Porque não sempre?

27 de agosto de 2016 § 15 Comentários

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Artigo pra O Estado de S. Paulo de 27/8/2016

O sucesso das Olimpiadas, o espetáculo dos melhores do mundo desempenhando-se no melhor da vida, é sempre garantido. O produto é irresistível. Embalado no mais feérico dos cenários urbanos da Terra então não tinha erro. Mesmo que nada mais funcionasse funcionaria. Mas não foi só a paisagem. Com tudo o mais constante – os mesmos homens públicos, a mesma quantidade de dinheiro, até menos, as mesmas instituições – desta vez tudo funcionou, e muito bem.

O que foi que fez a diferença?

Ouso afirmar que foi a qualidade da cobrança.

Quando trata do desastre nacional para o público doméstico a imprensa brasileira incorpora não só a linguagem como também as premissas postas pelas partes interessadas no lado “sistêmico” da nossa desgraça. Ao aceitar como irredutíveis e “normais” todos os privilégios de que se apropriou a casta dos políticos e dos funcionários do Estado pesando aqueles 46% do PIB que nos esmagam (36% de impostos + 10% de déficit), tudo que resta aos jornalistas para discutir com os “especialistas” e “cientistas políticos” que aceitam esse mesmo limite é a momentosa questão de “como resolver o problema do Brasil” excluída a alternativa de resolver o problema do Brasil que é precisamente o peso desses privilégios e a metástese da corrupção que necessariamente decorre da aceitação pacífica deles como um meio de vida legítimo sempre ao alcance da mão de todo “concurseiro” ou simples puxa-saco que se dispuser a se bandear do oceano dos explorados para a nau dos exploradores.

As Tentações de Cristo foram menores…

O que aconteceu com a Olimpiada foi um estranho jogo dialético. Sob os ecos da intervenção do “xerife” americano que lancetou o furunculo da Fifa, da Lava-Jato que pela primeira vez abalou a incolumidade da cleptocracia brasileira e da culpa por ter aplaudido o logro do lulismo, a imprensa estrangeira comprou o mau humor da nacional para com a realização dos jogos no meio da nossa maior crise economica e de identidade. E o fez com tanto empenho e azedume que acabou por ferir-nos os brios a ponto daquela “azaração” toda transformar-se na mais recorrente pauta pré-olímpica da imprensa nacional.

Ao passar a cobrir a cobertura da imprensa estrangeira, porém, a nacional inadvertidamente importou junto a superação dos limites que ela própria se impõe ao tratar do drama do Brasil e – das condições da infraestrutura de saneamento, de segurança e de transporte publico para baixo – foi sendo empurrada para um escaneamento fino do Rio de Janeiro que, hipnotizada pelas pernadas e pedaladas dos contendores da luta pelo controle do “Sistema”, ha muito tempo ela se desacostumou de fazer.

Por aqui não se vai nunca à origem última de todas as nossas mazelas porque os jornalistas, especialmente os que convivem em circuito fechado demais com a “côrte” em Brasília, estão tão próximos dela que deixaram de enxerga-la como a aberração que é. O olhar estrangeiro escandalizado com aquilo que concretamente o povo carioca recebe para usar em pleno 3º Milênio resultou em que o Rio de Janeiro fosse revisado de cabo a rabo e cobradas como nunca antes as suas autoridades por tudo que se esconde por baixo dos efeitos visíveis da apropriação do serviço público pela corporação dos seus supostos “servidores”: o Rio como um todo teria de funcionar para que a Olimpíada funcionasse.

E fez-se então a luz, como sói fazer-se sempre que a imprensa faz o seu papel de atrair todos os olhares para onde os problemas realmente estão: da prefeitura carioca à Presidência da Republica não restou a nenhum dos que passaram a ser cobrados sem meias palavaras, nas menores minucias, com a mais desenfreada urgência senão responder com ações enérgicas a tempo e à hora, sob pena de opróbio planetário e perda para sempre da condição de prosseguir na carreira política.

É um santo remédio, e sem substituto conhecido, esse tipo de pressão!

Passado o momento mágico, porém, aquele ímpeto já começa a arrefecer e os debates estéreis sobre como tornar a nossa democracia “efetiva” sem tocar na teta dos impostos dos sindicatos, dos partidos políticos e dos “movimentos sociais” que a falsifica; como “acabar com a impunidade” sem revogar a desigualdade perante a lei que a Constituição consagra; como melhorar a qualidade da educação e do serviço público mantida a indemissibilidade geral e o atrelamento da progressão do salário à chantagem e não ao desempenho, voltam a dominar as telinhas nos intervalos da tragicomédia do impeachment.

