Para domesticar a internet
10 de dezembro de 2020 § 9 Comentários
Num artigo bem pé-no-chão publicado em O Estado de S. Paulo de segunda-feira, 7 (“As três internets”), Moises Naim resumiu bem o ponto a que as coisas chegaram. A internet nem mais é global nem é aberta. Também já não é descentralizada nem é gratuita. Mais de 40% da população mundial vive em países onde o acesso, mesmo a uma internet fortemente censurada, é radicalmente controlado pelo ditador de plantão e dado em troca do controle de cada pensamento e cada passo do usuário. E onde ela continua “aberta”, pagamos pelo que vemos entregando a comerciantes todos os passos e segredos de nossas vidas, comerciantes estes que, com violência cada vez mais explícita, trabalham para transformar a posse dessas informações, bem como o acesso ao mercado “global” informatizado que as usará para nos oferecer bens e serviços com “target”, em monopólios cada vez mais estritos.
Em outras palavras, o sonho acabou (mais um!), até para os ingênuos que em algum momento acreditaram que ele tivesse começado um dia…
Naim falava então no surgimento de três internets. A chinesa, fechada, censurada, protecionista e com “ciberfronteiras” muito claramente delimitadas onde só entram “aliados” como a Coreia do Norte, cujo protagonista central é a ditadura do partido único e seu sistema de controle dos cidadãos, e que se impõe na competição planetária por deter um bilhão de usuários. A americana, anárquica, inovadora, comercial e com altas tendências monopolistas, cujos protagonistas centrais são as grandes empresas de tecnologia e que se impõe pelo seu acesso a enormes volumes de capital, talento tecnológico e capacidade de inovar. A européia, a mais regulada e “preocupada em defender os usuários”, o que trata de fazer com um enfoque jurídico, definindo parâmetros, exportando regras e impondo multas bilionárias.
Postas em termos mais rudes, reproduções matemáticas da realidade que são, as três internets descritas por Naim resumem o que são as culturas que traduzem. A do “despotismo oriental” da chinesa, que decorre naturalmente do “modo de produção asiático” de servidão coletiva; a do “todo poder ao povo” sem nenhum controle da americana; a do “todo poder para o Estado” da européia. A grande “vantagem competitiva” da chinesa é que não tem nenhum compromisso com a lei. A da americana, se a história se repetir, é a da ausência de compromisso com o erro que só se torna possível em sistema mais centralizados e só faz sentido como recurso de defesa de privilégios. A da européia, a suscetibilidade à perpetuação daquela forma de “erro” que, na verdade, traduz “acertos” da privilegiatura que só são possíveis quando a iniciativa das ações de defesa está nas mãos do Estado – e portanto pode ser comprada – e não difundidas nas mãos do povo.
A tendência para o monopólio da competição sem limite traz como sub-produto a facilitação do controle da circulação de ideias e a instrumentalização política pela supressão da diversidade de plataformas. Não é atoa que a grande aliada das big techs (e vice-versa) é, hoje, a esquerda americana. A revolução antitruste que reorientou a democracia deles a partir da virada do século 19 para o 20 encontrou a melhor solução para esse problema ao tomar o cuidado de armar a ganância para se contrapor à ganância, obrigando empresários que conquistassem mais que uma determinada faixa de mercado (tipicamente 30%) a vender parte do seu negócio a outros empresários, forçando a concorrência em benefício do consumidor (e a diversidade sem a qual a democracia não sobrevive), em vez de tratar de limitar a força do poder econômico aumentando a força do poder do Estado (que sempre pode ser facilmente comprada pelo poder econômico).
Existem, no entanto, fortes limitações técnicas para transpor a solução do século 20 para a realidade do século 21. Dificuldades estas que foram muito competentemente delineadas no artigo “Esforço comum para domar big techs” que Rana Faroohar escreveu para o Financial Times, o Valor de terça-feira, 8, traduziu e você pode conferir ampliando a imagem abaixo. Nele Faroohar aponta outra distinção mais importante das internets – a das pessoas e a das coisas; a do consumidor e a industrial e põe ainda no horizonte o desafio da inteligência artificial – que terão de ser tratadas no enorme trabalho de regulamentação que a humanidade tem pela frente se quiser evitar de ser devorada pelo “Grande Irmão”.
