O que é democracia?

1 de março de 2021 § 22 Comentários

Ate 10 de fevereiro nas 100 maiores cidades de 34 estados americanos 122 leis ou ajustes de leis já se tinham qualificado para ir a voto, versando somente sobre o direito de propor, de aprovar e de reprovar leis neste ano de 2021. 

Tem havido um ressurgimento nas iniciativas de legislação popular no país inteiro desde 2016. Em 2020  164 leis de inciativa popular regulamentando o direito de propor leis de iniciativa popular, referendos e eleições de recall de políticos e funcionários eleitos em nível local ou estadual foram processadas em 33 estados. Só 17 de alcance estadual foram aprovadas em nove desses estados, o que mostra que não é fácil passar leis, mesmo tendo elas partido do povo. Em 2019 foram 229 em 34 estados, com 16 deles aprovando 38 dessas propostas.

A democracia americana, do povo e para o povo, está em permanente reforma pelo povo. Leis ou alterações de leis envolvendo impostos ou normas de financiamento de gastos públicos, já é regra geral ha muito tempo, só diretamente aprovadas pelo povo. Outros temas entram e saem das listas vedadas à aprovação direta pelos legisladores. Quóruns e quantidades de assinaturas requeridas são alterados nos ajustes recorrentes como esses 122 que já estão na fila aberta este ano.

Cada vez mais é a praxe dos legislativos estaduais e municipais, para evitar o trabalho de tomar decisões que depois serão desafiadas em referendos, limitar-se a “propor” alterações ou leis novas legislative iniciated para serem levadas às cédulas das próximas eleições do calendário junto com as popular iniciated, que o povo aprovará ou não em voto direto. Em consonância com as novas facilidades de comunicação, o país caminha na direção de consolidar cada vez mais o modelo que põe o poder de decisão, na maior medida possível, diretamente nas mãos do povo.

Um dos modelos mais recorrentes de decisão no voto (ballot measure) são os bond issues ou autorizações para contratação de dívida pública. Enquanto no Brasil entramos na enésima tentativa inútil de conter a gastança da privilegiatura com expedientes como essa PEC de Emergência, com o povo relegado a assistir de longe o que as “excelências” decidirão fazer com o dinheiro dele (e enquanto for só deles é claro que a decisão será invariavelmente a de enfiá-lo no próprio bolso), lá cada investimento ou obra pública que não seja federal – e quase nenhuma é porque obras são coisas construídas sobre o solo e o solo está nos estados e municípios onde as pessoas moram – é orçada, tem seu custo dividido apenas por quem vai ser diretamente beneficiado por ela, e é oferecida a esses eleitores para um “Sim” ou um “Não” na próxima eleição do calendário.

Uma estrada, uma avenida, uma nova reserva florestal, um novo prédio escolar, novos carros de alguma policia local, aumentos de salário para determinados funcionários, cada inciativa dessas será paga somente pelos beneficiários dela mediante um aumento temporário de algum imposto local, um pedágio ou a criação de uma taxa especificamente criada para essa finalidade que é aprovada ou não em votações diretas somente por quem vai ser afetado pelo investimento financiado e que se extingue quando a última prestação é paga. 

Tudo isso é viabilizado pelo sistema de voto distrital puro no qual, começando por unidades básicas correspondentes aos bairros, cada município, cada estado e, no final, a nação toda, é dividida em distritos ou na soma de distritos eleitorais com um numero aproximado de eleitores igual para cada tipo de eleição e cada candidato só pode concorrer pelos votos de um distrito. Uma vez definidos os distritos são inscritos no mapa real de cada cidade, cada estado e finalmente do país, e só podem ser alterados em função das informações do censo nacional feito a cada 10 anos. Assim, cada representante eleito, em cada instância de governo, sabe o nome e o endereço de todos os seus representados, que podem cassar-lhe o mandato por recall a qualquer momento. Graças a esse sistema, também, é que se pode definir os eleitores autorizados a votar em cada lei de iniciativa popular, cada obra ou cada gasto público.

Espaço zero para corrupção, portanto, o que explica porque os Estados Unidos se tornaram “N” vezes mais ricos que qualquer outro país do mundo (agora mesmo estão dando US$ 1400 por mês de “esmola” aos “miseráveis” que ganham menos de US$ 75 mil por ano…) desde que adotaram esse sistema que vêm refinando de eleição em eleição ha aproximadamente 120 anos. 

Fazer, alterar ou revogar leis, na democracia americana, não é mais, ha muito tempo, uma tarefa exclusiva dos legisladores. Os legislativos por lá não passam, hoje, de ateliês de acabamento técnico da legislação que é, toda ela, de lei em lei, aprovada diretamente pelo povo. Tenha a iniciativa de propor cada uma partido de um cidadão qualquer ou do próprio legislativo local, tudo vai sempre parar numa cédula eleitoral, para decisão direta de quem vai ter de cumprir aquela lei ou pagar aquela conta.

