Como implantar a democracia no Brasil?

20 de outubro de 2021 § 7 Comentários

Como a pergunta tem sido recorrente republico como matéria, para dar-lhe maior visibilidade, com dois ou três acrescentamentos, as perguntas e as respostas dadas a um leitor do Vespeiro:

Dênio

19 de outubro de 2021 às 09:36

Fernão, tenho algumas dúvidas:

– a Constituição americana já previa o atual sistema eleitoral deles via voto distrital puro e tudo, aí incluso as eleições também de funcionários públicos tipo juízes, diretores de órgãos públicos, etc?

– no nosso caso, qual seria o caminho para implementar o sistema eleitoral (tropicalizado) americano e suíço?

– com nossa Constituição é possível?

– via PEC?

Fernão

19 de outubro de 2021 às 10:20

Não, Dênio.

A constituição federal deles tem 7 artigos que definem: 1) os três poderes e seus limites e as relações entre eles, 2) a quem (“we the people”) tudo deve se referir, 3) a natureza da União (federalista) e os limites das relações entre os estados e ela. Tem ainda 28 emendas das quais as 9 primeiras especificam alguns direitos essenciais dos cidadãos (de propriedade, da inviolabilidade do lar, de liberdade de crença e expressão, de ter o devido processo, etc., que são chamadas Bill of Rights). As demais tratam de questões pontuais.

Só essas regras são “imexíveis”.

Todo o resto pertence às constituições estaduais e municipais que podem e até se obrigam a ser reformadas periodicamente, sempre com aprovação final de todo o povo afetado por cada uma.

É nelas que se consolida e detalha o sistema distrital, que de certa forma sempre existiu porque primeiro formaram-se as comunidades-municipais/colônias-originais, de organização democrática espontânea (semelhante à provida pelas Câmaras Municipais das colônias originais do sistema português), que se uniram em estados que, mais além, uniram-se à federação.

A diferença fundamental é que a deles era uma sociedade de proprietários (todo cidadão livre que ia para a América do Norte ganhava a propriedade de um pedaço de terra) e todos foram alfabetizados desde o início, e aqui só havia 13 “capitanias hereditárias” doadas pelo rei e cuida-se até hoje de manter o povo na ignorância.

Mesmo assim, lá os elementos de controle e democracia direta foram sendo aperfeiçoados por leis de iniciativa popular, principalmente da virada do século 19 para o 20 em diante, no nível estadual para baixo. Não entraram no nível federal porque os founding fathers reunidos na Filadélfia decidiram não contemplar o problema. Naquele momento (1787), saindo da guerra da independência contra a Inglaterra falidos e precisando estabelecer-se num mundo adverso ainda dominado pelas monarquias absolutistas, eles não podiam dar-se o luxo de complicar as adesões e arriscar a dissolução do país em mini-estados como aconteceu com as colônias espanholas.

Se me coubesse escolher eu implantaria o recall, iniciativa, referendo e eleições de retenção de juizes a partir da instância municipal por um período de duas ou três rodadas eleitorais, para treinar o povo, mas já com o compromisso de estende-los ao nível estadual e até federal mediante referendos previamente marcados para uma data adiante.

Não sou especialista mas acho que, sim, com nossa constituição é possível fazer isso. Nos fundamentos ela já define que todo poder emana do povo e inclui até a figura da lei de iniciativa popular. Só precisa ser emendada na parte do “em seu nome será exercido” para deixar claro que a última palavra deve ser sempre do povo e o que ele decidir as “excelências” – adjetivo que será obviamente banido se e quando formos uma democracia – não poderão emendar nem regulamentar de forma desfigurativa (o que fica garantido pelo direito de submeter a referendo as leis feitas por elas). Claro que daí por diante teria de haver uma reforma constitucional mais ampla, até para eliminar os muitos “preceitos constitucionais” que, desde já, são flagrantemente inconstitucionais (contraditórios com os princípios afirmados) e para devolver aos estados e municípios o que deve ser só da conta deles. Mas isso aconteceria processualmente, pela prática continuada do novo sistema, que é um sistema de reforma permanente…

Os caminhos técnicos e jurídicos para o start podem ser vários mas o essencial é a idéia ser comprada pelo povo e ele encontrar os meios de deixar claro que sua decisão a favor do novo sistema é firme e irreversível. Mesmo no Brasil, os políticos acabam fazendo aquilo que o povo deixa claro que quer e exige que eles façam.

