Na rota do suicídio

3 de fevereiro de 2016 § 14 Comentários

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 Artigo para O Estado de S. Paulo de 3/2/2016

O pacote do dinheiro do FGTS, seja para “turbinar o consumo” ou simplesmente “dar um gas na economia”, mostra que a Dilma, ou o PT ou quem quer que esteja regendo essa banda, se é que alguém está, não entendeu ainda de que é feita a crise. E como a crise é feita exatamente da persistência dessa obtusidade; dessa incapacidade de entender que os fatos não atendem chamadas à ordem unida nem com mandados expedidos pelos solertes ministros do colendo Supremo Tribunal Federal, com mais crise ficamos cada vez que eles se movem.

O problema real está identificado e admitido desde o momento em que se aceitou sem aceitar a subida de Joaquim Levy ao palco. Ele demonstrou matematicamente à Dilma e ao PT que não ha como reduzir o tamanho da diferença entre o que se gasta e o que se arrecada até o ponto que se requer para ressuscitar a economia sem reduzir drasticamente o tamanho desse Estado que foi dado em pagamento à militância do partido, a seus associados e à nova “nobreza” que acha que R$ 120 mil por mes por “cliente” disputando o seu quinhão é “um preço irrisório para emprestar o seu prestígio” às sucessivas operações de compra de eleições, de “governabilidade” e de boladas de dinheiro público dos últimos 13 anos. Desde então a perspectiva de perder dedos e anéis os têm mantido, a todos, paralisados.

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São incontáveis as formas de parasitismo que explicam como um país tão rico quanto o Brasil pode ficar tão pobre. Para efeito dos procedimentos de emergência para a reanimação cardiorrespiratória de uma economia em colapso teriam de ser abordadas ao menos as quatro grandes “contas do apocalipse”: a da Previdência (com rombo indo de R$ 58 para R$ 85 bi/ano), a da desordem tributária (passando de R$ 2 tri em 2015), a da obesidade mórbida da folha de pagamentos da União (R$ 129 bi em 2015) e a do estupro “trabalhista” sistemático do empregador brasileiro (passando a casa dos R$ 60 a dos R$ 70 bi/ano).

A esta altura o PT inteiro já entendeu que o país não se salva sem mexer profundamente nisso. Mas como o partido é dominado por velhotes encantados com o que o poder tem feito pela qualidade dos seus fins de semana – “et aprés eux  le déluge” – os que olham para horizontes mais longos, os que ainda conservam pruridos de outra natureza e contemplam a ideia de recuar dois ou tres passos em favor dos miseráveis do Brasil só reunem coragem para, quando muito, balbuciar quase propostas que, invariavelmente, engolem de volta ao primeiro “Quiéquiéissocompanheiro”?! dos espertalhões que conhecem-lhes a suscetibilidade ao reflexo pavloviano estilo baixo século 20 que lhes foi incutido na faculdade. E aí, mais um milhão de famílias são atiradas ao pântano da insegurança alimentar, mais uns tantos bilhões de reais deixam de ser arrecadados, a pena retroativa a trabalhos forçados da nação salta dos 10 para os 20 anos, e o “debate político” fica reduzido à especulação sobre se quem está montando as apresentações da “presidenta” sobre “aquilo de que não se ousa dizer o nome” à “sociedade civil” nacional e estrangeira é o Nelson Barbosa ou o João Santana…

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O país está diante de opções de urgência urgentíssima sobre as quais, até ha bem pouco tempo, não se podia sequer cogitar. Ocorre que o fogo se alastrou até àquele ponto em que pular da janela torna-se a única opção segura e esse momento encontra o PT na rara contingência de só poder fazer oposição a si mesmo, o que põe as pessoas certas nas posições certas em matéria de “condições objetivas” de se quebrar velhos tabus.

