Notícias da democracia – 1

20 de junho de 2017 § 16 Comentários

Representação e eleições especiais

Como já mencionei em matéria anterior, não se elege “suplentes” para nada nos Estados Unidos. A fidedignidade da representação das pessoas, e não dos estados ou de qualquer outra entidade abstrata ou paisagística como acontece no Brasil, é a essência do sistema democrático e, portanto, nada nesse processo pode ser delegado. Só o eleitor põe e só o eleitor depõe. E somente com o sistema de eleição distrital pura, onde cada pedacinho do país perfeitamente delimitado e com eleitores identificaveis nome por nome, elege um único representante, é possível garantir a absoluta fidelidade dessa representação.

Em maio passado o republicano Jason Chaffetz, eleito pelo 3º Distrito do estado de Utah, que compreende cinco municípios e mais uma parcela de Salt Lake City, para o Congresso Federal em Washington, anunciou que renunciaria ao seu mandato em 30 de junho próximo. Isso disparou o processo de “eleição especial” para a sua substituição que teve início com convenções dos partidos no ultimo fim de semana e passará ainda por uma eleição primária em 15 de agosto e por eleição direta em 7 de novembro.

Utah está dividido em 4 distritos eleitorais com cerca de 700 mil habitantes cada (o mesmo numero, aproximadamente, de todos os outros distritos do país inteiro para eleições para o Congresso Nacional) e, portanto, elege 4 representantes federais (alem de dois senadores).

Outra preocupação central da democracia americana é derrubar as porteiras de entrada na política. Na virada do século 19 para o 20, o controle dessas porteiras por velhos caciques políticos mancomunados com os famigerados robber barons, empresários cujo poder de corromper crescia exponencialmente com a proteção que compravam aos políticos cuja eleição financiavam, exatamente como os nossos “campeões nacionais”,  tinha mergulhado a democracia americana num círculo vicioso que levou o país a crises sucessivas e quase liquidou com o regime pela desmoralização.

Desde então, com a adoção, cidade por cidade, estado por estado, de ferramentas de democracia semi-direta como “recall” ou retomada de mandato, referendo e leis de iniciativa popular, reformas sucessivas vêm aperfeiçoando o sistema pelo país afora.

Respeitadas as regras nacionais que definem o tamanho e os limites de cada distrito eleitoral e as regras de controle e prestação de contas dos gastos de campanha, os eleitores de cada estado podem inventar o seu próprio jeito de escolher seus representantes. Em Utah, desde 2014, além da escolha pelos delegados de cada partido que seria o “caminho normal” para uma indicação a uma candidatura, qualquer outro filiado que apresentar 7 mil assinaturas válidas terá de ter sua candidatura apreciada pelos convencionais do seu partido, mesmo que eles não o tenham escolhido espontaneamente. É uma regra “anti-caciquia”, por assim dizer.

Para candidatos independentes dispostos a tentar a sorte sem contar com a força eleitoral dos partidos estabelecidos o caminho é ainda mais desimpedido. 300 assinaturas válidas de eleitores do distrito em jogo permitem que ele concorra na eleição final. As eleições municipais, como já expliquei em outros artigos, são apartidárias. Concorre quem quiser.

Um total de 21 candidatos declararam sua intenção de concorrer a essa “eleição especial” de Utah entre eles 13 filiados ao Partido Republicano e tres ao Partido Democrata. Sábado passado esses partidos fizeram convenções para fazer a primeira seleção dos seus candidatos à vaga. O candidato democrata ficou definido em uma única votação. O republicano precisou de cinco até que um único candidato obtivesse a maioria. O Partido Libertário e o Partido Independente locais também escolheram representantes. Outros dois candidatos sem partido qualificaram-se pelo sistema de coleta de assinaturas.

Utah não fazia uma eleição especial para preenchimento de vagas desde 1930. E o 3º Distrito tem eleito republicanos em sequência desde 1998 por margens superiores a 25%. Mas isso expressa a exata vontade dos seus eleitores. Como se pode ver pelas regras descritas, as portas estão abertas para quem quer que queira se oferecer a eles.

Neste ano de 2017 esta é a sexta eleição especial convocada em todo o país para a substituição de congressistas.

* Na medida da oportunidade darei sequência a esta série

 

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§ 16 Respostas para Notícias da democracia – 1

  • Marcos andrade moraes disse:

    n ada como bons exemplos; parabéns. MAM

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  • Fernão,

    Aqui no blogue, você está pregando para plateia já convencida. Sua luta merece repercussão maior. Lembra-se do deputado Nélson Carneiro, que batalhou durante uns 20 anos até que conseguiu emplacar a lei do divórcio no país? Se é importante insistir, melhor ainda será fazê-lo com megafone.