O problema concreto é, portanto, muito mais furar a censura para impedir que os brasileiros saibam o que é democracia do que levá-lo, depois de conhecê-la, a exigir sua implantação como exigiram todos os povos que chegaram a conhecê-la.

Trocar o poder de dono

29 de agosto de 2017 § 46 Comentários


Artigo para O Estado de S. Paulo de 29/8/2017

Fundo Especial de Financiamento da Democracia?! “Fundo” e “democracia” são conceitos mutuamente excludentes. “Representação” é o nome do jogo e representação é identificacão, o único caminho para a responsabilização. Um “fundo” não é ninguém. Apaga as individualidades. A antítese da representação. Desliga o fio terra do “sistema”. O poder sobe um degrau e passa a emanar diretamente dos caciques. Nós num mundo, eles no outro. Nenhuma relação de dependência.

Cada tostão desses R$ 3 bi e 600, ou seja lá a quantos eles forem reduzidos depois que tirarem o bode da sala, irá direto para os donos dos partidos que decidirão exatamente como quiserem quem pode ou não aparecer na urna e quanto cada escolhido vai ter para gastar com sua candidatura. Esse é o problema real. A ditadura dos caciques. Se não elegessemos nenhum dos políticos que estão aí teríamos, de qualquer maneira, de eleger os que só entraram no páreo por se terem composto com eles.

É preciso matar essas serpentes no ovo. Devolver o poder às bases. A incubadora de caciques é o Fundo Partidário, o filhote temporão do Imposto Sindical. Os donos de partidos entram no jogo só porque o ato de entrar no jogo já lhes põe uma bolada no bolso à vista e mais um tempinho de TV “gratuito” para ser vendido a prazo a quem já é cacique ha mais tempo. “Dá-se dinheiro”. Entre “partidos” já criados e os que aguardam na fila 102, por enquanto, atenderam esse apelo insidioso que vem lá do getulismo. É como o sindicalismo pelego. É como o trabalhismo de achaque: “Traia, minta, falseie que o governo garante”. Impossível não acabar no desastre em que está acabando.

Não ha desbaste tópico capaz de limpar o que começa assim. Tem de arrancar o mal pela raiz se quisermos pensar em voltar para dentro do mundo. Só que está tudo amarrado. O acumpliciamento que se impõe como ato inaugural de toda carreira política, na hipótese menos ruim, torna impotente quem tiver pago esse preço por falta de alternativa e esteja disposto a resistir ao sistema. Torna todo mundo denunciável pelo simples fato de estar lá.

Olhando só para trás não há saída disso. Por isso todo o barulho que se faz é para que olhemos só para tras. É preciso abrir uma saída para a frente. Um novo contrato que se possa assinar com resgate a curto prazo. O Brasil está enredado numa confusão básica de conceitos e quanto mais se debate mais enredado fica. “Corrupção” é uma palavra que induz a erro porque pressupõe alguma coisa que antes estava íntegra e estragou-se quando a verdade histórica é que isso que chamamos de “corrupção” não é o desvio, é o padrão da espécie. Nunca houve o “bom selvagem”. Submeter o outro pela força e alimentar-se dele é como é na selva. Chegou até aqui quem melhor fez isso. E o estado não é senão a força ancestral para subjugar o outro organizada para ser exercida mais avassaladoramente sobre mais gente e por mais tempo. Foi assim que ele nasceu. Foi para isso que foi inventado. É isso que ele continua fazendo aqui.

O estado brasileiro é a fronteira do privilégio. Quem está dentro tem, quem está fora não tem. A democracia é que é o antídoto. O artifício criado para desviar o estado do padrão natural ao qual ele retorna a menos que haja uma pressão constante em sentido contrário.

