O enredo sinistro de Rodrigo Maia
1 de outubro de 2020 § 33 Comentários
Bancar “Renda Cidadã” com calote nos precatórios seria a rendição final de Paulo Guedes. Na verdade a sorte dele e a nossa estão seladas desde que o torneio de egos Rodrigo Maia x Jair Bolsonaro colocou em R$ 600 reais por mês a ajuda de emergência do governo aos paralisados pela pandemia e à legião dos seus caronas.
Tentar Jair Bolsonaro com esse “Viva Zapata!” (“Imprima-se o dinheiro, oras!“) foi de uma covardia calculada que entrará para os anais da História das Grandes Traições ao Povo Brasileiro, este que os rodrigos maias reduziram à condição de colher uma onda de inflação nos alimentos básicos e nos materiais de construções miseráveis pela injeção de R$ 600 por família. 67 milhões delas, contando 64% da “força de trabalho”, passaram a comer algum arroz por causa disso. O varejo “internetavel” saltou em semanas para níveis pré-pandemia e os “likes” das vaidades a arder no Planalto foram à lua, como o autor da façanha previu … até quando dezembro viesse.
Foi naquele preciso momento que o futuro discernível do Brasil foi, mais uma vez, fulminado.
Paulo Guedes, como único representante do Brasil Real nessa novela da qual o povo brasileiro é apenas espectador, seria finalmente expelido como o corpo estranho que ameaça o organismo dentro do qual foi plantado. Barrado em todos e em cada um dos caminhos que tentou – o da racionalidade com justiça cortando privilégios da privilegiatura e privatizando seus feudos estatais chupados até o bagaço, o da implosão do labirinto tributário com todas as máfias que ele sustenta mediante a instituição de um imposto mínimo sobre transações e, finalmente, na ultima e desesperada tentativa de desamarrar o país coletivamente estuprado, pela via indireta dos 3D’s (desindexação, desvinculação, desobrigação) – vê-se agora enredado nesse calote dos calotes do estado anulados por via judicial, que é a tradução exata de “precatório”, mais a mão avançada sobre os caraminguás da educação básica que tem aquele cheiro característico dos bodes que se enfia na sala para ser retirado logo adiante. O clima no enclave do Ministério da Economia era, anteontem, de consternação. Bruno Funchal, secretário do Tesouro, praticamente declarou em “on” ao Valor que não são mais eles, é a “ala política” que dá as cartas pela economia.
Todos os outros personagens desse enredo sinistro se equivalem. Rodrigo Maia é um Bolsonaro com bons modos à mesa. E dele para baixo, até o limite do País Real, ou para cima, até o decano do STF com suas avalanches de prosopopéia sem sentido nos píncaros do Oficial, tudo exala o mesmo cheiro, só varia a hierarquia.
Caindo de podres como estavam, bastou um governo ameaçando mudar de conversa, desviando-a levemente do discurso da férrea hegemonia das corporações, e os cacos das “instituições brasileiras” vieram ruidosamente abaixo. Eleja o povo o que eleger, tudo que vai colher, na melhor hipótese, é o que disserem os 11 monocratas. “Estado democrático de direito” é o antônimo de “privilégio”. A “democracia brasileira” é uma fraude de que dá flagrantes diários o fato de não haver dois brasileiros portadores do mesmo conjunto de “direitos”, estes que, entre nós, pode-se “adquirir”, nominalmente ou a granel, por unção ou por atos de vassalagem aos “excelentes”, e de estar o país inteiro “na justiça” que tem entre nós a função de garantir o “especial” que eles houverem por bem conceder a cada um.
Houve esperança num Brasil democrático enquanto houve uma imprensa que acreditava na democracia. O “clima político” que se requer para fazer reformas e/ou obrigar o congresso dos “representantes do povo” a votar a favor do povo é sempre ela quem cria, mesmo nas que de fato existem. E esta que sobrou aqui, de herdeiros, eunuca e submissa, afirmo-o agora com o meu testemunho pessoal, joga para o adversário e expulsa sumariamente, com ou sem o auxílio direto do Grande Censor do STF, Alexandre de Moraes, quem ousar denunciar sua ditadura. Não foi, é verdade, necessário o empenho de doses excessivas de musculatura, como seria para aproveitar a deixa e empurrá-lo na direção que afirmava querer seguir, mas é dela mais que de qualquer outro agente a responsabilidade por jogar Jair Bolsonaro de volta ao colo do Centrão.
