A falta que a democracia faz

13 de outubro de 2021 § 13 Comentários

A China tem apartamentos vazios suficientes para abrigar 30 milhões de famílias. O bastante para 90 milhões de pessoas, mais que as populações inteiras de países como França, Alemanha, Reino Unido ou Itália. Mas falta energia elétrica a ponto de paralisar a produção em vários pontos do país.

Como se explica isso?

Fácil. A “bolha imobiliária” tem o exato tamanho da corrupção no país do partido único, proprietário único de tudo, inclusive da única imprensa existente. Numa economia que saiu da escravidão absoluta para a abolição lenta, gradual e controlada por deliberação do partido único, dono de cada centímetro do território nacional, a franja mais extensa da privilegiatura fora da qual tudo que existe é submissão absoluta ou morte, são as células locais do Partido Comunista Chinês (PCC), equivalentes aos nossos governos municipais e suas subdivisões menores. 

É a eles que os “empreendedores imobiliários” apadrinhados pelos figurões mais altos do partido terão de pedir a cessão dos terrenos onde construir seus prédios. E, claro, como em todos os outros recantos habitados pelo bicho homem, ter-se-á de pagar para ter esse privilégio … em apartamentos do empreendimento futuro aos funcionários a quem cabe ceder ou não as terras. Far-se-á necessário, então, um financiamento do braço do banco estatal único controlado por alguém escolhido por outro figurão do partido, a esse “empreendedor imobiliário”. E tal autorização, naturalmente, também terá seu preço … em apartamentos no futuro empreendimento, pois para o “empreendedor”, o importante é fazer e não vender os prédios, mesmo porque o dinheiro que tudo move é “do povo”, que não tem prazo para recebê-lo de volta…

Assim foram construídos não apenas prédios-fantasmas (semana passada 15 foram implodidos ao mesmo tempo) mas até cidades-fantasmas ligadas por rodovias-fantasmas, tudo explicável pelo mesmo mecanismo da “economia” movida a decisões de figurões do partido e não a demandas de um anônimo mercado.

Com a multiplicação da quantidade de bilhões girando nessa ciranda a ganância despertada pela China vence fronteiras, e ela é admitida na comunidade econômica internacional como um “parceiro igual”. Para além do processo de “consolidação” de setores inteiros da economia para enfrentar a concorrência “igual” dos monopólio do capitalismo de estado chinês, com o correspondente massacre dos salários no Ocidente inteiro, os trilhões de yuans correspondentes aos milhões de metros quadrados de construções vazias passam a ancorar-se também em financiamentos em dólar. 

A Evergrande, a imobiliária gigante que acaba de estourar, ate dois anos atras era a “ação imobiliária” mais valiosa do mundo. O valor da empresa caiu de US$ 41 bi, no ano passado, para US$ 3,7 bi agora. 80 mil chineses detêm 40 bi de yuans de debêntures da empresa. O resto está com investidores ocidentais. O setor imobiliário contribui com 29% do PIB chinês. Mas as vendas de terrenos pelos governos locais caiu 90% nos primeiros 12 dias de setembro. Eram elas que geravam ⅓ da renda desses governos que acumulam uma divida de US$ 8,4 tri, perto de 43% do PIB…

E o que isso tem a ver com a crise de energia? 

Tudo. Como “democratizar a corrupção” com a mesma extensão que a “indústria imobiliária” permite fatiando usinas de produção de energia? Resultado: 30 milhões de apartamentos inúteis; nenhuma usina de força. Vêm ai alta do petróleo, do carvão e das emissões de carbono que o Biden se comprometeu a cortar.

O petróleo bruto subiu 64% este ano, a maior alta em 7 anos. Os preços do gás praticamente dobraram nos últimos 6 meses. Óleo para calefação subiu 68%. Carvão teve altas recordes. Não falta petróleo nem carvão para isso. Mas os grandes tubarões produtores aproveitam esse momento de volta da pandemia e apagão na China para abrir suas torneiras sempre com atraso bastante para justificar altas de preços desse calibre.