Todo o poder emana do povo”? Aonde, cara-pálida? Todo o poder tem de passar a emanar do povo. Esse descalabro todo não é mais que déficit de democracia. O problema é que não ha memória dela entre nós. O Brasil só conhece déspotas ignorantes e déspotas esclarecidos. As pessoas não sabem exprimir mas essa apatia tem causa. Dentro e fora da política, protagonistas ou “especialistas”, quem pede mais pede o “mais ou menos”, o “semi”, o “misto”. Isso não mobiliza ninguém. Todo mundo sabe que é nada.

Não existe meia democracia! Ou entregamos o poder ao povo, o que não dá para fazer pela metade, ou ele continuará sendo dos bandidos. É simples assim.

A Lava-Jato é o pé enfiado na porta que se entreabriu do crime entrincheirado no estado. Manter mais que duas instâncias de julgamento leva diretamente para onde isso nos trouxe. 28.220 assassinados nos primeiros seis meses deste ano na ponta ensanguentada, e o que Curitiba tem mostrado e Brasília reconfirmado na ponta enlameada da impunidade. Não haverá remissão sem esse freio.

Mas a Lava-Jato só alcança o produto. Para cuidar da fábrica é preciso mudar o país de dono. A receita é velha e infalível. Para quebrar o poder dos caciques, eleições primárias diretas. Para baixar o custo da participação e amarrar representantes a representados, voto distrital puro. Para submeter uns à vontade dos outros, “recall”. Para ter a lei a nosso favor, referendo dos atos dos legislativos.

E para que nada disso vire golpismo, federalismo. A cada distrito o seu representante. A cada município tudo que pode ser feito num só município (as obras, a educação, a segurança publica, os impostos para esses serviços). Aos estados só o que envolver mais de um município (as estradas, o saneamento). À União só o que não puder ser resolvido pelos outros dois.

É infalível. Com cada um cuidando da sua casa a roubalheira cai a zero. Você fica à prova de Trump. O erro passa a se chamar experiência.

Essa nossa crise permanente é filha do “direito adquirivel”. É o privilégio que requer o imobilismo. A vida não. Na meritocracia erro é valor. Você erra, volta, erra de novo, até acertar, e isso não te mata.

A única “cláusula pétrea” deveria ser a que proibe todo tipo de petrificação. Enquanto restar aberta uma única porta para o privilégio o país inteiro entrará na fila, uns comprando, outros vendendo, o resto sangrando. Ladrões, “concurseiros” e escravos. Não ha como evitar. Sem o direito de corrigir cada erro assim que percebido, seremos 210 milhões na mão dos 513, os 513 na mão dos 11, e a Venezuela pairando no horizonte.

Primárias, voto distrital puro, “recall”, referendo. Trocar o poder de dono é a reforma que abre as portas a todas as outras; a revolução em conta gotas, sem sangue e sem dor.

Notícias da democracia – 1

20 de junho de 2017 § 16 Comentários

Representação e eleições especiais

Como já mencionei em matéria anterior, não se elege “suplentes” para nada nos Estados Unidos. A fidedignidade da representação das pessoas, e não dos estados ou de qualquer outra entidade abstrata ou paisagística como acontece no Brasil, é a essência do sistema democrático e, portanto, nada nesse processo pode ser delegado. Só o eleitor põe e só o eleitor depõe. E somente com o sistema de eleição distrital pura, onde cada pedacinho do país perfeitamente delimitado e com eleitores identificaveis nome por nome, elege um único representante, é possível garantir a absoluta fidelidade dessa representação.

Em maio passado o republicano Jason Chaffetz, eleito pelo 3º Distrito do estado de Utah, que compreende cinco municípios e mais uma parcela de Salt Lake City, para o Congresso Federal em Washington, anunciou que renunciaria ao seu mandato em 30 de junho próximo. Isso disparou o processo de “eleição especial” para a sua substituição que teve início com convenções dos partidos no ultimo fim de semana e passará ainda por uma eleição primária em 15 de agosto e por eleição direta em 7 de novembro.