O golpe esboçado dos precatórios tem a cara desse Brasil falsificado. Em 31/12/2019 o estoque dessas dívidas era de R$ 183,6 bi, quase 3% do PIB. Mas, pela mesma razão que bem mais que a metade dos salários que os “nossos servidores” embolsam não se chama “salário”, esse valor não é contabilizado como “dívida pública”. Os precatórios só entram na estatística oficial quando são pagos. Daí não pagar precatórios, que na língua portuguesa significa dar calote no calote, na da antropofagia política macunaímica quer dizer “cortar despesas”, embora vá aumentar ano a ano a dívida transferida pelos palácios ao favelão nacional na lei irrevogável da aritmética.
Tudo isso nos empurra de novo para a conclusão tantas vezes avançada neste Vespeiro. Não ha a menor esperança de fugir a este cativeiro enquanto não se fizer a reforma política capaz de desmontar o esquema espúrio que nos põe em regime de escravidão. Os “negacionistas” do valor dos remédios da democracia na imprensa e fora dela escolheram a doença porque é dela que vivem. Vão resistir à cura até depois da descida da lâmina da guilhotina.
Mas para a força irresistível do povo, querer é poder. Com o voto distrital puro, o recall, o referendo e a iniciativa de propor e recusar as leis que quer seguir, esse poder materializa-se e viram fumaça todos os “tigres de papel” que nos reduziram a essa pobreza asiática surfando a mesma onda que resgatou o resto do mundo dela. O que falta agudamente ao favelão nacional é conhecê-lo. Se ele souber que o remédio existe, nada o impedirá de toma-lo.
Como R. Maia levou Bolsonaro no bico
18 de setembro de 2020 § 23 Comentários
A “resposta mais agressiva à pandemia entre todos os países emergentes” não foi uma escolha deste governo, foi a consequência de uma reação mercurial de Jair Bolsonaro, que esqueceu que a reeleição é só em 2022 e queimou o seu cacife inteiro na largada só para rebater a bravata de Rodrigo Maia que empurrou, numa tacada só, dos R$ 200 propostos por Paulo Guedes, para R$ 500 o valor do auxílio de emergência, que o bobo alegre do planalto deixou, então, em R$ 600.
Esses R$ 600 por mês injetaram na economia um volume de recursos 61% maior que a perda de renda das famílias no ano acumulado até julho. Calculada pela Pnad, a massa de rendimentos inclui todos os trabalhadores com 14 anos ou mais – formais, informais ou desalentados – que declararam ter rendimentos no período da pesquisa. No acumulado ate junho, a renda das famílias recuou R$ 66,8 bi enquanto o auxilio emergencial, segundo a CEF, injetou R$ 108,3 bi. As nove parcelas do auxílio, mesmo com a redução para R$ 300 a partir de setembro, vão injetar um total de R$ 326,8 bi na economia.
Em relação aos três primeiros meses do ano sem pandemia, a diminuição da renda no segundo trimestre foi de mais de 20%. Na comparação anual esse trimestre representou uma queda de 12%. Mesmo assim, o aumento da massa em circulação em função do auxílio de emergência foi tão importante que houve uma inflação abrupta em alimentos e materiais de construção. Salvador registra uma inflação de alimentos e bebidas de 8,5%, Aracaju, de 7,23% e Fortaleza de 7,03%. A escassez seguida de explosão dos preços do arroz responde a essa distorção: ninguém, ao plantar a safra de 2020, esperava uma explosão do consumo.
O Brasil ainda não sofreu, portanto, o impacto – que entretanto já aconteceu – da pandemia na economia nacional. Em vez de piorar, “melhoramos” o ritmo dos batimentos cardíacos dela com a droga injetada na veia pelo golpe maquiavélico de Rodrigo Maia. Só que o efeito da droga só dura até dezembro a partir de quando 20 milhões de brasileiros desempregados ficarão sem renda nenhuma se o auxílio emergencial realmente cessar como está programado para cessar em função da raspagem dos últimos tostões do Tesouro Nacional.
A Emenda Constitucional 95, de 2016, desenhada para dar um basta no crescimento ininterrupto do gasto publico sempre financiado pela expansão das receitas (leia-se aumento de impostos) e pelo aumento do endividamento (leia-se aumentos dos juros), estabelece que o gasto do ano seguinte só poderá ser corrigido pela inflação do ano anterior medida em 12 meses. Isso deixa como única saída para manter as contas dentro do universo da responsabilidade fiscal, extrapolado o qual caminha-se para o impeachment, cortar gastos primários.
