As 3as Vias e o avanço para o século 18
8 de abril de 2022 § 5 Comentários

Em 1534, movido pela volúpia, Henrique VIII inverteu o jogo. Livrou-se da sua espanhola, proibiu a única religião que proibia as demais e liberou todas as outras. E aquele raro tipo de gente luminosa que paga com orgulho as penas de não lamber as botas do poder acorreu do mundo todo para a Inglaterra.
O milagre da liberdade de crença e da livre convivência com a diferença pela primeira vez na história da humanidade levou os filósofos ingleses a proclamar a censura como a arma exclusiva das ditaduras reacionárias que sempre foi e elevar a tolerância à condição de única regra inegociável da convivência humana.
E a Inglaterra conquistou o mundo…
Ironicamente, foi do surto autoritário de Henrique VIII que acabou resultando a democracia.3 (depois de Atenas e de Roma), o que sem duvida vale um “Deus escreve certo por linhas tortas”.

Menos para o Brasil…
Com uma eleição pela frente neste 2022 de todas as crises, a Terra de Santa Cruz continua no século 17, namorando aquele 16 em que a censura ainda se dava ares de santidade. Temos candidatos homens que se sentem homens e candidatas mulheres que se sentem mulheres, temos candidatos homo e candidatos heterossexuais, temos candidatos de calça justa e candidatos de calça frouxa, temos candidatos “mauzinhos” e candidatos “bonzinhos”, temos até candidatos que se declaram a favor e candidatos que se declaram contra a corrupção.
Tudo “muito moderno”!
Mas não temos nenhum candidato que pregue o governo do povo, pelo povo e para o povo em que navega o mundo que não deu decididamente errado desde o século 18.

A privilegiatura dona do Estado, da qual todos eles são filhos, financia a prole dos nossos candidatos a “representantes do povo” como boa mãe que é, com o que ficam todos eles igualmente emancipados de qualquer compromisso vinculante com a ralé do favelão nacional que luta por um lugar ao sol no século 21 com o suor do próprio rosto, sem garantia de emprego eterno, reajuste de salário por decurso de prazo e aposentadorias precoces e cheias, chova ou faça sol.
Todos mentem desbragadamente em mau português e acusam-se mutuamente de fazê-lo. E estão certos, mentiras que são de cabo a rabo, cada um deles, senão pelo mais, pela “representação” de que fingem ser portadores sem as ter. Mas, curiosamente, só os que carimbam em inglês a mentira dos vizinhos – de “fake news” – provocam respostas do “tribunal” também de mentira que substituiu o Poder Judiciário e revogou a constituição e as leis escritas e votadas no ensaio de democracia à brasileira.

A desonestidade ostensiva e assumida dessa nata da privilegiatura, por outro lado, dispensa os mentirosos menos agressivos que eles atacam com um ódio furioso e incontido, de propor o que quer que seja que diga respeito à ralé que compulsoriamente e sem alternativas é chamada a “elegê-los”. Basta, a uns, prometerem que não são os outros para que os milhões de eleitores desarvorados refugiem-se num “lado” ou no outro.
O “debate eleitoral” fica, assim, reduzido a um mutuo “eu não sou eles”.
Os alinhamentos e desalinhamentos a esses “lados” produzem-se segundo uma curiosa “luta de classes” travada dentro dessa privilegiatura que tem vago parentesco com aquelas em que se divide a camada dos sem privilégio imensos degraus abaixo na escala de Gini aqui fora.

As polícias, as forças armadas e, abaixo destes, os professores e os médicos a serviço da ralé do Brasil Real constituem o lumpen desse Brasil das “excelências”. São elas o “núcleo duro” da “direita da privilegiatura”. E nas altas esferas do Judiciário e do Legislativo, que acumulam as fortunas maiores e mais antigas feitas à sombra do “Sistema”, e nas dos nomeados e protegidos destes, os professores das universidades públicas frequentadas pelos filhos dos donos do Brasil Oficial mais os “simpatizantes” que lhes tomam carona no mundo das artes, como em todas as cortes desde sempre, enraiza-se o “núcleo duro” da “esquerda da privilegiatura”.
Ha ainda uma “classe média” quase meritocrática, a dos tecnocratas concursados cujo poder reside na capacidade de operar a máquina do Estado e, portanto, de chantageá-lo, momento a partir do qual passa a repudiar a meritocracia. É dessa beirada que nasce essa “3a Via De Mentira” que faz as vezes de “centro da privilegiatura”.