O primeiro passo para o Brasil tornar-se uma democracia é ter a humildade de dispor-se a aprender o que é democracia. A identificação dela, grosso modo, é fácil e ajuda a por um fim na confusão reinante entre nós: há democracia onde o povo manda no governo; não há democracia onde o governo manda no povo. As ferramentas que proporcionam o exercício dessa soberania do povo estão em permanente evolução mas decorrem, todas, da principal delas, que é a conquista do poder dele, povo, ditar a lei. Consequentemente, o primeiro dever ético de todo jornalista é mostrar como ela funciona onde existe aos seus leitores. Do contrário continuaremos eternamente como as petecas do joguinho sujo travado entre as diversas instâncias da privilegiatura que usurparam esse poder do povo brasileiro.

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§ 22 Respostas para O que é democracia?

  • Marcos Andrade Moraes disse:

    “O primeiro passo para o Brasil tornar-se uma democracia é ter a humildade de dispor-se a aprender o que é democracia.”

    Vc vai ensinar? Vc que votou em Bolsonaro e dois anos depois,250 mortos depois, continua defendendo o voto? Vc que apoia “Tramp”?

    Agora, leio o texto…

    MAM

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    • Alexandre disse:

      Você votou em quem (primeiro e segundo turnos)?

      (Sim, ele vai tentar te ensinar)

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      • A.(sno) disse:

        Duvido que o Fernão vai ensinar. O quadrúpede não tem pré-requisitos pra aprender…

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      • flm disse:

        V não entendeu ainda, Alexandre!

        Esse MAM é um robô. É desprovido de cérebro. Foi programado para ser sempre o primeiro a escrever e escreve sempre a mesma coisa, não importa do que trate o artigo que ele “comenta”.

        Honra-nos o fato da privilegiatura sentir a necessidade de destacar um marcador permanente para o Vespeiro. Mas preocupa-nos o de nunca atualizarem o algoritmo mal escrito que o move.

        Não perca seu tempo com isso.

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    • Paulo disse:

      Deve ser dureza viver sem ter a noção de quem presta ou não. Comentários com retórica esquerdista que nada esclarece ou contribui. Coisa enfadonha.

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  • AMERICO MELLAGI disse:

    Brilhante e esclarecedor

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  • rubirodrigues disse:

    E isso ai: dispor-se a aprender o que é democracia e ajustá-la ao mudo brasileiro de ser. Parabéns ao Vespeiro. Construir!

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  • whataboy disse:

    O que mais me intriga: por que jornalistas esnobam, desprezam ou ignoram explicações tão claras e tão didáticas quanto essas que o Fernando nos oferece?
    Que ele nunca se canse. Com ou sem jornalismo para a cidadania, não haverá como escapar da barbárie sem a verdadeira democracia garantida pelo poder prático do povo.

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  • A.(sno) disse:

    O voto distrital puro com recall tem meu apoio TOTAL, incondicional e irrelevante.

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  • Renato Pierri disse:

    Mais um excelente chamamento à imprensa em geral e aos desavisados sobre o foco do maior problema do Brasil.

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  • Paulo disse:

    Deve ser dureza viver sem ter a noção de quem presta ou não. Comentários com retórica esquerdista que nada esclarece ou contribui. Coisa enfadonha.

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  • raimundoportobbb38d9f7c disse:

    Prezado Sr. Fernão Lara Mesquita, Boa noite! Tenho acompanhado seus artigos desde o Estadão, continuando no VESPEIRO, especialmente sua defesa do voto dustrital, o qual também defendo. Recordo que em alguns artigos você mensionou a Suiça como exemplo, incluisve tendo servido de referência para aprefeiçoamentos institucionais nos EEUU. Ocorre que a Suiça passou do sistema disteital para o proporcional, cuja transição é objeto do artigo do link. Agradeço seu comentário a respeito. Abraços! Raimundo Porto

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    • A.(sno) disse:

      Alguns procuram pelo em ovo e… acham!!!
      “Seo” Raimundo: os outros países podem estar voltando de onde nós nem sequer imaginamos chegar!
      Defenda o voto distrital puro com recall e… c’est fini!

