Duas ferramentas básicas da democracia
16 de março de 2022 § 8 Comentários

O confronto que está ocorrendo neste momento no campo da educação pública nos Estados Unidos envolve o cerne da definição de democracia que, ao contrário do que pensa a maioria dos brasileiros, não gira em torno da questão “o quê deve ser feito”, mas sim de “quem tem o legitimo direito de determinar o que deve ser feito”.
A instituição do school board, de par com a do júri, é seminal para o estabelecimento da soberania do povo nas democracias de DNA saxônico. Nem cultura, nem estágio de desenvolvimento econômico são obstáculos para a compreensão da sua importância a quem é oferecida a oportunidade de adotá-las. Elas existem, firmes e fortes, em todos os países de colonização inglesa, dos africanos aos asiáticos, passando pela India, pela Austrália e o mais.
Mas, como sói acontecer em tudo, deus ou o diabo estão é nos detalhes. A “democracia brasileira”, aquela que parece mas não é, por exemplo, inclui um pedaço da instituição do júri, exclusivamente para processos criminais. Tocqueville, que mesmo antes de visitar os Estados Unidos em 1830, já louvava a importância da instituição do júri na educação do povo inglês para a democracia, conhecia bem a diferença.

O juri nos processos criminais só exige julgamentos sobre questões primárias, dizia. E, além do mais, quase todas as pessoas esperam passar a vida inteira sem sofrer um processo criminal. Quando no juri julgam ”os outros”. Nos julgamentos civis ocorre o contrário. Todo mundo espera, na vida, enfrentar processos civis. E eles envolvem conceitos muito mais sutis. O juri nesses julgamentos faz com que o direito privado tenha de ser expresso numa linguagem acessível a todos os mortais e que os advogados especializem-se em traduzir as nuances de cada caso para o jurado nas suas argumentações.
Assim, cada membro de cada júri considera, ao exercer esse papel, que amanhã pode estar ele sentado na cadeira de quem está julgando hoje. “O júri, e sobretudo o júri civil serve para dotar todo e qualquer cidadão da experiência de ser juiz, e essa experiência é a que melhor o prepara para ser livre. Ela reafirma, em todas as classes sociais, o respeito pela coisa julgada e pela idéia do Direito. É a maneira mais eficaz de, ao mesmo tempo, fazer o povo exercer o seu poder e aprender a exercer o seu poder numa democracia. Sem essas duas coisas, o amor pela independência transforma-se numa paixão destrutiva”.
O juri, mais que uma ferramenta da Justiça, é portanto, para Tocqueville, sobretudo uma instituição política.

Cabe melhor ainda nessa categoria a instituição do school board. Ele é a representação eleita da menor célula do sistema de voto distrital puro, a única maneira de instituir a verdadeira democracia representativa, e a mais direta e explícita das ferramentas de submissão do Estado à vontade do povo. Refere-se a cada bairro que elege, obrigatoriamente entre seus residentes, os 7 membros do conselho de pais de alunos que controlará, pelos 4 anos seguintes, sempre sujeitos a recall, a escola pública nele instalada. É ele, e não o político de plantão ou o partido que “aparelhou” o sistema quem contrata e demite o diretor de cada escola, aprova ou não os seus orçamentos, os seus programas curriculares, as suas metas anuais e o desempenho de seus professores.
Neste particular momento a esfera dos school boards está francamente conflagrada nos Estados Unidos. A fronteira que separa os contendores é a dos que negociam suas questões com os professores através de sindicatos e os que não aceitam esse sistema e negociam diretamente com seus funcionários, professores incluídos.
Lá, como em toda parte o setor da educação é o primeiro dos alvos visados pela luta ideológica e os sindicatos de professores os mais abertamente comprometidos com partidos e movimentos radicais. Seu principal argumento de expansão como contrapartida dos school boards é o de toda entidade corporativa: a sua “especialização” em formular e fazer tramitar projetos de educação. O seu principal ponto fraco o de toda representação corporativa: a incoercível tendência de desviar-se da finalidade alegada para a satisfação dos interesses dos encarregados de atingi-la, que faz com que todo o sistema acabe “apropriado” pelos professores em detrimento dos alunos das escolas públicas.

