Fechados para o mundo com sentido

7 de dezembro de 2021 § 14 Comentários

“Eu sou se você não for; deixo de ser se você passar a ser”…

O efeito mais deletério dessa fórmula do “raciocínio” binário orientado pelo ódio a que as facções mais barulhentas do Brasil estão reduzidas, para além da insuportável chatice em que ela tudo transforma, é que fecha ainda mais as portas às referências do mundo com sentido a um país cujo maior drama sempre foi a falta de referências civilizatórias.

Tinha só 17 anos a descoberta de Cabral quando Martinho Lutero afixou na porta da igreja, com risco da própria vida, 95 das provas de que a “narrativa” que Roma fazia da bíblia tinha por objetivo transformar a mensagem de Cristo num instrumento de terror a serviço de um sistema de poder e não salvar almas. E quando uma parcela da humanidade anunciou o seu compromisso com a verdade a ser conquistada dando a todo mundo o direito de aprender a ler para ir diretamente à fonte em vez de acreditar em versões, como queria o bom frade alemão, os “Soldados de Cristo” de Ignácio de Loyola renovaram o seu compromisso com a mentira, mas agora armada e jurada a verdade de morte (1534).

Pois foi a estes, e à sua “contra-reforma” pela censura e pela guerra aberta à ciência, que a coroa portuguesa entregou o monopólio da (des)educação de seus súditos d’aquém e d’além mar desde o nascimento da nação brasileira, o que fez do método jesuíta de dissecar e torturar o senso comum e a lógica para servir ao dogma uma segunda natureza de raizes tão profundas que tornou-se “orgânica”, ou seja, não consciente, no brasileiro padrão. 

Esse nosso modo deturpado de estruturar o pensamento não se alterou significativamente com a substituição do dogma “religioso” pelo “materialista dialético” ao longo da transição do Império para a República. Um é filho do outro, aliás, passando pela transição jacobina. É, desde o início, essa forma especialmente subversiva de “cientifização” da ignorância que a torna argumentada e convicta, capaz de por a verdade a serviço da mentira e a lei a serviço do crime (confira neste link como funciona essa arte jesuíta), o fundamento básico da hegemonia da privilegiatura que sempre foi dona do Estado brasileiro.

Ao escorregar do “Não sou conduzido, conduzo” dos seus fundadores para o “Não conduzo, sou conduzido” dos seus herdeiros, a imprensa democrática deixou-se docemente constranger a esse padrão binário dos inimigos que sempre combateu, fato que pôs na sua hora mais escura a resistência civilizatória republicana que se vinha entrincheirando em parte dela desde a penúltima derrota, depois de Tiradentes, que foi o golpe positivista de 15 de novembro de 1889.

E assim chegamos às profundezas em que nos encontramos.

Na farsa brasileira tem gente que vota em Lula porque ele não é Bolsonaro, tem gente que vota em Bolsonaro porque ele não é Lula, tem gente que vota em Sérgio Moro ou em João Dória porque eles não são nenhum dos dois. Mas ninguém vota nem em Lula, nem em Bolsonaro, nem em Moro, nem em Dória pelas reformas que propõem porque nenhum deles propõe reforma alguma. Para cada qual vai o Brasil muito bem, obrigado, no mais perfeito “estado democrático de direito”, e só não desatola se entregar-se a qualquer dos outros candidatos senão ele mesmo.

Para os nossos salvadores da pátria e seus jornais o auge do delírio libertário está em ousar propor as alternativas “com” ou “sem” reeleição, dependendo, é claro, do que pleiteia cada um desses “pensadores” do governo do povo, pelo povo e para o povo, o 1º ou o 2º mandato; “eleições primárias” ou não, desde que a “escolha” fique entre este ou aquele candidato dos caciques; orçamentos “secretos” ou “transparentes” desde que as torneiras permaneçam nas mãos da privilegiatura, vedada a ferro e fogo qualquer participação de quem paga a conta nas decisões do quanto pagar e a quem, primeiro no município, depois no estado e só por ultimo na União. “Democrático” ou “antidemocrático” é coisa que, para essa gente, define-se pelo ator e não pelo ato; “ditadura” ou “estado de direito” por quem é preso e não por quem manda prender, com base em que lei e mediante qual processo; a eficácia da vacinação para controlar pandemias por quem a afirmou primeiro e não pelo esvaziamento das UTIs ou mesmo pela cobertura recorde mundial de vacinados; a assistência à miséria leva ao Prêmio Nobel ou à condenação por “genocídio” dependendo de quem manda abrir o cofre…

Por esse labirinto da estupidez feito de espelhos invertidos e doses cavalares de hipocrisia, entre “Morras!”, “negacionismos” e “Isca, Alexandre!”s, empurram os nossos “candidatos” e os seus jornais o Brasil para apaixonadas discussões sobre o nada, capazes todos e cada um deles de afirmar qualquer absurdo e estabacar qualquer calibre de mentira de estralo bem no meio da tua cara só porque o outro afirmou o contrário.

