O que fazer depois do grito

30 de março de 2016 § 18 Comentários

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Artigo para O Estado de S. Paulo de 30/3/2016

Grito da Independência“; “Proclamação da Republica“; “Abaixo a ditadura”!; “Fora Collor”; “Fora Corruptos“! Até aí nós sempre conseguimos chegar. O problema tem sido o que fazer em seguida.

Criar uma consciência política“; parir com discursos “uma consciência cidadã“; esperar que desça do céu mais “honestidade na politica“; tudo isso não passa de reza. Não existe a hipotese de fazer “a” reforma politica ou mesmo “uma” reforma politica (ou tributária, ou judicial, ou eleitoral, ou…). É ilusão acreditar que coisas como essas possam ser “resolvidas” de uma vez para sempre e por “alguém” além de nós mesmos.

A politica – a arte de organizar a vida em sociedade – é jogo para ser jogado por todos e conforme vier a bola. “Falta de cultura de participação” não é causa, é efeito da doença política latina e brasileira. Participação política só vira “cultura” mediante o incentivo do efeito; só se estabelece onde participar realmente muda o resultado do jogo. Fora daí cai-se no conformismo e nas explosões esporádicas de ódio revolucionário.

No fim das contas não ha nada de tão sofisticado assim neste nosso embate. Não é de modelos econômicos que se trata. Nunca foi. Não ha projetos antogônicos em disputa nem no país, nem no mundo. Joaquim Levy ou não Joaquim Levy foi um dilema exclusivo do PT. Ninguém de fora interferiu. Por cima da corrupção e da incompetência que se vê o que está em jogo é o mesmo de todo o sempre: dinheiro ganho no mole; a força viciante do privilégio e o poder quase divino que rende distribuí-los.

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Isenção de impostos, lucro sem risco, o pódio via BNDES. Mais de 12 “bolsas familia” foram distribuídas aos “empresários” do “capitalismo de compadrio” que se instalou. Emprego garantido pela eternidade, aumentos de salário sem entrega de resultado, aposentadoria de rei e “hereditária”. Só os 980 mil aposentados e pensionistas do governo federal (ponha 25 estados e 5.570 municipios de molho) geram um déficit na Previdência de quase R$ 93 bilhões por ano, mais do que custam todos os 32,7 milhões de aposentados e pensionistas do resto do Brasil inteiro. Como deter a corrupção se o estado continuar tendo a prerrogativa de distribuir (ou vender) “bens” desse valor a quem bem entender?

Um país em pane de instrumentos, sem noção do tamanho do buraco em que se meteu, segue recusando-se a encarar as fontes das suas contas apocalípticas. E, no entanto, era de alertar ou não o país para a realidade e agir antes da eleição que se tratava. Era de abrir ou não o precedente de cortar tais privilégios que Joaquim Levy tratou com Dilma. Continua sendo essa a grande questão. Mas só o que há são expedientes para salvar privilégios e comprar cumplicidades e votos que garantam a eterna delícia de viver de e para a distribuição de dinheiro descolado de trabalho.

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Agrava tudo o isolamento de Brasília, essa nossa “Versalhes” que mantem toda a corte, jornalistas inclusive, irresistivelmente atraída pelos “brioches” da luta pelo poder e alheia à luta da multidão pelo “pão” de cada dia. Mas não é propriamente uma novidade. A civilização é a presença da policia. O homem será o lobo do homem sempre que puder se-lo impunemente, seja onde for, seja sob que carga cultural for. A Alemanha foi de Bach ao Holocausto essencialmente porque o Holocausto foi liberado pela polícia. Steve Jobs, o Leonardo da Vinci cibernético, foi da reinvenção da vida como ela era à exploração da miséria na China apenas porque a globalização lhe permitiu produzir para os Estados Unidos fora do alcance da polícia dos Estados Unidos. O Brasil mergulhou de cabeça na corrupção e na mentira porque o governo liberou geral a corrupção e a mentira.

Com ou sem PT, o remendo que se conseguir dar ao desastre que aí está será não mais que um remendo. A emergência é inimiga da perfeição. É preciso mudar tudo, sim. Mas terá de ser por partes. Não existe a “bala de prata” que mate o bicho de uma vez para sempre porque democracia não é um destino ao qual se possa finalmente chegar; democracia é um manual de normas de navegação para uma viagem que não termina nunca e que cada um tem o direito de fazer na direção e na velocidade que achar melhor desde que não pise nos calos dos outros. Mas existe, sim, a possibilidade de transformar reforma permanente, por ensaio e erro e ajustes sucessivos como elas têm de ser num mundo em constante mudança, na essência do sistema como é próprio das democracias, tambem ditas “sociedades abertas“.