O inimigo comum de todos é, no entanto, o governo do povo, pelo povo e para o povo e o estado democrático de direito que implicam, por definição, o fim do privilégio. Foi para revogá-lo que surgiu a 3a Via Que Existe, chamada democracia, inventada precisamente para por o povo mandando no governo por meio da apropriação definitiva dos mandatos com a instituição do recall, e dos poderes de fazer ou revogar leis pelos instrumentos da iniciativa e do referendo popular.
É por isso que para candidatar-se a tornar-se membro da privilegiatura, as atuais regras eleitorais brasileiras exigem o ato formal de repudio à democracia em que consiste a “criação” ou a “adesão” a um “partido político” sem povo sustentado exclusivamente pelo Estado.
O resultado é acachapante.
Os 8 anos de “fora FHC” não feriram fundo o bastante a sensibilidade dos que hoje gritam “fora Bolsonaro” na esquerda da privilegiatura. Alckmin, o autoproclamado canalha – é lamentável não poder esquecer o fato – sucedeu FHC em pessoa no processo de vassalagem do PSDB ao lulismo.

Apontar o sistema chinês como modelo, prometer o “revogaço” de todas as reformas de domesticação do Estado (trabalhista, da previdência, privatizações…), reinstituir oficialmente a censura, voltar a financiar as ultimas ditaduras do mundo com o dinheiro do favelão nacional, nomear o MST juiz inapelável do direito de propriedade no país que sobrevive do agronegócio, substituir o que resta de culto à ciência pela estatização da família e a pregação dos ódios de raça, de classe e de gênero nas escolas do país inteiro, trocar definitivamente as leis que estão escritas, ainda que mal, pelas passadas on demand no forno sempre quente dos “monocratas” plantados no STF, corrigir o “erro” de não ter cooptado ainda as Forças Armadas para que não haja volta, nenhuma dessas promessas juramentadas da blitzkrieg do lulismo da cadeia para a Presidência da Republica demoveu o “presidente acidental” de abraçar Lula antes de Geraldo Alckmim.
Toda essa gente e sua imprensa, como provam as trôpegas desventuras da “3a Via De Mentira”, está definitivamente “suicidada”. A esperança que resta é de o eleitorado, finalmente, varrer de uma vez para sempre de cena a igreja que proíbe todas as outras de governar. Então talvez o Brasil se acalme, possa haver alternância no poder sem terrorismo e terra arrasada, e o país ingresse, finalmente, no século 18.

Primárias do PSDB e outras candidaturas ôcas
29 de novembro de 2021 § 32 Comentários

Ainda que eleições primárias diretas tenham ocorrido aqui e ali nas colônias americanas tão cedo quanto 1840, o sistema só começou a se generalizar na virada para o século 20. A reforma para torná-las obrigatórias, uma batalha que de certa forma ainda está em curso nos Estados Unidos, foi extraída a fórceps dentro do movimento de resgate da democracia americana das garras da corrupção em que a tinha mergulhado a combinação do “pecado original” dos “fundadores” de blindar os mandatos dos políticos eleitos enquanto durassem (4 anos) com o advento das revoluções concomitantes industrial e gerencial numa sociedade agrária institucionalmente despreparada para enfrentar os novos desafios.
Os Estados Unidos eram ainda apenas as colônias da costa do Atlântico quando as ferrovias – como hoje a Amazon com relação ao mercado global – “abriram” todo o resto do continente até o Pacífico, tornando-se, no entanto o único canal de acesso a esse imenso cabedal de riquezas, assim como de escoamento para o mercado consumidor de tudo que nele pudesse ser produzido.

Isso propiciou que empresários inescrupulosos mancomunados com políticos mais inescrupulosos ainda, que elegiam e reelegiam com seus inesgotáveis rios de dinheiro, se unissem para esmagar e açambarcar concorrentes negando-lhes transporte e servindo-lhes leis de encomenda, criar monopólios e fortunas nunca antes sonhadas, maiores que o PIB da maioria dos países, história a que você, leitor, poderá ter acesso em detalhes inscrevendo os termos “Progressive Era”, “Theodore Roosevelt”, “democracia direta” ou “antitruste” no quadro “Pesquisa” deste Vespeiro, no alto à direita desta mesma página.
Bebendo na fonte da democracia suíça que precedera a americana em quase meio milênio, a imprensa democrática e os reformadores da Progressive Era (1890-1920) importaram os remédios da democracia direta que lá se praticava. As ferramentas da iniciativa e do referendo popular de leis abriram a possibilidade de passar leis sem o concurso dos legislativos controlados pelas máfias partidárias corruptas e isso projetou a democracia moderna para um novo patamar.