É perder um tempo que já não temos. Não ha como consertar o Brasil sem ir à raiz da nossa doença; sem conectar aos representados o fio terra da nossa democracia “representativa”; sem substituir o comércio de privilégios por ferramentas transparentes de educação para a democracia e desinfecção continuada do ambiente do poder como o recall num contexto de voto distrital. Não ha solução mágica, mas esta nos põe de volta numa trajetória ascendente e permite reconstruir, na velocidade que se mostrar possível, esse nosso país em frangalhos.

A Olimpíada provou que, de cima do trilhão e meio de reais que se arrecada por ano em impostos, não nos falta dinheiro nem nos falta “know how” para fazer melhor que os melhores do mundo. Falta, sim, a reverência aos brasileiros que nossos políticos dão aos estrangeiros e, sobretudo, para obriga-los a ela, o foco no essencial e o empenho na cobrança que a imprensa mostrou ao cobrir o Brasil para os estrangeiros mas não mostra quando cobre o Brasil para os brasileiros.

Não é para se ufanar o fato desse Rio de Janeiro da Olimpíada e desse Brasil que funciona só durarem o tempo de uma festa, dessa transitoriedade ser assumida pelos autores do feito e – pior que tudo! – dessa excepcionalidade ser pacificamente aceita pela imprensa que devia falar pelos eleitores. Ser vira-lata, senhoras e senhores, é ter medo de parecer vira-lata … e ficar só nisso.

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§ 15 Respostas para Porque não sempre?

  • Helena Maria de Souza disse:

    Perfeito, Femasin.

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  • Eu ainda não sei como definir o que foi a olimpíada no Brasil. Tô procurando quem comenta para encontrar minha dúvida

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  • Rey Cintra disse:

    O “resultado positivo” da olimpíada no Rio “que funciona”, foi não ter tido grandes problemas de violência urbana e atentados terroristas. O alívio sentido pelo “Cristo Redentor continuar de pé” é o que dá o tom otimista do artigo. Olhando friamente sem patriotadas, o resultado foi um show de erros de planejamento, um espetáculo de má gestão do dinheiro público, uma maratona de corrupção, um recorde de desperdício de recursos. Quando o orçamento está “aberto”, toda a incompetência é escondida pela injeção dos recursos necessários por parte do governo: dinheiro, exército, flexibilização das leis (quanto custou o acordo com a bandidagem dos morros e do tráfico de drogas para a “trégua olímpica” e a realização de obras e serviços sem concorrencia e sem perguntar o preço?). E falando de preço, a conta está na mesa e a cidade continua em estado de calamidade econômica, como decretado pelo governador. Podem as senhoras e senhores orgulhosos do espetáculo olímpico “realizado com perfeição” porem a mão no bolso, porque vão ter que pagar mais – com impostos ou com crise econômica. Não tem almoço grátis, muito menos banquete. Comeram, beberam e festejaram e lucraram os mesmos de sempre e a conta vai também para os mesmos trouxas que mansamente aplaudem o circo mambembe e caro, visto pela televisão.

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  • Carlos Leôncio. disse:

    Perfeito, na mosca.

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  • Fernando Lencioni disse:

    Fernão, eu me pergunto. Será que tem solução para o problema da imprensa no Brasil? Meu pai, o Lencioni Filho, foi jornalista de renome entre as décadas de 60/70. Uma época em que me parece as pessoas tinham mais estofo e existiam dúzias de grandes jornalistas. Atualmente os jornalistas que são festejados, especialmente aqueles que cobrem a política na globo news – eu posso falar sem ferir a ética porque não sou jornalista -, parecem estar fazendo colunismo social. Quando os ouço falando sobre os fatos de Brasília vejo que eles nada mais fazem do que repisar estes mesmos fatos redescrevendo-os como se estivessem falando em libras para surdo-mudos. Nada de se aprofundar. Nada-se pela superfície. A falta de profundidade intelectual chega a ser tão flagrante que por vezes me pego praguejando antes de mudar de canal. Que tristeza. Tenho a sensação de que, tal qual aconteceu com a advocacia, não se está mais formando jornalista, mas operários da comunicação. A pobreza intelectual parece ser o padrão. Assim fica difícil. Aliás, não conheço outro jornalista, senão você Fernão, me permita chamá-lo assim, que tem tratado das mazelas de nosso governo é proposto medidas comprovadas pela experiência para soluciona-las. Infelizmente.

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    • Fernando Geribello disse:

      A par dos comentários feitos, registro, com a devida vênia, uma falha inominável da “Abertia”, qual seja: NÃO apresentaram como imigrantes os italianos, alemães, poloneses, dentre outros, Esses imigrantes fizeram a grandeza dos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, estados que sustentam o Brasil.
      Lamentável!

