A Guerra dos Trouxas e a saúde da democracia

26 de maio de 2020 § 13 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 26/5/2020

Nada como um bom garrote financeiro para trazer todos os pés de volta ao chão. Quem vive aqui fora que o diga. A privilegiatura acaba de passar por algo que remotamente lembra a nossa condição cotidiana e entrou em tal estado de pânico que concedeu até acenar-nos com alguma paz.

Ficar sem salário?! Quando as labaredas batem nos fundilhos só resta saltar da janela. Até o dinheiro combinado acabar de pingar certamente haverá trégua. Nada que tenha vindo para ficar, é claro. Daqui por diante é padrão Centrão: uma nova pequena crise a cada nova “tranche” de sobrevida, seja dos governadores, seja da “governabilidade”. Mas pode durar o bastante para nos permitir saber qual seria a bolsa, o dólar, o tamanho da quarentena e do estrago na economia e no emprego se tivéssemos a felicidade de estarmos enfrentando só a pior peste da “era da informação”.

O aperto é tanto que tende a empurrar até a quarentena para o razoável. Mesmo para os governadores ricos e chiques, defensores mais ferrenhos da burra, vai caindo a ficha da realidade sinistra do favelão nacional. “Eu sempre mantive 60% da economia aberta”. “O setor de construção sempre se manteve operando” (e se ele pode, e com segurança, porque outros não poderiam?)…

Com Bolsonaro “despossuído” e mantendo a abstinência de discursos de beira de cerca é possível até que cheguemos a delegar aos prefeitos, que sabem o que se passa em seus terreiros, as decisões sobre quarentenas, com os governadores e o presidente cuidando só de assessorá-los na definição dos parâmetros para o isolamento e de manter em funcionamento a rede hospitalar como deveríamos ter feito desde o início.

Este o quadro do Brasil que ainda oscila com o andamento da Guerra dos Trouxas, esta entre a “direita” e a “esquerda” da mesma privilegiatura que disputam o prêmio que somos nós. O outro, o Brasil Real que se divide entre “nobres” e “plebeus”, este continua intacto desde 1808.

O entendimento em torno do veto aos aumentos do funcionalismo demorou porque era Bolsonaro que precisava ser convencido depois que o major Vitor Hugo, seu líder na Camara, anunciou sua última traição ao ministro Paulo Guedes. Dos governadores sem dinheiro havia uma resistência menos que frouxa. E dos solertes defensores do “estado democrático de direito” do judiciário, da academia e da imprensa a absoluta ausência de pressão de sempre pois, a seu ver, “cloroquina ou não cloroquina” ou os adjetivos que o presidente usa para referir-se ao regime militar morto ha 35 anos são ameaças muito mais concretas à democracia brasileira que a existência de uma privilegiatura constitucionalmente isenta das misérias que fabrica autorizada a ROUBAR-NOS COM A LEI.

Perdido como está, para saber o que é democracia o brasileiro tem de olhar para fora, mas com o olho que a imprensa mantém fechado. Você sabe, por exemplo, que o Bolsonaro dos americanos toma cloroquina mas nunca teve qualquer notícia da frenética corrida que está havendo por lá para manter o povo mandando no governo apesar das implicações da pandemia na véspera da eleição mais importante do calendário deles. 

Enquanto aqui meia dúzia de gatos pingados podem anular 58 milhões de votos, na democracia sem aspas o povo decide literalmente tudo. Quem terá o direito de pedir votos em eleições para o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (sim, ele também!); que leis o povo vai propor aos ou aceitar dos legisladores; quais funcionários públicos permitirá que os políticos nomeiem e quais querem eleger diretamente; que funcionário eleito continua até o fim do mandato ou sai antes que ele termine; que obras o povo admite pagar e como, etc. E a pandemia pegou-os bem no início, tanto do processo de apresentação de candidaturas para eleições primárias quanto de qualificação das leis e outras iniciativas do povo que tomarão carona nas cédulas da eleição de novembro para receber um “Sim” ou um “Não” dos interessados.

