-9-9725-8679

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  • Rubi Germano Rodrigues disse:

    A questão crucial é essa: por qual razão os supremos juízes não querem permitir a auditoria eficaz do Boletim de Urna pelo voto impresso? Quando o STE se recusa a responder a essa simples questão, parece justo e pertinente que o eleitor desconfie que algo esteja sendo tramado. Uma resposta convincente (se existir) apaziguaria os ânimos da nação, mas não, os responsáveis pela eleição querem que paire dúvidas sobre o escrutínio – que a Constituição determina: deve ser transparente. Dado que não se pode acusar os responsáveis de dementes, somos forçados a concluir que estão plantando ventos para colher tempestade, crendo que na tempestade terão vantagens que em tempo bom não desfrutam. Será isso?

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  • americomellagi disse:

    Acho muito a propósito o autor não citar Dilma. É para sabermos quem realmente manda. Bolsonaro somente foi eleito e provavelmente reeleito porque as opções são, no mínimo, tenebrosas

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  • Francisco Teixeira disse:

    Será que alguem acha que o Bozó está mesmo preocupado com a lisura das eleições (ou das rechadinhas)? Ou que ele aprendeu com o Trump foi criar confusão sobre contagem de votos (imaginem que potencial uma urna perdida na Amazônia!) de modo que ele provoque zona social e invasão de congresso assim como ele aprendeu com seu mito Trump?

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    • Fernão disse:

      Releve-se que o juiz supremo desta eleição é o militante do MST cuja decisão monocrática pôs o Lula que o pôs na condição de fazê-lo fora da cadeia e de volta à eleição. Releve-se que ele é o mesmo que rebatizou como “tentativa de invasão armada” o atendimento pelas FAs do convite feito por aquele seu colega que a tudo responde com estrebuchos de paixão para testar e questionar a urna. Releve-se que os representantes eleitos do povo brasileiro, do qual “emana todo o poder”, como o resto dos representantes eleitos de todos os povos do mundo, determinaram por três vezes, no voto, desde 2006, que o voto eletrônico fosse acompanhado de um comprovante impresso, e que por três vezes os representantes eleitos exclusivamente pelo Lula para o STF desfizeram o que o povo brasileiro mandou fazer alegando sempre um motivo fútil (a saber, literalmente: a remota possibilidade de que uma única urna “enguiçada” revelasse a um único mesário quem é o dono de um único voto secreto). Releve qualquer conclusão que você, pessoalmente, possa tirar desses fatos.

      Porque uma medida tão elementar e universal de pacificação do país é convertida na discussão bizantina que põe 100 milhões de brasileiros contra 100 milhões de brasileiros se esganiçando sobre se já houve ou não alguma fraude no sistema que não permite aferir se já houve ou não alguma fraude, e essa conversão “cola” em gente de posse de suas faculdades mentais?

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  • Andre Franco disse:

    excelente – as usual

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  • whataboy disse:

    Não entendo o sentido da crítica persistente à urna eletrônica, se a “cédula” que se oferece ao brasileiro é essa simplória, banal e sem cor. Muito melhor seria pisar e repisar que a urna eletrônica não oferece o básico da democracia, o ballot completo da eleição distrital pura, com todas as opções da consciência democrática que o Fernão estuda e apresenta aqui nesse blog. Continuar dizendo que a urna é Violável, quando esse risco já foi tantas vezes avaliado e reavaliado, parece uma estratégia muito pobre.

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    • Rubi Germano Rodrigues disse:

      Os conservadores brasileiros se perdem em filigranas e perdem o essencial. Deveríamos nos concentrar em um só mantra: “sem o voto impresso o Boletim de Urna não pode ser auditado” E virilizar isso.

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      • Fernão disse:

        Discordo, Rubi.

        O mantra deve ser “O VOTO DEVE SER IMPRESSO PORQUE O POVO DETERMINOU QUE ASSIM SEJA”, não importa se certo ou errado, com ou sem fraude, possibilitando ou não a auditoria.

        E FORA DO PODER JA!, que emana todo do povo e não existe sem ele, quem recusar as suas ordens.

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      • Fernão disse:

        Os passos de toda longa marcha começam pelo primeiro, Whataboy…

        E a questão do “não” na marra ao voto impresso envolve a primeira questão fundamental da democracia: quem manda em quem? a quem todo mundo deve respeito?

        No fazendão escravocrata brasileiro ainda entremeado de raros cacos de instituições democráticas, mandam os 11 eleitos do rei e o resto obedece. Do povo e seus eleitos, não “emana” poder nenhum.

        Ponto.

        O resto é ilusão para distrair otário. Que ninguém pense que será possível dar o segundo passo antes de dar o primeiro.

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  • Renato Pires disse:

    Nosso problema maior é a invasão cultural chinesa, perto da qual a invasão russa à Ucrânia é brincadeirinha inocente. Os chinas estão, sorrateira e sutilmente, comprando e controlando toda a indústria de comunicação e informação do ocidente, que passa a seguir as “orientações” de Xi Jiping e sua máquina partidária.

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