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    • flm disse:

      Ola, Raimundo,

      A Suíça “inventou” o federalismo, criando a primeira federação de cantões (estados quase independentes) em 1290…
      Estão bastante escolados, portanto, e têm uma das populações mais homogêneas do mundo em educação e nível de renda.
      É aproximadamente do tamanho do estado do Espirito Santo e permite referendo de tudo, nos municípios, nos estados, nas leis federais e na própria constituição.
      Lá da para convocar esses movimentos praticamente da janela de casa, de vizinho em vizinho…
      Não acompanho o dia a dia do processo deles porque são diferentes demais de nos pra servir de base. Mas como v lembrou, ja mostrei que, ao longo da historia, eles ensinaram os americanos e foram ensinados por eles (depois que Napoleão revogou o sistema deles por um tempo)

      Os Estados Unidos são a primeira e única democracia de extensão continental da História. E a pedra angular de tudo por lá é a obsessão com o controle do sistema pelo povo e, portanto, com a fidedignidade da representação.
      Passam por cima de firulas com as que os europeus alegam para apoiar seus sistemas de representação em um grande numero de partidos e nuances porque sabem que tem muito pouca verdade nisso.
      Nem você precisa pregar um selo verde na testa para votar contra algo que vá poluir o planeta. Nem é preciso ou bom para a humanidade legislar sobre tudo, nem o fato de alguém ter sido eleito pelo partido A ou B garante que ele vá votar sempre, pro que der e vier, do jeito que o cara que o elegeu tem em mente meses ou anos depois da eleição.

      O que interessa MESMO para o sistema americano é, a cada lei proposta, a cada voto, prevalecer a vontade da maioria sobre o representante eleito de cada grupo de eleitores naquele momento e para aquela ocasião. E, mais ainda que isso, poder voltar atras e reformar essa lei assim que ela se mostrar errada, seja na dosagem, seja como um todo.

      O voto distrital puro é desenhado para garantir isso: que a vontade do povo prevaleça sempre, antes, durante e depois dos momentos em que cada coisa é votada, e que o sistema tenha a mesma mobilidade que as pessoas têm para mudar de rumo quando dão de cara com obstáculos.

      Não é feito para providenciar que em cada distrito haja “representantes” de todas as ideias possíveis num cérebro humano. Ao eleger um cara por 50% + 1 e torna-lo sujeito à deseleição com uma convocação de eleição de recall com 20% dos votos recebidos para elege-lo (uma boa medida da “duvida razoável” formada na cabeça de quem votou nele da 1a vez), o sistema quer garantir apenas que aquele representante esteja sempre inseguro da sua posição, permaneça humilde para com seus eleitores, perguntativo em vez de afirmativo, empregado em vez de patrão do povo, e que votará SEMPRE segundo a vontade dos seus representados que pode mudar a cada momento e a cada voto.

      O resto é pra enganar trouxa.

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  • raimundoportobbb38d9f7c disse:

    Segue link https://www.swissinfo.ch/por/hist%C3%B3ria-e-modernidade_a-su%C3%AD%C3%A7a-e-o-sistema-eleitoral-proporcional/44440994

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  • plonios disse:

    A defesa que este blog faz do voto distrital, como elemento necessário para uma democracia verdadeira, tem todo o meu apoio. Só que o tom de certos posts e comentários é desanimador, pois parecem certos de que esse sistema é a bala de prata que vai resolver todos os problemas.

    Há muito mais que isso que deve ser mudado no sistema de decisão coletiva, seja dentro de um idealizado distrito, seja numa eleição presidencial. Sem isso, os distritos, se adotados, serão um disfarce para a mesma farsa de sempre.

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    • A.(sno) disse:

      Mais um que “apoia” sem apoiar…”Seu Plonios”: bala de prata não existe. O sistema defendido aqui, de saída, resolve mais de metade dos problemas político-eleitorais brasileiros. O sr. quer um sistema que resolva tudo? Amadureça mais rápido…
      Só hoje, o sr. é o 2º que encontra “pelo em ovo”. Mas há muitos outros por aqui!

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      • plonios disse:

        Resolve mais da metade… de onde saiu essa conta? Esse tipo de idealismo insubstanciado é característico da adolescência, será seu caso?

        Vou colocar minha questão em termos mais precisos. Suponha que seja aprovado um sistema distrital puro; como seria eleito o representante do distrito?

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      • A.(sno) disse:

        Uma das missões mais espinhosas que existem é tentar explicar o ÓBVIO. Não sou habilitado pra tal. Diálogo interrompido…!

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      • flm disse:

        O representante do distrito é eleito com 50%+ 1, pelas razões dadas na resposta ao Raimundo aí acima.

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  • plonios disse:

    Para quem sabe pouco e nunca refletiu sobre uma questão, a resposta única de que dispõem é óbvia e indiscutível.

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  • GATO disse:

    A tristeza só aumenta pois a morte só esquenta, nada de democracia, só demagogia. Falta o principal, o que seria? Ora, ora, a cidadania. Aqui não tem essa mercadoria, pois ela não tem preço e sem ele nada aqui anda, pois sem propulsão ou para outros propinão nada se move e nem se…….
    Triste confins de mundo, tanto desperdício e tanto morimbundo, ou será marimbondo, como será que os livros vão contar estes dias tristes.

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