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    • flm disse:

      não é uma questão de profundidade intelectual, fernando. a imprensa simplesmente esta decidida a não cobrir o que acontece com metade do PIB, quem se apropria dele e como gasta aquilo de que se apropria.
      a questão, infelizmente, é mais objetiva do que os meandros e sutilezas da especulação intelectual. é de esconder a parte decisiva dos fatos que se trata. e sem expo-los e considera-los nos raciocínios, nada pode ir às conclusões e diagnósticos pertinentes…
      abrir um olho e fechar o outro é uma deliberação e não um acidente nem decorrência de um handicap intelectual.

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  • joacibol@hotmail.com disse:

    Canalha! !!@

    Obter o Outlook para Android

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  • José Silverio Vasconcelos Miranda disse:

    O artigo como sempre, coloca o dedo na ferida e na casta de privilegiados. Infelizmente, o jornalismo fatual, sobretudo da televisão,
    obriga o catador de notícias a fazer papel de idiota. A comer barata, a
    comer carne podre de tubarão e outras idiotices. O complexo de vira-
    lata ainda existe e vai sobreviver. A imprensa só se mexeu depois da
    imprensa internacional alertar e denunciar. Tudo no Brasil só tem valor
    se for aprovado pelos de fora, sobretudo aqueles da Grande Democracia da América do Norte. A fome de noticiar a boa repercussão
    da abertura beirava a alucinação. Seus colegas se assemelhavam a
    colegiais em busca do resultado na lista de aprovados no vestibular.
    Ainda precisamos muito de amor próprio é como você ressalta,
    transformar todos os cidadãos iguais, sem privilégios, prerrogativa de
    foro e outras benesses distantes da imensa maioria.

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  • arioba disse:

    Fernando, vc está fazendo um esforço para ver em baixo d’água o que é o iceberg, ainda que achando que o está em baixo, é mera continuação do que está em cima, E NÃO É.
    Acho que os EUA se fizeram em cima de 3 pilastras básicas, e o resto foi efeito ou consequência:
    – CONSTITUIÇÃO PROJETO DE NAÇÃO, feita por estadistas, os melhores que os EUA tinha na época: Jefferson e sua turma. Definiram o “projeto da nação americana”, QUE NUNCA TIVEMOS ATÉ HOJE.
    – AMÉRICA PARA OS AMERICANOS – Ou Doutrina Monroe, pouco importa sua intenção, mas sua “inspiração”. Na natureza a lei é clara, SE VOCÊ NÃO CUIDAR DE VOCÊ ANTES, NÃO CUIDARÁ DE NINGUÉM OUTRO DEPOIS. É egoísmo da Vida que não tem nada a ver com o egoísmo da morte. A nação americana ‘foi feita para o americano’, não copiou a Inglaterra, nem a França, e muito menos Espanha e Portugal. Compare com o Brasil até hoje!
    – RIQUEZA NÃO SE FAZ COM CRÉDITO E JUROS, MAS COM TRABALHO ÁRDUO (Lincoln). Dá para entender a diferença? Hoje os americanos estão vivendo da pajelança dos juros em tudo, no Brasil estamos nas mãos dos banqueiros, e assim é no mundo inteiro. ANTES ESTÁVAMOS NAS MÃOS DE RELIGIOSOS, HOJE DOS BANQUEIROS. Lincoln viu a desgraça, duas crises “financeiras” que resultaram em duas grandes guerras, e a terceira, que está sendo apagada com gasolina, isto é, CRISE FINANCEIRA, APAGADA COM DINHEIRO, dá para entender? ESTAMOS A UM PASSO DA III G.GUERRA, desde os mísseis de Cuba, é só alguma paspalho nos EUA (como os Bushes, ou o maritaca Obama escorregar um pouco mais) ou um idiota comunista como na China e Rússia, resolverem que são “deuses”.