Até meados da semana passada o site ballotpedia.org que cobre essa democracia americana (não a do New York Times) registrava 92 novas leis estaduais para tratar essas questões durante a pandemia. O direito de votar pelo correio, limitado a pessoas com problemas especiais, esta sendo estendido a todos. As regras de coleta de assinaturas, tanto para a qualificação de candidaturas que, dentro ou fora dos partidos começam obrigatoriamente com esse passo, quanto para a qualificação de leis de iniciativa popular para subir à cédula da próxima eleição estão sendo alteradas. Passam a valer assinaturas online, os prazos foram estendidos e, em alguns casos, mesmo as quantidades de assinaturas exigidas foram reduzidas. Algumas eleições primárias foram canceladas e em vez de dois nomes haverá estados em que aparecerão 10 nomes de candidatos a presidente na cédula (a corrida começou com 1081!) para a escolha final do eleitor.

Ninguém quer que você saiba, enfim, que exatamente ao contrário do que acontece aqui, lá vale qualquer risco para impedir que, na crise, o Estado escape um milímetro que seja ao férreo controle do povo.

Nota: Artigo escrito antes da exibição do vídeo da reunião ministerial de Bolsonaro que mantive por acreditar que o problema real é o tratado aqui e não o barulho com que querem evitar a discussão dele. 

Cloroquina ou não cloroquina?

18 de maio de 2020 § 40 Comentários

É bom não esquecer: cloroquina ou não cloroquina é uma questão que só pode tornar-se problemática numa medicina estatizada onde que remédio você toma ou deixa de tomar é decisão de políticos e não de médicos. Nos hospitais privados toma-se contra o Covid-19, que mata de 20 jeitos diferentes conforme cada corpo invadido, o que o exame de cada doente recomendar ao médico que receite. Mas nos hospitais públicos só vai ter na farmácia aquilo que o político de plantão achar que deve, seja pela razão que for. Daí estarem esses hospitais sempre no limiar do colapso. A oferta pro marajá que decide será sempre maior que as razões médicas para se construir ou comprar o que quer que seja para a saude do povo.

UTI’s à beira do colapso onde, cara-pálida? Nos hospitais públicos, é claro. Como sempre. Eu passei 60 anos assistindo na TV gente morrendo sem atendimento pelo chão de hospitais imundos sem precisar de pandemia nenhuma neste país que proporcionalmente mais gasta com saude e com educação publicas no mundo. Por bem ou por mal, o favelão nacional faz a sua parte. Arrancam dele o dinheiro dobrado, triplicado, quadruplicado, o tanto necessário para coloca-lo na miséria em que está. Mas nunca, jamais, tudo isso vira alguma coisa que não dê náuseas…

Os hospitais privados, graças também à desinformação para criar o medo-pânico do Covid, estão às moscas. Uma diária de internação nas UTI’s dos hospitais de luxo de São Paulo sai em torno de R$ 2 mil por dia. Mas os governadores bandalhos saem por aí comprando equipamentos e construindo hospitais superfaturados em tendas em vez de alugar o que está sobrando.

Só tem uma coisa decente para se fazer nessa pandemia, diga-se de passagem, que é dar a cada prefeitura, que sabe o que se passa no seu terreiro, a decisão do que fazer com a sua pandemia. No máximo os governadores e o presidente deviam estabelecer os parâmetros mínimos – e repito, mi-ni-mos – para nortear a ação dos prefeitos.

Fora daí é só esse pisotear de cadáveres que a cada dia que passa faz mais insuportável o nojo!

Bolsonarizamo-nos!

12 de maio de 2020 § 66 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 12/5/2020

Tá feia a coisa! 

