Para detonar máfias políticas – 1

7 de outubro de 2009 § 1 comentário

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No artigo sobre Como Domesticar seu Político prometi voltar ao assunto das reformas da Progressive Era nos EUA, nas quais vejo uma fonte de inspiração para o Brasil. E mencionei, também, que a ordem dos fatores era muito importante numa operação desse tipo.

Vamos lá.

Como disse, eles começaram pela reforma do sistema de nomeação de funcionários públicos pelos políticos e pelo controle das grandes corporações com as leis anti-truste. E prosseguiram introduzindo no sistema três ferramentas de democracia direta: a iniciativa (permitindo ao cidadão comum propor e aprovar leis), o referendo (permitindo que ele casse leis passadas pelos legislativos) e o recall (que lhe dá poder de cassar a qualquer momento qualquer funcionário publico ou governante eleito). Mas isso não aconteceu de uma só tacada nem foi fruto de planejamento. O cruzamento de crises econômicas afetando fortemente o preço das commodities agrícolas com o início do êxodo rural depois do fim da Guerra de Secessão (1865), somado à total dependência das ferrovias, único meio de escoar suas safras, dos colonos na fronteira Oeste, criou a pressão política necessária à formulação dos primeiros elementos da legislação anti-truste que, nas décadas seguintes, seria aprofundada e melhorada para ajudar a combater a crescente corrupção que punha os políticos a serviço das grandes empresas e estas a serviço das suas campanhas eleitorais.

É importante, antes de prosseguir, aliás, esclarecer a diferença de sentido de certas expressões do vocabulário político aqui e lá.

Toda a legislação anti-truste, nos Estados Unidos – assim como a pressão da opinião publica que a gerou – não tinha (nem tem hoje) um sentido anti-mercado como é o caso na maioria das intervenções do Estado na economia fora daquele país (no Brasil, por exemplo). Ao contrário, o povo protestava era contra a caminhada que a economia começava a empreender em direção aos monopólios, visto que os empresários americanos descobriram 100 anos antes dos demais as vantagens das consolidações e dos ganhos de escala, quando as instituições nacionais não tinham nenhum tipo de defesa contra isso. As reformas visavam promover um recuo na concentração do poder econômico com medidas a favor do mercado, ou seja, destinadas a aumentar a concorrência e favorecer o consumidor (ver O Capitalismo depois da crise, na seção De Outros Autores).

Foram criados, assim, limites legais para o domínio dos mercados em cada setor, a partir dos quais era obrigatória a venda do mercado conquistado a outra empresa. Ao mesmo tempo, foram criadas as agencias setoriais profissionais, com mandatos independentes da política, para regular as atividades de certos setores, semelhantes às que o governo FHC criou e o governo Lula está tentando desmontar.

O propósito de tudo era fortalecer a concorrência, reduzir o poder das grandes empresas e impedir o conluio entre empresários e políticos.

Quanto aos instrumentos de democracia direta – iniciativa, referendo e recall – foram objeto de campanhas do Partido Populista, que atuou por alguns anos na virada do século XIX para o XX. Esse “Populista” também tem sentido diferente de seu homônimo latino-americano, que se caracteriza pelo enfraquecimento dos dispositivos democráticos em favor do fortalecimento de um líder carismático ou de um caudilho que submete todas as decisões à sua vontade pessoal afirmando que age em nome do povo. Lá, “populismo” denota o contrário. Propõe o fortalecimento das ferramentas de pressão à disposição do eleitor justamente para dar de volta ao povo a força necessária para submeter seus representantes à sua vontade. A idéia populista remete, nos EUA, à radicalização do principio de que toda a soberania emana do povo, que deve ter o poder concreto de submeter totalmente os representantes e governantes à sua vontade. Daí ter o movimento populista se esgotado no momento em que conseguiu implantar as ferramentas de democracia direta de que falamos no artigo Como domesticar o seu político, e que de fato dão a palavra final ao eleitor em todas as questões mais importantes submetidas aos ou propostas pelos legisladores.

