A força do tabu

2 de junho de 2016 § 17 Comentários

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Assisto com alguns dias de atraso a entrevista de Ricardo Paes de Barros no programa Roda Viva que não perco. Costuma ser excelente. Mas este foi uma ginástica angustiante.

O esquema, como se sabe, são seis jornalistas e um entrevistado. Ja estou no 48º minuto do programa onde só se fala de um assunto, e já não me contenho: o Brasil tem diagnósticos perfeitos de todos os seus problemas mas não consegue dar consequência a isso. Medimos tudo muito bem medido. Sabemos onde erramos e porque erramos mas não nos permitimos consertar nada.

Sabemos, por exemplo, que tem duas vezes mais gente no Bolsa Familia do que justificam as proprias medições do governo. Mas nem os seis jornalistas, nem o entrevistado mencionam a conclusão imediatamente subsequente: estão distribuindo o dobro de bolsas para comprar votos.

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Mas o assunto aqui não é este. Volto ao que interessa. Não falta dinheiro para nada. Ao contrário, o problema é que sobra dinheiro no Estado. Sabemos onde e porque falha a educação (e a saude, e a segurança publica, e etc.); sabemos quem são os responsaveis por essas falhas. Mas nem o entrevistado, nem os entrevistadores mencionam a conclusão imediatamente subsequente de que o que falta é a sansão: o problema não se resolve e não tem solução porque partimos da premissa de que o funcionário público, seja o que distribui o dinheiro, seja o que o recebe mas não entrega o que foi contratado para entregar, é indemissivel.

Segue a entrevista mencionando cada um dos nossos fracassos e a sequencia é sempre a mesma: sabemos o que fazer, sabemos como fazer, mas não fazemos porque não fazer não acarreta consequência nenhuma.

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A esta altura ja estou no 56º minuto da entrevista e a palavra mágica continua não sendo pronunciada: DEMISSÃO. Demissão de quem falha; demissão de quem não cumpre. Nem mesmo em demissão para quem rouba se ousa falar.

Cada jornalista daquela banca trabalha, acorda cedo, perde o feriado, cumpre plantões, estuda, capricha e se sacrifica porque se não o fizer é demitido. Cada jornalista naquela banca sabe que o funcionário falta, atende mal, não cumpre plantões, não estuda, não capricha, não entrega e nãos e sacrifica porque entregando ou não entregando, com crise ou sem crise nacional maior de todos os tempos, ganha 21% de aumento e nem sonha com a hipótese de perder o emprego e o salário que está, sempre, desde o mais baixo, na faixa mais alta do padrão de salário do resto do Brasil.

Preventivamente uma das entrevistadoras ja adianta, assim meio do nada, que “meritocracia é uma falácia num ambiente de desigualdade de oportunidade” e recebe uma resposta apropriada do entrevistado. “Se formos esperar o fim da desigualdade para começar a aplicar a meritocracia estamos roubados”. Mas a palavra chave do sistema meritocrático – DEMISSÃO – continua sem ser pronunciada.

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Logo no início da entrevista, alias, o entrevistado registrou que a maior desigualdade de renda dentro do país está no setor publico (nos supersalários, nas super-aposentadorias, ficou subentendido, porque falar claramente nisso também é tabu). O setor privado, registra ele, reduziu a desigualdade de renda em proporções gigantescas nos ultimos anos mas no ambiente do Estado, onde não ha meritocracia, o processo foi o inverso, a ponto de afetar a média nacional. E eles são só 11,1 milhões os funcionários públicos que consomem 45% do PIB deixando menos de 3% para investimento público! A esmagadora maioria deles são aqueles médicos e professores que ganham uma miséria, donde se conclui que os superfuncionários que distorcem a media nacional são uma ínfima minoria. A enormidade do numero (dos supersalários e das super-aposentadorias) que desse raciocínio simples se deduz é de uma obscenidade que clama aos céus mas a reação da banca foi um silêncio sepulcral. Nenhum comentário, sequer. Ninguém chutou a bola levantada. Batida a marca de 1 hora, 22 minutos e 48 segundos da entrevista inteira, a palavra proibida não foi mencionada uma vez sequer.

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Assim não vai. Eu já ando com vergonha de me apresentar como jornalista…

Qualquer dona de casa da favela sabe que se contratar uma empregada amanhã e começar a conversa dizendo que a partir do momento da contratação ela é indemissível para todo o sempre e é ela própria quem vai decidir o valor do seu salário, em 15 dias ela estará na casinha do cachorro e a tal servidora deitada na sua cama. O chato do Brasil é que aqui não tem mistério nenhum. O Brasil foi despachado para a casinha do cachorro.

