Um discurso sobre a Liberdade

8 de abril de 2010 § 2 Comentários

A liberdade se impôs como fundamento inegociável da política quando a ciência tirou a Terra do centro do Universo e o homem do centro da Terra.

E a imprensa foi a ferramenta dessa revolução.

Mais de mil e quinhentos anos se tinham passado; rios de lágrimas e de sangue tinham corrido quando a invenção de Gutemberg finalmente permitiu que Lutero desmascarasse o esquema de poder que, apoiado na censura e no controle estrito da informação, tinha se estruturado por cima da Igreja e transformado a mensagem de Cristo num instrumento de terror.

Desse momento em diante o controle da imprensa passou a ser a obsessão das igrejas, leigas ou religiosas, e dos Estados autoritários.

Tinham toda a razão. Somos inimigos inconciliáveis.

A história não registra exceção. As tiranias se instalam quando o Estado consegue deter pela força o livre fluxo das idéias. As tiranias desmoronam quando a informação volta a circular.

O percurso tem sido longo. Mas, por mais pedras que haja no caminho, o rumo não poderá ser invertido.

O primeiro olhar do homem para a vastidão do universo feriu de morte os deuses das verdades absolutas. O que veio depois é mera conseqüência.

Na Inglaterra seiscentista o homem teve, pela primeira vez desde que há registro, a experiência da convivência com a diversidade de crenças. Para alem de preparar o terreno para o surgimento da ciência moderna tirando o pressuposto da frente do fato e o dogma da frente da experimentação, esse momento consagrou a tolerância como um valor absoluto na esfera das relações humanas.

E de lá a luta se espalhou pelo mundo.

Passados quase quatro séculos a liberdade ainda é um privilégio de poucos. Se a capacidade de ir diretamente às fontes do conhecimento estabelecido é o instrumento da libertação individual, a educação é o único caminho de acesso a esse instrumento. Onde ela não entra a liberdade não se estabelece.

Os espíritos autoritários não odeiam apenas os veículos do conhecimento. Odeiam o próprio conhecimento. E não é por acaso…

É este o drama do Brasil. Quem não conhece o passado, está condenado a vivê-lo de novo. E cá estamos nós, outra vez, às voltas com um país que se quer o centro do mundo e um projeto de ditador que se imagina o centro do país…

Mas sejam quantos forem os que se deixarem enganar por isso, o essencial não mudou. Em plena revolução tecnológica, tudo que sabemos é que saberemos mais amanhã do que sabemos hoje e que, na sociedade da informação, mais gente ficará sabendo disso a cada minuto que passar.

A dúvida, cada vez mais, é senhora. E essa ausência de certezas é o pressuposto da liberdade.

Continuará faltando aos ditadores em projeto uma “verdade” em que se apoiar. Terão de instalar seus regimes sob o signo da fraude. De vender-se pelo que não são. E se, quando não puderem mais enganar, recorrerem aos mesmos meios do passado sem poder alegar os mesmos belos fins para justificá-los, estarão se atirando na vala dos criminosos comuns.

Não ha mais tapeação neste mundo de janelas abertas. Eles têm os dias contados!

Hoje existe um outro tipo de tirania que é mais insidiosa. Vem com a chancela da “maioria” que boa parte da imprensa se compraz em servir. Essa ausência de resistência torna-a duplamente perigosa. Com as armas da moda e da moralidade, que são a nova cara das antigas “verdades oficiais”, a “sociedade”, esse poder não eleito que atua em todos os campos e não só no da política, pode se revestir de uma capacidade de constrangimento terrível. E, no entanto, é preciso lembrar com Stuart Mill que “se todos os homens menos um partilhassem da mesma opinião, e apenas uma única pessoa fosse de opinião contrária, a humanidade não teria mais legitimidade para silenciar esta única pessoa do que ela, se poder tivesse, para silenciar toda a humanidade”.

Esta na hora disto começar a ser afirmado, especialmente para platéias como esta, com a veemência que a extensão do fenômeno exige.

Na trincheira do jornalismo aprende-se rapidamente que cada conceito está sujeito a se transformar no vício para o combate do qual ele foi criado. Que ao opor resistência aos grandes males da atualidade é bom não fechar os olhos ao possível perigo do triunfo total de qualquer princípio. Que liberdade para os lobos quase sempre significa a morte para os cordeiros…

Aprende-se que a liberdade é mais a oportunidade de ação que a ação em si mesmo. É mais o poder fazer do que o fazer propriamente dito. E que o único limite que pode, legitimamente, ser imposto à de cada um, é aquele em que o seu exercício implica restringir a liberdade do próximo.

Nestes 135 anos, tendo participado ativamente de todos os movimentos políticos que o país viveu, O Estado de S. Paulo tem sido identificado por todos os governos por que o país passou, aí incluídos especialmente os que ajudou a constituir, como o seu mais incômodo opositor. Colecionou intervenções, atentados e atos de censura de representantes de todos os quadrantes do espectro ideológico. Arrancou de prisões e acolheu em sua redação fugitivos de todos os regimes.

Tem agido assim porque sabe que, essencialmente, liberdade é a liberdade de dissentir. Tem agido assim, nas palavras de Julio de Mesquita Filho, porque “repudia as afirmações categóricas”. Porque “limita-se a observar o curso dos acontecimentos para pautar por ele as suas ações”. Porque “não admite o apriorismo político e as concepções tendentes a deformar as sociedades humanas e o indivíduo segundo modelos pré concebidos”. Porque “crê na inteligência do homem mas nega-lhe o poder da profecia”.

É em nome de todos os que, através dele, participaram desta luta que recebemos este prêmio.

Muito obrigado.

Discurso proferido dia 8 de abril de 2010 no Palácio das Laranjeiras, Rio de Janeiro, representando o jornalista Ruy Mesquita na entrega do “Prêmio Ícones da Comunicação“, na categoria “Liberdade” conferido pela Associação Brasileira de Agencias de Publicidade

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