Mas nem um único – da 1a, da 2a ou da 3a “vias” – tem qualquer “via” alternativa a propor ao Brasil, o que é nada menos que trágico porque, com a democracia inteira por construir, do primeiro ao último degrau do conceito de “representação” – que ainda não galgamos nenhum – este é dos poucos países que ainda têm o século 20 inteiro de problemas com soluções testadas e aprovadas por todo o mundo livre para avançar “no mole”, só revogando a privilegiatura e entregando poder ao povo, antes de ter de se haver com os problemas ainda sem solução do século 21.

Um desperdício da p…!

Porque Sérgio Moro é só mais um

11 de novembro de 2021 § 44 Comentários

Sérgio Moro lançou-se para presidente. Estava muito bem treinado! Fez a lição de casa com a mesma aplicação com que substanciava suas sentenças na Lava Jato. Nem o STF conseguiu contestá-las. Teve de anula-las no tapetão mesmo, como virou hábito.

O juiz, agora político, teve uma palavrinha pra cada público. Usou todas as do dramalhão brasileiro e numa ordem quase perfeita. União. Verdade. Ciência. Justiça. Respeito à diversidade. Proteção à família. Liberdade de crença. Liberdade de expressão. Liberdade de imprensa. Livre mercado. Livre iniciativa. Menos governo. Menos imposto. Privatização. Abertura da economia. Distribuição de renda. Erradicação da pobreza e não apenas com assistencialismo; com educação. Combate à corrupção. Combate à corrupção. Combate à corrupção. Florestas em pé. Economia verde. Fim dos privilégios…

Chegou quase a empolgar finalmente ouvir um candidato com sonhos em vez de só com um inimigo a aniquilar.

Não duvido que seja honesto. Mais bem intencionado que muitos. Foi o único que teve coragem de enfrentar o grande crime.

Faltou só alguma palavrinha pro STF (Moro é louco mas não rasga dinheiro)…

Mas de boas intenções o inferno está cheio.

Estavam lá todos os “QUAIS” … e nenhum dos “COMOS”:

Para erradicar a pobreza, a “criação de uma Força Tarefa de Erradicação da Pobreza”. Mais uma…

Para erradicar a corrupção a “criação de uma Coordenadoria Nacional Anticorrupção com juízes vocacionados”. Mais uma…

Podem confiar que vou fazer sempre a coisa certa”.

Ãnhãn…

Sergio Moro promete ser o “guardião do interesse do povo” mas não nos dá nenhuma dica de como pretende aferir esse interesse.

É aí que está o “X”!

Só tem um jeito disso virar verdade. E ele, que estudou nos Estados Unidos sabe bem qual é: dar ao povo, o tempo todo, antes, durante e depois de cada eleição, o poder de conferir a qualquer hora se o seu interesse está ou não sendo guardado, e botar pra fora imediatamente quem o estiver violentando.

Aí sim!

Chama-se DEMOCRACIA.

Ela passa a existir quando o povo ganha armas decisivas para mandar nos governantes. Quando o emprego deles passa a depender dele. Não muda a condição humana mas definitivamente encurta de forma drástica e radical o espaço para a tapeação, a contemporização, a procrastinação, a corrupção.

O Estado e os impostos ficam do tamanho que a gente quiser. Põem-se pra fora os ladrõezinhos antes que se tornem ladrõezões. Os privilégios acabam porque quem os sustenta passa a ter o poder de negar-se a pagar por eles. O crime murcha porque juiz “soltão” cai fora e os roubados e barbarizados passam a fazer a lei penal. A educação passa a produzir conhecimento e autonomia em vez de ignorância e dependência, fornecendo condição a cada um de prover o seu sustento e cuidar da própria saude em vez de acostumar todo mundo, desde pequenininho, a comer no cocho do governo, se e quando as “excelências” quiserem. O cara eleito pode até ser mauzinho que se ele passar da conta você põe ele no lixo. Ou em cana. Pra evitar isso até mauzinho age como bonzinho.

Chega de rezar pra deus pra próxima vida ser melhor que esta! Tudo isso, repito, não muda a condição humana, mas disciplina ela beeem, aqui e agora. Pela média. É quanto basta pra você ficar o país mais rico do mundo, longe do segundo lugar, e ir lamentar a condição humana lá de cima, longe do horror da impotência absoluta. Parece pouco mas comparado a quem nem isso tem, fica com cara de paraíso. Esses pra onde todos os fugidos dos salvadores de pátrias querem sempre correr.