Isso aqui só começa a ter solução quando DEMISSÃO passar a ser uma ameaça tão real, concreta e diária para os políticos e funcionários publicos quanto é para o resto da humanidade, inclusive para todos os brasileiros que não são empregados do Estado. Estes já não têm direito sequer ao que fazem por merecer porque pagam pelo que os que comem 45% do PIB enfiam no bolso sem merecer. 12 milhões já estão desempregados por conta disso, mesmo tendo entregado o tempo todo tudo o que foram pagos para entregar.

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Esse sistema medieval de servidão só se reverte com o instituto do voto distrital com recall. Pois passando o político que contrata os demais funcionários a ser demissível de forma simples, rápida e direta por quem o colocou onde está, serão demissíveis todos os funcionários que ele contrata porque demitir quem não entregar o que é pago para entregar passará a ser a condição para que ele próprio entregue o que tem de entregar e, assim, não seja, ele mesmo, demitido.

É, digamos assim, uma cadeia de “sentimentos”…

Isso é claro como a luz do sol. Mas enquanto os jornalistas forem os zelosos porteiros desse tabu, seja porque tiveram a cabeça feita para isso, seja porque são casados ou têm filhos, pais, irmãos e etc. que recebem do Estado sem entregar, o Brasil não terá nenhuma esperança de cura.

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§ 17 Respostas para A força do tabu

  • Fernão. Vc acertou. Eu assisti um pouco e desisti. Perguntas tolas parecendo treinadas com o próprio. O programa é inegavelmente muito bom, e as vezes dá nisso. Demissão é uma palavra que pra essa gente nada representa e por isso a qualidade do serviço é ruim. Parece que nascem com a vocação ou algo equivalente em trabalhar só pro Estado, acomodando-se, sem riscos pela eficiência e assim esperam e conseguem as melhores aposentadorias. È no mínimo uma indecência e nada se faz por falta de coragem.

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  • Edson Galindo disse:

    Prezado Fernão, você como integrante do Conselho de Administração do Estadão (do qual sou assinante há décadas), além dos seus artigos, bastante contundentes aliás, não tem como influir para que, pelo menos, o Estadão adentre por esta linha editorial? Abrir a caixa-preta, de forma clara, didática e constante, do custo do funcionalismo público seria um passo enorme; talvez, outros jornais de peso entrassem nessa guerra que é a maior e mais fundamental luta a ser enfrentada pelo povo brasileiro.
    Enquanto ser político no Brasil for o melhor negócio do mundo e ser funcionário público for o melhor emprego do Brasil, continuaremos na mesma.

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    • fernaslm disse:

      sou um sócio minoritario que briga publicamente para que isso aconteça no espaço que tenho: a pagina 2…

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      • Edson Galindo disse:

        Eu sei e acho que seus artigos são de grande contribuição, não me leve a mal … É que a sensação de impotência diante do quadro político e econômico … Penso nos meus filhos e netos e não vejo luz no fim do túnel.

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      • flm disse:

        …e para deixa registrado para a historia que nao fiz parte do crime de lesa-pátria da imprensa brasileira nem por ação, nem por omissão

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  • Solução existe e não é complicada, é até fácil. Basta a classe empresarial fechar as portas, não recolher mais impostos, manter seus trabalhadores de braços cruzados em frente as empresas, e não voltar atrás enquanto um novo Contrato Social não for debatido.
    Estão todos indo a falência mesmo, façam ou não o que sugiro; mesmo assim não mexem um dedo.
    Quem financia as campanhas dos políticos ? Pois é. Corta essa linha de crédito também. Garanto que em 24 horas aqueles inúteis começam um esforço concentrado, trabalhando até sábado e domingo para mudar as Leis.
    Mas por que essa sugestão não é colocada em prática ? Simplesmente porque os representantes das classes empresariais, aqueles que dominam as Associações à nível municipal, as Federações à nível estadual e as Confederações à nível nacional, fazem parte do grupo que vive às custas do Tesouro Nacional, Estadual e Municipal. São sócios no assalto aos cofres públicos. Com raríssimas exceções, cada vez mais raras.

    Outra solução é a Intervenção Constitucional, Artº 142 da Constituição Cidadã do “conciliador” Ulisses Guimarães. Aí já é outra história.
    http://capitalismo-social.blogspot.com.br/2016/05/ponte-para-o-nada.html

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  • jeanmorgado disse:

    a maquina estatal e os 3 podres poderes estão falindo o pais… mas como voce disse, TODOS tem um cargo publico ou um parente que tem e enquanto um engenheiro que pagou INSS por 40 anos nao recebe nem 3.000 reais de aposentadoria, os funcionarios publicos e politicos , os da CEF, BB etc recebem salarios vitalicios corrigidos e alguns 3 aposentadorias. Não é dificil achar pessoas que ganham 18, 25, 35 mil de aposentadoria , isso sem mencionar os politicos e os do judiciario……..,