O estado do Oregon foi o primeiro a conseguir implantar a iniciativa e o referendo em 1902 e, com eles nas mãos, impôs aos políticos também o recall em 1908. Com essa trinca poderosamente desinfectante nas mãos o povo do Oregon foi o primeiro a instituir eleições diretas para o Senado estadual, até então eleito indiretamente, e primárias diretas para presidente. A Califórnia logo copiou o “Oregon System” e abriu a corrida nacional para empurrar o povo mais para cima na hierarquia do poder.
Tão cedo quanto 1917 todos os estados menos quatro, onde a soberania do povo passara a ser cada vez mais direta e absoluta, já tinham adotado primárias diretas para todas as eleições estaduais e municipais. Não eram mais os donos dos partidos, eram diretamente os eleitores que decidiam quem podia ou não candidatar-se a qualquer cargo. É esse conjunto, que resultou no golpe de morte na espinha dorsal da cadeia de lealdades que sustentava a corrupção, que explica o enriquecimento exponencial do povo americano ao longo do século 20.

Para estender esse direito ao âmbito federal é que começou, no entanto, o braço de ferro com os partidos que escondiam-se atras da dupla soberania dos estados e da União e da omissão da constituição a esse respeito que continua a ser o diferencial que põe a democracia americana ainda para trás do seu modelo suíço.
A resistência – política e judiciária – foi feroz.
A primeira e maior das porteiras foi, no entanto, arrombada com a abertura às candidaturas independentes, algo impossível de contestar num regime que pretendesse continuar merecendo o qualificativo de “democracia representativa”. Com variações entre os estados, hoje qualquer cidadão americano pode candidatar-se a presidente – e daí para baixo a qualquer coisa – e ter seu nome figurando na cédula que chega ao eleitorado apenas colhendo assinaturas de eleitores (no limite mais alto, 1% dos votos necessários para eleger um deputado federal) sem ter de pedir licença a mais ninguém, ou montando um novo partido, operação ainda mais fácil desde que se tenha respaldo de eleitores.

Até os anos 1970s somente metade dos estados americanos tinha conseguido instituir primárias obrigatórias para presidente da república. Hoje elas acontecem em todos os estados mas cada partido, em cada estado, resolve como faz as suas. Ha “primárias fechadas” em 13 estados. São como as do PSDB. Só membros registrados do partido podem propor e votar em candidatos. Há “primárias semi-fechadas” em 15 estados, em que membros inscritos em cada partido podem votar só nos candidatos dos seus partidos mas o resto do eleitorado não filiado a partidos também pode votar nas primárias dos outros partidos. Somente 14 estados têm “primárias abertas” com todos os eleitores podendo votar em qualquer primária de qualquer partido. E ha ainda outras variações…
Assim, ainda que seja altamente improvável alguém conseguir eleger-se num pleito nacional sem apoiar-se na estrutura de um grande partido, não é impossível. E essa possibilidade torna todos os candidatos bem mais humildes e “client oriented“. E tudo, claro, sempre obedece rigorosamente ao sistema de eleição distrital pura. A proporção de votos recebidos por cada partido em cada distrito é obrigatoriamente reproduzida pelos delegados das convenções com direito a voto nas primárias partidárias.
Como já foi tantas vezes explicado neste site, a FIDELIDADE DA REPRESENTAÇÃO é a única coisa inegociável da democracia americana na qual todo poder DE FATO “emana do povo”. Tudo permanece, portanto, sempre em aberto, mudando ao sabor das leis de iniciativa dos eleitores que eventualmente forem aprovadas em cada estado a cada ano. O que é decisivo é que as alterações do modelo vêm sempre de baixo – dos eleitores – e são impostas partido acima – aos políticos – e não o contrário como acontece nesse nosso esdrúxulo sistema de “governo do povo” (“democracia”) sem povo.

Fica a seu critério, portanto, avaliar se as primárias para “escolher” o candidato a presidente do PSDB entre as opções previamente postas pelos “donos” do partido em disputa entre si têm, como as americanas, o sentido de livrar o partido dos seus caciques e submeter-se à vontade dos eleitores, ou se é apenas mais um expediente “murístico” dos “tucanos raiz” para não ter de afirmar em voz alta o seu horror a João Dória numa conjuntura de deserto de talentos em que fica muito difícil atacá-lo pelo, digamos, “excesso de competência” que justifica a figadal rejeição que ele sofre por parte de um enorme contingente do eleitorado nacional.
O que quer o PSDB, afinal, é o melhor presidente ou o melhor candidato para levá-lo de volta ao poder, qualquer que seja ele? Pôr o povo no poder ou manter o seu poder sobre o povo?
O que se pode saber com certeza desde já é que, como todos os outros ensaios de “3a via” que se insinuam por aí, nenhum dos quais tem qualquer proposta para desentortar o sistema político e eleitoral que aleija o Brasil, tudo que o PSDB oferece à consideração do eleitorado nacional é mais um entre três “eus” possíveis como única garantia dos resultados todos que só a democracia pode produzir mas que o PSDB, como todos os demais, promete entregar só pelos belos olhos do seu candidato, sem submeter-se à democracia.
Esta – que não haja mais enganos depois de tantos! – só se instala quando o povo manda no governo. E o povo só passa a mandar no governo quando conquista os poderes do recall, da iniciativa e do referendo de leis e se torna dono dos mandatos dos políticos revogáveis a qualquer momento.
Aí, sim, eles passam a trabalhar PARA O POVO. O resto é tapeação.