O Brasil Oficial bolsonarizou-se. Agora é golpe contra golpe suposto. Fato não vale mais nada…

Porque foi mesmo que essa coisa começou? Alguém se lembra? É capaz de precisar? Qual o inquérito que queriam parar? Qual a lei que foi violada? E essa urgência toda, desenfreada, sumária, é pela gravidade do crime? É para livrar o povo brasileiro de algum desastre iminente? Ou é só função da agenda biográfica do ministro Celso de Mello? Ele nós sabemos que tem pressa. Sua história acaba em novembro e sua eminência reverendíssima quer, declaradamente, um “fecho de ouro”. 

Alexandre de Moraes? 

Bolsonarizou-se. Teve um repente de emoção e deixou rolar queném presidente na cerca. Nem a lei, nem a razão. Fez lei do que sente. Ele com ele. Sozinho. 

O colegiado? 

Bolsominionizou-se. Respondeu como patota. Nenhum argumento. Nada sobre a constituição. Amiguismo só. Agora é guerra! Com ou sem Celso de Mello! Delenda Bolsonaro! Devassem-se as reuniões do ministério! O banheiro do presidente! Tem plano B e tem plano C, seja quem for que ele ponha no STF…

A imprensa? 

Vai de arrasto esse rabo do Brasil Oficial. A mais doente virou personagem de si mesma. As manchetes são cada vez mais auto-referentes. Onde já houve informação e demonstração hoje ha dois ou três caroços de raciocínio boiando em enxurradas de adjetivos. É um bolsominion pelo avesso igualzinho ao STF. Ou pior! Atira aos cães a própria instituição do jornalismo. Os ostras do bolsonarismo agradecem empenhados. Deixariam de existir se não tivessem essa imprensa que pede pedradas. 

É esse o dom divino do “Mito”. Tudo que ele toca bolsonariza-se ou bolsominioniza-se. Não é homem de ação, é homem de falação. Suas palavras partem do e são recebidas pelo cérebro reptiliano que ainda pulsa por baixo do nosso. Mal batem no ouvinte trancam-lhe o raciocínio e desatam tempestades de reflexos violentos. Não ha explicação científica. A conflagração sobrevem incontrolável, nevrálgica. 

Fez da pandemia um instrumento inegociável de confronto. O STF instalou-o no mais covarde dos “eu não disses”. Se estivesse querendo vender caro a quarentena, que é o que dá em sã consciência pra fazer num país onde a saude pública sempre esteve à beira do colapso, estava colhendo dados, desenhando parâmetros para balizar a saída para a quarentena inteligente. Em vez disso saiu por aí cuspindo e tragando perdigotos. “E daí”? Dez mil vidas e estamos na estaca zero. Meia quarentena pára a economia inteira mas o vírus continua a mil. É a festa da morte.

Para comprar ou para vender Bolsonaro só dá saída pelo que não é. Que golpe, que nada! Os milicos estão cevados na privilegiatura. Não querem mudar nada. Ele é louco mas não rasga dinheiro. Nem mostra seu exame de Covid. Paulo Guedes é o rótulo atras do qual esconde-se o sindicalista de fardado que sabota todas as reformas que foi eleito para fazer. Nem no meio da pandemia admite que toquem na privilegiatura. Prometeu um veto à punhalada que ele mesmo deu nas costas esburacadas do seu ministro quixote porque não está dando pra perder mais um “pilar” debaixo desse tiroteio. Mas é só se reequilibrar que crava de novo.

E o dólar voa e a ladroagem ruge…

Brasília?

Brasília não está plenamente convencida de que exista um povo brasileiro. Vive aterrorizada pela idéia de cair das beiradas daquele mundo plano e absolutamente estável para o inferno que criou aqui fora. Para esses negacionistas o Brasil Real é tabu. É rigorosíssimo o protocolo da corte. Lembrar Brasília, assim, sem aviso, de que existe um povo brasileiro e que ele está no fundo do abismo de tanto pagar os luxos das excelências é dar prova de “vergonhosa deselegância” e “má educação”. Esse negócio de congelar salários do funcionalismo por 18 meses nem que seja só por vergonha só pode ser fruto de alguma maquinação maquiavélica punível pelo STF. 227 anos depois da decapitação de Maria Antonieta, Brasilia e o jornalismo dos bolsominions pelo avesso acreditam piamente que reduzir privilégios da privilegiatura é “altamente impopular”. Um perigo! Põe o país “em risco de instabilidade institucional”.