    Quando se tem uma boa causa, como a sua, vale a pena tentar voo mais alto. Por que é que você não se candidata a deputado? A Câmara Federal seria uma excelente câmara de eco (desculpe, mas não resisti ao jogo de palavras). Fica aqui a sugestão.

    Cordialmente

    José Horta Manzano
    BrasildeLonge.com

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  • Saulo Mundim Lenza disse:

    Infelizmente para nós brasileiros, voto distrital é apenas uma utopia,
    Câmaras de deputados e de vereadores, assim como o congresso, estão infestados de políticos nocivos..

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  • Carmen Leibovici disse:

    bons exemplos,que funcionam bem,existem para serem copiados e/ou servirem de influência.e assim que se vai aprimorando,porque sem aprimoramento não se vai a lugar nenhum.
    só chacoalhando para o Brasil sair do estado modorrento(gostei da definição)

    gostei da foto da estatua da liberdade abraçada ao cristo redentor.

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  • Wilson Rodrigues disse:

    Fernão, tudo muito bacana, muito correto, mas tem uma coisa muito importante que você deveria explicar aos leitores: como e do que vive um deputado ou senador americano, ou mesmo um vereador ou equivalente, para que mais brasileiros saibam o quanto custa a maquina politica americana, além é claro da real motivação do cidadão para entrar ou permanecer na politica.

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  • faria13 disse:

    Com a corrupção estratosférica no país quando é que nossos parlamentares deixarão implantar o distrital puro. Teremos que bolar uma estratégia.

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  • Olavo Leal disse:

    No meu comentário passado (ontem), tratei da distribuição tributária,notoriamente perniciosa para os Estados (26) e Municípios (5660), que ficam com pouco menos de 30% do bolo.
    Aproveitando a deixa de hoje (Representação), ataco o, a meu ver, segundo obstáculo a ser vencido, para, juntamente com o voto distrital puro com recall,atingirmos a plenitude democrática decorrente da implantação do verdadeiro federalismo no País.
    Há necessidade de se nivelar a representação popular na Câmara Federal, onde hoje os estados mais populosos (SP à frente) são totalmente sub-representados.
    Com cerca de 22% da população nacional, SP deveria ter 22% da representação na Câmara, correspondendo a 111 dos 513 deputados. Mas só tem 70 representantes, limitação imposta pela Constituição/1988. Os demais Estados mais populosos (e maiores produtores de riquezas) também são sub-representados, embora com distorção menor que a de SP.
    Há de se lembrar que os deputados representam a população e o Senado representa os Estados, igualitariamente (3 representantes por Estado, independentemente da sua população). Essa solução (duas Casas) deveria atender a todos os anseios da população.
    Claro que a ilógica distorção é algo a ser banido, a fim de que cada brasileiro tenha o mesmo peso nas decisões da Câmara Federal.

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  • Toledo disse:

    Não subestimemos a capacidade da classe política em distorcer os mecanismos democráticos. Olha só essa:

    “Enquanto o STF julga se Edson Fachin pode manter a relatoria da delação da JBS, a CCJ do Senado aprovou a PEC do “recall” — a possibilidade de o mandato do presidente da República ser revogado se, no mínimo, 10% dos eleitores que votaram na última eleição presidencial assinarem uma petição nesse sentido.
    No caso de a petição atingir essa porcentagem mínima, seria convocado um referendo.”

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    • Fernão disse:

      é o tipico golpe bolivariano.
      nem onde tem recall existe recall para presidente pela razão obvia de que a simples convocação por qualquer numero de assinaturas menor que 50% + 1 implica em destituição do representante eleito da maioria por uma minoria, ou seja, golpe.
      por isso o recall so vai ate o nivel estadual, o maior em que se pode fazer uma eleição distrital, a unica q permite definir com exatidão quem representa quem.
      dai pra cima so impeachment por crime tipificado PREVIAMENTE na lei de impeachment

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  • Ben disse:

    O interessante é que a maior destinação de verbas para esse tipo de campanha eleitoral nem sempre funciona. Acabou de acontecer na
    Geórgia, aonde a candidata republicana ganhou, apesar da obstinação dos democratas. As doações de celebridades de outros estados acabaram pegando mal entre os eleitores locais.

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  • luizleitao disse:

    A “reposição” de parlamentares, em determinados países, se dá por um mecanismo chamado by-election:

    http://www.macmillandictionary.com/dictionary/british/by-election

    Assim, não há mesmo suplentes, e sim a escolha de um sucessor de determinado parlamentar que tenha morrido ou deixado o cargo, por renúncia ou recall.

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