O modelo honesto de participação popular

30 de agosto de 2014 § 9 Comentários

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Publicado em O Estado de S. Paulo de 30/8/2014

Ha uma perigosa conversa de surdos no Brasil em torno dos conceitos de “democracia direta” e “governo de participação popular”.

A rejeição generalizada ao que a imprensa chama de “política tradicional” não significa a rejeição da democracia tradicional. É exatamente o contrário pois nenhum dos elementos que definem esse regime está presente na ordem institucional brasileira: não somos iguais perante a lei, não elegemos nossos representantes na base de “um homem, um voto” e nem vivemos numa meritocracia.

Enquanto o país não tomar consciência de que a droga institucional em que está viciado define-o como um doente grave de insuficiência democrática, e não o contrário, não se disporá a curar-se. Continuará, a cada crise, aceitando doses crescentes dos venenos populistas que ingere no lugar do remédio democrático até que a overdose de migalhas de “direitos adquiridos” sem fazer força acabe por matar definitivamente a moral e a economia nacionais.

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Até agora só o PT mostrou que sabe para que quer a sua formula de “participação social”, sintomaticamente decidida sem a participação de ninguém, que faz do Congresso Nacional eleito por todos os brasileiros uma espécie de “rainha da Inglaterra” submetida a Organizações Não Governamentais Organizadas pelo Governo na sequência da “cristianização” do Judiciário que se seguiu ao julgamento do mensalão.

É historicamente justificável, aliás, que só quem se alinhe no campo antidemocrático tenha know how sólido sobre o que fazer na disputa pelo poder no Brasil posto que democracia, ao contrário das bugigangas institucionais vendidas pelos nossos camelôs da política, requer, sim, muita prática e muita habilidade e nós, lusófonos, não temos nenhuma.

O PT não só é versado na praxis autoritária que nós dividimos com os outros povos latinos e católicos, como é ultra especializado na vertente francamente antidemocrática dessa tradição representada pelo corporativismo ibérico, o expediente que mais refinou a prática de usar as expressões e as ferramentas da democracia para impedir a sua entrada no território nacional e matar qualquer semente dela que, por acidente, chegue a germinar no solo pátrio.

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As demais correntes políticas brasileiras – e tanto mais quanto mais sinceramente apegadas forem aos dogmas da tolerância e do respeito pela diferença e, consequentemente, da liberdade de pensamento e expressão – tateiam no escuro da nossa completa ausência de experiência prática no assunto, agravada pelo nosso isolamento linguístico, na sua busca pelo aperfeiçoamento da nossa democracia, penumbra esta que a imprensa não tem ajudado a iluminar em função da regra que se impõe de só mostrar das democracias mais avançadas o que elas produzem de pior.

Marina Silva não sabe qual tipo de “participação popular” deseja e nem exatamente para que, podendo facilmente tornar-se vítima de enganos fatais como aquele em que quase embarcou comprando por lebre o gato que Dilma vende no Decreto 8243 (integra aqui). Alertada recuou, e desde então trata de produzir o seu modelo de “participação” para não mostrar-se surda à demanda posta por 76% do eleitorado, o que nos põe sob risco iminente.

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Já Aécio, o único que não hesita na afirmação de sua fé anti-autoritária, sabe que é gato a lebre de Dilma mas não sabe apontar com precisão o que é que define essa falsificação. Na dúvida abraça a metade inócua da solução certa com sua proposta de voto distrital “misto”, apodo que lhe tira o componente mais forte de participação popular, e com isso perde não só a oportunidade de propor uma solução democrática consagrada capaz de revolucionar a política brasileira como também a de acrescentar ao seu discurso a contundência reformista que lhe falta.

O primeiro pingo a ser reposto nos “is” para retomar essa questão em melhores termos é estabelecer definitivamente que, ao contrário do que sugere o blá-blá-blá geral, só a democracia “tradicional”, que tem obrigatoriamente de ser representativa no contexto de multidões em que vivemos, garante a real participação da sociedade na definição do seu próprio destino político, desde que legitimada pelo sufrágio universal.

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O segundo é lembrar que garantir o controle do representante pelo representado sempre foi o calcanhar de Aquiles do regime tendo posto a perder as suas duas primeiras tentativas de caminhar pela Terra – em Atenas e em Roma – mas que na terceira, iniciada na Inglaterra e consolidada em seu prolongamento americano, conseguiu-se, após uma série de tropeços, uma solução boa o bastante para reduzir a corrupção a ponto de extinguir a miséria e dar flexibilidade ao sistema de modo a produzir a mais próspera e progressista das sociedades que nossa espécie jamais reuniu.

Essa solução, que pressupõe o restabelecimento do federalismo e da independência entre os tres poderes da Republica que nós já tivemos e nos foram suprimidos, é o voto distrital com recall ou “retomada”, que arma a mão do eleitor para cassar, a qualquer momento, o mandato do representante que não honrar a sua representação sem provocar nenhuma perturbação maior no bom andamento dos negócios públicos, o que põe todos os eleitores participando de forma transparente e inverte radicalmente a hierarquia das relações entre cidadãos e servidores públicos.

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Nesse modelo cada candidato só pode concorrer por um distrito definido e qualquer eleitor desse colégio eleitoral pode iniciar uma petição pela “retomada” do mandato condicionalmente concedido ao seu representante que, se aprovada por seus pares numa votação circunscrita, manda-o de volta para casa ou deixa-o à disposição do Judiciário já como cidadão comum.

