O chic de termos nossa guerra racial

28 de agosto de 2020 § 18 Comentários

Estado e Folha de São Paulo dão hoje a mesma manchete. “Assassinato de negros cresce 11,5% e de não negro cai 12.9%”. Na noite anterior a matéria já tinha sido destacada em ordem unida e exatamente nos mesmos termos em todas as TVs de notícias. 

Fiquei conjecturando porque não ocorreu a nem um único editor a manchete “Número de assassinatos (de seres humanos) cai 12% de 2017 para 2018”, que era a notícia fresca do tal Atlas da Violência que todos citavam como fonte. Quase 7 mil vidas poupadas, de um ano para outro, em todas as regiões, com quedas em 24 estados, e todas as manchetes iguais em meia dúzia de redações diferentes, cujos editores tiveram de voltar 12 anos para trás para achar um ângulo negativo a ser destacado: esse “crescimento” proporcional no número de “pretos e pardos” assassinados que se teria dado entre 2008 e 2018! 

Qual a probabilidade estatística de, diante de tais dados, todos chegarem a essa mesma conclusão?

Como a imprensa tupi sente-se “moderna” por tudo de ruim que importa dos Estados Unidos, fiquei me perguntando se isso terá algo a ver com a onda de protestos contra o racismo lá. Como assim? Afinal, cadê “o nosso” racismo? E como o “crescimento” no numero de “negros” mortos por 100 mil (11,5%) é bem próximo da diminuição de “brancos, amarelos e indígenas” (12,9%) conjecturei ainda se a resposta não estaria no fato de, nesse mesmo período, o governo ter instituído ações afirmativas que premiam quem se declara negro ou pardo neste nosso país mestiço. Não sei como conferir se isso provocou ou não um “aumento” dessa população e uma “diminuição” dos não negros e pardos. O próximo censo, se houver, poderá dizer…

Segui, então, matérias abaixo, em busca das causas da diminuição 2017-2018. 

“Não pode ser explicado por um só fator”, dizem os jornalões. Mas ambos apontam um só fator concreto: ação policial, seja de repressão, seja de inteligência e coordenação, aumentadas em todos os estados que colheram bons resultados. Fora daí falam vagamente em “armistício velado entre facções”, “queda na taxa de natalidade” e coisas assim…

Normal. Ao longo de anos e mais anos da epidemia nacional de assassinatos – de longe a maior preocupação de um país em pânico – não me recordo, seja de manchetes, seja de estudos comparativos aprofundados sobre a conquista de Geraldo Alckmin que, partindo do padrão nacional (media de 60,4/100mil com pico de 142,5 em Roraima e 119 no Rio Grande Norte e no Ceará), levou São Paulo ao padrão de primeiro mundo de 13,8/100 mil. Quantas vidas poderiam ter sido salvas com uma boa divulgação de “melhores práticas”. Mas não. Só me lembro, nesse período, dos milhares de matérias com os especialistas amestrados do costume afirmando que São Paulo “prende demais”, o que “só piora as coisas”.

Nas matérias de hoje a conclusão geral era: “Que políticas públicas (sic) são essas que estamos implementando que só protegem os não negros”? Sacaram a extensão da conspiração dos supremacistas quase brancos do Brasil?

A maior dificuldade das matérias dos dois jornais estava, finalmente, em “provar” que o Estatuto do Desarmamento, que tirou armas (legalizadas) de circulação contra a vontade expressa em referendo de 63,94% dos brasileiros desde 2003, “foi eficiente” apesar da maior carnificina do planeta. A mesma matéria que afirma que de 2013 a 2018 houve um crescimento médio de 2,5% a/a; que de 2008 a 2018 esse crescimento subiu para 13,5% a/a; e que de 2017 a 2018 houve uma queda de 12%, diz também que “antes do Estatuto (1980-2003) o crescimento médio anual de homicídios por arma de fogo era de 5,9% e depois (2003-2018) passou a ser de 0,9%”, e ficou por isso mesmo…

Aí caiu a ficha de que o inefável STF macunaímico, enquanto prossegue o seu mutirão de libertação dos maiores bandidos de colarinho branco do país, incluindo de doleiros bi, eu disse bilionários, a políticos marrons dos pés à cabeça, e acirra a sua campanha civilizatória em prol do “estado democrático de direito” para meter todos os juizes e promotores que prendem ladrões na cadeia, mandou suspender toda ação policial nos pacíficos morros cariocas enquanto durar a pandemia, coisa que, como sabe da Organização Mundial de Saude à torcida do Corinthians tem “tudo a ver”, é ciência pura e, portanto, não merece a indignação da imprensa. Esta limitou-se a registrar o pormenor no dia da decisão, que já não me lembro se foi monocrática ou teocrática, e seguiu em frente sem jamais olhar para traz…

E então conclui: Coitado do Brasil! Que país mal amado, meu Deus do céu!