A reforma que abre as portas a todas as outras; a reforma que inicia a reforma permanente, como é o viver; a única reforma que realmente reformata as coisas é a reforma politica, a reforma eleitoral. TODO O PODER, desde cada candidatura, TEM DE EMANAR DO POVO. De “partidos” com dono, criados e mantidos pelo Estado, só vai vir mais Estado com dono. Pra sermos nós os donos do Estado, a decidirmos qual o limite da competição, o tamanho máximo do poder político e do poder econômico, só armando o povo de primárias comandadas por ele próprio, recall, referendo e iniciativa de lei e da propriedade permanente de todos os mandatos de todos os “servidores públicos”. Aí tudo passa a referir-se ao povo e até a imprensa passa a defender a do povo!

É tão simples quanto a vida que todos nós, que não temos empregos eternos, sempre conhecemos.

O Brasil deve muito a Sérgio Moro. Mas o que ele está propondo é chegar à democracia sem passar pela democracia. A menos que se emende, não acredite. Isso não existe.

Prendam a polícia! Soltem os ladrões!

30 de julho de 2020 § 23 Comentários


A canalha está de rabo em pé!

Há uma guerra de chantagistas por não sei quantos terabytes de podres de 35 mil pessoas, todos os candidatos a tudo entre elas.

E viva a democracia! E viva o “estado democrático de direito”!

Quando parar de vomitar vou passar um tempo na Bolívia para respirar um pouco de institucionalidade e decoro de figuras públicas.

 

O desabafo de Bolsonaro

22 de maio de 2020 § 37 Comentários

O vídeo da reunião ministerial que o ministro Celso de Mello mandou exibir põe Sérgio Moro num buraco difícil de sair. O que restou dele foi seu passado. Apesar de tudo, nessa reunião, que confirma o que o mundo inteiro já sabia a respeito do “estilo Bolsonaro” e do eventual desconforto de vê-lo em ação em estado bruto, tudo que passa por baixo daquela chuva de palavrões é a evidente boa fé de um homem acuado e sua sintonia com o Brasil Real.

O que se ouviu ali sobre Brasília e seus habitantes é o que se ouve o tempo todo nas ruas do Brasil.

O desabafo subsequente na porta do palácio confirma e reforça essa impressão e serve de alerta para a atitude suicida da parcela da imprensa que embarcou no mesmo tipo de viagem sem volta que Alexandre de Moraes iniciou contra os fatos ou, pior, na recusa de Celso de Mello a desembarcar dela apesar de todas as evidências. A pressão injusta, covarde e desproporcional aos fatos que tem sido atirada sobre ele justifica o seu desabafo a põe em questão a própria instituição do jornalismo o que é uma auto-ameaça muito mais grave para a democracia num país institucionalmente imaturo como o Brasil que qualquer outra que possa vir de fora tentando atingir a imprensa.

Já esse pedido de apreensão do telefone do presidente da república, manifestamente absurdo, confirma que o jubilamento de Celso de Mello chegou mais tarde do que seria bom para a biografia dele e para o Brasil. A manifestação do general Augusto Heleno a esse respeito é, no entanto, precipitada, contraproducente e perigosa num quadro que, de parte a parte, é claramente orientado pela emoção e, portanto, altamente explosivo. O enfrentamento direto entre dois “celsos de mello” só poderá piorar as coisas.

O Brasil, que estava à beira de um armistício entre a presidência e os governadores do qual anda agudamente necessitado, está agora nas mãos de Augusto Aras de quem se espera a necessária serenidade para apagar esse incêndio antes que as labaredas se levantem.

Bolsonarizamo-nos!

12 de maio de 2020 § 66 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 12/5/2020

Tá feia a coisa! 

O Brasil Oficial bolsonarizou-se. Agora é golpe contra golpe suposto. Fato não vale mais nada…

Porque foi mesmo que essa coisa começou? Alguém se lembra? É capaz de precisar? Qual o inquérito que queriam parar? Qual a lei que foi violada? E essa urgência toda, desenfreada, sumária, é pela gravidade do crime? É para livrar o povo brasileiro de algum desastre iminente? Ou é só função da agenda biográfica do ministro Celso de Mello? Ele nós sabemos que tem pressa. Sua história acaba em novembro e sua eminência reverendíssima quer, declaradamente, um “fecho de ouro”. 

Alexandre de Moraes? 

Bolsonarizou-se. Teve um repente de emoção e deixou rolar queném presidente na cerca. Nem a lei, nem a razão. Fez lei do que sente. Ele com ele. Sozinho. 

