Plebeus do Brasil inteiro, uni-vos!

9 de abril de 2019 § 14 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 9/4/2019

O presidente ainda não decidiu o que quer ser depois que cresceu. Sob a regência dele e família a “direita” e a “esquerda” velhinhas esbofeteiam as paixões vintage uma da outra via internet. Já o Brasil “indignado” ataca pessoas mas não ataca problemas. E a imprensa, participando ou não dela, só vê a política como disputa. Abriu mão do 4º Poder. Dispensa-se de buscar soluções; de informar como funciona o mundo que funciona. “O governo ganhou…”, “O governo perdeu…”. Brasil e brasileiros nem há…

É tudo isso junto que proporciona que a privilegiatura não seja denunciada como sistema e possa continuar defendendo anonimamente os seus privilégios.

Na tradição política brasileira onde quem não pede, aceita, da extrema direita à extrema esquerda e mais quase tudo que há no meio todos mutuamente se arrimam no quesito defesa de privilégios. O instinto natural do Congresso é ver como entregar o mínimo pra não matar a galinha dos ovos de ouro já e o resto é circo. É uma cultura. O que é a debandada dos substitutos dos médicos cubanos três meses depois de contratados senão o aproveitamento de mais uma oportunidade de por um pé dentro da nau dos exploradores pelos “concurseiros”, seguido do efeito obrigatório da garantia de que nada, pela eternidade, poderá tirar de lá quem conseguir essa proeza? O que mais é preciso para explicar porque mais de 100% do que arrecada o país expulso do mercado global pelos impostos mais altos do mundo já não basta para pagar os privilégios dos “embarcados”, aposentados ou não?

A “desarticulação política do Planalto” se dá em torno daquilo que nem ele, nem a oposição, nem a imprensa estão pedindo que mude desde a raiz, nem hoje, nem muito menos quando o problema era o excesso de “articulação política” entre o Palácio e o Congresso. Não há “desinteresse do presidente pelas tarefas inerentes ao cargo que ocupa”.  O que há é o desinteresse de Brasília inteira, e adjacências, em acabar com esse nosso feudalismo extemporâneo.

O Congresso é a frente mais vulneravel dessa resistência. Todo mundo exposto ao voto sabe que o que lhe está sendo pedido não é nenhuma revolução, é apenas, como já tinha sido na reforma trabalhista, que remova da cena institucional aquilo que já está morto e nada poderá fazer reviver porque o dinheiro acabou. A confusão do presidente com seu novo papel é que reabriu a controvérsia. Jair Bolsonaro nunca saiu do território da privilegiatura. É até por balda, mais que por convicção, que é ele quem rege a pauta das capitulações. Ninguém exigiu nenhuma, ele é que ofereceu todas. Mas agora passou da conta. O sistema de capitalização é a fronteira real entre o fim previsível e o nunca acabar da privilegiatura. O regime de repartição mantém aberto o componente aleatório da conta da previdência que os políticos “arbitram”, ou seja, mantém aberto o comércio de favores que cria castas privilegiadas e arrebenta países como o Brasil. O de capitalização impõe o realismo matemático que mata esse comércio e, de troco, cria uma poderosa rede de fundos de poupança que provê o financiamento barato do desenvolvimento futuro. O “elevado custo de transição” alegado é pra quem tem o que perder nessa parada, que certamente não é o povo que já não tem nada.

Paulo Guedes também nunca saiu do País Real, esse mundo onde a realidade é senhora e ninguém dá murro em ponta de faca. Mas na arena da luta pelo poder aquilo que parece pesa muito mais que aquilo que é. Logo, submeter-se a longas seções de teatro sem ser ator não é o melhor meio de passar a reforma. Convencer o povo, que tira e põe políticos no poder, da indispensabilidade e da boa fé dos componentes essenciais da sua proposta é que é o caminho para extrair indiretamente dos deputados o voto que o Brasil precisa.

Uma imprensa que se negasse a disparar tiros alheios pelo “acesso” a dossiês nunca 100% desaloprados montados pelas facções em luta pelo poder; uma imprensa que resistisse a tomar 200 milhões de brasileiros por otários voluntários recusando o mito da “impopularidade” do fim da privilegiatura que todas as pesquisas mostram que não vai além das salas onde deveriam trabalhar mas estão dispensados de fazê-lo os “estáveis no emprego” para todo o sempre; uma imprensa que tudo referisse, enfim, à meta sacrossanta do privilégio zero, poderia fazer essa ponte. É pela falta dela que o povo tornou-se uma ficção distante para Brasilia assim como Brasilia tornou-se uma ficção distante para o povo. Não há nenhuma comunicação entre eles porque a intocabilidade de todos quantos conseguem por um pé dentro do estado, um dia, nunca é posta em xeque. Excluído o único remédio que cura, tudo que resta para a análise dos eruditos do nada nas TVs são os protocolos da Corte. O que diz a regra (que nos mata)? De quem é a competência (de nos ferrar desta vez)? Os parênteses não sobem nunca às manchetes. Só o que não interessa interessa.

