Sartre e a corrupção pela vaidade
10 de fevereiro de 2014 § 3 Comentários
No clássico mas pouquíssimo divulgado “Amor, Luxo e Capitalismo”, livrinho que é uma preciosidade que merece ser mais conhecida, Werner Sombart demonstra, com a meticulosidade dos sábios alemães, como foi que, no momento em que um príncipe italiano apaixonado tirou sua mulher da alcova onde todas eram mantidas até então e a pôs no comando das festas do seu castelo, como todos os de então uma mera fortaleza de pedra sem conforto interno nenhum, a arte da decoração e a busca do luxo detonaram o surgimento da burguesia, aquele extrato dos artesãos e comerciantes capazes de viver nas cidades do produto do seu trabalho que não existia na sociedade da Baixa Idade Média onde ou se era “nobre”, ou seja, proprietário de terra, o único meio de produção de riqueza, ou se era “servo“, ou seja, o miserável que trabalhava a terra e entregava a parte do leão ao barão.
É, por assim dizer, o exato momento do parto das sociedades modernas.
Quem mora neste nosso país que viveu por séculos da troca de espelinhos e miçangas que atendiam a vaidade dos índios pelo “pau-de-tinta” que produzia o raro corante vermelho que tingia a roupa que atendia a vaidade dos ricos e poderosos da Alta Idade Média já devia ter suspeitado do peso da vaidade na aventura humana. Mas essa é a história que abriu o Vespeiro e você pode conferi-la neste link.
Eu a retomei só para lembrar que a vaidade sempre moveu a História, e entre as diversas formas que ela assume, a da vaidade intelectual talvez seja a mais forte de todas posto que dobra e escraviza não apenas o bruto mas os cérebros mais refinados que se entregam ao pecado de Fausto em troca do brilho fácil e do viciante gostinho de onipotência que vêm junto com o insensamento e a adoração públicas.
O Caderno 2 do Estadão de hoje traz matéria que faz pensar a respeito sobre “As Ligações Perigosas”, a nova biografia do casal Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir recém publicado pela historiadora escocesa Carole Seymour-Jones (aqui).
O que o livro confirma, para além dos detalhes carregados de sal e pimenta da vertente sexual dessa relação, é algo que quem viveu aquele período sem se deixar intoxicar pela ideologia tida como “politicamente coreta” na época já sabia. Jean Paul Sartre não se tornou o homem intelectualmente venal que foi de repente. Nem descobriu-se quem era ele com revelações até então insuspeitadas feitas após sua morte. Ele sempre foi regular e consistentemente dócil a quem quer que estivesse com a força nas mãos no seu habitat parisiense, na época o grande palco planetário dos candidatos a “maitre-a-penser“, fossem eles os nazistas com que ele confraternizou durante toda a Ocupação – abjeção que fez com que o ex-amigo de sempre, Albert Camus, rompesse ruidosamente com ele – ou fossem eles os “ditadores do proletariado” cujos crimes ele acobertou e justificou não apenas antes mas, principalmente, depois que deixou de haver qualquer dúvida de que eles estivessem mesmo sendo perpetrados, num tempo em que denunciar o genocídio que estava em curso pela Ásia afora (depois do da Rússia e dos da Europa Oriental) expunha quem ousasse faze-lo, com raríssimas exceções, ao apedrejamento moral na praça pública da imprensa, abjeção que colocou Raymond Aron frente a frente com ele, denunciando “O ópio dos intelectuais”.
Como quase sempre, é a ocasião que faz o ladrão. O pensador circunscrito ao diálogo consigo mesmo ou ao quase anonimato dos textos antigos tinha poucos apelos para se prostituir (e mesmo assim já havia os que o fizessem). Mas nas sociedades midiáticas da “Era das Comunicações” a coisa muda de figura. O que passou a haver então, como continua havendo até hoje, era uma imprensa instrumentalizada pela luta pelo poder – e ela sempre foi e continua sendo um alvo prioritário de quem está empenhado nela – trabalhando consciente e dolosamente para falsificar a imagem “dos sartres” da vida e pinta-los como o avesso do que são, transformando-os em semi-deuses do “pensamento progressista” para seduzí-los pela vaidade, em troca de fazer deles o grande ponto de referência do sistema de “lavagem de argumentos” carregados de má consciência montado para justificar os crimes de lesa-humanidade dos loucos pelo poder da vez.