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  • O estado só poderá ser respeitado quando suas posições forem intercambiáveis com a sociedade civil. Enquanto se mantiver como uma oligarquia irremovível, o ceticismo imperará, e as correntes niilistas continuarão atormentando o mundo universitário com as soluções elucubrantes do igualitarismo de fachada, da justiça social de carochinha. Todas as tragédias dos últimos cento e poucos anos passaram pelo “desejo do bem” atrelado a ideais utópicos proclamado por lideranças cheias de altruísmo e de exemplos edificantes de justiça. Mas não surgiu um único reformador pragmatista que seja capaz de encarar a realidade tal qual é. E não adianta haver uma franja asiática que mudou completamente o perfil de seus países em três décadas de trabalho duro: o Brasil continua completamente insensível ao que se passa por lá. Prefere olhar em outra direção e continuar vítima de seu próprio impaludismo mental.

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  • Ben disse:

    A péssima relação custo/benefício dos gastos do governo está levando à estagnação econômica do país. O setor de transportes é um bom exemplo disso. Estradas antiquadas de péssima qualidade e custos portuários extorsivos estão inviabilizando a agropecuária. No sul não compensa mais criar porcos e galinhas devido ao alto custo de transporte de milho vindo do norte do país. Depois de ter acabado com o setor industrial, o resto da economia produtiva virá a reboque. E os governantes nem ao menos se esforçam para diminuir a carga tributária extorsiva e os entraves burocráticos que desanimam até o mais otimista dos empreendedores.

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  • J Moraes disse:

    Ricardo Paes Barros, conhecido como PB, é um dos raros pensadores com raciocínio lúcido, conhecedor e crítico de políticas públicas e que tem repetidamente, mostrado que o investimento público não é transparente para a sociedade, que há muitos recursos empregados sem eficácia, que se investe em programas sem que estes atinjam objetivos, que em geral tudo custa muito e rende pouco, que quem decide não tem a ver com quem precisa nem com quem é capaz de avaliar tecnicamente, e por aí vai. Suas respostas foram coerentes com sua expertise e suas opiniões ao longo dos anos. Talvez eu tenha apreciado o programa é achado positivo o saldo geral por que conheço as teses e o trabalho do PB. Se gente como ele, o Mansueto Almeida, o Fábio Gambiagi fossem eleitos deputados federais, nosso congresso e nossas políticas públicas teriam outro nível de debate.

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  • Mara disse:

    Sinto muito pensar o que eu pensei, mas, pela Democracia será difícil desmontar essa teia de Direitos adquiridos.

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  • Fernando Leal disse:

    Pois é Fernão, não tem jeito mesmo só uma guerra civil nos salvará e o separatismo como consequência. Quem conseguir ver outra solução está simplesmente vivendo uma quimera.

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  • Felipe Penha disse:

    Também não perco o jornal da cultura nem o roda vida de segundas-feiras .Sempre muito equilibrados e coerentes os comentários da ” Vespeiro ” rsrs .

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  • Silvia Carneiro disse:

    Certa vez trabalhei como assessora de imprensa num setor do Ministério da Fazenda. Salarião. Meio período. Carteirinha oficial que nunca usei para entrar de graça em shows. Fiquei poucos meses. Vi por dentro um funcionalismo público pavoroso. Vi uma pessoa (no caso, meu chefe) que assumiu o cargo disposto a mudar as coisas para o bem ser destruída pelo esquema da ‘caixinha’ – de bombons sobre notas. Queria auditoria, denúncias, punições. Acabaram com ele. Inverteram o jogo de tal forma que terminou exonerado como corrupto.A mulher pediu divórcio, perdeu a família, a honra… Restou-lhe ao menos a vida. Meritocracia. Demissões. Um sonho possível? Tomara!

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  • Gaudério disse:

    É isso Fernão. Na mosca novamente! Também vi o programa e observei o mesmo tabu. Tanto que não consegui ir até o final. Vejo todo mês nos grandes jornais e Tv’s reportagens dos concursos públicos ocupando grandes espaços, uma rede de cursinhos especiais para os mesmos, gente que fica 5 anos em casa sem trabalhar até passar num concurso, é óbvio que esses empregos são os melhores do país (pelo menos prá quem não confia no seu taco para a inciativa privada). A disparidade é enorme e começou lá em 1988 com a CF, que também é outro tabu e fica todo mundo chamando de constituição cidadã. Acabaram formando 11 milhões de cidadãos mais cidadãos que os outros.
    Abraço

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  • Segunda feira é dia do Serra no Roda Viva. Vale a pena assistir sobre uma nova política externa voltada aos interesses do país e não de ideologia bolivariana, comandada de fato pelo cubanófilo Marco Aurélio-toptop- Garcia. O “humanista” que desprezou os 199 mortos no acidente da TAM em Congonhas.

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