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A promoção da meritocracia, que impõe a busca da igualdade de oportunidade e para a qual o privilégio e a corrupção são as únicas alternativas, só entra no setor público se entrar antes na política. A impunidade só acaba se acabar para o primeiro da fila. Nos sistemas representativos em regime de maioria sob o império da lei, manda quem tem a última palavra na formulação das leis e na construção das instituições. Voto distrital com recall é a tecnologia que tira dos políticos e transfere para o povo a última palavra em tudo que afeta a vida em sociedade; que faz a participação de cada um na política fazer toda a diferença; que põe a permanência no emprego de qualquer político na dependência de fazer a reforma que seu eleitor quiser na hora que ele quiser; que os submete ao mesmo regime de incentivos e penalidades a que estamos submetidos todos nós aqui fora; que põe Brasília dançando para a mesma música que o Brasil … e que faz tudo isso sem deixar poder excessivo na mão de ninguém.

Desde 2013 o Brasil vem ensaiando nas ruas a conquista da sua maioridade. Mas não tem conseguido definir um horizonte que lhe permita estabilizar esses ensaios num vôo de longo curso e com rumo definido. Para sonhar com um Brasil institucionalizado onde caiba a vitória do bem, conquistar o direito à última palavra sobre o nosso próprio destino é a única coisa adulta a fazer.

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NO POST ABAIXO DESTE, TUDO SOBRE VOTO DISTRITAL COM RECALL

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§ 18 Respostas para O que fazer depois do grito

  • José Luiz de Sanctis disse:

    Além da corrupção financeira, que é terrível pois assassina pessoas nas filas dos hospitais, pela falta de segurança pública e assassina o futuro de milhões devido a péssima educação, há a pior de todas que é a corrupção moral, a corrupção dos bons costumes e da família, o mau exemplo que vem de cima mostrando ao povo que roubar compensa. Não foi só o dinheiro público que essa escória roubou. Há muito o que fazer.

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  • Patricia disse:

    È la verità.

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  • Mesquita, você tem razão: “democracia é um manual de normas de navegação para uma viagem que não termina nunca” . Podemos, facilitar as coisas contando com auxílio de uma bússola. Gostaria de ter o seu e-mail pessoal pois tenho algumas ideias. Há um trabalho a ser realizado cujas notas iniciais estão em .

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  • NELSON disse:

    Parabenizando-o pelo artigo e como um cidadão livre pensador, acredito que é chegado o momento de se realizar um balanço geral, privado de paixões ignóbeis, face aos acontecimentos vivenciados e, relacionando-lhes com o que temos em nossa carta constitutiva de 1988, efetuar ampla análise e refaze-la com uma prudência consistente, livre e de bons costumes.principalmente na área política que implicaria em mudanças já! (Voto Distrital,por exemplo) que poderá engajar jovens, bem como em todas as áreas que comandam nossa sobrevivência no cotidiano, presumindo assim, uma NOVA CONSTITUINTE.

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  • Sandra Sabella disse:

    Confesso que fiquei… espantada com algumas histórias contadas ontem, no seminário contra a corrupção promovido pela Procuradoria Regional, em São Paulo, por Piercamillo Davigo, um dos magistrados italianos na famosa, ao mesmo tempo pouco conhecida, operação Mãos Limpas.
    Por exemplo, durante a caça aos corruptos nas investigações e tribunais, legisladores aprovavam leis que, posteriormente, manietou o trabalho de eliminação de corruptos da vida pública. Levando os magistrados italianos a apelar para a legislação supranacional, isto é, da União Européia, no sentido de efetivar alguma limpeza.
    Para o bem, e principalmente para o mal, o parlamento europeu completamente divorciado dos interesses dos respectivos nacionais regra e rege a vida de todos, isto é, todos tutelados por um poder central visível e invisível ao mesmo tempo. Parece confuso, né?

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  • […] O que fazer depois do grito  […]

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  • maristela duleba disse:

    Obrigada por suas idéias… voto distrital com recall e acima de tudo MERITOCRACIA, pois o que se pode fazer com um senado comprometido e que não representa o povo, um judiciário dividido, um legislativo e um executivo sem moral?
    Seria útil para todos, educação política, ética, moral e cívica como matérias fundamentais desde o jardim de infância!

