Tão perto! Tão longe!

30 de junho de 2016 § 8 Comentários

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Artigo para O Estado de S. Paulo de 30/6/2016

Desde que a Lava-Jato demonstrou que o PT é o Eduardo Cunha e vice-versa, e que há muito pouca coisa entre os dois que se diferencie radicalmente de ambos, o Brasil está paralisado na sua perplexidade.

Seriam, de fato, os R$ 0,85 de cada mensalidade embolsados pelo ministro Paulo Bernardo o maior escândalo desses “empréstimos consignados” com juros subsidiados que já montam a R$ 281 bi (4,5% do PIB) para a casta dos “com tudo” ao lado dos mais de 400% ao ano de juros do cartão do desespero dos “sem nada” de quem o Estado já toma outros 46% do PIB (36% de carga + 10% de déficit)? Pense bem: o Bolsa Familia, sempre aventado como desculpa para manter os ladrões onde estão, custa 0,3% do PIB…

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Este país de avessos, onde as escolas é que estão “ocupadas” e estudar passou a ser uma atividade clandestina que a polícia reprime de preferência a quem trata de impedi-la, teve tempo de sobra para acostumar-se com isto em que se transformou. Os sindicatos-impostos de Getulio Vargas evoluíram do primeiro e único ao 15º milésimo de hoje e a metástese prossegue sem combate ao ritmo de 280 novos por ano. E daí saltamos com toda a naturalidade para os nossos por enquanto 35 partidos-impostos a quem pagamos horários-impostos para que nos ofendam e humilhem diariamente na TV, tudo sob a proteção dos “movimentos-sociais-impostos” recheados de militantes-impostos que nos cobram hora-extra para viajar em ônibus-impostos para onde quer que sejam convocados para defender a intocabilidade dos “seus” impostos. Passados 80 anos eis-nos bancando festas nos palácios com impostos diretamente arrancados às favelas…

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Com toda a barreira de silêncio que ainda protege da exposição à execração pública que merece o mundo da côrte movida a impostos onde “demissão” não consta do dicionário, “auxílio” não é renda e os salários continuam subindo 60 bilhões por ano em meio ao pânico aqui fora, bate na cara do país inteiro o verdadeiro divisor de águas – contribuíntes x “contribuidos” – que separa os dois Brasis e não se encaixa nem a murro no repertório “esquerda-direita” dos nossos ditadores de “correção política”.

Agora temos o ciclo completo. Do imperador ao proletário, todos que estiveram no comando do “Sistema” colheram variações do desastre que é só o que ele pode produzir ou, no máximo, suspenderam temporariamente seus efeitos. Caiu finalmente a ficha. É tudo uma fraude. Tudo tem sido uma fraude. E o país que não se assume como desonesto calou-se…

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Tão perto! Tão longe!

O buraco é de dar vertigem mas o tamanho do nosso atraso é o nosso maior trunfo. O mundo está todo numa encruzilhada mas é uma encruzilhada lá na frente. Tudo que diferencia o 1º do Último Mundo é, hoje, estrada batida. Para percorrê-la basta se dispor a tanto. Você saberá que o Brasil tem cura quando se começar a afirmar em voz alta, por aí, as duas balizas mais elementares da democracia plantadas ha mais de 300 anos. Apoiar o discurso do ajuste das contas públicas no princípio da igualdade perante a lei colocando na linha de cortes todos os “direitos” e isenções que não sejam comuns a todos os brasileiros é a única maneira de desarmar o torneio entre padrinhos de privilégios à custa do aprofundamento da corrupção e da miséria em que ele, mais uma vez, se vai transformando. Redefinir o direito de representação confirmando exclusivamente o dos sindicatos, partidos políticos e entidades que forem capazes de conquistá-lo e mante-lo por livre eleição e financiamento dos seus representados é o único modo objetivo de sairmos do feudalismo e começarmos a nos beneficiar do processo de depuração recorrente inerente aos sistemas democráticos. A “cláusula de barreira” que o STF matou não era mesmo a melhor solução pois cuidava só de represar a lama incessantemente produzida por um sistema torto e corrupto que acabará sempre, inevitavelmente, em “desastres da Samarco” com “danos ambientais” permanentes.