A National School Board Association (NSBA), instituição criada em 1940 para zelar pela qualidade da educação pública transformou-se, com o tempo, na grande impulsionadora dos sindicatos de professores como contraparte dos school boards na gestão das escolas públicas. Suas bandeiras vão na linha de extrair salários e aposentadorias cada vez mais altos e menos dependentes de critérios de mérito e banir todas as tarefas paralelas impostas aos professores pelos school boards. Além desse viés para a “insustentabilidade”, e do conflito subjacente à ação de sindicatos de funcionários públicos que disputam, com o concurso de outros funcionários públicos, fatias crescentes de dinheiro de impostos e não participações maiores em lucros que contribuíram para que fossem obtidos, seus antagonistas apontam, também, a crescente contaminação do currículo escolar por material e discursos ideológicos.
Nada, portanto, a que um ouvido brasileiro não esteja totalmente acostumado.
No ambiente de extrema polarização que desaguou na derrota de Donald Trump e na eleição de Joe Biden, entretanto, a NSBA cruzou, num rompante, a sagrada fronteira da soberania do povo. E foi só aí que quebrou fragorosamente a cara.

Enviou uma carta aberta ao presidente eleito em que, alegando “ameaças à segurança dos alunos e dos professores nas escolas públicas”, afirmava que “alguns pais deveriam ser considerados como terroristas domésticos” e pedia “legislação federal e outras providências” para impor decisões a todas as escolas públicas independentemente do que pensassem os pais de alunos. O resultado foi que, mesmo tendo-se retratado do erro, e apesar das greves de professores em alguns locais, desde outubro de 2021 (a carta foi publicada em 29 de setembro daquele ano) 20 associações estaduais de school boards já romperam seus contratos de adesão à NSBA.
Por grave que seja a doença que a afeta a partir do âmbito federal, esta é uma importante medida da saude da democracia americana, essa ilustre desconhecida de populações isoladas pela língua e submetidas a séculos de “censura estrutural” como a brasileira. Suas raízes estão solidamente plantadas nos equipamentos de materialização dos poderes do povo nas instâncias estadual e municipal. São quase dois países. E pelo menos num deles o debate sobre o que fazer é livre, infindável, inconclusivo e sujeito às intempéries da conjuntura como deve ser em toda democracia. Mas o preceito de que só o povo tem o legitimo direito à decisão final é sagrado. Pela mesma razão que quem escolhe a comida é quem está pagando por ela e vai comê-la e não o garçom, quem escolhe o que as escolas públicas e o sistema judiciário vão servir, na democracia americana ainda são o júri popular e os pais dos alunos.

De como o óbvio é revolucionário
10 de dezembro de 2019 § 24 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 10 de dezembro de 2019
Domingo agora J. R. Guzzo escreveu neste jornal que “a igualdade não é um direito, é o resultado do que o cidadão aprendeu”, que “é inútil querer que as pessoas tenham igualdade nos resultados quando não são iguais nos méritos” e que “não há como ser igual nos méritos se o sujeito que sabe menos não teve oportunidades iguais de aprender as coisas que foram aprendidas pelo sujeito que sabe mais”. Conclusão: “ainda não foi inventada no mundo uma maneira mais eficaz de concentrar renda, preservar a pobreza e promover a desigualdade do que negar ao povo jovem uma educação decente”.
Mas como arrancar a educação pública brasileira dos dois atoleiros aos quais está presa, a corrupção inerente ao ambiente estatal e o serviço a um projeto de poder? Ontem, falando de corrupção, Modesto Carvalhosa lembrou nesta página que “um fenômeno sistêmico é o que cria, ele próprio, sua continuidade, permanência, e expansão”. Mas pode haver uma versão virtuosa disso. Eu tenho fascínio pela instituição da eleição direta do school board das escolas públicas em todos os países de colonização inglesa. É a peça mais básica da democracia moderna que é a que foi reinventada por eles. É ali que se dá a intersecção mais concreta entre o público e o privado e que se define, no nível mais próximo do cidadão comum, a relação hierárquica que ha entre ele e o seu representante eleito, de modo a criar a sua própria continuidade.
Sendo a base de tudo na democracia moderna a necessidade dela ser “representativa” e o sistema distrital puro de eleição a única maneira sem tapeações de se prover essa representação de modo aferível, preto no branco, o bairro, a menor célula do sistema, elege obrigatoriamente entre candidatos que moram nele (pais de alunos) o conselho gestor da escola pública local. Nos Estados Unidos esses boards têm, tipicamente, sete membros para que não haja empate em suas decisões, com duas “metades”, uma de três outra de quatro membros, eleita a cada dois anos, para mandatos desemparceirados de quatro anos. Como todo funcionário eleito também estes estão sujeitos a recall a qualquer momento em que seus eleitores sentirem-se mal representados. Esse conselho tem por atribuição contratar e demitir o diretor da escola e aprovar ou não os seus orçamentos e planos de vôo anuais.