Marcado:, , , ,

§ 18 Respostas para O chic de termos nossa guerra racial

  • Roberto Aranha disse:

    Boa!

    Curtir

  • AIRTOM CLERMAN disse:

    Fernão Como sempre , cirurgico. Parabens pelo texto.
    Assim como as milícias nasceram timidamente na escravatura , cresceram à sombra das drogas , e hoje mandam , elegem , decidem e são uma organização de fazer inveja às grandes empreiteiras .
    Assim , estão sentados na cadeira mais importante do país , empunhando uma poderosa caneta bic.

    Curtir

  • A. disse:

    Depois que tive a sorte de assistir o vídeo do Morgan Freeman falando sobre racismo me recuso peremptoriamente a comentar QUALQUER assunto sob esse ângulo (ângulo racial)!
    P.S.: genial, Fernão, sua expressão “políticos marrons dos pés à cabeça”!!!

    Curtir

  • Vito Labate Neto disse:

    Muito oportunos os comentários. Realmente a grande imprensa adora esse tipo de manchete. É muito fácil apresentar números, estatísticas, sem aprofundar nas causas, o como e o porque. Afinal quem matou quem? O que se deve combater é o crime racista, desumano e brutal. Manchetes desse tipo, isso sim, é que são racistas pois o leitor superficial e desatento irá creditar todas essas mortes ao preconceito racial, o que nem sempre é verdadeiro. Como resultado aumentarão a desconfiança e o ressentimento na sociedade. Tudo isso para que o redator possa posar de politicamente correto! As relações raciais no Brasil estão evoluindo, mas não será o caminho fácil e bombástico da vitimização que irá nos levar a uma sociedade mais justa e integrada.

    Curtir

  • Alexandre disse:

    A excelente (por também corajosa) Paula Schmitt escreveu sobre o de lá (que queremos importar). O caso do Pinker, que teve a audácia de questionar as conclusões com as estatísticas selecionadas pela mídia e tem sua cabeça sob ameaça dos jacobinos do progressismo politicamente correto.

    https://www.poder360.com.br/opiniao/internacional/os-sabios-os-tolos-e-os-covardes-por-paula-schmitt/

    Curtir

    • flm disse:

      Muito bom o artigo. Especialmente a definição do ex-jogador da NFL,“A América não é dividida por raça, cor, gênero, ou orientação sexual. A América é dividida entre sábios e tolos. E os tolos se dividem entre si por raça, cor, gênero, ou orientação sexual“.

      Curtir

      • Alexandre disse:

        Oi, Fernão. Fique atento aos artigos da Paula no Poder 360. Ela tem uma série de artigos publicados lá sobre o tema (e outros correlatos).
        Abraço.

        Curtir

    • A. disse:

      Alexandre: obrigado por compartilhar essa “joia”!!!

      Curtir

  • AMERICO MELLAGI disse:

    Vamos ter que refundar o Brasil

    Curtir

  • E por falar em políticos marrons, mais um governador (o quinto, seguido) do Estado do Rio investigado e afastado. Que vergonha… Quanto ao racismo, decididamente nossa mídia é pautada pela velha máxima de que “quanto pior, melhor”. Para eles, claro.

    Curtir

  • braz ferrari lomonaco disse:

    Conceito, texto e conclusões PERFEITAS. Coitado do nosso Brasil

    Curtir

    • Sérgio Guerreiro disse:

      Primoroso!
      Mon Dieu, onde estão os bons jornalistas deste país?
      Fernão aborda temas que ninguém cogita. Manada de búfalos repetidores, quiçá.
      Fernão, obrigado.