Utah está dividido em 4 distritos eleitorais com cerca de 700 mil habitantes cada (o mesmo numero, aproximadamente, de todos os outros distritos do país inteiro para eleições para o Congresso Nacional) e, portanto, elege 4 representantes federais (alem de dois senadores).

Outra preocupação central da democracia americana é derrubar as porteiras de entrada na política. Na virada do século 19 para o 20, o controle dessas porteiras por velhos caciques políticos mancomunados com os famigerados robber barons, empresários cujo poder de corromper crescia exponencialmente com a proteção que compravam aos políticos cuja eleição financiavam, exatamente como os nossos “campeões nacionais”,  tinha mergulhado a democracia americana num círculo vicioso que levou o país a crises sucessivas e quase liquidou com o regime pela desmoralização.

Desde então, com a adoção, cidade por cidade, estado por estado, de ferramentas de democracia semi-direta como “recall” ou retomada de mandato, referendo e leis de iniciativa popular, reformas sucessivas vêm aperfeiçoando o sistema pelo país afora.

Respeitadas as regras nacionais que definem o tamanho e os limites de cada distrito eleitoral e as regras de controle e prestação de contas dos gastos de campanha, os eleitores de cada estado podem inventar o seu próprio jeito de escolher seus representantes. Em Utah, desde 2014, além da escolha pelos delegados de cada partido que seria o “caminho normal” para uma indicação a uma candidatura, qualquer outro filiado que apresentar 7 mil assinaturas válidas terá de ter sua candidatura apreciada pelos convencionais do seu partido, mesmo que eles não o tenham escolhido espontaneamente. É uma regra “anti-caciquia”, por assim dizer.

Para candidatos independentes dispostos a tentar a sorte sem contar com a força eleitoral dos partidos estabelecidos o caminho é ainda mais desimpedido. 300 assinaturas válidas de eleitores do distrito em jogo permitem que ele concorra na eleição final. As eleições municipais, como já expliquei em outros artigos, são apartidárias. Concorre quem quiser.

Um total de 21 candidatos declararam sua intenção de concorrer a essa “eleição especial” de Utah entre eles 13 filiados ao Partido Republicano e tres ao Partido Democrata. Sábado passado esses partidos fizeram convenções para fazer a primeira seleção dos seus candidatos à vaga. O candidato democrata ficou definido em uma única votação. O republicano precisou de cinco até que um único candidato obtivesse a maioria. O Partido Libertário e o Partido Independente locais também escolheram representantes. Outros dois candidatos sem partido qualificaram-se pelo sistema de coleta de assinaturas.

Utah não fazia uma eleição especial para preenchimento de vagas desde 1930. E o 3º Distrito tem eleito republicanos em sequência desde 1998 por margens superiores a 25%. Mas isso expressa a exata vontade dos seus eleitores. Como se pode ver pelas regras descritas, as portas estão abertas para quem quer que queira se oferecer a eles.

Neste ano de 2017 esta é a sexta eleição especial convocada em todo o país para a substituição de congressistas.

* Na medida da oportunidade darei sequência a esta série

 

Voto distrital misto x distrital puro – 2

15 de junho de 2017 § 21 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 15/6/2017

Lula, Dilma, Temer, o Ministério Publico, a PGR, todos dizem que é armação.

E é!

Quanto, em cada episódio, dá pra discutir até o fim dos tempos. Dê a alguém a prerrogativa de falar em seu nome e esse poder será abusado. Transforme uma instituição num gatilho e, mais cedo ou mais tarde, para o bem e para o mal, ele será acionado.

A legitimação do poder é a questão essencial da democracia. O melhor a fazer nesse quesito é não delegar nada: só o eleitor põe, só o eleitor despõe. A questão é como montar um sistema que viabilize isso com a necessária agilidade e economia de traumas. Há duas variações. Os sistemas de voto distrital puro com “recall” ou “retomada” de mandatos e o voto distrital misto com governo parlamentarista.