Levantar a censura sobre como funciona o mundo que funciona pouparia o país de ter de reinventar a roda. Mas se apenas a imprensa passasse a atribuir o comportamento da Corte às suas causas evidentes já começaríamos automaticamente a nos dirigir para a saída, que consiste apenas e tão somente em condicionar todos os dias, dia após dia, a permanência no emprego de políticos e funcionários públicos à obrigação de agradar os “clientes” que lhes pagam os salários como acontece aqui fora.

Democracia, no más…

Plebeus do Brasil inteiro, uni-vos! Este país está aquém do século 19 das revoluções democráticas. A parada aqui ainda é “nobreza, unida, jamais será vencida”. Pelo povão ninguém “é” senão o ministro que os deputados hereditários da bancada dos gigolôs de miséria querem carimbar como “rentista” ou “agente dos bancos”, a apelação que resta no seu arsenal esvaziado de argumentos. Paulo Guedes terá de recorrer a uma campanha profissional de esclarecimento do povo se quiser conseguir dar o seu recado inteiro. Nenhum dinheiro público poderia ser mais bem gasto.

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§ 14 Respostas para Plebeus do Brasil inteiro, uni-vos!

  • Jackson disse:

    Excelente artigo. Retrato fiel das forças que disputam os impostos e contribuições que pagamos. Com a imprensa refem dessas forças, de fato só resta ao ministro se comunicar diretamente com o povo em busca de um aliado.

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  • Renato Pires da Silva Filho disse:

    Reformar a previdência, gerando um trilhão de reais em 10 anos de economia de recursos, mas afetando milhões de um jeito ou de outro, é sim válido. Mas mais válido ainda seria reformar a eterna e impagável Dívida Pública, que a cada ano suga um trilhão de reais entre juros e encargos de refinanciamento, fazendo a alegria do Cartório Financeiro, que de fato representa a minoria de rentistas deste País, boa parte dos quais os ricos privilegiados do “serviço” público, que entesouram e reentesouram sem qualquer risco justamente na Dívida Pública, melhor seria dizer “Dúvida Pública”, o reflexo financeiro da privilegiatura.

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    • ricardopelin disse:

      Li uma matéria na Istoé que sugere que a reforma da Previdência favorecerá aos bancos que forem administrar as contas de capitalização dos “novos previdenciários”. Como serão contas com data de validade, transfere-se aos bancos a capacidade de gerenciarem as contas por no mínimo 30 anos. Se for este o plano, Guedes merece um Nobel para reduzir o impacto que a dívida do Brasil tem; no entanto, se for para ACRESCENTAR faturamento aos bancos, será mais uma prova que o Brasil não tem cacife para se auto administrar. Não esqueço que Juscelino acabou com os Institutos de aposentadoria para construir Brasilia. Não esqueço que os militares acabaram com o INSS para construir Itaipu e outras pequenas grandes obras faraônicas.

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  • marcos andrade moraes disse:

    Belo texto se vc não tivesse votado nele. Estava na cara que seria assim e vc delirou. O único voto compatível no 2º turno, com o que vc defende, era o nulo.

    Quanto ao P Guedes. Politicamente ele sempre foi um nada, pois parece acreditar que bastam alguns algoritmos para resolver tudo. Se ele fosse realmente um liberal não teria entrado nessa; se fosse patriota já teria saído. Pense bem; o que faz Mansueto e os outros nessa? Serei radical: a patriotada dessa gente traiu o Brasil.

    Reveja a entrevista que ele deu para a Joice: é abjeta!

    Vc está certo quando diz que é cultura; está certo quando pergunta? “o que mais se deve fazer”? No seu campo nada! Continue dando exemplos! Veicule “cases” americanos e ingleses que vamos veiculando, pressionando.

    Em frente.

    MAM

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    • A. disse:

      Cara, você parece a Da. Bela, da escolinha do Chico Anísio: só pensa… naquilo!!! Você é um comentarista de “uma nota só”! Finja que vai c… e vá mesmo! Por que não procura ser útil só um pouquinho, pra variar?

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    • Olavo Leal disse:

      “Estava na cara que seria assim…” – é mesmo? E qual o resultado da mega de amanhã? Já perguntei isso anteriormente, mas você não respondeu. Você insiste de um lado e eu do outro.
      “O único voto compatível no 2º turno, com o que vc defende, era o nulo.” – pense com clareza (um pouquinho só!): se todos os descontentes com Bolsonaro e Haddad agissem assim, claro que o eleito seria o último, seu idiota: e ele não teria viajado para EEUU, Chile e Israel e, sim, para Bolívia, Venezuela e Cuba. Entendeu ou é preciso desenhar?
      “Quanto ao P Guedes. Politicamente ele sempre foi um nada,…” – é com gente assim, politicamente desengajada, mas tecnicamente eficiente, que reconstruiremos – nós!!! – o País e não com os seus adorados politiqueiros de sempre.