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Para que “as instituições funcionem” de fato não é a letra, é a essência democrática da Constituição, definida nos seus artigos iniciais, que tem de ser imposta acima de tudo e de todos, começando pelo desafio jurídico de toda a vasta massa de exceções e penduricalhos esboçados nos que lhe foram acrescentados na sequência e estão em conflito insanável com eles.

Quando não foram diretamente protagonizadas pelo Poder Judiciário, como as da Inglaterra do século 17 que criaram a democracia moderna, as poucas revoluções verdadeiras que a história da humanidade registra – não confundir com os banhos de sangue recorrentes para troca de comandantes de monarquias ou ditaduras das culturas latinas – consolidaram-se (ou não) nas reformas jurídicas que foram empurrando a humanidade para fora do padrão geral do privilégio institucionalizado e para dentro da igualdade perante a lei cujo corolário obrigatório é sair do “a cada um segundo o seu grau de cumplicidade para com os crimes do rei” e enveredar pelo muito menos venenoso “a cada um segundo o esforço investido na obra coletiva”.

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O que houve de empolgante no atual processo brasileiro foi exatamente o fato de ter ele partido do Poder Judiciário. Com as condenações do “mensalão” o Brasil acordou para o fato de que não é obrigatório, afinal, que o crime vença sempre, e foi às ruas para comemorar esse quase milagre e empurrar para adiante a “marolinha” que, a partir de Curitiba, assumiu ares de tsunami e ameaça fazer escola.

O Brasil Velho está vivo como prova o fato de todos os ladrões estarem presos e continuarem soltos os seus chefes. Mas o Novo não dá sinal de abandonar a arena. Seria uma excelente bandeira para essa OAB reconciliada com sua tradição histórica de alinhamento com o que é justo tomar a si, junto com os movimentos de rua, esse “Mutirão pela Igualdade Perante a Lei”, de modo a forçar o país inteiro a tomar posição em relação ao que ha de mais essencial numa ordem realmente democrática.

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Pegos na mentira

21 de novembro de 2014 § 61 Comentários

Se os “2 minutos finais” fossem meus…

3 de outubro de 2014 § 14 Comentários

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Esta eu escrevi antes do debate da Globo, assim que vi os pronunciamentos de encerramento das campanhas do primeiro turno dos candidatos. Mas como acho que este continua sendo o recado pros eleitores, estou mudando ele de lugar.

Brasileiros,

O passo que vocês vão dar domingo é decisivo.

Pense bem antes de apertar aquele botão.

Esse retrato cor-de-rosa do Brasil que os marqueteiros da Dilma pintaram na campanha é falso. Os numeros em que ele está baseado são falsos.

A festa acabou mas o PT continua batendo bumbo pra fazer você dançar. Você sabe bem disso. Você está sentindo isso no seu bolso; na compra do mês e na prestação que não cabem mais no salário.

Os numeros que a Dilma te mostra valem tanto quanto os juramentos solenes de acabar com a corrupção e a impunidade do partido que, quando chega a hora de agir, só age para desmoralizar a Justiça e tirar da cadeia, um por um, todos os condenados por corrupção. Nenhum dos que foram presos continua preso. Nenhum dos que estavam no poder perdeu o poder.

No plano internacional tem sido a mesma coisa.

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O PT vive falando em direitos humanos mas só age na ONU para impedir que os maiores criminosos do mundo sejam detidos. Promete democracia mas só se relaciona com ditadores. Com aquele tipo de gente que aceita convite pra entrar mas não aceita ordem pra sair.

Tudo isso não é só coincidência.

O PT pede o seu voto mas já cassou por antecipação o que você vai dar domingo para o seu futuro deputado no Congresso com o decreto que a Dilma assinou ha cinco meses que põe no lugar dele, para fazer as leis do Brasil, os “movimentos sociais” nos quais ele manda mas que você não elegeu.

É por cima de tudo isso que o PT te pede mais 4 anos, além dos 12 que já se foram, e olhando pra outros 8 logo alí adiante.

Olhe pra Cuba, olhe pra Venezuela, olhe pra Bolívia, olhe pra Argentina; olhe pros ditadores todos que o PT não se cansa de festejar e pros países que ele aponta como modelos para o Brasil.