Dilma abraçou a causa da reforma da Previdência pelo estabelecimento de uma idade mínima. Falta dizer qual para que a discussão comece, é verdade, mas a causa já está abraçada. Abraçou também a da desvinculação das verbas orçamentárias que torna outras contas “mexíveis”. Tudo isso era impensável até pouco antes dela aprender a dizer “por favor”, o que comprova que o que tem de acontecer tem mesmo muita força.

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É daí para a frente, porém, que a conversa descamba para duas determinações em tom anterior ao milagre dos “pedidos encarecidos”: ela quer porque quer mais uma CPMF e repete sem parar que qualquer medida do ajuste “tem de respeitar direitos adquiridos”. Isso coloca o Brasil e o PT em campos opostos. Quem tem “direitos adquiridos” no Brasil é o setor público e o setor público é o PT. O que caracateriza esta crise é extatamente a ultrapassagem de todos os limites, por efeito de acumulação, do maior e mais injusto desses “direitos” que é o de fabricar crises sem sofre-las. Não ha saída, portanto, sem a revisão do conceito mesmo de “direito adquirido” pois, tanto quanto o de “igualdade perante a lei”, o antídoto inventado no século 18 exatamente para substituir pelo “merecimento” a legitimação dos direitos que hoje se “adquire” por outorga de privilégio como prêmio pela cumplicidade com o crime, o conceito de “direito adquirido” é como a virgindade. “Direito adquirido” e “igualdade perante a lei” são coisas que se excluem mutuamente por definição; qualquer um dos dois não existem pela metade, ou se tem ou não se tem.

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Mais uma CPMF? Depois das (quantas?) que já nos arrancaram via o escorcho do petroleo barato com gasolina cara, da eletricidade multiplicada por três, da falta de correção do IR e da “derrama” geral que a cada dia anuncia mais um tiro nos empregos que sobram? E pra quê, se não se tapar antes o ralo?

A discussão, dentro do PT, é sobre um Brasil resumido a Brasilia onde só se estabelece quem for selecionado pelo demérito. Ela gira exclusivamente em torno de quem vai pagar essa conta, sendo a sua primeira e única “condição” a de que aquele Brasil de Brasília não paga um tostão.

Aqui fora, onde todos são avaliados online, minuto a minuto, e só se estabelece quem foi selecionado pelo mérito numa disputa planetária, a discussão é como sobreviver até amanhã carregando o outro nas costas cagando-lhe incessantemente regras que ele próprio não cumpre, por baixo de um cartaz que ameaça com dois anos de prisão quem reclamar do mau serviço que lhe for intrujado.

Continuar com isso mais tres anos é puro suicídio.

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§ 14 Respostas para Na rota do suicídio

  • Alexandre J disse:

    Brilhante – Parabens!

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  • Fabio de Araujo disse:

    Tenho insistido em comentários, seja no Forum dos Leitores, do Estadão, neste último domingo (pag A2) que a cínica e mentirosa Dilma insiste em aprovar a cmpf por duas razões: pagar os custos e despesas (salários, benefícios, infra-estrutura para acomodar a militância) com os 130 mil militantes petistas que ocupam cargos no órgãos federais desde 2003 (algo como R$ 40 bilhões/ano); usar ou desviar parte desse dinheiro para a pretensa campanha de Lula em 2018. A cpmf primeiro lugar é uma aberração tributária, pois não tem fato gerador econômico e relevante. Como disse o prof Rolf Kuntz, com o qual encontrei-me por acaso recentemente, paga-se um tributo pelo mero ato de comprar alguma coisa. Ele citou o seguinte exemplo: como se contribuinte pagasse o pedágio na estrada e ainda pagasse um valor a mais para a que a chancela do pedágio se levante para o veículo passar. Em segundo lugar, não há mais espaço para aumento de tributos. Pelo contrário, deveria ser reduzida com urgência a carga tributária global da ordem de 33%, pois o país não gera riquezas para esse nível de tributação, sobretudo porque o retorno em termos de serviços (segurança, saúde, educação), benfeitorias, investimentos em infra-estrutura é muito baixo.