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  • Mora disse:

    Exatamente isso. E os meios televisivos só bombardeiam sobre ” marieles “; “buracos na cidade”; ” respeito a etnias “; ” feminicidios” ( por não encontrar assuntos para ” baratacídios. formigacídios etc). Assim, vai se levando, tapando o sol com a poeira. E o principal jornal continua defendendo a cura através do aperfeiçoamento da ” democracia “, como faz há centenas de anos. Certamente vai continuar mais umas centenas de anos, porque não se envolve, não se compromete. Fica em cima do muro. Onde está a livre imprensa? Por quê não colocar abertamente o dedo na ferida para o bem do Brasil?

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  • antonio brito disse:

    realmente desconfortavel é a imprensa. No top da redundância está a Globlonews com as mesmice. No Estado salva uns 3 artigos dentre os quais o seu, da Vera e do Celso Ming. A redação, as manchetes estão indo para um caminho ridículo. Você não tem nenhuma influência na redação? deixar essas meninas de 30 criadas no celeiro do petismo é jogar a tradição de oesp no lixo.
    Não é à toa que o jornalismo independente, que precisa falar a linguagem popular, a do rádio, como jp e mesmo band estão ganhando audiência. Não perceberam que o povo está percebendo o que é uma camada que fica na redundância e a realidade.

    Curtido por 1 pessoa

  • Leandro Ferreira disse:

    O dinheiro pago pelo meu Estadāo é de pinga,porém,os artigos de Lara Mesquita Já valeu o preço,o resto é lucro.

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  • Ethan Edwards disse:

    Parabéns pelo artigo. Nas circunstâncias, os de fora do governo nada mais podemos fazer senão torcer: para que Bolsonaro não se dobre ao corporativismo, para que Guedes encontre formas de sensibilizar os eleitores e alguns dos eleitos, para que a imprensa se comporte de acordo com sua função numa sociedade democrática, etc. Votei em Bolsonaro e, se me oferecessem outra vez aquele segundo turno, votaria novamente. Não tinha esperança de que ele fosse “salvar o Brasil” (?!). Votei na expectativa de que, havendo uma crise (como a que está em curso), ela não se resolveria “à esquerda”, com mais petismo, mais esquerdismo, mais Venezuela. Por isso, não me arrependo. Mas tudo parece indicar que as chances de termos uma boa reforma da previdência neste mandato diminuem a cada dia. É uma pena. Confio, porém, na incontornabilidade do real, e estou convencido, por isso, de que esse assunto será o eixo da vida política brasileira nos próximos anos. Se estiver certo, nas próximas eleições presidenciais haverá provavelmente uma boa alternativa a Bolsonaro; alguém, no campo centro/direita, que defenda com todas as letras a necessidade dessa mudança e que seja eleito explicitamente para fazê-la. Tenho esperança. No reino do patrimonialismo, o que mais se pode ter?

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    • Flm disse:

      Perfeito, Ethan.

      A incontornabilidade do real…

      Nenhuma avaliação politica faz sentido isolada de sua circunstância, isto é, das alternativas possíveis. E todo mundo que já superou a primeira infância da inteligência sabe que toda solução é só o início do próximo problema.
      Democracia é o arranjo que leva essas obviedades em conta e por isso está inteiramente focada em facilitar as correções de rumo. Recusa-se a apontar qualquer porto definitivo de chegada. É só um manual de regras de navegação.

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  • Sonia Resende Barros disse:

    Magnífico artigo mais uma vez…. Parabéns Fernão. Sua análise inteligente engrandece o país. Rezo para que suas palavras sejam ouvidas. Abraços.

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  • Antonio Brigolatto Carmona Barrionuevo disse:

    Não é preciso dizer muita coisa, o jornalista Fernão Lara Mesquita esta de parabéns. Em um artigo ele consegue explanar tudo o que acontece no Brasil desde o tempo de Alvares Cabral.

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  • Herbert Sílvio Augusto Pinho Halbsgut disse:

    Fernão Lara Mesquita neste artigo nos conclama para o bom combate contra o obscurantismo que ainda assola nosso “berço esplêndido” e mantido pela privilegiatura que sufoca a Nação até a morte anunciada, para breve, caso a sociedade como um todo não reagir enfaticamente. O papel da imprensa livre e democrática é indispensável e deve liderar no esclarecimento da grande massa popular anestesiada com o processo escravagista mantido pelos donos da coisa que deveria ser pública, mas transformada em privada, destruindo nossas instituições. Delfin Neto e Modesto Carvalhosa já estão dando seu recado à Nação brasileira e quantos outros notáveis estarão a contribuir para esclarecimentos da massa popular sobre o que está acontecendo? As mãos que balançam o berço no reino do Congresso Nacional tem realmente compromisso com o País e sua Nação? Parabellun?

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