A sangue frio
22 de dezembro de 2015 § 12 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 22/12/2015
A semana que passou foi a da definição dos papéis dos diversos atores da tragédia brasileira. Personagem por personagem, cada um veio à boca do palco para dizer à sua descendência e à História: “Eis aqui o que eu sou…”
Renan Calheiros e o PT oficializaram a lambuzagem de mucosas em que vinham entretidos, nascida das suas “afinidades eletivas”. Tendo construido, os dois, a sua trajetória política em cima do tripé corrupção, violência e exploração da miséria, quase sempre à margem da lei, a aproximação da polícia que vem no seu encalço desde Curitiba tornou claro que uma eventual afirmação do império da lei sobre o padrão histórico de negação dele na tradição brasileira configuraria, inapelavelmente para ambos, o fim final da picada.
A admissão formal da superação das variações do discurso com que cada um justificava os seus “malfeitos” em troca de uma garantia mutua de impunidade impos-se, assim, como um imperativo de sobrevivência. Renan Calheiros e Dilma Rousseff são, agora oficialmente, a perna direita e a perna esquerda do PT, que não permanecerá em pé se qualquer das duas vier a ser quebrada.
Ao dar com exclusividade a Eduardo Cunha o que já estava devendo ha muito mais tempo a Renan Calheiros, o “porteiro do impeachment”, Rodrigo Janot também confirmou o que já sinalizara: ele é o procurador geral de Dilma Rousseff antes de ser o procurador geral da república.
Completou o quadro o “Eu também, Brutus! Eu também!” com que oito ministros do Supremo Tribunal Federal sacramentaram, na quinta-feira passada, o “Ato Institucional” que resulta no virtual “fechamento” da Câmara Baixa do Congresso Nacional mediante a suspensão autocrática da vigência do artigo 51 da Constituição e a determinação de que, seja o que for que os representantes eleitos dos 204 milhões de brasileiros venham a decidir, mesmo por maioria de 2/3, bastam metade mais 1 dos “liderados” do “porteiro do impeachment” plantado no Senado – e em alguns casos até uma simples decisão solitária dele – para anulá-la como se nunca tivesse sido tomada.
O 18 de dezembro entra para a História como a data em que se tornou inapelável a falência múltipla das instituições e da segurança jurídica sem as quais não ha sustentação da vida econômica que Dilma Rousseff já vinha antecipando com os repetidos julgamentos de si mesma endossados pelos “seus” juristas e pelos “seus” legisladores em frente às câmeras de televisão, acompanhados da condenação como “golpe” a ser enfrentado com uma conflagração aberta qualquer afirmação em contrário dos juristas e dos legisladores do Brasil, agora calados por ordem superior e sem possibilidade de apelação.
O “AI-6” do STF é, portanto, apenas o encerramento formal da etapa deste desastre que interessa exclusivamente a Brasília e aos jornalistas brasiliocêntricos. Para a falecida economia do Brasil Real que não pode ser matada mais do que já está morta ele é apenas o atestado de óbito.
Como se ha de recordar, ninguém impôs o ex-ministro Joaquim Levy ao flagelo Dilma Rousseff, foi ela própria quem o escolheu. Versado em aritmética que é, como todo bancário que se preze, não demorou muito para que ele demonstrasse incontestavelmente até para alguém com as características de Dilma Rousseff e da gente que a cerca quais eram e para onde nos levariam os numeros que estavam postos e a impossibilidade física de continuar fazendo das palavras atos que enchessem de novo o Tesouro Nacional esvaziado, mesmo oferecendo, por cima dos 15% a que já chegamos, a pele de todos os brasileiros vivos e ainda por nascer a quem se aventurar a nos emprestar dinheiro que valha alguma coisa.
Foi aí – nessa demonstrada e re-demonstrada inexistência de alternativa para sair desse buraco sem uma reforma profunda do Estado – que a questão realmente “pegou”, deixando o país paralisado à espera de que Dilma e cia. se refaçam do choque. Pois, de fato, como o Estado brasileiro é o PT e, mais especialmente, a gordura mórbida de que ele vem sendo recheado nos últimos 13 anos; como tudo que resta ao PT é essa rarefeita militância que ele ainda consegue a duras penas por na rua constituída pelo funcionalismo público “enfiado” e mais as agremiações diretamente assalariadas do Estado que a imprensa condescende em continuar chamando de “movimentos sociais”, a escolha muito prática e concreta que se apresenta ao PT é reduzir o tamanho do PT para reabrir espaço para o Brasil, ou deixar que o Brasil exploda.