Como não poderia deixar de ser nessa realidade em que cada internet traduz a cultura de que é fruto, neste Brasil Oficial campeão mundial do xadrez da mentira a regulamentação que “O Sistema” auto-referente e preocupado exclusivamente com a sua própria perpetuação ensaia é a mentira da mentira da mentira: o controle das chamadas “fake news” como pretexto para a censura de qualquer manifestação política que fira os interesses da privilegiatura ou possa afetar as eleições, hoje cercadas por uma minuciosa barreira de censura à imprensa que varia conforme as limitações de penetração de cada meio num eleitorado funcionalmente analfabeto majoritário, mas que é inflexível na qualificação de “antidemocrática” de toda ação adversa à privilegiatura punível até com prisão no esdrúxulo “estado de direitos especiais” que a Constituição de 88 criou e “petreamente” mantém, sob o aplauso da old mídia.
Para esse departamento, o resto do mundo já entendeu que o único remédio que não deságua na censura que mata a democracia é o de sempre: deixar que os cidadãos “elejam” diariamente, pagando pelo serviço, as fontes de informação que se propuserem trabalha-la segundo regras de todos conhecidas, e ignorar o resto como boataria da praça pública a que todo mundo desde sempre também tem direito.
…” boataria da praça pública a que todo mundo desde sempre também tem direito.”
– Fecho de ouro!!!!
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Muito interessante o teu artigo assim como o do Estadão.
Mas eu fiquei confusa em alguns pontos:
No artigo do Estadão ,o articulista diz que a esquerda americana está começando a se mostrar contra a țendencia de favorecer monopólios por parte do próximo governo Biden.
Bom,eu sempre achei que as esquerdas,os ” vermelhos”,adorasse monopólios.
Já no teu artigo está escrito que
“Não é atoa que a grande aliada das big techs (e vice-versa) é, hoje, a esquerda americana”
Fiquei confusa.
Enfim ,muita coisa para se refletir.
Quanto ao Brasil,daqui a pouco vou postar o que a ex senadora brasileira,Ana Amélia Lemos ,está fazendo com o Brasil com o cargo “extraordinário” no governo que arranjou.
Enquanto UE e EUA estão tentando se manter independentes e contrapostos a China tem gente,que nem cargo público tem,tentando por o Brasil na boca dos chineses , até que não tenhamos mais como escapar
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adorassem
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Não que não se deva fazer negócios com os chineses,mas eles tem de ser criteriosos.Tem de se olhar para a “big picture”,como estão tentando fazer os outros países mencionados nos textos.Aqui ,a ” big picture”é a manutenção da privilegiatura e o foco tecnologico para tanto é usar as “fake news” como saída macunaimica para manutenção dela,mesmo diante dos problemas internacionais que se impõem a todos nós no momento,como você menciona com outras palavras.
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https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=3825397000813106&id=404767669542740
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Reclamações: para o ombudsman no “Ministério da Verdade”…..Ops!!! Também para o STF da constituição incostitiucional, para a Câmara do Botafogo ou para o Senado do Batoré, afinal de contas as instituições estão funcionando!!! Ha ha ha. Que os grilhões não esfolem os pulsos e os tornozelos!!!
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Fernão,seria legal se você colocasse a explicação dessas fotos;de que se tratam.Obrigada.Bom final de semana
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É assim vai o Pau-Brasil, duro, duro, rijo,rijo e sete palmos são pouco. Haja analfabeto funcional, pra entender tanta coisa bosal nesse correio moderno de algoritmos.
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Reler O Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley é sempre atual e vale como atividade na quarentena.
Cada qual consome o tipo de internet que satisfaz a própria ignorância dos fatos reais. Muitos se contentam com as bolachinhas soylent, cuja matéria prima são os minerais e proteínas retiradas dos cadáveres, isto é, nós mesmos nas goelas de tubarões.
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