É isso mesmo que você quer?

Domingo vai começar a nascer o Brasil onde seus filhos vão viver.

Por isso, pense bem antes de apertar aquele botão.

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Marina e a democracia: uma retratação

4 de setembro de 2014 § 12 Comentários

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Estou devendo desculpas aos leitores do Vespeiro e uma retratação do que disse no artigo anterior a respeito do programa de governo de Marina Silva.

Com compromisso fora de São Paulo marcado para a terça e quarta-feiras passadas passei o fim-de-semana escaneando os jornais em busca de análises do programa de governo da candidata, em especial no que diz respeito à questão que mais preocupa na eleição deste ano que são os mecanismos de “democracia direta” e de “governo de participação social” que podem jogar o Brasil num desvio sem retorno.

Os que o PT quer impor ao Brasil com o Decreto 8243 assinado ha quase quatro meses por Dilma Rousseff, como já tive oportunidade de alertar em vários artigos, revogam o sistema republicano e a democracia representativa (não ha outra possível hoje) no Brasil e o fato de Marina Silva te-lo elogiado diretamente, ainda que retratando-se logo depois, foi o que me endereçou para o engano, que completou-se, na sequência, por ter eu me baseado em resumos do programa então recém publicado para o artigo que, ainda na segunda, deixei programado para publicação na terça.

De volta a São Paulo, entreguei-me a leitura do original do Plano de Ação para Mudar o Brasil, da coligação Unidos pelo Brasil, o programa de governo de Marina Silva, que alterou substancialmente a impressão formada por essas leituras de segunda mão.

COLETIVA DA CANDIDATA DERROTADA MARINA SILVA

O primeiro capítulo, Estado e Democracia de Alta Intensidade, divide-se nos sub-temas “Reforma Política”, “Reforma Administrativa”, “Novo Federalismo” e “Política Externa”.

Para irmos diretamente ao que interessa, encontrei diferenças fundamentais entre a proposta nitidamente antidemocrática, de inspiração bolivariana e francamente desonesta visando antepor ao Congresso Nacional eleito pelo sufrágio universal “movimentos sociais” articulados e escolhidos pelo partido do decreto do PT e as propostas – “sonháticas” ou não vai de cada um avaliar – incluídas no plano de governo de Marina Silva que vai beber nas fontes holandesas e nórdicas da “democracia em rede” que inspiram o Partido Pirata, com versões em diversos países europeus e até no Brasil.

Democratização da democracia pressupõe combinar os movimentos sociais históricos com as mobilizações que surgem por meio das novas tecnologias. (…) As tecnologias da informação e comunicação são, portanto, potenciais aliadas em um processo de mudança. (…) Por meio da democracia digital, podemos radicalizar a transparência e o controle da ação governamental, missão para o curto prazo”, reza o programa de Marina, que fala até na criação de “aplicativos” para promover essa forma de participação.

O objetivo geral desse recurso entretanto, repete-se várias vezes de forma direta ou indireta ao longo do texto, é impor “accountability” aos representantes eleitos, o que o diferencia claramente do projeto do PT, cujo objetivo é exatamente o contrário: acabar com os poucos recursos de responsabilização de representantes e governantes que sobram em pé no Brasil ao fim de 12 anos de desmontagem dos poderes Legislativo e Judiciário. O de Marina é um instrumento de pressão para ser exercida sobre os representantes eleitos; o do PT uma fórmula para substituir os representantes eleitos.

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A fórmula de Marina tem em comum com as que a inspiraram, a imprecisão na definição das regras necessárias para garantir “accountability” aos próprios processos de participação direta na política, no sentido de sua representatividade e legitimidade, o que a deixa exposta a riscos que não passam muito pela lista das preocupações centrais dos eleitores dos países nórdicos ou da Holanda onde os fundamentos básicos da democracia são tidos como garantidos, irremovíveis e não são passíveis de qualquer contestação.

Aqui ainda não é assim. De modo que se mesmo os europeus namoram tentações que é sempre melhor manter fora de alcance porque o poder é o poder e a ocasião faz o ladrão, nós temos multiplicadas razões para mante-los o mais longe possível do alcance dos aventureiros que rondam por aqui e não hesitariam em lançar-lhes mão.