Esta é a faceta menos compreendida da tragédia brasileira: a massa da opinião pública não conhece esses numeros que o ministro Levy passou um ano exibindo nas lousas das salas de reunião do Planalto e que se mostraram bastantes para convencer até mesmo o PT de que não ha alternativa para salvar o Brasil da mutilação senão incluir na crise também e principalmente os eternos “sem crise” que sempre as fabricam mas nunca as vivem. Tendo se autocondenado à amplificação do que lhe dizem fontes oficiais, à reprodução das denuncias e dossies a que lhe “dão acesso” as partes em conflito ou a relatar o que fazem a Policia Federal e as células ainda vivas do Poder Judiciário, a imprensa brasileira simplesmente não tem trabalhado o mapeamento do Estado petista e suas medidas auto-explicativas que, postas ao lado das medidas do Brasil Real em desmoronamento, conduzem automaticamente às respostas certas. E isso desfoca e dispersa a força de pressão sem a qual não se corrigirá o rumo a favor do Brasil.
Com o “ataque em pinça” da semana passada o PT comunicou à nação a sua decisão. Com a manobra que excluiu formalmente dessa discussão todos os representantes eleitos dos 204 milhões de brasileiros, o Supremo Tribunal Federal deixa, na prática, aos agentes patológicos da doença instilada nas veias da economia brasileira a decisão em circuito fechado com a sua própria representação política, da sua remoção ou não da corrente sanguínea que parasitam.
Conformar-se com essa violência é um caminho sem volta.
Marcado:demissão de joaquim Levy, Dilma, Eduardo Cunha, golpe da Dilma, golpe do impeachment, golpe do STF, impeachment, Joaquim Levy, Jornalismo, jornalismo político, Nelson Barbosa, Rodrigo Janot
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Prezado Fernão
A impressão que tenho, já que li o seu artigo no Estadão,
é que o editorial Sob o império da lei, também de hoje, contradiz as
suas convicções.
Talvez possamos concluir que sua referência ao não mapeamento do
estado brasileiro (não apenas o petista) não tem merecido o aprofundamento
que se esperaria do seu jornal? Parece que o Globo tem esses dados.
A reforma não virá sem sangue quente…
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com certeza, norival, minhas criticas ao jornalismo que se pratica hoje incluem o de OESP, e especialmente o dele.
embora meu nome apareça no expediente, não tenho nenhuma responsabilidade pelo jornalismo que se faz la – represento apenas um grupo de acionistas minoritarios no conselho de administração – dai minha redobrada preocupação de deixar claros os pontos sobre os quais discordamos.
sim, o globo é o unico jornal que eventualmente trabalha a realidade do estado brasileiro em nivel de reportagem, como tenho mencionado em outros artigos sobre o tema.
pena q as tvs do mesmo grupo – mesmo as fechadas – nao o façam nunca.
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Ou a sangue derramado!
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Acrescente, ” ao enfrentamento há que atropelar a democracia” segundo a Dilma o que não é novidade começando pela lei que deve servir a ela e ao petismo, pra quem a democracia só serve ao seus interesses.
Belo exemplo bolivariano.
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Correção,
Ela disse que tem que enfrentar aos que querem atropelar a democracia. Deve, portanto, estar falando de si própria e suas ações começando invadindo os outros dois poderes especial no Legislativo que o entende a seu serviço tal qual procedeu o Lula.
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Republicou isso em hundrsen.
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A Constituição do Brasil precisará ter algum mecanismo que dê aos brasileiros uma ferramenta emergencial que possa ser acionada quando os poderes constituidos tornarem-se corruptos ,como se tornaram, e sequestrarem o País.Os brasileiros precisam de uma ferramenta para sairem do cativeiro qdo nele forem lançados .
Eu acho que o foco dos pensadores do Brasil tem de ser este agora:qual ferramenta temos para escapar desse aprisionamento?e se não temos,como parece que não temos,qual seria ela?Essa é a discussão que precisa começar a tomar corpo e que a imprensa ,que se preocupa,deveria focar .
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Luís Roberto Barroso,um ministro da mais alta corte de justiça do País é um vigaristinha sem-vergonha,indicado por Dilma Rousseff ao cargo,aliás!Como se faz para dar um impeachment nesse calhorda?Como se faz para cancelar essas decisões espúrias desse tribunal de araque?http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/o-video-desmonta-a-vigarice-protagonizada-por-barroso-para-barrar-o-impeachment/
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Como este Site já o demonstrou exaustivamente a solução seriam eleições com voto distrital e, principalmente, com recall.
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“Aux armes,citoyens !”
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quels armes?
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Tous
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