A esta altura os leitores ainda sujeitos ao complexo de vira-latas já estão pensando como o brasileiro das favelas ou lá dos fundões poderá mandar na educação (de seus filhos) com bons resultados. A função do school board, assim como a da democracia como um todo, não é imprimir sofisticação aos currículos, é estabelecer o filtro contra a mais mortífera de todas as doenças que acompanham a humanidade ao longo dos tempos neste vale de lágrimas que é a corrupção pelo poder, e tornar a escola pública “orientada para o cliente”. Hoje, com as exceções que confirmam a regra, ela está orientada para servir seus servidores e manter para sempre nas mãos dos próprios privilegiados o controle sobre a distribuição de privilégios pelo estado que é ao que se resume, despido de sua fantasia século 20, todo o blá, blá, blá em torno da estatização ou não do que quer que seja.
Qualquer pai terá condições de saber quem são as pessoas mais capacitadas para fazer parte desse board na sua comunidade e, sendo o voto secreto, de defender-se de pressões indevidas. E qualquer ser humano em poder de suas faculdades saberá avaliar a razoabilidade ou não de um orçamento a partir da segunda vez que tiver de tratar do assunto. Além disso, como todos, esse sistema gera os seus próprios meios de tornar-se “sistêmico” e auto-reproduzir-se: centros de apuração e difusão de melhores práticas, cursos de aperfeiçoamento de membros de school boards, etc.
Nenhum prejuízo colateral será maior que o de manter o controle das verbas e das decisões na área de educação nas mãos de quem terá o poder de transformá-las no próprio salário e o de deixar a avaliação de quem deve preparar um país inteiro para a competição global a indivíduos que não têm, eles próprios, de competir por seu lugar ao sol. Ontem mesmo, aliás, editorial na página ao lado desta constatava que ha mais professores do ensino básico sendo formados no Brasil de hoje, onde eles já são 3,1% da força de trabalho e 20% das mulheres com ensino superior, que alunos a demandá-los. Porque seria se os salários são tão baixos? Porque o magistério público atrai pessoas de famílias paupérrimas e, no quadro da miséria nacional, ser professor prestando um vestibular de pedagogia é um modo mais fácil que o vestibular de medicina, por exemplo, para disputar uma posição de segurança vitalícia num emprego estatal.
Não é, portanto, aumentando salários num ambiente regido pela regra da isonomia – aquela que afirma: “eu merecerei ganhar mais sempre que outra pessoa fizer por merecer ganhar mais” que se vai resolver o problema da qualidade da educação básica no Brasil. E a solução passa obrigatoriamente pelo rompimento com a “mentira analítica”: a crítica do sistema tem de ser feita pelo consumidor e não pelo fornecedor de educação pública como geralmente acontece até mesmo nas bancas (quase exclusivamente compostas por professores de universidades públicas) que os jornalistas convocam para debater o problema.
Nada disso, porém, pode ocorrer isoladamente. Se quisermos viver numa democracia o school board é só a peça mais básica. Um certo numero de distritos eleitorais escolares (bairros) comporá um distrito eleitoral municipal, um conjunto destes fará um distrito estadual e outro múltiplo deles fará um distrito federal que elege um deputado federal, todos eles diretamente atrelados a eleitores específicos e sujeitos a recall, ou seja, submetidos à mesma meritocracia sob a qual vivem os seus representados.
Não é só o sistema de educação pública. O Brasil inteiro não funciona porque a avaliação e a condição de permanência, seja no emprego, seja no poder públicos, é absolutamente independente da “satisfação do cliente”.
O caso da educação
5 de junho de 2015 § 9 Comentários
A primeira condição para voltarmos a ter uma educação que puxe o país para cima (sim, ela ja foi assim no Brasil!) é nossas escolas voltarem a entregar educação em vez de empulhação.
Vai ser uma luta muito dura porque envolve a grande chave comutadora de tudo: a decisão sobre se este país quer ser uma meritocracia ou continuar para sempre nesse troca-troca entre liberdade para roubar e distribuição de pequenos privilégios para comprar a conformidade dos roubados.
O alvo essencial desses “professores” black-blockeados que, ha anos sem fim, servem a dose diária de ultimate fighting jurássico-ideológico que inferniza a vida do país é a meritocracia. Bani-la para sempre do dicionário geral da língua portuguesa é a única condição essencial à sobrevivência deles como espécie porque militância profissional e meritocracia são coisas tão irreconciliavelmente incompatíveis e mutuamente excludentes quanto o musgo e o sol.
