O que ha de comum entre China e Brasil

9 de março de 2016 § 8 Comentários

parichina

Frequentemente apontada como aquilo que o Brasil gostaria de ser, já ha muito mais de comum entre a crise chinesa e a brasileira do que sonham os nossos filósofos de botequim. Mais, desgraçadamente, do lado ruim que do lado bom que aquela quinta parte da humanidade tem para exibir.

O regime comunista chinês começou a “privatizar” as primeiras residências para seus súditos já com a década de 90 do século 20 caminhando para o fim. Os primeiros contemplados com as autorizações para comprar casa própria foram os trabalhadores de “colarinho branco” com salários mais altos das cidades mais ricas. Eles tiveram, primeiro, acesso a crédito para comprar suas casas e, na sequência, programas do governo para ajudá-los a reformar, mobiliar e equipar essas casas e, até, comprar uma segunda casa como investimento.

ch1

A China rural e também os 270 milhões (hoje) de trabalhadores migrantes de salários mais baixos ficaram fora da festa. A razão é bem objetiva. Pelas médias de hoje esses trabalhadores ganham o equivalente a US$ 573 por mes, o que representa 70% do metro quadrado de apartamentos novos nas cidades menores do país e uma fração desse mesmo metro em cidades como Pequim e Shangai. Não dava mesmo para eles entrarem e até hoje isso é um problema sem solução.

Acontece que, como sempre em regimes com déficit agudo de democracia – o único antídoto eficiente contra a corrupção conhecido – os quadros do Partido Comunista Chinês logo descobriram que a criação de uma indústra imobiliária a partir do nada era a sua grande chance de saltar para o mundo dos ricos acariciado nos seus sonhos secretos. Lá, toda terra pertence ao estado e, como o estado pertence ao Partido Comunista Chinês, o partido único, e o partido único são pessoas, toda terra pertence na verdade a quem, dentro da hierarquia do partido, está em posição de ter o controle sobre esse bem, no caso, as células municipais do Partido Comunista Chinês.

ch1

Tudo se deu, portanto, entre amigos e correligionários (“companheiros” como se diz por aqui). O “construtor/incorporador”, o segundo elo dessa corrente da felicidade depois do pessoal do partido (um Odebrecht da vida), tinha de conseguir dele a autorização do partido para se tornar construtor, o financiamento do banco do partido para “comprar” a terra “pertencente” à célula municipal do partido, as máquinas do fabricante de máquinas do partido e os materiais de construção dos importadores e/ou das manufaturas do partido e, assim, tocar as obras e incorporar os imóveis a serem vendidos, com financiamento do partido, aos súditos escolhidos pelo partido.

Deu pra imaginar a festa? Uma vasta cadeia de petrobrases (ainda que tenham sido ordenhadas com competência aparentemente maior do que foi a nossa)…

ch1

Um estudo calculou em 4,5 trilhões de yuans ou 1/3 do PIB da China, já em 2003, o valor que foi “privatizado” por esse expediente para os “colarinhos brancos” e seus patrocinadores na primeira onda do processo. Mas ele estava apenas começando. A crise financeira internacional de 2007 expandiu a coisa para proporções gigantescas sob o pretexto bem conhecido dos brasileiros de “criar uma força anticíclica” para “impedir a entrada da crise no país” ou, dito em linguagem mais popular, transformar tsunamis em “marolinhas“. O PCC atirou-se a um frenesi de constução de estradas, ferrovias e gigantescos projetos imobliários, tanto ligando coisa com coisa quanto o nada a lugar nenhum; tanto onde havia quanto onde não havia gente ou dinheiro para comprá-los e usá-los ou outra forma racional qualquer de justificativa ou expectativa de sustentabilidade.

ch1

Resultado: ha hoje na China imóveis novos desocupados suficientes para abrigar 90 milhões de pessoas, o equivalente à população da Alemanha inteira, e 90% deles estão em cidades de terceira ou quarta categoria, ou em verdadeiras cidades-fantasma, como Tianducheng, esta com cara de Paris que aparece na foto que abre esta postagem, onde nem ha ninguém morando, nem ha, nas vizinhanças, qualquer atividade que permita sustentar quem venha, um dia, a fazê-lo.

Dos 270 milhões de trabalhadores migrantes chineses, só 1% tem casa própria nas cidades onde trabalha mas o salário é insuficiente para comprar casas construídas segundo um raciocínio “político”, se é que pode-se chamar assim o que ocorreu, e não segundo uma lógica de mercado. Foi essa imensa bolha que acelerou artificialmente todas as economias do mundo, especialmente as fornecedoras de commodities (tipo ferro para citar só uma) como a nossa. Foi essa imensa bolha que, furada, vem esvaziando de fato as economias do mundo, especialmente as fornecedoras de commodities como a nossa.

ch1

Agora, com a ponta de cima dos assalariados chineses saturada de imóveis o PCC, à beira do pânico, tenta de todo jeito colocar os trabalhadores migrantes comprando imóveis faclitando-lhes o crédito e a burocracia envolvida. Só que é tarde demais. A indústria imobiliária tocava a cadeia mais importante da economia nacional e ocupava um grande numero desses trabalhadores migrantes, a produção doméstica de aço, outra de mão de obra intensiva, caiu pela primeira vez em 2015 depois de cortadas todas as importações (nós) e, com ela, foi andando para trás o resto da cadeia. Mesmo com todos os incentivos para as cidades pequenas e mais o congelamento das autorizações para compra de imóveis nas grandes, os empregos estão cada vez mais incertos. As construções novas caíram 15% em 2015 e prometem despencar mais em 2016 e isto ameaça toda a economia nacional inclusive com expectativa de crise bancária sistêmica.

ch1

Na cava da onda chinesa, afundam todas as economias do resto do mundo que tomaram por certo a permanência para sempre na crista dela.