Aos exemplos. A Carolina do Norte elege 13 deputados federais e 170 estaduais. Toma-se o numero total de eleitores e divide-se pelo numero de vagas dos legislativos municipal, estadual ou federal. Isso dá o tamanho de cada distrito eleitoral. Cada distrito – nas eleições municipais um bairro ou conjunto de bairros – elege apenas um representante. Como os candidatos só têm de pedir voto naquele distrito acaba o problema do custo das campanhas e doenças correlatas. Nas eleições estaduais cada distrito (o numero de eleitores dividido por 170 neste exemplo) será a soma de “N” distritos municipais. Ou, nas federais, quando o estado será dividido em 13 distritos, eles serão a soma de “N” distritos estaduais.

Só senadores são eleitos pelo estado inteiro. A conta, aí, é nacional: o numero total de eleitores dividido pelo numero total de vagas. Como representam pessoas e não paisagens, onde houver mais população haverá mais senadores. Os demais representantes em Washington também não são deputados do estado “tal”, são deputados “do distrito nº tal do estado tal”. Cada deputado de cada instância pode, se quiser, saber o nome e o endereço de todos os seus representados. Se alguém morrer ou cair, só haverá eleição para reposição (special election) no distrito dele. Nada de suplente.

As fronteiras de cada distrito são redefinidas a cada 10 anos com base no censo. A Federal Election Comission é a unica que pode legislar sobre financiamento de campanhas. Todo candidato é obrigado a prestar contas até 15 dias depois de receber cada contribuição ou fazer despesas iguais ou superiores a US$ 5 mil. Dai para baixo cada um pode ter sua regra.

36 estados adotam o “recall” ou “retomada” de mandato para representantes eleitos. 19 estendem o “recall” para todo funcionário eleito (e todos que têm por objeto fiscalizar governos ou prestar serviços diretos à população, começando pelos promotores do equivalente do Ministério Público, são diretamente eleitos).

Na maioria dos municípios nem se vota mais em prefeito. Elege-se uma “diretoria” colegiada (“Council”) de cinco ou seis membros coordenada por um CEO com metas para cumprir. Não cumpriu, rua! Só as mega cidades têm prefeitos e câmaras municipais e, mesmo assim, nem todas. Cada uma faz como quiser. As eleições municipais são apartidárias. Concorre quem quiser sem pedir ordem a ninguém. As grandes cidades têm até constituições próprias regulando instrumentos como referendo, recall, leis de iniciativa popular, penas para crimes, gestão de escolas públicas, regras para endividamento e etc. Não estando em confronto com os 7 artigos e 28 emendas da constituição (aqui a soma é de 330!), valeu.

Todo assunto sensível vindo dos legislativos ou de iniciativas populares, vai a referendo. Entra na cédula da próxima eleição pedindo sim ou não do eleitorado inteiro. Nada de “consultas a movimentos sociais” valendo decisão e outras tapeações do genero. Voto, sempre, e de todos os afetados, sempre.

Todo e qualquer eleitor – até o morador de rua – pode derrubar seu representante. Basta iniciar uma petição. Não precisa haver razão específica ou crime. Um simples “não me representa” é suficiente. Se conseguir as assinaturas de 5% dos eleitores do seu distrito, convoca-se uma votação de todo o distrito para destitui-lo ou não e eleger seu substituto. O resto do país pode continuar trabalhando em paz.

O voto distrital puro põe o eleitor mandando diretamente em cada pedacinho do país, o que lhe dá poder mas não para tudo. Juntando grupos majoritários de pedacinhos do país, ele manda no país inteiro sem, no entanto, ganhar caminhos fáceis para golpes. Tudo tem sempre de ser aprovado passo a passo, na ida ou na volta, por todos os eleitores de cada pedacinho do país.

Agora vamos ao distrital misto. Ele também delimita a área em que cada candidato pode pedir votos. No resto, tudo fica meio como é no Brasil. Você vota diretamente num candidato mas dá mais um voto ao partido que vai pro candidato que ele puser numa lista lá dele. Você nunca sabe ao certo representante de quem cada deputado é: de um pedaço “X” do eleitorado ou de um grupo dentro de um partido com poder para montar a tal da lista.

Para remover quem se comportar mal tem de parar o país, convocar eleições gerais e votar numa nova mistura de partidos que, somados, dêem maioria e elejam um primeiro ministro. Ou seja, você até pode expulsar o ladrão, mas tem de deixar para a quadrilha a escolha do novo chefe.