Não confundí-los jamais com os professores de verdade, cada vez mais humilhados e ofendidos. Estes só terão remissão quando se impuserem aos que lhes usurparam a palavra e limparem o seu ambiente de trabalho do entulho político e corporativo que come a diferença entre o dinheiro que os brasileiros ja investimos em educação — igual ou maior que o que os melhores do mundo investem — e o resultado que colhemos depois de reparti-lo entre os professores de verdade e a multidão dos que se infiltraram no sistema com pistolões políticos e permanecem lá dentro por todos os motivos menos pelo do merecimento.
Democracia é isso…
15 de janeiro de 2015 § 7 Comentários
Entre o “país sem miséria” de ha quatro anos e esta nova “pátria educadora” com 7 bi a menos para o Ministério da Educação que vem vindo por aí, além da derrama do Joaquim Levy que ainda nem começou, o que mudou foi que antes, por cima do que pagávamos para ter o governo mais caro do mundo, tínhamos de prover “por fora” só a saúde, a educação e a segurança públicas que eles enfiavam nas contas deles na Suiça e agora quem quiser ter luz elétrica e água encanada também vai ter de furar o seu próprio poço artesiano e comprar o seu próprio gerador.
Estamos de volta ao modelo autárquico dos três primeiros séculos da colonização, com a diferença de que, agora, não existe mais a Casa Grande; tá todo mundo na senzala.
E quem precisa de educação no Brasil?
1 de abril de 2014 § 9 Comentários
Foi tocar no assunto no artigo anterior e os fatos vieram em meu socorro.
A discussão sobre a última medida tomada da indigência educacional brasileira na Globonews, o canal de notícias com que a Globo mira a elite intelectual brasileira, mostrou que ela é ainda muito mais profunda do que registrou o último “Pisa”, um exame internacional que, este ano, deixou de lado as avaliações mais técnicas que costumava fazer em torno dos temas Leitura, Matemática e Ciências para se concentrar na solução de problemas de lógica e raciocínio.
Entre 44 países que participaram do certame testando alunos de 15 anos de idade, o Brasil ficou em 38º lugar…
A Globonews mobilizou seus amplos recursos entrevistando os “especialistas” do costume no Brasil e no exterior, que falaram longamente nas “causas” — também as do costume — da tragédia educacional brasileira, incluindo no rol os salários dos professores, a falta de verbas, a “inadequação do currículo à realidade do cotidiano dos estudantes”, etc., etc. e tal.
Mas, como de hábito, a todos passou despercebida a “pista” que, lá do início da lista de classificação, clamava aos céus a razão essencial pela qual não saímos dessa miséria, ao contrário, afundamos cada vez mais nela.
Quem são, pela enésima vez, os primeiros classificados nesse exame? Os asiáticos. Quais asiáticos? Aqueles que, tendo partido de situações infinitamente mais calamitosas que a do Brasil de hoje, importaram tecnologias institucionais modernas – uns depois de perder uma guerra mundial e levar duas bombas atômicas na cabeça, outros a partir de condições nacionais de semi-selvageria e miséria absoluta – e, graças a isso, colheram o mesmo resultado que tinham colhido, pela mesmíssima razão, os países que as tinham adotado antes deles.
Até a sequência dos três primeiros colocados aponta nessa direção. O último dos três a importá-las – Cingapura – é o primeiro colocado, o penúltimo – a Coréia do Sul – é o segundo, e o que as importou ha mais tempo – o Japão – é o terceiro.
São as consequências naturais da acomodação na abundância de quem a conquistou duas ou três gerações antes dos outros contra a disposição para a luta mais aguerrida em quem a tem desfrutado ha menos tempo.
Mas o que há de comum entre esses três países é que todos transplantaram para suas realidades os elementos básicos do ferramental institucional norte-americano, aquele que, no melhor momento da cultura da Humanidade, foi especialmente desenhado pela elite do Iluminismo fugida para a América para fundar uma sociedade que deveria ser a antítese da Europa feudal onde tudo que valia era ser amigo do rei, num processo revolucionário cujo sentido pode ser sintetizado na frase “nenhum dinheiro e nenhum poder que não seja fruto do mérito”.
A educação, que este teste procura medir, foi a faísca inicial da Revolução Americana.