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A iniciativa, o referendo e o recall tiveram grande penetração nos estados do Oeste, de criação mais recente, onde os chefões políticos dos dois partidos tradicionais não tinham ainda um domínio completo. Tiveram menos penetração na costa Leste, onde o domínio dos chefões políticos era mais sólido, e quase nenhuma nos Estados do Sul, pouco industrializados, com uma classe política ultraconservadora e onde o racismo tirava o apelo de ferramentas que poderiam dar aos negros o poder de fazer leis melhorando sua própria condição.

O movimento, que nasceu para lutar contra a corrupção e tornar os políticos sensíveis aos interesses do povo, foi buscar inspiração na Suíça, onde os Cantões (estados) eram (e são) governados num sistema de democracia direta. Os tres instrumentos trazidos de lá eram, até então, desconhecidos nos Estados Unidos, embora a oposição entre democracia direta e sistema republicano (democracia representativa) fossem um tema recorrente desde a fundação do país e, antes disso, na Inglaterra. A democracia permaneceu empacada por dois mil anos, na verdade, por causa desse dilema. Mas isto é assunto para artigos futuros…

Nos Estados Unidos levou menos tempo. Em 1897 o estado de Nebraska abriu a nova era passando uma lei que autorizava seus municípios a adotarem o direito de iniciativa. No ano seguinte, Dakota do Sul se tornou o primeiro estado a adotar o sistema em todo o seu território.

Com Theodore Roosevelt, a partir de 1904, o movimento reformista chega à Presidência da Republica e ganha mais força. Com seu notavel poder de sintese, ele definiu bem o sentimento do povo diante dos argumentos dos que se opunham à novidade brandindo a ameaça de uma ditadura da maioria sobre as minorias: 

“Se e quando houver uma tirania da maioria, eu serei o primeiro a combatê-la com toda a minha alma e todo o meu coração. Mas hoje nos estamos sofrendo é com a tirania de uma minoria … Nenhum homem de posse de sua razão que tenha observado ainda que de leve o governo deste país nos últimos 20 anos, pode se queixar de termos abusado da regra da maioria”.

E sobre o suposto perigo de que as tres ferramentas de democracia direta esvaziassem o papel do Legislativo e destruissem a democracia americana, trouxe a questão de volta à Terra:

“… cada ferramenta é uma ferramenta, e nada mais; um meio e não um fim. O fim é o bom governo, obtido por uma genuína regra de maioria”.

 Entre 1898 e 1910, dez estados e dezenas de governos municipais adotaram ou a iniciativa ou o referendo, ou os dois juntos.  O auge se dá em 1912, quando cinco estados aderiram num único ano. Daí até 1918, somente mais três se juntaram à lista, perfazendo os 24 que adotam o sistema hoje.

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De posse das novas ferramentas, o povo desses estados estava armado para impor novas reformas às quais, antes, os políticos resistiam. Oregon foi o campeão nessa primeira etapa. Entre 1904 e 1910, aprovou 25 leis de iniciativa popular que indicaram para o resto do país o que era possível conseguir com elas. Uma das primeiras leis populares estabeleceu eleições primárias diretas para quebrar o poder dos chefões políticos de decidir sozinhos quem, em cada partido, concorreria em eleições. Essa medida, por si só, transfere as lealdades e as dependências dos chefões para os eleitores. E não é preciso ser muito inteligente para entender o quanto isso reduz as possibilidades de corrupção.

Outra criou novas regras para o financiamento de campanhas eleitorais.

Outra estabeleceu os poderes e reforçou a independência dos governos locais, estendeu a iniciativa e o referendo para os governos municipais e deu poder de recall dos funcionários públicos nos níveis municipal e estadual.

Não parou aí. Em 1912, a cédula da eleição estadual de Oregon trazia o numero recorde de 28 leis de iniciativa popular. Isso empurrou o resto do país. Em todos os estados que dispunham dessas ferramentas, as  reformas vieram, então, em cadeia. Muitos ganharam os poderes de referendo (cassação de leis do legislativo) e recall (de funcionários e governantes) usando uma lei de inciativa popular. E então, mais bem armados, passaram a exigir reformas mais profundas.

A Primeira Guerra Mundial veio interromper o processo, que ficaria adormecido ate a década de 70, quando a Califórnia, por meio da famosa Proposição nº 13, de 1978, que obrigava o governo estadual a reduzir drasticamente os impostos, fez a democracia direta reviver e o país inteiro pegar fogo.

Mas isto é assunto para o próximo artigo…

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