Ele próprio era menos condescendente consigo mesmo e, nos momentos críticos, frente a frente com sua própria consicência, descrevia-se como “um canalha desprezivel; um funcionário público sádico e nojento“, como revelam documentos exibidos por Seymour-Jones.
Brilho intelectual, dotes artísticos e outros talentos excepcionais quase nunca andam juntos com caráteres íntegros ou, muito menos, com coragem moral e intelectual. Ao contrário, tendem a ser mais um elemento de corrupção de seus portadores.
É isso que faz do ofício de relatar a história de hoje buscando permanentemente o necessário distanciamento das paixões políticas do momento, como se requer do jornalista profissional, uma especialidade tão difícil e perigosa, requerendo um policiamento ético permanente e todo um aparato de “checks-and-balances” para garanti-lo tão fundamental e rigoroso quanto o que cerca qualquer outro dos poderes constituídos de uma democracia.
Lições esquecidas neste momento em que, com o mundo entregue mais que nunca ao vale tudo pela adoração do “bezerro de ouro“, a crise global do capitalismo democrático, da qual a crise do modelo de negócios que sustentava o jornalismo profissional é ao mesmo tempo causa e consequência, tirou-o das mãos dos vocacionados para essa missão e depositou-o preferencialmente, como tudo o mais, nas dos agentes da luta pelo poder pela vertente do dinheiro.
Marcado:Albert Camus, Amor Luxo e Capitalismo, As Ligações Perigosas, burguesia, Carole Seymour-Jones, crise do capitalismo, crise do jornalismo, Fausto de Goethe, Jean-Paul Sartre, Jornalismo, nazismo, ocupação, ocupation, patrulha ideológica, queda da França, Raymond Aron, resistência francesa, Sartre, Simone de Beauvoir, stalinismo, surgimento da burguesia, terrorismo, vaidade, vaidade intelectual, Werner Sombart
De fato, a esquerda não sobrevive sem a mentira e a dissimulação.
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E ainda tem a amoralidade da esquerda, circunscritos que estão no socialismo decadente e fruto de rancor.
O governo do PT pelo menos está conseguindo um feito. São os brasileiros que começam a indignar-se com tudo e exageradamente, o que não seria novidade, até com o que não devem. Esses tais de “justiceiros” bandidos alguns outros nem tanto, não podemos ignorar em parte como reação ao que se vê e lê nos jornais, sobre assaltos e assassinatos. Quem ainda não foi assaltado em São Paulo. Sem dúvida é uma barbárie!, que ninguém nos ouça, convenhamos, que lá dentro da mente tem uns que bem que mereciam, por exemplo os Ladrões dos recursos públicos. Na China comuna fuzilam e ainda cobram da família o valor da bala que o matou,e na Coréia do Norte até os parentes são fuzilados. Disso a esquerda tapuia não comenta, Hoje o idiota do Prefeito Fernando Haddad disse que ” a elite de SP, é pobre de espírito e míope”. fazer o que?, interná-lo num hospício?, ele foi eleito pelos paulistas e, inclusive com apoio financeiro de parte da elite que agora condena. Pergunto: Quem é o responsável por termos esse petista de 5a na Prefeitura.
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Tinha me esquecido. O caput do presente só mereçe elogios pela profundidade e intelectualidade do autor. De, de Satre que li no clássico, na Idade Média, me lembro de ter dito:” Ser livre não é fazer o que se quer, mas quere fazer o que se pode”, e não sei se ele atendeu a isso. Quanto a Simone, sua mulher, só me lembro da foto nua em frente a uma espelho no banheiro e da famosa frase:” Je déclare avoir avorte” declaro que abortei. Dito junto a 342 mulheres em 5 de Abril de 1971. (apud Tony Judt in Pós-Guerra, pag 487)
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