Tirem o joelho do nosso pescoço!
9 de junho de 2020 § 9 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 9/6/2020
Com os caronas da rebelião pela morte de George Floyd “quebrando tudo” cá estava eu terça passada exortando o Brasil a imitar os Estados Unidos.
“Mas eles estão piores que nós”. “Aquilo está um pandemônio”. “Quem precisa de um Bolsonaro se já tem um Donald Trump”?, são algumas das reações que colhi.
A cena e o ato são hediondos. Tinham mais é de por os Estados Unidos em peso nas ruas. E ha uma eleição no horizonte. Na luta pelo poder, lá ou onde for, nada se perde, tudo se transforma. É o que move as manifestações-carona. Mas o que explica que elas “viralizassem” por tantos países?
Existem uns Estados Unidos da América como os olhos dos que nascem e morrem abusados pelo Estado os vêm, e existem os Estados Unidos da América. É gente que manda no seu governo, escolhe suas leis, aprova as obras públicas que quer, escorraça seus ladrões e decide que impostos quer pagar, tudo no voto que pode ser sacado e disparado por qualquer cidadão e a qualquer momento. É gente que vive esse sonho de toda a humanidade. São estes que podem gritar e gritaram esse “Não ouse meter o joelho no nosso pescoço”! Mas são estes também, os nunca pisados, que as privilegiaturas, mundo afora, precisam provar que não existem. O alvo dos movimentos que tentam cavalgar a indignação autêntica para dar George Floyd como “prova” de que a democracia real não existe porque enquanto ela existir o sonho não acaba e as privilegiaturas não podem dormir em paz.
A exacerbação que vai por aí responde ao efeito pendular. Não se rompe impunemente uma hegemonia centenária em torno da qual estruturou-se uma rede multi-trilionária e globalizada de “direitos adquiridos” criada e sustentada pelo monopólio do diktat comportamental e do discurso político com acesso aos centros de decisão agora ameaçados de disrrupção pela internet.
Em 2016 a Universidade de Oxford elegeu “pós-verdade” como a palavra do ano e definiu a expressão como “um substantivo que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. A eleição do alvo – bem precisa nessa definição – aponta para uma “ante-verdade” que é essencial para se entender a “pós”. Sim, é de mentira que se trata, mas do uso dela com o objetivo específico de minar a democracia, o único sistema de constituição do poder do Estado em que a “opinião pública” é o fator determinante.
A paulatina conversão da luta contra a “democracia burguesa” de uma disputa entre verdades concorrentes para a destruição do próprio conceito de verdade inclui o reconhecimento da relação indissolúvel entre democracia e verdade. Admitir que onde está bem plantada ela só pode ser destruída por dentro, a partir de uma deliberação da maioria contra si mesmo, e que só uma trapaça (a sistematização “orgânica” da censura e da mentira propostas por Antonio Gramsci) pode produzir esse efeito, homenageia a superioridade moral que seus inimigos sempre negaram a essa democracia em que o povo manda no Estado.
É onde se agarra a nossa privilegiatura. É triste ver provectos senhores e venerandas instituições perderem a compostura e desnudarem-se em público em apopléticas tempestades de adjetivos diante das cópias da direita, nuas e cruas, desprovidas da graxa dialética dos originais burilados ao longo de um século de poder pela esquerda para enganar os trouxas, agora que elas ameaçam seus privilégios.
O problema é velho como a humanidade: defender-se contra a mentira é uma tarefa para cada indivíduo porque a alternativa é dar a alguém o papel de fiscal da verdade, “solução” que conduz diretamente às fogueiras da Inquisição. Fiquemos pois com os clássicos nesse assunto: “Se todos os homens menos um partilhassem da mesma opinião, e apenas uma única pessoa fosse de opinião contrária, a humanidade não teria mais legitimidade para silenciar esta única pessoa do que ela, se poder tivesse, para silenciar toda a humanidade” (John Stuart Mill).
Com a correria para inventar uma legislação contra “fake news” para depor Bolsonaro a qualquer custo o STF e cia. ameaçam expor novamente a nação ao risco que lhe impôs ao devolver chefões do PCC às ruas para conseguir soltar Lula. Com a diferença nada desprezível da exclusão da tolerância com a roubalheira perpetrada contra a lei, mas mantendo a defesa intransigente do “direito” de uma privilegiatura de roubar o povo com a lei, o que temos hoje no Brasil é uma guerra da alta nobreza dessa privilegiatura – o Judiciário e a elite dos “servidores” que se apropriaram do Estado – contra a baixa nobreza da mesma privilegiatura – as polícias e os militares recém saídos de 35 anos de ostracismo que têm aberto a fila dos “fura reformas” de estimação de Jair Bolsonaro – pelo comando da exploração vil do resto de nós.