A única doença do Brasil é o descolamento absoluto do País Oficial do País Real. Todo o resto são só sintomas. As deformações mais horripilantes são fruto da antiguidade do mal. Ha no Congresso Nacional e no serviço publico marajás de 4a ou 5a geração, às vezes mais. Desde o bisavô, desde o tataravô que essa gente não paga uma conta. Sua alienação tem a solides inabalável da autenticidade. Não tem cura. Não tem volta porque jamais chegou a “ir”. Nasceu assim.

A democracia representativa é uma hierarquia rígida. A inversa da que temos. A arrumação do Brasil começa pela ligação do “fio terra” do Pais Oficial no País Real que se dá pela instituição do voto distrital puro, o único que estabelece uma identificação concreta e verificável entre cada representante e os seus representados que devem ter poder de vida e morte sobre seus mandatos a qualquer momento. Esse tipo de voto educa. Uma vez instituído a limpeza começa e nunca mais pára. E tudo se vai arrumando. É só questão de tempo.

Nem a antipolítica, nem a política antipovo

5 de maio de 2020 § 23 Comentários

 

Artigo para O Estado de S. Paulo de 5/5/2020

O que arrebenta o Brasil é este “se ele é a favor eu sou contra”. Os desmandos de um lado não apagam as iniquidades do outro. Ver ameaça à democracia bastante para justificar derrubar um governo no meio de uma pandemia na existência de uma central de maledicência, mas achar perfeitamente “republicano” que o favelão nacional sustente as lagostas e vinhos tetracampeões de uma casta que vive acima até das leis que escreve para outorgar-se privilégios obscenos num país miserável dispensa qualquer argumento adicional para entender porque a anti-politica instalou-se no poder.

As mentiras explícitas publicadas nas redes sociais são singelamente amadoras perto da mentira instilada diuturnamente pela omissão de publicidade ou pelo destaque e contextualização falseados que são os modos profissionais de fazer a mesma coisa. A humanidade, que convive com a mentira desde que existe, não precisa de uma elite de “intérpretes qualificados da realidade” para decidir em nome de todos quais as que devem ou não ter o direito de continuar sendo proferidas.

Censura definitivamente não! Ao Estado cabe julgar fatos e não intenções. Deixemos estas para os ouvintes e leitores ou a arbitrariedade estará solta nas ruas e nada mais poderá deter a espiral da violência.


Os doutores Alexandre de Moraes e Celso de Mello que afirmam de dedo em riste que “o presidente não pode servir-se do aparato do estado para satisfazer seus interesses particulares” são os mesmos que se servem do aparato do estado para impor ao favelão nacional que os sustente, e às suas famílias e apaniguados, em padrões de potentados orientais e impõem que uns paguem a pandemia com a extinção dos seus empregos e salários miseráveis enquanto outros fiquem incólumes sustentados pelos primeiros.

Nada do que Jair Bolsonaro fizer poderá anular a indecência clamorosa dessa situação.

Sim, os servidores da linha de frente da saude são os heróis desta pandemia. Mas, do front para cima e não só, o SUS sempre foi um dos maiores ralos da república usado e abusado como instrumento de empreguismo e chantagem eleitoral. A saude publica sempre viveu no limiar do colapso porque os hospitais e equipamentos que os governadores e prefeitos não têm, como tudo o mais no Brasil, foram transformados em aposentadorias precoces e contratações em dobro de funcionários indemissíveis para todo o sempre com direito a aumentos anuais automáticos que consomem tudo e mais um pouco do que os governos arrecadam com a carga de impostos economicamente necrosantes mais tóxica e pesada do planeta.