O horror do Brasil ao povo
14 de setembro de 2021 § 39 Comentários

Em 7 de setembro já tinha notado que o povo brasileiro, sempre muito melhor que suas elites, tinha sido tão ululantemente veemente com sua presença nunca antes tão maciça nas manifestações contra a ditadura que há quanto com sua ausência nas avermelhadas bateções de bumbo a favor da ditadura que a esquerda gostaria que houvesse.
O estrondoso fiasco de domingo passado – de que o PT está tentando livrar-se desde que o pressentiu no estrondoso fiasco da sua prévia do Dia da Independência – veio para confirmar: o povo brasileiro não tem nada de bobo, apenas é tratado como tal impunemente em função da síndrome de imunodeficiência democrática crônica que lhe tem sido instilada à força nas veias e o mantem exposto a infecções oportunistas recorrentes por todo tipo de agente patológico da baixa política.
Este domingo provou que ultrapassamos o marco da imunização de rebanho. Pode a imprensa-turba repetir à exaustão os seus bordões importados ou domésticos e agredir os fatos ao vivo e a cores – “O STF é o defensor do estado de direito”, “É Bolsonaro quem agride o STF”, “A impossibilidade de auditar o sistema eleitoral é a prova de que nunca houve fraude”, “Foi o congresso quem decidiu soberanamente contra a pequena minoria que desconfia da máquina de votar”, “A economia está fracassando porque Paulo Guedes não faz reformas”, “Havia 125 mil pessoas na Paulista em 7 de setembro” e por aí afora – que ninguém mais lhe dá ouvidos.

O que explica a resiliência do bolsonarismo passado, presente e futuro é essa desonestidade assumida e explícita do antibolsonarismo. A ditadura preventiva do STF finalmente deu uma bandeira “elevada” ao movimento, mas foi a ladroagem, nada mais que a ladroagem, do lulismo que o gerou e o pôs no poder sem a necessidade de proferir qualquer tipo de discurso propositivo. Agora com Alexandre de Moraes prendendo e arrebentando e o Trio Assombro da CPI torturando a verdade ao vivo na TV, ganhou um de inesperada grandeza: o de “defensor das liberdades democráticas”. E estão aí os presos políticos atras das grades e a censura comendo furiosa na mídia eletrônica para não deixá-lo mentir.
Quanto Bolsonaro sonha com democracia ou sabe do que se trata não importa. Está pau-a-pau com o resto do Brasil.
O PT aposta no silêncio sem facada. Trabalha furiosamente para melhorar o pior na esperança de que novembro de 2022 chegue com o país exausto e a apenas um passo do desastre final, mas quieto. Quer um Brasil esquecido de quem é Luis Ignácio Lula da Silva. A ordem é mante-lo mudo em sua toca, mas não é fácil. “Se eleito, vou censurar a imprensa … vou proibir privatizações … vou aumentar impostos … vou prender opositores como o democrata Fidel”… Escreveu não leu vem com uma dessas o velhote. Mas sempre atrasado. Alexandre de Moraes e os governadores sacam muito mais rápido que ele.

A imprensa-turba continua exigindo censura, linchamentos e autos-de-fé. Mas com a repercussão que se viu domingo. Ninguém a leva mais à sério. E as OABs e as Fiesps já não sabem mais o saco de quem puxar.
Não ha 3a Via porque ninguém propôs uma 3a Via. 3os nomes, sim, tem um monte querendo o poder. Estavam todos – um mais bizarro que o outro – de frente para o fiasco de domingo “sendo contra a direita” ou “sendo contra a esquerda”, mas sem propor nada de diferente do que uma ou outra ja nos deram.
Nós já experimentamos as duas com todos os tipos de molho e deu sempre a mesma merda. Falta tentar o povo. Democracia é sobre limitar a quantidade de poder a que qualquer indivíduo pode legalmente ter acesso na política e na economia. Parte do pressuposto que o poder corrompe sempre e corrompe mais absolutamente quanto mais absoluto for. Por isso trata de aumentar a concorrência na economia e, poder político absoluto mesmo, só dá ao povo como um todo, com aquela característica que ele tem: metade está sempre contra a outra metade e o ponteiro do meio é sempre muuuito móvel.
Mas no Brasil isso nem começou. O povo está fora do poder e portanto a política trabalha para aumentar o poder dos monopólios e os monopólios para aumentar o poder da política. O povo nem existe, aliás. Para brasileiro, não importa a classe social, “povão” é sempre “o outro”. E ninguém, nem ele mesmo, quer colocar esse “outro” pra dentro.

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