Esqueçam o século 20. Só ha uma atitude decente, só ha um “lado certo da História” da luta da humanidade contra a opressão. O que se abriu lá atras, no século 17. “Tirem (vocês todos, os indemissíveis que exigem aumento até nas pandemias) o joelho do nosso pescoço! O Brasil não consegue mais respirar”!
Sem limites para a democracia, vence quem gritar mais.
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Bom artigo. Realmente, talvez a história nos resgate. Atualmente venho notando até dos veículos de comunicação uma certa tentativa de defesa contra o novo, ou seja a internet e o poder da comunicação direta..
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Uma pitada de filosofia.
Organizar, é estabelecer nexos lógicos entre as partes, de tal forma que a totalidade resultante tenha propriedades determinadas. Interpretar, significa descrever os nexos lógicos presentes na organização focalizada. Entender, significa ser capaz de operar mentalmente os nexos lógicos expressos na descrição feita. Concordar, significa reconhecer que os nexos lógicos expressos na sentença correspondem aos nexos lógicos presentes no objeto. Verdade, é essa correspondência do discurso com a realidade. A natureza instrumentalizou a espécie humana com razão para que ela possa compreender e compartilhar a organização presente na natureza, isto é, a verdade da natureza. A natureza não pode existir à margem da verdade. A natureza forneceu a ferramenta, aprender a usá-la é desafio de cada um e da espécie. Consequentemente, pós-verdade e mentira atentam contra o projeto humano e defendem o retorno à condição bichana que antecedeu o advento da consciência. São frutos de delírio e/ou do uso equivocado da razão. Aprender a pensar de forma metódica e competente constitui teste de sobrevivência da espécie. Esse aprendizado não depende de governo, alias, ninguém deveria delegar essa responsabilidade para outro, nem mesmo para professores. Isso posto, caso queiramos criar no Brasil uma democracia, precisamos definir precisamente de que democracia se trata, caso contrário continuarão mentindo que já estamos em plena democracia.
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Excelente contribuição.
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Rubio, gostei muito de sua explanação. A parte final me lembrou de um pequeno artigo do início de 2014 que talvez ache interessante:
https://questoesrelevantes.wordpress.com/2014/03/02/democracia-socialista-e-o-saci-perere-da-ciencia-politica-nao-passa-de-folclore/
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Questões Relevantes
É gratificante um retorno que amplie o entendimento. Realmente o artigo é interessante e traz à baila outro aspecto da democracia, tão pertinente como aquele que mencionei. Em virtude de minha (de)formação (metafísica) tendo a buscar o que é essencial ou estrutural às coisas, supondo que elas forneçam esclarecimentos privilegiados. Nesse sentido percebo o estado brasileiro organizado sob medida para operar um regime de feição monárquica e não para operar democracia. Um fazendeiro de Goiás poderá, eventualmente, colocar a família no trator e ir passar férias no litoral, mas as dificuldades serão grandes. Assim o estado brasileiro. De outro lado, o seu artigo destaca o caráter gradual do regime, que nos permite não apenas aperfeiçoar a democracia, mas também perceber que em diferentes países encontramos o regime em diferentes estágios evolutivos. Essa graduação permite um olhar idealista que ressalta as conquistas de um povo no aperfeiçoamento das liberdades e responsabilidades individuais que configuram regimes democráticos, digamos, maduros. Mas essa graduação também revela que, se, de um lado, alguém conquista, de outro, alguém está concedendo, aos poucos, à contragosto e virtualmente, tentando compensar a perda aqui com um aperto maior ali. Alguém está cedendo dos seus privilégios ou sendo forçado a ceder. Somente em regimes totalitários ou monárquicos, penso, cabem privilégios, em regimes democráticos, apenas a justa remuneração pelo trabalho. Grato pelo artigo, no site http://segundasfilosoficas.org/ o professor(?) poderá encontrar algo que lhe recompense.