No Brasil desde sempre dividido entre privilegiatura e favelão nacional cortou-se, primeiro, é claro, todos os investimentos, isto é, a escassa parcela do orçamento que ainda pertencia ao Brasil plebeu, posto que convive com a EC 95, além da “destinação obrigatória” de todas as parcelas do orçamento que pertencem à privilegiatura, também a obrigação dos aumentos automáticos e em progressão geométrica delas ano após ano.
O golpe de Rodrigo Maia apressou a drenagem dos restos. Agora só sobra entrar de sola nos direitos adquiridos da privilegiatura cuja primeira linha de defesa é o próprio presidente Bolsonaro, um lídimo representante da baixa nobreza dela (os fardados em geral), e a última o STF dos comedores de lagostas com vinhos tetracampeões, tendo o Judiciário, o Legislativo e o resto do funcionalismo inteiro no meio de campo e no ataque.
A primeira solução imaginada por Paulo Guedes – que, como homem de contas, enxergou o final desse beco sem saída assim que o presidente “machão” se enfiou nele – é a aprovação da PEC do Pacto Federativo que corrige a regra do teto de gastos facilitando o disparo dos “gatilhos” previstos nela mas que o STF já vem, diligentemente, trabalhando para bloquear.
Eles devem ser acionados quando as despesas obrigatórias chegarem a 95% da despesa primária total e incluem a proibição de aumentos, reajustes ou adequações de remuneração de qualquer espécie, criação de cargos e alterações de carreiras que impliquem aumento de gasto ou criação de despesa obrigatória nova. Mas já vêm sendo diretamente desafiados por atos como a criação de um TRF inteiro novo pelo Congresso e outras decisões de legislativos e tribunais.
Para contornar o impasse Paulo Guedes sugeriu os “três D” – desindexação, desvinculação e desobrigação de despesas orçamentarias – que teriam de ser Incorporadas à PEC do Pacto Federativo e, “desautomatizando” os reajustes por dois anos, reduziriam enormemente as despesa e abririam a possibilidade de manter além de dezembro a ajuda a 20 milhões de famílias de miseráveis adicionais às do Bolsa Família que está mantendo a economia viva. Foi essa a saída que Bolsonaro fechou violentamente, como se não soubesse que a festa acaba amanhã.
Demagogos do Congresso e da imprensa, defendendo “o seu”, repetem todo dia que o corte de subsídios e benefícios fiscais (como se também isso não custasse imediatamente, mais desemprego), a tributação de dividendos e outros expedientes resolveriam o problema. Mas a EC 95 foi desenhada exatamente para impedir a continuação desse acerto sempre via arrecadação que, no fim das contas, é o pobre quem paga. Exige redução do gasto primário.
Cá estamos, portanto, esperando dezembro chegar com o presidente que confere diariamente seus “likes” de internet e só age em função deles, embriagado com os abraços de criancinhas pelo Nordeste afora, dando rasteiras e ameaçando “cartões vermelhos” para quem lhe puser a realidade diante dos olhos. Quem quiser que acredite que, em pleno natal, ele ou o Congresso Nacional farão o que é preciso fazer. A alternativa, com qualquer que seja a cara com que nos seja entrujada, acaba em endividamento (e inflação) que vamos pagar literalmente com os olhos da nossa cara.
O único herói desta guerra
1 de setembro de 2020 § 24 Comentários
A Guerra dos Trouxas e a saúde da democracia
26 de maio de 2020 § 13 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 26/5/2020
Nada como um bom garrote financeiro para trazer todos os pés de volta ao chão. Quem vive aqui fora que o diga. A privilegiatura acaba de passar por algo que remotamente lembra a nossa condição cotidiana e entrou em tal estado de pânico que concedeu até acenar-nos com alguma paz.
Ficar sem salário?! Quando as labaredas batem nos fundilhos só resta saltar da janela. Até o dinheiro combinado acabar de pingar certamente haverá trégua. Nada que tenha vindo para ficar, é claro. Daqui por diante é padrão Centrão: uma nova pequena crise a cada nova “tranche” de sobrevida, seja dos governadores, seja da “governabilidade”. Mas pode durar o bastante para nos permitir saber qual seria a bolsa, o dólar, o tamanho da quarentena e do estrago na economia e no emprego se tivéssemos a felicidade de estarmos enfrentando só a pior peste da “era da informação”.
O aperto é tanto que tende a empurrar até a quarentena para o razoável. Mesmo para os governadores ricos e chiques, defensores mais ferrenhos da burra, vai caindo a ficha da realidade sinistra do favelão nacional. “Eu sempre mantive 60% da economia aberta”. “O setor de construção sempre se manteve operando” (e se ele pode, e com segurança, porque outros não poderiam?)…
Com Bolsonaro “despossuído” e mantendo a abstinência de discursos de beira de cerca é possível até que cheguemos a delegar aos prefeitos, que sabem o que se passa em seus terreiros, as decisões sobre quarentenas, com os governadores e o presidente cuidando só de assessorá-los na definição dos parâmetros para o isolamento e de manter em funcionamento a rede hospitalar como deveríamos ter feito desde o início.