Isso põe os políticos na dependência da nossa boa vontade e não o contrário como é hoje, o que, de saída, obriga-os a jogar a nosso favor, introduz a meritocracia no serviço público e abre as portas para todas as demais reformas que nos parecerem necessárias que, então, poderão ser empurradas pela formidavel arma da remoção expressa de todos que se lhe opuserem de dentro das nossas casas legislativas.

Isso opera milagres! O resto é tapeação.

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MAIS INFORMAÇÕES SOBRE VOTO DISTRITAL COM RECALL

1

A reforma que inclui todas as reformas

2

Voto distrital com recall: como funciona

3

Mais informações sobre a arma do recall

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Recall sem batatas nem legumes

5

Porque não ha perigo no recall

6

Democracia a mão armada

7

Discutindo recall na TV Bandeirantes

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§ 9 Respostas para O modelo honesto de participação popular

  • ARIOVALDO BATISTA disse:

    Algumas perguntas ao jornalista Fernando L. Mesquita?
    – O que se entende por “modelo honesto” seja lá no que for?
    Respondo. Qualquer modelo é honesto quando se apoia na lei. E o que é “lei honesta”? Aquela cuja origem é moral e ética, e cuja técnica tem como base as próprias leis da natureza às quais estamos subordinados como projeto de Vida na Terra.
    – O que significa a tal “participação popular?
    Respondo: Está baseada em alguma forma de lei? QUE LEI? A vontade de meia dúzia de energúmenos petistas e comunistas são leis numa nação? E se há uma constituição ainda que fajuta como a de 88 e as que a antecederam, mesmo assim constituição é um trapo para qualquer petista ou comunista?
    – E o que é de fato a tal “particilação”?
    Respondo: Quando autocracia no poder ou “pudê” não tem apoio completo legislativo (i.é., ainda não é um aparelho completo), é melhor “consultar o povão”, através dos “neguinhos” que comandam as “bases” políticas da autocracia no poder e no ‘pudê’, essa é a tal participação? POR QUE AO INVÉS DE SE CRIAR NOVOS PARTIDECOS JUNTO COM OS ATUAIS JÁ EXISTENTES, NÃO SE DECRETA DE VEZ A EXTINÇÃO TODOS, TANTO INÚTEIS COMO CAROS PARA A NAÇÃO.

    Se o jornalista tem respostas melhores, que tal de fato dar à nação?

    Ariovaldo Batista
    av sen vergueiro 4050 r.ramos s.b.do campo sp
    436523230 – arioba06@hotmail.com
    RG 2644533

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    • flm disse:

      fora as outras confusoes, ariovaldo, vamos ficar so com a ultima:
      “decretar de vez a extinçao de todos os partidos” pressupõe que alguem devera fazer isso, que é o que fazem os ditadores, os comunistas ou os outros. eles são exatamente identicos.
      de modo que v esta propondo exatamente aquilo que parece condenar (se é que entendi bem).
      ou sera que v é que é o “comunista” com alma de ditador? ou o ditador com alma de “comunista”?
      sei la…
      melhor dar uma organizada nas ideias, ariosvaldo…
      ps: modelo honesto de democracia é aquele em que todo mundo participa. isso porque democracia define-se assim e existe quando é aprovada por quem aceita essa definição.
      modelo desonesto é aquele em que so os que o ditador escolhe participam, embora ele venda esse peixe como um aperfeiçoamento da democracia.
      é o que o PT esta fazendo com o decreto 8243.
      assim como propor extinguir todos os partidos (ou seja, todas as ideias diferentes da unica aceita como verdadeira pelo ditador com força pra extinguir partidos) em nome do aperfeiçoamento da democracia.
      desonestidade é vender gato por lebre, e isso é vender gato por lebre.
      enfim, atenção: toda vez que a gente fica “muito bravo” na discussão politica a gente ta começando a virar ditador.
      é por ai…

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  • Fernão, parabéns pelo artigo aqui e no Estadão de hoje. Extremamente lúcido, só não entende quem não quer e sabemos quem. Valeu!

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  • Ronaldo Sheldon disse:

    Fernão, parabéns. Texto claro, objetivo, didático, não deixa dúvidas sobre o que são boas práticas e o que não são os famosos “mau feitos”. O problema é convencer o Legislativo, que só legisla em causa própria, a adotá-lo. O futuro presidente teria que ter um cacife muito bom para bancar esta mudança de regras. Será que a Marina compreende o cerne do problema? Ela hoje se posiciona com a única via de Oposição, apesar de ser cria do PT. O Aécio, que não se posiciona como oposição, está mais próximo da compreensão. Se não mudar de postura e virar Oposição de fato já é carta fora do baralho. Uma pena!

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  • Fausto Italiano disse:

    Quando e como conseguiriamos implantar um modelo honesto de
    participação popular ? Não consigo visualizar em nosso horizonte
    político .

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    • flm disse:

      quando um numero suficiente de brasileiros souber o que quer no lugar do que temos.
      essa é a 1a condição para que num proximo junho de 2013 o povo passe a gritar não o que não quer mas sim o que quer.
      ai acontece.
      cabe a nos espalhar essa ideia e persistir nisso.
      nao tem outro jeito.

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  • Ari disse:

    Desenhadum est.

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