Nada disso anula, entretanto, a realidade que daí decorre, de que manter a quarentena na maior medida possível é o recurso que nos resta para evitar todas as funestas consequências desses desvios. Jair Bolsonaro faz questão de provar todos os dias o desagregador temerário e irresponsável que é mas o povo não desrespeita a quarentena só porque ele quer. São os pais e os filhos do povo que estão morrendo como moscas no pesadelo de terror adicional ao pesadelo de terror cotidiano que é viver no favelão nacional onde 60 mil pessoas são assassinadas por ano. O povo não faz quarentena essencialmente porque não pode. E o que ha de mais execrável no comportamento destrutivo de Jair Bolsonaro não é “causar” essa desgraça é, como todos os demais, tentar explorá-la eleitoralmente, embora na direção inversa dos que querem por a culpa de tudo – e como sempre – nas vítimas.

No que se refere à raiz mais profunda dessa desgraceira toda a diferença entre Bolsonaro e o STF, para além do refinamento e do grau de ilustração, é, portanto, que um tem 58 milhões de votos e os outros não têm nenhum, coisa que numa democracia representativa impõe uma diferença reverencial de tratamento, mas que encontrará fatalmente o seu limite se ele continuar a ser procurado com tanto empenho e com tanta truculência. “Brasil acima de tudo”! Mas a verdade cristalina é que nenhum dos dois, assim como os seus caronas nem um pouco desinteressados, quer mudar essencialmente o que está aí.

A palavra “constituição” não empresta o sentido que têm as constituições instituídas pela revolução democrática (que o Brasil nunca fez) a essa ferramenta nunca referendada senão por quem, desde 1988, a escreve e reescreve a gosto para espichar a privilegiatura que parasita o Brasil. Invocar sua intocabilidade como garantia do “estado democrático de direito” só por essa coincidência de nomes de batismo é uma mentira tão cínica quanto pregar reformas e trabalhar para que elas não sejam feitas.

O que pôs a anti-politica no poder foi a política anti-povo. Ter aquilo a que o Brasil já disse um maiúsculo NAO como única alternativa ao que esta aí é tolerar o intolerável. Os “pilares” resumem bem: nem a leniência com a corrupção (especialmente a institucionalizada que nos rouba com a lei) nem a permanência do Estado nas costas da nação. A única forma democrática de se abordar o drama brasileiro é assumir o “lado” do favelão nacional e avaliar cada passo pela distância em que ele porá o povo da condição de controlar efetivamente os políticos. O resto é jogo de interesses.

Nota do autor: Artigo escrito antes da nomeação provocativa do substituto de Ramagem que põe Bolsonaro mais longe do interesse do Brasil.

A paralisia do Estado segregado da Nação

7 de abril de 2020 § 15 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 7/4/2020

É melancólica essa novela da disponibilização do socorro financeiro à economia paralisada pelo coronavírus e da exploração política da “culpa” pela demora em consegui-la.

Como de hábito os funcionalismos “de direita” e “de esquerda” puseram-se fora do “Orçamento de Guerra”, o que confirma e aprofunda o nosso apartheid. Todas as medidas do Estado para com o Estado para coibir “malfeitos” ou incentivar comportamentos desejados transformam-se em ações entre amigos, seja para não serem aplicadas aos funcionários culpados, seja para serem aplicadas a todos independentemente de merecimento.

O mundo que funciona é o que não cuida de legislar desenfreadamente para cercar comportamentos possíveis, atravancando a vida de todo mundo, mas premia ou pune inexoravelmente, por iniciativa popular, os comportamentos de fato havidos pois sendo o povo a vítima dos maus ou o beneficiário dos bons comportamentos dos agentes estatais é ele a única entidade em condições de julga-los com legitimidade. Mas o Brasil não aprende com os fatos e a tudo responde com mais Estado e menos cidadania.

