Onde Joe Biden erra a mira
1 de julho de 2021 § 9 Comentários

Retomo de onde parei o artigo de ontem.
O discurso de Brian Deese, diretor do Conselho Nacional de Economia de Joe Biden na semana passada chamou a atenção menos pelas medidas que confirmou – os investimentos federais em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento e incentivos à indústria de semi-condutores – que pelo contexto em que colocou essas ações.
Ele fez um chamamento para uma “estratégia industrial americana para o século 21” com reminiscências dos “planos quinquenais” socialistas, focada em reduzir a dependência de outros países, mais especificamente da China.
É aí que mora o perigo.
Os Estados Unidos, junto com o resto do Ocidente, entraram na “fria” em que estão hoje justamente porque aceitaram jogar o jogo do capitalismo de estado chinês nos termos dele, em vez de impor, como condição para franquear seus mercados aos produtos dos egressos do desastre do socialismo real, que a China adotasse progressivamente as conquistas da civilização ocidental, expressas nos direitos à dignidade e à justa remuneração do trabalho e no respeito à propriedade intelectual.

Em vez de cobrar imposto de produtos de roubo de design e da exploração de trabalho vil, passaram eles a reduzir progressivamente os salários e a procurar falsos “ganhos de escala” pela concentração desenfreada da propriedade dos meios de produção, “achinezando” as economias deste lado do mundo.
A consequência foi fazer com que o americano médio andasse de marcha-à-ré pela primeira vez na historia do país ao longo de 40 anos de recordes sucessivos de fusões e aquisições de empresas, monopolização da economia e concentração da riqueza. Hoje nenhum americano partindo do zero acredita que ele ou seu filho terão acesso ao capital e, portanto, perderam todo incentivo para acreditar que o capitalismo sirva para eles como tiveram razões para crer ao longo de todo o século 20 quando estiveram blindados contra a tentação socialista.
“Se o mercado não resolve”, é o que está no ar agora, “o Estado deve entrar em cena”. Daí o apoio de republicanos e democratas para que o governo, e não mais o mercado, passe a dirigir a economia. Repete-se, portanto, o erro original que iniciou o circulo vicioso que agora promete agravar-se.

O que ha de mais brilhantemente inovador na experiência dos Estados Unidos é justamente o tratamento que Theodore Roosevelt e os “progressistas” deram a esse mesmo problema na primeira vez que ele se apresentou para ameaçar a democracia americana na virada do século 19 para o 20: em vez de contrapor ao inchaço do Poder Econômico um inchaço ainda maior do Poder Político à custa do esmagamento do indivíduo, o toque de gênio foi, ao contrário, impor uma “cirurgia bariátrica” ao Poder Econômico, limitando por lei a ocupação de mercados por uma única empresa, sem aumentar um grama o peso do Poder Político. Outros empreendedores deveriam dividir o prato com o glutão sempre que atingido o limite, mantido o Estado rigorosamente fora da ação econômica direta.
A outra pedra angular da excepcionalidade americana é a 1a Emenda à sua genial constituição, síntese perfeita de tudo que a humanidade aprendeu a duríssimas penas, de toda a sua experiência anterior, que é preciso evitar a qualquer custo: “O congresso está proibido de fazer leis impondo a prática de uma religião ou proibindo o livre exercício da fé; ou reduzindo a liberdade de expressão e de imprensa; ou o direito do povo de reunir-se pacificamente e de peticionar o governo para obter a reparação de agravos”.
Como um precursor da noção de ecologia, um homem que tinha a noção exata da força da natureza e da importância determinante da sutileza – por isso mesmo foi o primeiro a preservar ambientes selvagens em vez de tratar arrogantemente de “recria-los” a golpes de machado – Theodore Roosevelt tratou de manter as condições ambientais para a natural e contínua afluência do proletariado num contexto de liberdade cerceando o abuso do poder econômico e garantindo a intensidade da competição que valoriza continuamente o trabalho, sem por à solta o abuso político.

Hoje TR e as reformas da “Progressive Era” não são cultuados como merecem nos Estados Unidos, possivelmente em função da “incorreção” com que é vista a condição de caçador e esportista da natureza que definiam sua personalidade. E no silêncio que sobre sua obra se impõe perde-se a receita da primeira batalha antitruste da democracia americana cujo estrondoso sucesso abriu as portas ao melhor período vivido por nossa espécie neste planeta.
A 1a Emenda é outra conquista intocável dos americanos para a humanidade. A rede social é hoje o espaço público, e como ele deve ser tratado. É a definição dela e não a 1a Emenda que deve ser reescrita.
Joe Biden inscreverá seu nome no panteão dos heróis da democracia se e quando reconhecer nela a superioridade que tem sobre todos os outro regimes inventados e usar seus poderes para liderar o mundo no uso dos remédios dela – e não dos venenos exógenos que hoje namora – para tratar a presente cepa da doença do Ocidente, que só difere das anteriores na extensão que o contágio alcançou.

Parabéns, um dos mais felizes artigos publicados.
Liberdade, Justiça – Progresso!
O Brasil precisa urgentemente chegar ao fundo do poço, ter sua guerra de secessão, somente irá encontrar a água da Democracia.
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A exemplar Constituição Americana fundamenta-se na liberdade inalienável do indivíduo, garantindo-a contra os abusos do governo.
Entretanto esse direito nato só existe se for este um sentimento nato. Terão os chineses culturalmente esse mesmo sentimento dos ocidentais? Terá para o povo chinês a liberdade um conceito diferente e por isso uma outra ideia do que seja Democracia?
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Qualquer que seja o conceito de liberdade dos povos o que parece razoável é que cada cultura deve evoluir naturalmente sem receber imposições externas sobre os valores que cultua. As ideologias erram justamente por pretender impor a outros os seus valores ou impor a todos o que apenas vale no seu grupo.
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Obrigado por responder.
Será o partido comunista chinês capaz de impor seus valores a 1400000000 chineses?
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Não sei, o que me parece claro é que isso não cabe aos EEUU ou a outro pais fazer.
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Concordo.
E com a licença do Fernão, convido-o a visitar ambulaetscribe.blogspot.com para discussões do género.
Sds
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Sr. ambula: ao usar o verbo IMPOR o sr. mesmo respondeu a sua indagação!
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Fernão: perdoe a observação completamente fora de lugar, porque não tem nada a ver com seu artigo. Mas acho oportuna: quem quiser aprender a criticar o Lula em termos altamente políticos e sem precisar recorrer a adjetivos rasteiros – que ele certamente merece – leia Demétrio Magnoli hoje, 03/07, na Folha.
Abração!
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Não necessito ter um diploma em qualquer universidade para entender que se tudo que compramos vem da China como vamos gerar renda aqui em nosso país para comprar tudo o que vem de lá, geralmente lixo mal feito e de durabilidade ínfima, eu já estou olhando onde é fabricado o produto que preciso comprar se vem de lá penso 5 vezes antes de adquirir!
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