É a “tempestade perfeita”. Isso e a escassez de semicondutores e componentes básicos de eletrônicos determinada pelo desarranjo estrutural do “abre” e “fecha” dos lockdown de sabor político desmancham as supply chain chinesas que fizeram mais pela enormidade das Apples da vida que o próprio Steve Jobs. 

Mas, claro, não são esses os únicos predadores do sistema. Atrás deles galopam, sempre, as hienas da política. Pro resto do mundo vai ser mais complicado. Enquanto ele rebola para voltar a ajustar-se, o Brasil de Brasília, onde não ha desemprego nem pressa, já sabe exatamente o que fazer: basta que nos livremos do Bolsonaro. E, até para garantir isso, os governos estaduais, de par com o Poder Judiciário e seus mutirões de multiplicação de precatórios, são hoje os mais vorazes especuladores em dólar contra o favelão nacional.

A explosão dos preços do petróleo e do dólar multiplicaram a base sobre a qual aplicam seus tributos e as receitas estaduais cresceram 10% reais (descontada a inflação) em plena paradeira da pandemia. A arrecadação do ICMS, que incide em média a 25% sobre o preço dos combustíveis que tudo movem no Brasil, aumentou 19% na média nacional. Isso levou o País Real de volta à cozinha à lenha que comeu metade da Mata Atlântica no século 19. Essa nova conquista do estado democrático de direitos adquiridos no país onde “o petróleo é nosso”, foi registrada na primeira página de O Estado de S. Paulo de domingo, um dia depois dele e a Folha “saudarem” em manchete a premiação com o Nobel de dois jornalistas contra os quais, se atuassem no Brasil, os dois estariam atiçando o Alexandre de Moraes. A lenha, depois da eletricidade, volta a ser a 2a fonte de energia mais utilizada nos lares brasileiros com 26,1% de participação contra 24,4% do gás de botijão.

Nem por isso os investimentos em educação dos estados saíram do padrão de sempre: caíram 6,4% versus 2020 e 7,4% versus 2019. E agora todos eles (os donos do nosso petróleo) estão acenando com aumentos para o funcionalismo no ano eleitoral de 2022. E, é claro, dificilmente o mesmo Congresso que acaba de cortar a verba para ciência e tecnologia em 92% porque esta é das poucas verbas que não contam nem com lobbies, nem com “bancadas” na “Casa do Povo” onde só quem não as tem é o indigitado povo, vai insurgir-se contra mais este esbulho.

Tudo isso, ainda que no Brasil já tenhamos experimentado uma meia sola, é consequência da falta que a democracia, o único antídoto contra a corrupção e a miséria de comprovada eficácia jamais inventado, faz naquela China que tantos de nós, especialmente em Brasília, hoje andamos invejando tanto.

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§ 13 Respostas para A falta que a democracia faz

  • Boaventura disse:

    Bom dia

    Não tem como 90 milhões de pessoas ser o “o equivalente às populações somadas da França, Alemanha, Reino Unido, Itália e Canadá” Esse número é maior que 220 milhoes. De resto, ótimo como sempre!!!!

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  • A. disse:

    Alguns sino-comentaristas do blog deveriam ser obrigados a ajoelhar no milho (saudades de quando a escola ensinava), ler esse artigo em voz alta de hora em hora e fazer 100 cópias à mão (sem carbono e sem control C – control V) pra ver se assimilam o que significa LIBERDADE!!!

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  • Nivaldo disse:

    Excelente, desmitificar a sanha chinesa, realizada com o sangue e ossos dos chineses e admirada pelos capitalistas sedentos do ocidente, é realmente necessário e traz a verdade para essa mídia socialista enrustida em nossas redações. Mas louvar no mesmo artigo o mais inepto de todos os idiotas que já tivemos no governo é lamentável é inconcebível. Essas recaídas bolsonaristas que vc infelizmente tem, tira todo o prazer de raciocinar contigo. Tanta inteligência e visão geo política jogada no lixo. Que triste.

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    • rubirodrigues disse:

      Nivaldo, você já se deu conta que o Brasil está oferecendo um fenômeno impar no mundo quando o povo, em massa e espontaneamente, vais às ruas para apoiar o seu governante? Quando dia 7/9 em Brasília multidão lotou a esplanada da rodoviária ao congresso, pensar que todos são imbecis e você é o inteligente, não desperta teu desconfiômetro? Quando você viu, na era moderna, movimento de rua a favor de governante? Não creia em mim, Pense!