Na semana passada atribuí à China a invenção do método e errei. Foi da Coreia do Sul a idéia de aplicar o aparato de espionagem que as gigantes globais de animação de redes montaram para roubar e vender informações sobre cada um de nós a quem quiser pagar por elas, dos comerciantes aos políticos passando pelos assassinos profissionais, no combate ao coronavírus.

A má vizinhança tornou-os atentos e a epidemia de gripe com síndrome respiratória grave de 2015 (SARS), prima desta, levou-os à revisão e consolidação de um conjunto de leis que define responsabilidades do governo federal, dos governos locais, dos médicos e dos cidadãos para desimpedir ações voltadas para a prevenção, notificação, investigação, compensação e mobilização de recursos de combate à epidemia.

A Coréia fez, em resumo, tudo que o resto do mundo não fez, especialmente evitar de depositar nas mãos da China a segurança da sua saúde pública deixando para importar de lá tudo quanto é necessário para garanti-la como fizeram todos quantos agora ardem no fogo da pandemia. Graças a isso aplica hoje 5200 testes por milhão de habitantes enquanto os Estados Unidos ainda não chegaram a 100, e tem em estoque os respiradores, testes e equipamentos de proteção (EPI) essenciais à emergência.

Criou, então, um “aplicativo de auto-diagnóstico” que cruza as respostas a um questionário com os resultados dessas medições e o log retroativo de deslocamentos físicos nos últimos 14 dias de cada cidadão via celular para atribuir-lhe uma classificação – vermelho, amarelo ou verde – que define seus direitos e deveres quanto a mobilidade ou graus de isolamento. Agora o celular é usado e exigido como um passaporte, o que permitiu ao país continuar funcionando enquanto combate a epidemia com segurança e eficiência. É esse o esquema que vem sendo imitado por todo mundo que ainda pode faze-lo como Israel, Alemanha e até a própria China.

Quarentena burra, portanto, fica mais claro a cada minuto, é para quem não tem mais nada, nem testes, nem EPI, nem organização e, portanto, nenhuma noção segura do que está acontecendo.  É o “remédio” que restou aos políticos relapsos que não fizeram a  lição de casa para não parecerem o que são. O único recurso ao alcance de muita gente que já foi boa como Estados Unidos e grande parte da Europa, especialmente a latina, por razões que incluem dosagens variáveis de incúria, de dolo e até de cinismo.

Todo mundo, entretanto, já admite pelo menos onde foi que errou e corre, Estados e cidadãos juntos, para construir a ponte que permite sair da quarentena burra – que, posto que a epidemia só cessa quando a maioria contrai o vírus e fica imunizada, serve no máximo para desconcentrar o número de mortes – e evoluir para a quarentena inteligente que detém a doença e o desastre econômico.

O ministro Mandetta já mencionou que tem uma equipe completa correndo atras da nossa versão do algoritmo coreano. Só que o caminho do Brasil está travado pela solidez mineral da burrice dos “soldados da fé” cujo objetivo não é buscar a verdade mas apenas “eliminar o oponente”. Estes, à direita e à esquerda, tanto quanto os que amplificam seus coices e rasteiras na mídia, bastam-se uns aos outros no seu ódio mútuo. Os pró-quarentena excluem tudo menos a quarentena e os contra-quarentena admitem tudo menos a quarentena, morra quem morrer, o que proporciona que a privilegiatura que come o dinheiro que nos falta permaneça gostosamente na sombra.

É debaixo desse barulho que a gente de boa fé debate-se trágica e inutilmente no atoleiro dos milhões de leis e regulamentos insanos que dão pretexto à colonização do Estado pela legião de fiscais, fiscais dos fiscais e “tribunais temáticos”, a rainha das “jabuticabas”, que mantém o País Real “rachadinho” e a serviço deles. Erguida para blindar o Estado contra a interferência do povo, a muralha regulatória chegou à perfeição: pôs fora da lei as ações do Estado a favor da sociedade.

 

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