A pretexto de baratear o custo da eleição e fazer representar todas as “tendências” da população nas suas mínimas expressões temáticas, o voto distrital misto mantem um monte de partidos e caciques decidindo quem pode ou não se candidatar a quê e legislando sobre tudo dentro e fora da sua casa e até da sua cabeça.

Resumindo: com voto distrital puro com “retomada” e referendo os políticos deixam de mandar e passam a obedecer. A partir daí você decide quais reformas fazer e quando. Com distrital misto com parlamentarismo os políticos – índios e caciques – entregam alguns anéis mas não os dedos com que continuarão te agarrando por todos os lados, especialmente na região do bolso.

Não é por outra razão que 9,99 entre 10 políticos preferem o voto distrital misto. É muito chato ter patrão!

Voto distrital misto x distrital puro

9 de junho de 2017 § 14 Comentários

Como funciona o sistema de voto distrital puro? Vamos pelos exemplos. A Carolina do Norte elege 13 deputados federais e 170 deputados estaduais. Toma-se o numero total de eleitores e divide-se pelo numero de vagas em cada legislativo, municipal, estadual ou federal. Isso dá o tamanho de cada distrito eleitoral. No município cada distrito (um bairro ou conjunto de bairros, por exemplo) elege apenas um representante por maioria simples em um ou dois turnos quando necessário. Nas eleições estaduais cada distrito (o numero de eleitores dividido por 170 neste exemplo) será a soma de “N” distritos municipais. Ou, para os federais, o estado será dividido em 13 distritos que serão a soma de “N” distritos estaduais. A lei federal diz que esses distritos têm de ter um numero aproximadamente igual de eleitores e só não podem ser definidos com base em critérios de raça ou etnia. O resto cada estado decide.

Só senadores são eleitos pelo estado inteiro. Todos os demais representantes em Washington não são deputados do estado “tal”, são deputados “do distrito nº tal do estado tal”. Assim são chamados e assim assinam as decisões em que votam. Se alguém morrer ou cair, só haverá eleição para reposição no distrito que ele representa do estado que o elegeu. Nada de suplente. Nada de contrabando. Cada deputado de cada instância pode, se quiser, saber o nome e o endereço de todos os seus representados.

As fronteiras de cada distrito eleitoral são redefinidas a cada 10 anos com base no censo nacional. A Federal Election Comission é a unica agência que pode legislar sobre financiamento de campanhas. As regras ficam valendo tambem para as eleições estaduais e municipais. Todo candidato é obrigado a prestar contas até 15 dias depois de receber cada contribuição ou de fazer despesas iguais ou superiores a US$ 5 mil. Dai para baixo cada um pode ter suas regras especiais.

36 estados adotam o instituto do “recall” ou “retomada” de mandato para representantes eleitos.19 estendem o recall para todo funcionário eleito (e todos que têm por objeto fiscalizar governo ou prestar serviços diretos à população, começando pelos promotores do equivalente do Ministério Público, são diretamente eleitos e deseleitos). Todos os outros estados têm variações dessas defesas diretas nas mãos dos eleitores.

Na maioria dos pequenos e médios municípios nem se vota mais em prefeito. Elege-se uma “diretoria” colegiada (“council”) de cinco ou seis membros coordenada por uma espécie de CEO com metas definidas para cumprir. Não cumpriu, rua! Só as mega cidades têm prefeitos e camaras municipais e, mesmo assim, nem todas. Cada uma faz como quiser. As eleições municipais são apartidárias. Concorre quem quiser sem pedir ordem a ninguém. As grandes cidades têm até constituições próprias regulando instrumentos como referendo, recall, leis de iniciativa popular, penas para crimes, gestão de escolas públicas pelos pais de alunos, regras para endividamento publico, normas de comportamento, e etc. Não estando em confronto com os 7 artigos e 28 emendas da constituição (aqui a soma é de 330!), valeu. Todo assunto sensivel como imposto, educação e etc., é decidido no voto, venha de uma proposta de iniciativa popular ou do legislativo local. Vai pra cédula da próxima eleição pedindo sim ou não do eleitorado inteiro. Nada de “consultas a movimentos sociais” valendo decisão e outras tapeações do genero. Voto, sempre, e de todo mundo, sempre.