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      • Mauro C. Andrade disse:

        Perfeito. É exatamente o que a esquerda tenta jogar no colo da população que milhões de pessoas todas são imbecis e só é bom quem for contra o pr eleito. É patético.

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    • jjnatalin disse:

      o cachimbo de viés esquerdista não deixa só a boca torta, mas a mente poluída.. Pobreza.

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    • Mauro C. Andrade disse:

      Sua implicância com o presidente não lhe permitiu perceber que o Fernão somente constatou uma deplorável realidade: as ratazanas querem se livrar do presidente, mas eles mesmos não tem ideia de quem colocar em seu lugar, só precisa ser ou “colaborar” com as quadrilhas bem instaladas no CN.

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  • Dênio disse:

    Fernão, sou grato por ter despertado o conhecimento sobre o sistema eleitoral americano e suíço, bem como sobre o grave problema que a China trás ao mundo por não ter a isonomia de regras que o restante tem em relação à questão trabalhista e impostos. Nessas 2 matérias você é uma luz e um dos poucos que tratam do assunto citando claramente as causas, enquanto outros perdem tempo com as consequências.

    Porém, fala sua como: “E, é claro, dificilmente o mesmo Congresso que acaba de cortar a verba para ciência e tecnologia em 92%” – que eu saiba foi o Min da Economia, portanto o Executivo, que cortou a verba.

    Também sua quase ausência em nominar os fatos, que ou são ausentes ou ineficazes do Executivo Federal na gerência da pandemia. Lembro que foi por iniciativa de Bolsonaro a gestão da vacinação logo no início, ele chamou a responsabilidade para o Executivo. Tudo é uma questão perspectiva. Se Bolsonaro tivesse desde o início um plano de guerra pra combater a pandemia, muito provavelmente estaríamos numa posição melhor, inclusive tendo saído dela antes e com menos perda de vida e seguramente, econômica.

    Reitero, prefiro quando se dedica a citar sobre voto distrital puro e a falta de enfrentamento objetivo aos problemas criados pela China para minar as Democracias.

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  • Flm disse:

    Realmente, senhores, eu não vivo dentro de quadradinhos. Não me proíbo raciocínio nenhum nem me obrigo a dar uma no cravo cada vez que dou uma na ferradura. Quem lê este vespeiro sabe o que penso da esquerda e da direita da privilegiatura, e qual é a via que proponho. Não faço mesuras a lado nenhum. Apenas penso que os dois são faces da mesma moeda falsa e, por vício profissional e desvio de formação, bato sempre mais no “lado” que pode mais.

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  • Herbert Sílvio Augusto Pinho Halbsgut disse:

    Os que se dizem de esquerda, direita e centro, no Brasil, na verdade fingem que o são por conveniência gerada pela voracidade em abocanhar o erário público, usando de todas as instituições e “líderes” dos quais podem cooptar – vide desgovernos de Lula, Dilma e Bolsonaro, só para citar os últimos presidentes. Não há nesses canalhas um pingo de ideologia incorporada e vivida a favor do bem comum, fazendo com que o nosso ouro negro não seja nosso, seja deles – aqui e na Venezuela… – e por isso pagamos tão caro pelos combustíveis, que também alimentam as sinecuras que, nós mesmos, infelizmente através do voto em urna eletrônica os auxiliamos a perpetrar. Quanto a
    às obras não acabadas… somos pares dos chineses, e o erário público que se dane , apesar dos relatórios dos tribunais de contas estaduais e o da União. A farsa campeia aqui no Florão da América. Tudo por reconstruir, começando pela Educação.

    A propósito da Educação: por que não se utilizou da TV Cultura para ministrar aulas no Brasil inteiro para o alunado que não pode acessar suas escolas devido a pandemia de covid-19? Bastava caprichar em aulas de português e de matemática e o cérebro de nosso alunado estaria hoje com muito mais neurônios produtivos. Desperdício que faria o educador Paulo Freire corar de vergonha!

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