A regra de maioria não é, certamente, perfeita, daí ser uma preocupação central de toda democracia sem aspas garantir os direitos das minorias, mas é a única possível num sistema de democracia representativa, de resto inescapável no contexto de multidões do mundo de hoje. Qualquer outra abre brechas para o autoritarismo e para coisas piores como as que o modelo do PT tem em vista.

A regra de maioria é, enfim, a única que resolve o problema de garantir que todos participem ou possam participar das decisões – de iniciativa popular, via plebiscitos, ou de iniciativa parlamentar, pela ratificação por referendo popular – que só podem ser legitimadas pelo voto universal cruzado com o critério de maioria.

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O programa de Marina fala em “permitir a convocação de plebiscitos e referendos pelo povo e facilitar a iniciativa popular de leis, mediante redução das assinaturas necessárias e da possibilidade de registro de assinaturas eletrônicas”. Esse direito já está incluído na Constituição de 88. A quantidade de assinaturas, desde que numa proporção razoável, não é o principal problema. Já a certificação de “assinaturas eletrônicas” sim, é altamente problemático pelas vulnerabilidades que, de resto, afetam também as nossas “máquinas de votar”, e mais algumas.

O importante é que a lei aprovada por esse meio seja debatida em campanhas contra e a favor igualmente financiadas pelo Estado nos meios de comunicação de massa, e que fique garantido que todos poderão votar a sua aprovação ou rejeição (e não só os “movimentos sociais” escolhdios pelo partido). E mais importante ainda, seria garantir que o que ela decidisse não pudesse ser emendado e regulamentado pelo Congresso até a inversão da vontade expressa da população, fonte original da legitimidade de qualquer lei, como continua podendo acontecer aqui, fato de que é prova e exemplo o Estatuto do Desarmamento que, mesmo rejeitado nas urnas, foi imposto à população por um Congresso que não respeita a vontade popular.

O projeto de Marina não propõe esses aperfeiçoamentos e apenas chove no molhado repropondo o que já está vigente desde 88.

O complemento negativo a esse instumento descrito no primeiro capítulo vem no sexto e ultimo “Eixo”, batizado “Cidadania e Identidades”, que derrama um longo e confuso palavrório a respeito das “minorias” de sempre, que devem ter tratamento especial ou porque são credoras de “dívidas históricas” ou, simplesmente, porque estão na moda.

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O capítulo é bastante impreciso mas sugere que os membros de tais grupos, que como lembrei no artigo anterior a este do Vespeiro, votam como todos os brasileiros, devam ter poderes que os demais brasileiros não têm para multiplicar sua representação.

O projeto não chega, entretanto, a formular nada de muito preciso nesse sentido o que põe a coisa na gaveta dos discursos de campanha bons para enganchar certos ouvintes mas vazios de maior significado.

Ha, finalmente, até uma proposta de impacto talvez maior do que suspeitam os formuladores do plano, dada a discrição com que a incluiram no conjunto, que é a de “permitir candidaturas avulsas aos cargos proporcionais mediante o atendimento a requisitos a definir”.

Essa medida é fundamental para quebrar o domínio dos caciques dos partidos sem o aval dos quais ninguém pode entrar na política brasileira hoje. Eles são os porteiros do filtro de seleção negativa que garante a “pureza” do DNA corrupto da nossa política, e abrir uma porta lateral é o unico meio de quebrar-lhes a hegemonia e permitir a entrada de ar fresco no sistema. Essa medida generalizada para o nível municipal onde as eleições passaram a ser apartidárias nos Estados Unidos, foi fundamental para reduzir a corrupção e renovar a política naquele país. Deixou de ser obrigatório compor-se com velhas marafonas para ingressar no sistema.

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Resumindo, então: os mecanismos de “participação popular” propostos no programa de Marina Silva não parecem ter o mesmo DNA antidemocrático dos propostos pelo PT, embora se aventurem em terreno perigoso se não incluirem todas as definições necessárias para garantir a participação de todos os brasileiros neles e, assim, garantir sua legitimidade e mudar-lhes o sinal de negativo em positivo.