      Curtir

  • Joao Beltran disse:

    Li e mais uma vez esse cara , parece que hoje em dia é o único,mete o dedo na ferida. Raça humana, quanta desumanidade! Obrigado por compartilhar. Abraço JBM

    Enviado do meu iPhone

    >

    Curtir

  • rubirodrigues disse:

    Tomas Kuhn, em livro conhecido, adverte sobre a dificuldade dos cientistas superarem seus paradigmas. A intelectualidade brasileira que nas universidades apenas aprendeu a utilizar a lógica dialética, porque seria lógica superior à lógica dos sistemas, simplesmente não consegue compreender o que está acontecendo no mundo. Imaginam que está se dando uma burra e incompreensível guinada para a direita (sistema) e entendem que isso representa um retrocesso fruto de ignorância. Daí o seu empenho em atacar o novo que emergiu e se espalha pelo mundo. Em boa parte não se trata de má fé, trata-se de uma operação mental que se situa além do que os seus neurônios estão habilitados e habituados a fazer. A impressão de retrocesso é tão forte que não conseguem perceber os desastres sociais que a sua dialética gerou nos últimos 120 anos. Autocrítica de uma lógica é um círculo quadrado: uma mesma lógica apenas consegue confirmar-se, nunca criticar-se. Para crítica é necessário lógica superior, mais abrangente e para tanto os dialéticos precisariam saber que existe uma lógica do todo que lhe é superior. Vão aprender onde, se os professores também são dialéticos? Olavo de Carvalho têm razão ao culpar os intelectuais pela decadência pós-moderna. (O Imbecil Coletivo, pg.88) Quem iniciou o resgate da civilização foi o instinto maternos de mães, tias e avós, as primeiras a perceber para onde a “intelectualidade” estava nos levando. Os redatores estão precisando de uma avó decidida a lhes dar puxão de orelha por comportarem-se como filhos de chocadeira.

    Curtir

  • Cyro Laurenza disse:

    Que tristeza da pânico

    Curtir

  • Fernando Lencioni disse:

    É lamentável o que está acontecendo com a grande imprensa. Todo dia eles fornecem munição contra a sua própria credibilidade. É inacreditável o nível intelectual a que a grande imprensa chegou. O nível é de verdadeiros analfabetos funcionais.

    Curtir

  • Carlos disse:

    Fernão , como sempre seu texto eh muito lúcido e perspicaz. Nós não aguentamos mais esta mídia politiqueira e de baixa qualidade que infelizmente tenta tomar conta das mentes neste país. Primeiro: Este tal Atlas dá ênfase em algo duvidoso , porque vc se dizer negro neste país de PARDOS não cola. Em seguida querer dizer que temos uma matança por discriminação racial por aqui e de uma criminalidade manipulativa sem tamanho , uma FAKE NEW de verdade.
    Aí pergunto : Onde está Alexandre de Moraes e a patota do STF para cancelar o crime?

    Curtir

  • GATO disse:

    É CHIC, mas muito chic mesmo, dar um volta nos quarteirões do Brás, por exemplo na Rua Oriente e Av. Celso Garcia. Dá a impressão de termos voltado ao ano de 1701, comércio no esculacho, seja nas lojas, seja nas calçadas. Mercadorias sem origem, sem impostos, sem garantia, vendidas em sua maior parte por Africanos, Caribenhos ou Bolivianos. Sujeira e imundice andam junto, transito caótico, pessoas maltrapilhas. Caos total. Amontoado de pessoas, prato cheio para o COVID19, que em sua maioria sobrevivem com um ganho ínfimo, explorados por contrabandistas Asiáticos que são os donos de tudo ali, da rua, dos imóveis e das calçadas e das vidas. Sim de quem vive e de quem morre. Parece um cenário do filme Blade Ranner sem as máquinas e luzes ultra futuristas. Por que isso ocorre na maior cidade da América do Sul, ora porque acontece em todo mundo, Little China ou Little Italy em N.Y. Região portuária de Montevideo. Falar de raças, ali, espelho do universo, vamos continuar sofrendo, seja na exploração, seja na violência, seja na discriminação, seja lá o que for. A raça humana está caminhando para a extinção, pois só gera DESTRUIÇÃO do meio-ambiente, dos seres vivos, do ar, da água e da terra. E como diz o novo messias, tudo com minúsculas, E DAÍ!!!!! Estatísticas E DAÍ!!!!Mortes, VAMOS TODOS MORRER MESMO. Aulas logo, para os país se livrarem do rebentos, pois não aguentam mais essa de isolamento. E DAÍ!!!!

    Curtir

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

O que é isso?

Você está lendo no momento O chic de termos nossa guerra racial no VESPEIRO.

Meta