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  • Milton Golombek disse:

    Mais uma vez parabéns pelo excelente artigo.

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  • Ricardo disse:

    você escreve excepcionalmente bem. Parabéns.

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  • Acho que o PT sabe exatamente o que precisa ser feito para resolver o problema, mas não pode fazer medidas anti-populares.
    O PT nomeou o Levy, mas não apoiou publicamente nenhuma de suas pautas.
    O PT sugere reforma na previdência e uma nova CPMF, mas ontem mesmo, o próprio PT se declarou contra…
    Eles querem desesperadamente que a oposição passem no congresso as medidas anti-populares, enquanto as critica publicamente.
    É muita criancice pro meu gosto… Neste ponto concordo plenamente com o texto: mais três anos nesse ritmo será um suicídio.

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  • Pula, Dilma !!! O teu “criador” já está lá embaixo para te amparar.

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  • “abordadas ao menos as quatro grandes “contas do apocalipse”: “
    “Continuar com isso mais tres anos é puro suicídio.”
    O Dr. Antônio José Ribas Paiva tem proposto a Intervenção Constitucional prevista no artigo 142 da nossa Constituição “Cidadã”. Eu estaria de acordo com ele, se os interventores assumissem publicamente, para início de conversa, pelo menos UM compromisso:
    – Já no primeiro dia, impreterivelmente, o Congresso votar uma única modificação na Lei de Responsabilidade Fiscal, qual seja: diminuir para 30% o gasto com o funcionalismo público, que hoje é de 50%.
    – No segundo dia, impor a mesma disciplina em TODAS estatais ainda em funcionamento.
    Depois disto, teremos tempo de debater um novo Contrato Social, pois o atual já deu o que tinha que dar. É uma colcha de retalhos se esfiapando.
    http://capitalismo-social.blogspot.com.br/2016/02/61-passos-para-implantacao-do-ante.html

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  • Luiz Barros disse:

    taxistas x uber

    artigo jurídico e íntegra de decisão (liminar) do TJSP datada de ontem – 2/02/2016

    http://emporiododireito.com.br/o-uber-e-legal-decide-o-tjsp-por-charles-m-machado/

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  • Tony Abreu disse:

    muito mal infelizmente

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  • Edgard Poças disse:

    Caro Fernão

    Seguem duas reflexões do grande Noël (com trema) Rosa, que ainda tem muito a ver:

    Comparo o meu Brasil
    A uma criança perdulária
    Que anda sem vintem
    Mas tem a mãe que é milionária.

    O carnaval nada mais é do que uma amostra,
    na Terra,
    de como será o inferno no céu.

    Abraço saudoso das mossas serestas.

    edgard poças

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  • Sônia Denise Fernandes Mondadori disse:

    Prezado Fernão;
    Após leitura de seu brilhante artigo, o congresso nos brinda com mais tempo de “salário-paternidade”!
    Dizem que para se corrigir erros, primeiro é necessário reconhece-los.
    Com o pensamento dessa maioria que insiste em permanecer de “tapas”, temos esperança de chegar lá …?

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  • Porto-Rio disse:

    Brilhante artigo. O avanço sobre os recursos do FGTS, poucos meses após o sequestro de 70% dos depósitos judiciais para oxigenar momentaneamente a União, Estados e Municípios refletem a urgência das reformas e o quadro de calamidade das contas públicas privatizadas pelo PT. Por outro lado, tb em situação financeira deprimente, mas sem direito a contabilidade criativa estão as médias e grandes empresas nacionais suscetíveis de acordarem numa bela manhã com a notícia do acionamento dos “covenants” por parte dos credores em razão dos ratings.

    Enquanto isso, a mescla de Rainha Maria I e Alice no País das Maravilhas que preside o país sobre selim de uma bicicleta continua vendo o mundo cor-de-rosa…

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