A forma consagrada de se conseguir tudo isso, além de um bom grau de saudável particularização de problemas que não são iguais para todos os brasileiros, e muito mais daí por diante como já se explicou incontáveis vezes aqui no Vespeiro, é instituir o voto distrital com recall depois de reconstituir o sistema federativo, proposta que consta com algum detalhe e demonstrações de empenho no programa de Marina.

Para esgotar a crítica a esse primeiro “Eixo”, cabe registrar algumas palavras sobre os demais sub-temas incluídos nele.

Em “Reforma Administrativa”, vai-se pelo diagnóstico correto com a descrição das consequências da ausência de meritocracia no sistema, mas “amarela-se” na hora das propostas concretas para esse contingente tão poderoso e numéricamente muito mais significativo do que deveria ser numa economia saudável, que é o universo do funcionalismo. Fica-se no mesmo “choque de gestão” de Aécio que o projeto começa por criticar como insuficiente e na proposição de metas a serem cumpridas, propostas que mudam alguma coisa se o governante de plantão tiver vocação para Sísifo, mas que são semi-inócuas num contexto de indemissibilidade dos funcionários públicos. É o que é possível fazer no mundo real. Mas neste capítulo o programa de Marina acaba por fazer concessões vergonhosas sugerindo que o proprio funcionalismo continue decidindo “democraticamente” (para quem cara-pálida?) o seu próprio destino, ou seja, como e quando entrarão em nossos bolsos.

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Em “Novo Federalismo” ha um diagnóstico correto e uma ou duas medidas iniciais concretas descritas com numeros. Mas de qualquer maneira ele ajuda a corroborar a impressão de que não ha um viés antidemocrático no conjunto.

Finalmente em “Política Externa”, de longe a peça mais consistente, objetiva, assertiva e bem escrita do documento, faz-se uma crítica contundente à ideologização e ao aparelhamento da política externa do PT para um projeto de poder e não para o interesse geral da Nação, e um minucioso roteiro para voltar a colocar a política externa a serviço do desenvolvimento nacional e de volta no figurino da tradição diplomática brasileira, um patrimônio nacional que o do PT foi o primeiro governo em nossa história a violentar frontal e brutalmente.

Também esse capítulo combina com o tom filo-democrático do cojunto.

Tudo isso considerado, retrato-me do artigo anterior. A proposição “Com o PT a certeza da venezuelização, com Marina livramo-nos desse pesadelo” continua sendo verdadeira, se tomarmos pelo valor de face o que está escrito no programa da candidata.

Marina Silva

O modelo honesto de participação popular

30 de agosto de 2014 § 9 Comentários

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Publicado em O Estado de S. Paulo de 30/8/2014

Ha uma perigosa conversa de surdos no Brasil em torno dos conceitos de “democracia direta” e “governo de participação popular”.

A rejeição generalizada ao que a imprensa chama de “política tradicional” não significa a rejeição da democracia tradicional. É exatamente o contrário pois nenhum dos elementos que definem esse regime está presente na ordem institucional brasileira: não somos iguais perante a lei, não elegemos nossos representantes na base de “um homem, um voto” e nem vivemos numa meritocracia.

Enquanto o país não tomar consciência de que a droga institucional em que está viciado define-o como um doente grave de insuficiência democrática, e não o contrário, não se disporá a curar-se. Continuará, a cada crise, aceitando doses crescentes dos venenos populistas que ingere no lugar do remédio democrático até que a overdose de migalhas de “direitos adquiridos” sem fazer força acabe por matar definitivamente a moral e a economia nacionais.

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Até agora só o PT mostrou que sabe para que quer a sua formula de “participação social”, sintomaticamente decidida sem a participação de ninguém, que faz do Congresso Nacional eleito por todos os brasileiros uma espécie de “rainha da Inglaterra” submetida a Organizações Não Governamentais Organizadas pelo Governo na sequência da “cristianização” do Judiciário que se seguiu ao julgamento do mensalão.

É historicamente justificável, aliás, que só quem se alinhe no campo antidemocrático tenha know how sólido sobre o que fazer na disputa pelo poder no Brasil posto que democracia, ao contrário das bugigangas institucionais vendidas pelos nossos camelôs da política, requer, sim, muita prática e muita habilidade e nós, lusófonos, não temos nenhuma.