Nas tres esferas as eleições legislativas são sempre por voto distrital puro. Cada distrito elege um único representante. Os candidatos, portanto, só têm de pedir voto naquele distrito o que acaba com o problema do custo das campanhas e toda a doençarada que vem com ele. Se o representante votar ou se comportar contra o interesse dos representados, qualquer eleitor seu pode iniciar uma petição para “retomada” do mandato.

Não precisa haver uma razão específica ou o cometimento de algum crime, basta não estar satisfazendo por qualquer motivo. Se conseguir as assinaturas de 5% dos eleitores do seu distrito, convoca-se uma votação de todos os eleitores do distrito para destituir ou não o representante e eleger o seu substituto. Tudo isso sem perturbar o resto do país que pode continuar trabalhando em paz.

Não existe a hipótese, portanto, de algum representante resolver não ouvir qualquer eleitor, ainda que seja o morador de rua. Todos e cada um podem derrubá-lo. O unico elo de cumplicidade que se cria é do representante com seus representados. O partido é, basicamente, o rótulo que cada um adota para dar a conhecer os seus compromissos sem ter de explicar necessariamente um por um, e um facilitador para a coordenação de votos nos embates legislativos. Mesmo nas eleições para o executivo não é o partido quem manda. Existem as eleições prévias que definem quem vai ou não vai ser o candidato do partido a quê.

Assim, o voto distrital puro põe o eleitor mandando diretamente em cada pedacinho do país, o que lhe dá poder mas não para tudo. Juntando grupos majoritários de pedacinhos do país, ele manda no país inteiro sem, no entanto, ganhar caminhos fáceis para golpes. Tudo tem sempre de ser aprovado passo a passo, na ida ou na volta, sempre que eles quiserem que assim seja, por todos os eleitores de cada pedacinho do país.

E isso garante que mesmo que, se por alguma razão ou conjuntura especial, o país acabar elegendo um imbecil, esse imbecil não tem poder para fazer nada que o país não queira, mesmo que ele seja o presidente da Republica.

Agora vamos ao voto distrital misto. Ele também delimita a area em que cada candidato pode pedir votos mas, em todo o resto, tudo fica meio como é no Brasil. Você vota diretamente num candidato mas dá mais um voto para o partido que vai pro candidato que ele puser numa lista lá dele. Você nunca sabe ao certo representante de quem cada deputado é: de um pedaço identificavel do eleitorado ou de um grupo dentro de um partido com poder para montar a tal da lista.

Para remover quem se comportar mal tem de parar o país, convocar eleições gerais e votar numa nova mistura de partidos que dê maioria e, por sua vez, elegerão o primeiro ministro e os novos deputados das suas listas. Ou seja, você até pode expulsar o ladrão, mas tem de deixar para a quadrilha a escolha do novo chefe.

O voto distrital misto vende gato por lebre. A pretexto de baratear o custo da eleição e de fazer representar todas as “tendências” da população nas suas mínimas expressões temáticas, mantem um monte de partidos e caciques decidindo quem pode ou não se candidatar a quê e legislando sobre tudo dentro e fora da sua casa e ate, hoje em dia, da sua cabeça.

Bullshit! Politico não tem de se meter na maior parte das coisas em que se mete. Tem de delimitar qual a fronteira de cada um em relação ao outro. Dentro dela, cada um é que deve decidir como prefere fazer.

Resumindo: com o voto distrital puro com “retomada” e referendo os políticos realmente deixam de mandar e passam a obedecer. A partir daí você é quem decide quais reformas fazer e quando. Com o voto distrital misto com parlamentarismo os políticos – índios e caciques – entregam alguns anéis mas não entregam os dedos com os quais continuarão agarrando você por todos os lados, especialmente na região do bolso.

Não é por outra razão que 9,99 entre 10 políticos preferem o voto distrital misto. É muito chato ter patrão!

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