Tudo começou pela perda momentânea do controle que a Igreja e os monarcas absolutistas mantinham sobre a circulação da informação provocada pela invenção da prensa de Gutemberg que disseminou para além das trancafiadas bibliotecas de uns poucos conventos edições completas da Bíblia, uma das quais caiu nas mãos de Martinho Lutero que, ao lê-la, deu-se conta de que a versão que davam dela os bispos e os padres de cima de seus púlpitos não tinha nada a ver com o que realmente estava escrito no livro. Era tudo uma empulhação para justificar pela palavra “de deus em pessoa” a exploração dos muitos pelos poucos espertalhões dispostos aos crimes mais hediondos — sendo o cultivo deliberado da ignorância o maior deles — para manter seus privilégios.
Os primeiros “protestantes” das mentiras até então universalmente aceitas como verdades na Inglaterra, por exemplo, andavam pelos campos encapuzados, à noite, perseguidos de morte que eram, batendo de porta em porta dos camponeses analfabetos para ler-lhes à luz de velas trechos da verdadeira Bíblia e encerrar a visita com sua mensagem subversiva: “Não aceitem as verdades de segunda mão que o poder lhes impinge. Aprendam a ler para ir buscá-las diretamente na fonte. A libertação está na educação”.
Não é por outra razão que, desde sempre, o maior esforço de todo tirano é manter a informação controlada e fazer do sistema educacional uma máquina de falsificação da verdade.
O teste internacional “Pisa” mede precisamente a eficácia com que os tiranos brasileiros têm conseguido atingir esse objetivo, o que hoje depende essencialmente de manter todos longe da “prensa de Gutemberg” da hora, que é a internet. Não chega a ser uma tarefa hercúlea como pode parecer à primeira vista posto que, estando aqui dentro “tudo dominado”, o que resulta em que a esmagadora maioria mal fala português, é só deixá-la longe do inglês que eles só terão acesso ao que o poder constituído quiser lhes dizer. É, de qualquer maneira, impossível aprender democracia em português pois nenhuma sociedade que fala essa língua jamais viveu numa.
O controle absoluto das escolas e da imprensa – mais da primeira que da segunda porque uma coisa conduz naturalmente à outra – já dizia Antonio Gramsci, é o elemento essencial desse esquema de dominação.
A educação é o instrumento essencial da meritocracia. E a meritocracia a antítese do “amiguismo”, do “emprego sem trabalho” mas com aposentadoria gorda e precoce, e do “jeitinho” para se conseguir tudo isso.
Logo, os privilegiados de hoje fogem da meritocracia como o diabo da cruz.
Agora pense bem. Lembra-se de quando José Serra decidiu dar aumentos de salário por aferição de desempenho para os professores de São Paulo, ainda que sendo só um adicional sobre os aumentos automáticos que eles arrancam anualmente só na mumunha sindical?
O Palácio dos Bandeirantes foi cercado pela milícia do sindicato dos professores, o mais agressivo e radicalmente ideologizado entre todos do país, que por diversas vezes tentou invadi-lo, derrubou seus muros, agrediu quem tentava entrar e sair de suas dependências e jurou de morte o então governador.
E como professores que nunca na vida foram submetidos a qualquer avaliação de desempenho poderiam formar alunos para enfrentar a competição global onde o que desempata o jogo é o desempenho e o esforço individual minuciosamente medidos e aferidos?
Que incentivo tem o estudante brasileiro para ser mais que o 38º do mundo se o que decide quem vai se dar bem ou mal na vida neste país continua sendo a proximidade que as mãos sôfregas dos contendores estão do saco de “el rei” e se a diferença entre ficar ou não exposto à intempérie está em conseguir ou não saltar para dentro da nau dos exploradores entrando para o “serviço público” o que explica o fenômeno único no mundo da nossa juventude “concurseira”, que dedica a vida a entrar para o redil do Estado na base da água mole em pedra dura?
Quem precisa, enfim, de educação onde o esforço e o merecimento não contam para nada?
A primeira vítima dessa arapuca, ironicamente, são os próprios professores, já que salário não pode ser outra coisa, de forma sustentável, que função de resultado.
Mas como mudar isso se mais da metade da população já está direta ou indiretamente embarcada no Estado recebendo seu chequinho e vivendo de explorar a única minoria realmente discriminada deste país que é a que tem de trabalhar para viver?
Um dia inteiro de discussões na Globonews sobre o nosso vergonhoso desempenho no “Pisa” sem que a palavra “meritocracia” – um arranjo de sociedade que não admite meio termo: ou é ou não é – fosse mencionada uma vez sequer dá a medida do buraco. Porque reformas, mesmo nas democracias mais avançadas, só as puxadas pela imprensa. Os beneficiários do sistema é que não tomarão nunca a iniciativa de fazê-las. E no entanto a imprensa…
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