    No caso particular do Brasil, SEMPRE VIVEMOS DE “CORONÉIS DO PODER” NOMEADOS PELO REI, APOIADO PELA IGREJA. A const. de 88 foi um passa moleque ao povo brasileiro dos comunistas que sobraram da limpeza porca e mal feita pelos milicos (milicos usa a submissão, militar a disciplina e a ordem – ditadura se faz com milicos, entende?), e dos “coronéis do poder e do “pudê”. Conseguimos submeter o país à estupidez do comunismo com a imoralidade do coronelismo. Dá para entender em que lama que nos imergimos? E ESTAMOS QUERENDO COLOCAR REMENDOS DE REFORMAS DE PAPEL HIGIÊNICO EM CALÇAS PODRES?
    A Olimpíada foi um “acordo”, o governo fornece o “carvão”, e as empresas FAZEM AS COISAS ACONTECEREM, simples como foi! A Polícia fez o mesmo com a bandidagem, QUE APENAS PRESERVOU SUA ÁREA DE ATUAÇÃO, “não vamos lá, mas se alguém entrar aqui, leva chumbo”. O Rio vive de “acordos da polícia com os bandidos, ela mesma é formada de bandidos, como foi a eleição do comunista gaÚcho que residia no Uruguai, O TAL BRIZOLA. DÁ PARA ENTENDER?
    Precisa de mostrar mais coisas que estão em baixo das águas sujas da política? Não adianta remendar calças podres, caro amigo.

    arioba

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  • Carlos disse:

    Depois do rombo,toma lá mais 3 Bilhões para segurança das Olimpiadas, , então como por encanto os bandidos sumiram, puro refresco , uma obra aqui, outra ali e a mesma indole dos politicos para administrar a Cidade Maravilhosa. Nada vai mudar

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  • Marcos Jefferson da Silva disse:

    O título do texto inicia com um questionamento: “Por que não sempre?” A(s) resposta(s) à aludida indagação vem numa descrição exata das nossas mazelas, decorrentes do pensamento de normalidade dos privilégios que nos assolam e aos poucos nos estão destruindo.
    Essa situação só mudara quando existirem instrumentos capazes de eliminar essas vantagens concedidas pela Corte para seu benefício próprio.
    Voto distrital: para que todo cidadão tenha a possibilidade de cobrar de seus representantes e exigir resultados.
    Recall: caso não atenda os anseios e necessidades dos representados que possa ser substituído sem traumas ou revoluções.
    Mas volto à minha pergunta que expus em outros textos desse site: como será possível introduzir esses mecanismos? Sociedade Civil organizada?
    Parabéns pelo texto.

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  • Luiz Antonio Genaro disse:

    Fernão! Você é o cara para produzir um Artigo: Que Brasil estamos construindo para nossos Filhos e Netos? De picaretas!
    Foi cometido um crime gravíssimo na maior cara de pau, por um Ministro da Suprema Corte guardião da Constituição e pelo presidente do Senado Federal, que escolheram uma Lei que melhor atendesse seus interesses, escolhendo entre: Um paragrafo da Constituição Brasileira que é muito Claro e qualquer assalariado que ganha o salário mínimo pode Interpreta-lo sem a menor dificuldade; Um regimento Interno do Senado; Uma Lei da ficha limpa; Uma Lei de 1950 e outras mais que poderiam ser escolhidas sem o menor constrangimento. Como isso é possível? Já imaginou o que está acontecendo nos tribunais inferiores? Existe uma Lei que será escolhida para o Assalariado; Será escolhida uma Lei para quem paga a conta o empresário; Será escolhido uma Lei que pune o criminoso que vai depender da cara dele e será escolhido uma Lei para o Ladrão de galinhas. Para Uma coisa está servido tudo isso! Estamos entendendo como funciona as Instituições. Perdemos a noção do que o Bem e Mau! E nossos representantes excelentíssimos senadores estão tratando o País como o Brasil como se fosse um “Botequim”. Um Juiz Interpreta a Lei do Jeito que ele quiser? Um advogado interpreta Lei do jeito que ele quiser? Que Justiça é Essa? Cada classe social tem a Lei que merece? Ou a Lei é igual para todos: Trabalhadores; Empresário; Investidor; Funcionário Publico; Politico…. Isso é muito Grave! Os partidos que se dizem estar ao lado dos mais pobres, estão transformando o Brasil em uma grande Favela. Veja como era o Rio de Janeiro Antes e Depois do Brizola? A Quantidade de favelas que surgiram após o governo Brizola é impressiona! Será que os pobres querem isso? A maioria das propostas dos candidatos para prefeitura de São Paulo a solução para as favelas é Urbaniza-las. Eles deveriam morar num barraco de favelas para saber o que é bom! Os problemas das favelas estão nas Leis, principalmente na Lei Federal 6766! Ante dessa Lei era a Lei 58 que dividia em lotes com metragem minima, cada um pega sua escritura do seu terreno, pegava uma planta da prefeitura dentro dos padrões e construíam suas casas, na medida que vai construindo as casas vai instalando os serviços públicos como: água, luz, saneamento básico, Como um pobre pode pagar toda infraestrutura de um empreendimento como determina a Lei 6766. Terreno legalizado é só pra rico! O preço m2 da construção na Vila Nova conceição é o mesmo da Favela. Só muda o material

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