O PT não só é versado na praxis autoritária que nós dividimos com os outros povos latinos e católicos, como é ultra especializado na vertente francamente antidemocrática dessa tradição representada pelo corporativismo ibérico, o expediente que mais refinou a prática de usar as expressões e as ferramentas da democracia para impedir a sua entrada no território nacional e matar qualquer semente dela que, por acidente, chegue a germinar no solo pátrio.

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As demais correntes políticas brasileiras – e tanto mais quanto mais sinceramente apegadas forem aos dogmas da tolerância e do respeito pela diferença e, consequentemente, da liberdade de pensamento e expressão – tateiam no escuro da nossa completa ausência de experiência prática no assunto, agravada pelo nosso isolamento linguístico, na sua busca pelo aperfeiçoamento da nossa democracia, penumbra esta que a imprensa não tem ajudado a iluminar em função da regra que se impõe de só mostrar das democracias mais avançadas o que elas produzem de pior.

Marina Silva não sabe qual tipo de “participação popular” deseja e nem exatamente para que, podendo facilmente tornar-se vítima de enganos fatais como aquele em que quase embarcou comprando por lebre o gato que Dilma vende no Decreto 8243 (integra aqui). Alertada recuou, e desde então trata de produzir o seu modelo de “participação” para não mostrar-se surda à demanda posta por 76% do eleitorado, o que nos põe sob risco iminente.

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Já Aécio, o único que não hesita na afirmação de sua fé anti-autoritária, sabe que é gato a lebre de Dilma mas não sabe apontar com precisão o que é que define essa falsificação. Na dúvida abraça a metade inócua da solução certa com sua proposta de voto distrital “misto”, apodo que lhe tira o componente mais forte de participação popular, e com isso perde não só a oportunidade de propor uma solução democrática consagrada capaz de revolucionar a política brasileira como também a de acrescentar ao seu discurso a contundência reformista que lhe falta.

O primeiro pingo a ser reposto nos “is” para retomar essa questão em melhores termos é estabelecer definitivamente que, ao contrário do que sugere o blá-blá-blá geral, só a democracia “tradicional”, que tem obrigatoriamente de ser representativa no contexto de multidões em que vivemos, garante a real participação da sociedade na definição do seu próprio destino político, desde que legitimada pelo sufrágio universal.

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O segundo é lembrar que garantir o controle do representante pelo representado sempre foi o calcanhar de Aquiles do regime tendo posto a perder as suas duas primeiras tentativas de caminhar pela Terra – em Atenas e em Roma – mas que na terceira, iniciada na Inglaterra e consolidada em seu prolongamento americano, conseguiu-se, após uma série de tropeços, uma solução boa o bastante para reduzir a corrupção a ponto de extinguir a miséria e dar flexibilidade ao sistema de modo a produzir a mais próspera e progressista das sociedades que nossa espécie jamais reuniu.

Essa solução, que pressupõe o restabelecimento do federalismo e da independência entre os tres poderes da Republica que nós já tivemos e nos foram suprimidos, é o voto distrital com recall ou “retomada”, que arma a mão do eleitor para cassar, a qualquer momento, o mandato do representante que não honrar a sua representação sem provocar nenhuma perturbação maior no bom andamento dos negócios públicos, o que põe todos os eleitores participando de forma transparente e inverte radicalmente a hierarquia das relações entre cidadãos e servidores públicos.

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Nesse modelo cada candidato só pode concorrer por um distrito definido e qualquer eleitor desse colégio eleitoral pode iniciar uma petição pela “retomada” do mandato condicionalmente concedido ao seu representante que, se aprovada por seus pares numa votação circunscrita, manda-o de volta para casa ou deixa-o à disposição do Judiciário já como cidadão comum.

Isso põe os políticos na dependência da nossa boa vontade e não o contrário como é hoje, o que, de saída, obriga-os a jogar a nosso favor, introduz a meritocracia no serviço público e abre as portas para todas as demais reformas que nos parecerem necessárias que, então, poderão ser empurradas pela formidavel arma da remoção expressa de todos que se lhe opuserem de dentro das nossas casas legislativas.

Isso opera milagres! O resto é tapeação.

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