Tudo isso vem demonstrar, mais uma vez, que por menos que se goste dela, a alternativa para a famigerada “mão invisivel do mercado” fiscalizada por um estado profilaticamente “desmisturado” dela ditando o rumo e o ritmo da economia é a mão do ladrão livre para agir em função do casamento do poder político com o poder econômico pisando em tudo e em todos, roendo por baixo a riqueza nacional e cobrando, por cada ano de “avanço” pelo caminho “fácil” vendido aos trouxas pela esperteza pretensamente iluminada, 5 ou 6 de marcha a ré na hora que a ficha cai.

mao6

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§ 8 Respostas para O que ha de comum entre China e Brasil

  • Varlice Ramos disse:

    Lembro-me de você ter postado um vídeo sobre o assunto faz algum tempo. Chocante.

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  • Em 1990 a China adotou a economia de mercado e começou o verdadeiro desenvolvimento também graças a própria história e o longo passado.
    É bom lembrar que o Lula na procura de fazer média com seu delírio na ONU- Comissão de Segurança- apoiou a China como economia de mercado. Ela desenvolveu, o Lula não conseguiu nada e nó afundamos.

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  • Carmen Leibovici disse:

    se me permite,essas imagens que se movem atrapalham tanto a leitura…especialmente no final do dia.Pelo menos a mim.

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  • cfjs1966 disse:

    A 3ª Guerra Mundial vem ocorrendo faz tempo e é, na verdade, um desastre imobiliário de proporções planetárias.

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  • Ricardo M disse:

    Bem..
    Ainda assim,caro Mesquita,devemos observar uma diferença sem comparação com nossa ex-colônia..
    São quatro mil anos de cultura,de tradição familiar na Ásia.
    Aqui as famílias vem sendo desmontadas junto com seu valôres.
    Na China,sequer a revolução cultural do Grande Timoneiro Embusteiro logrou tanta eficiência quanto a máquina ideológica-midiática de desmantelamento da identidade nacional.
    Pois é,nada como alimentar as minorias marrentas-birrentas-barulhentas para fornecer o combustível necessário para acelerar a degradação do já combalido tecido social.
    Na realidade esse desmanche é só mais um fruto da mentalidade maconheira de um bando que se elevou desde os centros acadêmicos doutrinados para a vida pública apadrinhada.
    Na China isso nunca ocorrerá..Não existe liberdade além da vigiada e crimes são sempre um bom motivo para anular desafetos na escalada da carreira política. É a terra do “Dia do Fogo da Justiça”,onde os apanhados nos “mal-feitos” ,(termo tão bem empregado pela ,hã,presidenta..,sim ,por que descobertos,de outra forma são…Bem-Feitos..e ninguém saberá de nada!) bem esses terão suas tigelas de arroz para comer no chão,e os familiares que a paguem,inclusive a bala logo depois usada na execução da pena capital.
    Sim a China ainda se confunde nos experimentos da transição para a verdadeira economia de mercado. Erra em mesmos vícios que mesmo os campeões do capitalismo mundial tropeçaram. Mas aprendem,e rápido.
    Os Chineses colocam satélites e pessoas no espaço contando com o desenvolvimento de sua própria tecnologia e indústria,nós mandamos Marcos Pontes de turista plantar feijões em copinhos como um experimento de escola primária.
    A cúpula do PC Chines,nunca permitira a ascensão de uma figura “carismática” que se confunda com o partido.Cortaria a cabeça de uma jararaca dessas bem cedo ainda.
    E sequer abonaria a figura uma figura triste que,confundindo sua menopausa com TPM,ridiculariza a imagem da nação.
    Eles aprendem,nós,bem,nós nos arrependemos e só..
    Triste classe média brasileira que traiu a si mesma!
    Mas não faltou aviso…

    Até domingo,nas ruas!

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    • fernaslm disse:

      compreende-se a amagura deste momento, caro M, mas usando as mesmas medidas um chinês falaria de uma mentalidade opionoma e de 4 mil anos de poderes absolutos e execuções em massa, alem de linchamentos rituais de professores pelo país afora ha apenas 30 anos.
      e, no entanto, aí estão eles agora…
      animo!
      nos tambem chegaremos la, caro M, eventualmente a um preço em sangue menor…

      ate domingo nas ruas!

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  • Carmen Leibovici disse:

    Quando se deseja construir uma casa,por exemplo,faz-se a planta primeiro.Cada detalhe é pensando antes de começar a construção.Em outras palavras,sabe-se aonde se quer chegar e se trabalha para chegar lá,evitando sair da rota ao máximo possível e colocando toda energia na concretização do plano, que tem de ser bom(trazer bem estar,tranquilidade,harmonia,alegria,aconchego,etc),porque ninguém em sã consciência quer construir para alcançar algo ruim.

    Os chineses,até pelo que se vê nessa foto do início ,que pensei que fosse alguma montagem esdrúxula para ilustrar alguma monstruosidade,pelo visto ,estão confusos e não sabem aonde querem chegar, e o resultado ,quando não se sabe aonde se quer chegar,é sempre desastroso-porque confusão e desordem trazem desastre-até para quem tentou tirar vantagem a qualquer preço de qualquer coisa ,pois terá de conviver com as consequências ,em geral sociais,do monstro que criou por não seguir um roteiro racional e com uma finalidade que não seja egocêntrica.

    Enfim,estamos aprendendo…Tomara que aqui no Brasil saiamos dessa logo para uma melhor.

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