Este o quadro do Brasil que ainda oscila com o andamento da Guerra dos Trouxas, esta entre a “direita” e a “esquerda” da mesma privilegiatura que disputam o prêmio que somos nós. O outro, o Brasil Real que se divide entre “nobres” e “plebeus”, este continua intacto desde 1808.
O entendimento em torno do veto aos aumentos do funcionalismo demorou porque era Bolsonaro que precisava ser convencido depois que o major Vitor Hugo, seu líder na Camara, anunciou sua última traição ao ministro Paulo Guedes. Dos governadores sem dinheiro havia uma resistência menos que frouxa. E dos solertes defensores do “estado democrático de direito” do judiciário, da academia e da imprensa a absoluta ausência de pressão de sempre pois, a seu ver, “cloroquina ou não cloroquina” ou os adjetivos que o presidente usa para referir-se ao regime militar morto ha 35 anos são ameaças muito mais concretas à democracia brasileira que a existência de uma privilegiatura constitucionalmente isenta das misérias que fabrica autorizada a ROUBAR-NOS COM A LEI.
Perdido como está, para saber o que é democracia o brasileiro tem de olhar para fora, mas com o olho que a imprensa mantém fechado. Você sabe, por exemplo, que o Bolsonaro dos americanos toma cloroquina mas nunca teve qualquer notícia da frenética corrida que está havendo por lá para manter o povo mandando no governo apesar das implicações da pandemia na véspera da eleição mais importante do calendário deles.
Enquanto aqui meia dúzia de gatos pingados podem anular 58 milhões de votos, na democracia sem aspas o povo decide literalmente tudo. Quem terá o direito de pedir votos em eleições para o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (sim, ele também!); que leis o povo vai propor aos ou aceitar dos legisladores; quais funcionários públicos permitirá que os políticos nomeiem e quais querem eleger diretamente; que funcionário eleito continua até o fim do mandato ou sai antes que ele termine; que obras o povo admite pagar e como, etc. E a pandemia pegou-os bem no início, tanto do processo de apresentação de candidaturas para eleições primárias quanto de qualificação das leis e outras iniciativas do povo que tomarão carona nas cédulas da eleição de novembro para receber um “Sim” ou um “Não” dos interessados.
Até meados da semana passada o site ballotpedia.org que cobre essa democracia americana (não a do New York Times) registrava 92 novas leis estaduais para tratar essas questões durante a pandemia. O direito de votar pelo correio, limitado a pessoas com problemas especiais, esta sendo estendido a todos. As regras de coleta de assinaturas, tanto para a qualificação de candidaturas que, dentro ou fora dos partidos começam obrigatoriamente com esse passo, quanto para a qualificação de leis de iniciativa popular para subir à cédula da próxima eleição estão sendo alteradas. Passam a valer assinaturas online, os prazos foram estendidos e, em alguns casos, mesmo as quantidades de assinaturas exigidas foram reduzidas. Algumas eleições primárias foram canceladas e em vez de dois nomes haverá estados em que aparecerão 10 nomes de candidatos a presidente na cédula (a corrida começou com 1081!) para a escolha final do eleitor.
Ninguém quer que você saiba, enfim, que exatamente ao contrário do que acontece aqui, lá vale qualquer risco para impedir que, na crise, o Estado escape um milímetro que seja ao férreo controle do povo.
Nota: Artigo escrito antes da exibição do vídeo da reunião ministerial de Bolsonaro que mantive por acreditar que o problema real é o tratado aqui e não o barulho com que querem evitar a discussão dele.
2 de maio de 2020 § 3 Comentários
De novo os dois lados errados na amarração do pacote Guedes/Alcolumbre:
Só o critério de compensação é legitimo e transparente. Resulta numa proporção mensurável para cada estado e prefeitura, qualquer que seja o valor. Outros critérios que distorçam isso são politiqueiros. E quando Bolsonaro politiza Alcolumbre e cia. dão mais 10 em cima dos 10 dele. Não é hora de comprar voto enfiando 250 emendas para dar ou tirar mais um tostão deste ou daquele grupo de eleitores ou corporações.
Eles – todos eles – vivem num mundo diferente do nosso. Não têm pressa. Nunca tiveram de pagar uma conta.
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