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Os primeiros textos que li aqui o fiz sem nenhum senso crítico, aceitando-os ipsis literis. Vejo, agora, que há muita mais crítica a fazer do que jamais imaginara. Assisti a uma entrevista da Cristiane Amonpour na CNN Brasil em que o entrevistado foi o General John Allen, ex-comandante das forças americanas no Afeganistão. Fiquei impressionado como a democracia está arraigada no cerne americano, que é as Forças Armadas. O General havia feito um pronunciamento vigoroso contra o presidente Trump que exigiu que a Força Nacional retirasse os manifestantes, ainda que com bombas de efeito moral, gás lacrimogênio e bordoadas, das imediações da Igreja Saint Johns, porque, ele, portando a Holy Bible na mão direita (faltou o AK-47 na mão esquerda), queria ir à igreja naquele momento (escolhido a dedo). Por que tal ácido pronunciamento? Segundo o General, a Primeira Emenda à Constituição Americana era clara no sentido de que era livre a manifestação e tratava-se de uma ofensa a ela agir daquela forma com manifestantes pacíficos. Lá, diferentemente daqui, generais da ativa ousam desafiar o presidente em defesa da democracia quando notam excessos, como também foi inaceitável para as Forças Armadas colocar o Exército contra os manifestantes. No Brasil os generais da ativa, como o interino do Ministério da Saúde, aceitam até ressuscitar mortos da Covid-19 a pedido do presidente aloprado em troca da boquinha. Boquinha essa que o aqui chamado “baixo clero da privilegiatura” aceita até pensão para filhas maiores e até casadas, como é o caso da Regina Duarte e da Maitê Proença e de milhares de outras. Baixo clero, hein? Medinho dos militares? Quanto às fake news, pode-se até dizer que a maneira como foi iniciada a investigação não foi a melhor, mas dizer que é uma invenção para o STF tirar o presidente aloprado é uma aberração. Já se sabe que o presidente aloprado foi eleito não só pela rejeição ao corrupto e lavador de dinheiro Lula, mas também pelos robôs de internet mentirosos dirigidos pelo Carlos Bolsonaro, o Carluxo, e sequazes. Pior, pagos com dinheiro público e de empresários “amigos” (imitação barata do Lula). Até o astrólogo Olavo está reclamando da falta do dinheiro que jorrava do governo e dos empresários “amigos”. O Datena, da Band, entrou na dança também por receber recursos públicos para elogiar o psicopata que ocupa o cargo de presidente. Não é o STF que quer tirar o presidente aloprado? São os cidadãos de bem, que não pagam impostos para serem usados na imitação rasteira dos sites da chamada esgotosfera petista em fake news, inclusive com o uso indiscriminado do cartão corporativo. Temos um presidente que, em vez de trabalhar para ajudar a conter a pandemia e a retomada da economia, cria crises a toda hora e não quer que a gripezinha seja ofuscada com mais de 1.000 mortes por dia. Dá ordem para o General da Banda ressuscitar mortos da Covid-19 e este (da ativa!!!!????), aceita. É esse o presidente que você quer comandando o barco ao qual, a cada dia, se acrescenta um furo? Eu, jamais! Estou aqui no isolamento trabalhando como nunca, mas não pude deixar de ocupar um pouco do meu tempo para comentar sobre um texto que considero, em parte, lamentável.
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Estou 100% com você: Eu mesma, humildemente, declaro o sentimento amargo de ter votado numa fake news. Se for derrubado será muito bem feito, afinal, todas as suas promessas já foram para o espaço há muito tempo. Centrão por centrão, dane-se, de todo jeito tá uma droga.
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I can’t breathe
Eu quero bife
I can’t breathe
Eu quero bife
Foneticamente parece a mesma coisa, mas é muito diferente, tanto lá como aqui, pois se lá estão se sentindo sufocados, aqui além de sufocadas as pessoas estão com fome, fome de tudo.
Então, comparações raramente servem para avaliar as duas nações.
Os Afro-descendentes no Brasil são totalmente diferentes dos americanos do norte, lá eles mesmo oprimidos ainda tem melhores condições de vida do que os que vivem aqui.
Vejam só a pompa do funeral do Sr. George Floyd, equivalente ao funeral de um Principe. Se aqui fosse, teria sido um funeral com 30 minutos de velório e se muito, fosse ele branco, pardo ou afro-descendente.
Assim tirem o joelho do nosso pescoço, não só na segurança, como também, na cultura, nas condições e vagas de emprego e principalmente na saúde, tenham decência, cambada de anti-cidadania.
Concordo com o Sr. Cirval, chega de tentar ser Messias e ressuscitar mortos da Covid 19, mande seu General da Banda voltar para Agulhas Negras e estudar geografia, clima e contabilidade, pois de contabilidade e estatística criativa, a cota já se esgotou.
Capitão que manda em General só neste quintal.
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