O colegiado? 

Bolsominionizou-se. Respondeu como patota. Nenhum argumento. Nada sobre a constituição. Amiguismo só. Agora é guerra! Com ou sem Celso de Mello! Delenda Bolsonaro! Devassem-se as reuniões do ministério! O banheiro do presidente! Tem plano B e tem plano C, seja quem for que ele ponha no STF…

A imprensa? 

Vai de arrasto esse rabo do Brasil Oficial. A mais doente virou personagem de si mesma. As manchetes são cada vez mais auto-referentes. Onde já houve informação e demonstração hoje ha dois ou três caroços de raciocínio boiando em enxurradas de adjetivos. É um bolsominion pelo avesso igualzinho ao STF. Ou pior! Atira aos cães a própria instituição do jornalismo. Os ostras do bolsonarismo agradecem empenhados. Deixariam de existir se não tivessem essa imprensa que pede pedradas. 

É esse o dom divino do “Mito”. Tudo que ele toca bolsonariza-se ou bolsominioniza-se. Não é homem de ação, é homem de falação. Suas palavras partem do e são recebidas pelo cérebro reptiliano que ainda pulsa por baixo do nosso. Mal batem no ouvinte trancam-lhe o raciocínio e desatam tempestades de reflexos violentos. Não ha explicação científica. A conflagração sobrevem incontrolável, nevrálgica. 

Fez da pandemia um instrumento inegociável de confronto. O STF instalou-o no mais covarde dos “eu não disses”. Se estivesse querendo vender caro a quarentena, que é o que dá em sã consciência pra fazer num país onde a saude pública sempre esteve à beira do colapso, estava colhendo dados, desenhando parâmetros para balizar a saída para a quarentena inteligente. Em vez disso saiu por aí cuspindo e tragando perdigotos. “E daí”? Dez mil vidas e estamos na estaca zero. Meia quarentena pára a economia inteira mas o vírus continua a mil. É a festa da morte.

Para comprar ou para vender Bolsonaro só dá saída pelo que não é. Que golpe, que nada! Os milicos estão cevados na privilegiatura. Não querem mudar nada. Ele é louco mas não rasga dinheiro. Nem mostra seu exame de Covid. Paulo Guedes é o rótulo atras do qual esconde-se o sindicalista de fardado que sabota todas as reformas que foi eleito para fazer. Nem no meio da pandemia admite que toquem na privilegiatura. Prometeu um veto à punhalada que ele mesmo deu nas costas esburacadas do seu ministro quixote porque não está dando pra perder mais um “pilar” debaixo desse tiroteio. Mas é só se reequilibrar que crava de novo.

E o dólar voa e a ladroagem ruge…

Brasília?

Brasília não está plenamente convencida de que exista um povo brasileiro. Vive aterrorizada pela idéia de cair das beiradas daquele mundo plano e absolutamente estável para o inferno que criou aqui fora. Para esses negacionistas o Brasil Real é tabu. É rigorosíssimo o protocolo da corte. Lembrar Brasília, assim, sem aviso, de que existe um povo brasileiro e que ele está no fundo do abismo de tanto pagar os luxos das excelências é dar prova de “vergonhosa deselegância” e “má educação”. Esse negócio de congelar salários do funcionalismo por 18 meses nem que seja só por vergonha só pode ser fruto de alguma maquinação maquiavélica punível pelo STF. 227 anos depois da decapitação de Maria Antonieta, Brasilia e o jornalismo dos bolsominions pelo avesso acreditam piamente que reduzir privilégios da privilegiatura é “altamente impopular”. Um perigo! Põe o país “em risco de instabilidade institucional”.

A única doença do Brasil é o descolamento absoluto do País Oficial do País Real. Todo o resto são só sintomas. As deformações mais horripilantes são fruto da antiguidade do mal. Ha no Congresso Nacional e no serviço publico marajás de 4a ou 5a geração, às vezes mais. Desde o bisavô, desde o tataravô que essa gente não paga uma conta. Sua alienação tem a solides inabalável da autenticidade. Não tem cura. Não tem volta porque jamais chegou a “ir”. Nasceu assim.

A democracia representativa é uma hierarquia rígida. A inversa da que temos. A arrumação do Brasil começa pela ligação do “fio terra” do Pais Oficial no País Real que se dá pela instituição do voto distrital puro, o único que estabelece uma identificação concreta e verificável entre cada representante e os seus representados que devem ter poder de vida e morte sobre seus mandatos a qualquer momento. Esse tipo de voto educa. Uma vez instituído a limpeza começa e nunca mais pára. E tudo se vai arrumando. É só questão de tempo.

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