Da importância de se acertar com deus
1 de julho de 2022 § 2 Comentários

Lido esta madrugada no A Democracia na América, de Alexis de Tocqueville (1830, tradução minha):
“Quando a religião é destruída no seio de um povo, a duvida se apossa das partes mais altas da inteligência e meio que paralisa todas as outras. As pessoas se habituam a não ter senão noções confusas e cambiantes sobre as questões que mais interessam a elas mesmas e aos seus semelhantes; passam a defender mal as suas próprias opiniões ou mesmo acabam por abandoná-las. E, como se desesperam de poder, por si mesmas, resolver os grandes problemas que a natureza humana apresenta, acabam por reduzir-se a nem tentar faze-lo mais. Essa condição não pode deixar de atormentar as almas e acabar por se apossar das próprias fontes da vontade e, assim, preparar os cidadãos para a servidão.
Não apenas ocorre, então, que os cidadãos deixem que tomem sua liberdade; frequentemente são eles que a entregam. Quando não existe mais autoridade em matéria de religião e nem em matéria de política, os homens se apavoram com essa independência sem limites. A agitação perpétua de todas as coisas passa a inquietá-los e a cansá-los. Como tudo é instável no mundo da inteligência, elas começam a desejar que as coisas se estabilizem ao menos na ordem material. Mas como suas antigas crenças estão perdidas, acabam por entregar-se a um mestre.
De minha parte, duvido que o homem possa jamais suportar ao mesmo tempo uma completa independência religiosa e uma completa liberdade política; o que me leva a concluir que, se não existe fé, é preciso que ele se entregue à servidão, e que se ele for livre, é porque crê”.

Cinquenta anos depois, Dostoyevski publicaria em Os Irmãos Karamazov, o poema em forma de prosa relatado por Ivan a seu irmão Aliocha, um monólogo, situado na cidade de Sevilha à época da Inquisição, no qual o Grande Inquisidor, um velho cardeal, depara-se com Jesus Cristo, condena sua volta à Terra e ordena a sua prisão e morte na fogueira.
No texto O existencialismo é um humanismo, Sartre diz: “Dostoiévski escreveu: ‘Se Deus não existisse, tudo seria permitido’. Eis o ponto de partida do existencialismo”. O escritor russo de fato inspirou os existencialistas mas nunca disse exatamente isso. O que está nos Irmãos Karamazov é “…é permitido a todo indivíduo que tenha consciência da verdade organizar sua vida como bem entender, de acordo com os novos princípios. Nesse sentido, tudo é permitido … Como deus e a imortalidade não existem, é permitido ao homem novo tornar-se um homem-deus, e que seja ele o único no mundo a viver assim”.
Passados mais 37 anos, Lenin tomaria o poder.

Estamos nessa situação e a tomada do poder pela escória parece iminente.
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“…é permitido a todo indivíduo que tenha consciência da verdade organizar sua vida como bem entender,…” Há uma condição para ter essa liberdade: ter consciência da verdade. A sentença é irretocável e o problema é essa tal da verdade. A verdade apenas possui solução metafísica como sendo leis universais que tornam o universo um cosmos organizado e inteligível. Leis que nunca mudam e sempre permanecem as mesmas. O que muda e se transforma não pode ser mais do que uma verdade meramente provisória. Quem conhece tais leis nunca cometerá a imprudência de desrespeitá-las. Já quem reivindica essa liberdade sem conhecer a verdade…
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