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  • […] O que fazer depois do grito […]

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  • honorio sergio disse:

    Belíssimo texto, Fernão trabalho aqui em minha cidade numa autarquia pública, eis que dois anos atrás a Prefeitura para se adequar a lei criou uma previdência privada para os funcionários que estão na ativa e o que por ventura entrarão para o serviço público(não façam isso) aqui na cidade, ocorre que havia uma leva de funcionários que recebia uma “complementação salarial” explico: o ministério público estadual desde 2008/9 vinha avisando a prefeitura e seu departamento jurídico que essa complementação salarial estava fora da lei, pois não havia apontamento de onde vinha os recursos para tal.(esses funcionários só haviam contribuído para o INSS), funcionava assim, o sujeito era concursado como professor passava a exercer um cargo de diretor(cargo comissionado), mas recolhia os proventos como professor, se aposentava, e logicamente recebia o salário sobre o recolhimento como professor, a prefeitura complementava esse salário de professor até igualar ao que ele tinha como diretor/comissionado. o ministério publico estadual cortou essa regalia na minha cidade e em mais 80 no estado de São Paulo. a grita foi geral, pois havia de tudo nesta fauna abençoada por “deus” desde ajudantes gerais a advogados, estão chorando as pitangas dizendo que é um direito adquirido (não recolheram um centavo) foram até em Brasília reclamar ao Bispo, não bastasse isso, agora querem entrar para a previdência privada dos funcionários que estão na ativa e passarem à receber´por ela (sem recolher um centavo) é como dizia minha “eu largo a capa mas não largo o osso”.

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    • fernaslm disse:

      é isso, honório,
      se puser uma lente em cima dos golpistas que gritam “golpe” não vai ter nem um de fora da lista dos 980 mil de R$ 93 bilhões (ou titulados pra entrar nela).
      É de ganhar dinheiro no mole que se trata. A gritaria e a conversa “ideológica” é pros trouxas que pagam essa conta…

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      • Nelson disse:

        Me permita apenas uma pergunta: O funcionário Público “Concursado” não tem obrigação legal de efetuar “Denuncia” caso ele perceba manobras escusas que oneram o erário público?

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  • Sônia Denise Fernandes Mondadori disse:

    Sem dúvida, depois do grito, recall e mais, muito mais. Por exemplo abaixar imediatamente nossa carga tributária – a maior das Américas e Caribe. Fala-se muito nas PPPs, mas nunca vi nada sobre diminuição da carga proporcional. Hoje, não temos o Estado cumprindo suas funções básicas -saúde, educação, segurança. Nossas estradas são deploráveis, infra estrutura péssima e carga tributária gigantesca. Abaixá-la de imediato!

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    • fernaslm disse:

      só com o recall na mão os americanos conseguiram fazer aprovar leis que exigem aprovação direta pelos eleitores de qualquer aumento ou criação de impostos.
      não acredito que conseguiremos uma coisa antes de conseguir a outra…
      o recall é isso: a reforma que abre a porta a todas as outras reformas.

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      • Carmen Leibovici disse:

        É difícil ,Fernão…as pessoas não enxergam. Tem uma chave que abre todas as portas,mas as pessoas não pegam.
        Tinha que acontecer o milagre de UM-unzinho-presidente honesto que ,assim que pegasse o poder , instituísse ,por decreto, o voto distrital com recall para as pessoas já irem usando.
        Tinha que entrar unzinho(só unzinho!)honesto ,e que de fato quisesse consertar o País ,que colocasse a chave na mão das pessoas e as ensinasse a usar ,utilizando-se de grande campanha educativa para isso,porque ,parece, por si sós,a ficha não cai….

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  • Silvia Carneiro disse:

    Um dia as fichas terão de cair…

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  • Muito bom. Observo tão só que depois do grito ante da bonança vem a enxurrada. Só com calma e compreensão de todos será condição pro país voltar a normalidade. Botar a economia pelo menos em ordem não será num passe mágico tamanha a bagunça. Começaremo precisando de credibilidade dos agentes nativos , e em muito externa onde estão os recursos e a demanda.

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  • Carmen Leibovici disse:

    O perigo de Dilma,Lula, PT e partidos afins https://www.youtube.com/watch?v=SS3JTCX2Etc

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  • Do jeito que está parecendo ocorrer com ofertas de cargos em troca da ausência, pelo menos, na votação do impeachment pode até salvar o mandato dela mas a crise política do governo continuará. Até quando o governo suportará pelos cargos negociados. Afinal. até na venalidade tem limites.

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