Criminalidade e democracia
31 de outubro de 2017 § 10 Comentários
Em todos os tempos e todos os lugares essa gente do poder voa quando o povo lhe dá asas.
O que leva o ser humano ao crime é uma questão controvertida mas a da segurança pública é bem mais objetiva. Nós com 29,5, eles com 4,2 assassinatos por 100 mil habitantes apesar de todas aquelas armas, as idas e vindas dos Estados Unidos no tratamento desse problema podem ter algum valor didático.
Na esteira da luta pelos direitos civis nos anos 50 e 60 a Suprema Corte, refletindo a “narrativa” política dominante na época, aprovou medidas para reforçar os direitos dos condenados. Sendo o crime “consequência da má distribuição de renda” e a política penal “enviesada por preconceitos de classe e raça”, era hora do sistema voltar-se precipuamente para a reabilitação das “vítimas da sociedade”.
A nova orientação resultou num declínio acentuado da população carcerária mas a partir do meio da década as taxas de crimes violentos (inclui mais que assassinatos) começaram a subir. Foram de 200,2 por 100 mil em 1965 para 363,5 no fim da década e 487,8 por 100 mil em 1975.
O movimento pelos direitos das vítimas do crime decolou junto com o de libertação feminina que denunciava as cortes por culpar as vítimas nos crimes de estupro. Mas muito mais gente sentiu-se embarcada nessa inversão. Surgiam associações por todos os lados exigindo o fim do prende-e-solta do Judiciário. Os “Pais de Crianças Assassinadas”, as “Mães Contra a Direção Alcoolizada”, a “Organização Nacional de Assistência às Vitimas do Crime” (NOVA)…
No mesmo 1975, Robert Martinson, do New York City Colege, publicou a primeira pesquisa nacional séria de resultados de programas de reabilitação. Eram praticamente nulos. Os fatos diziam que era impossível prever racionalmente a periculosidade futura de alguém pelo seu comportamento na prisão e que a reincidência era praticamente a norma para os criminosos violentos que tinham tido penas encurtadas. Àquela altura, com todos os mecanismos de redução e de “penas alternativas” os codenados estavam cumprindo apenas 37% de suas sentenças na média nacional. O movimento focou, então, no conceito de “Veracidade das Sentenças”. Tanto para dar satisfação às vítimas quanto para desincentivar o crime, dizia-se, era necessário deter o prende-e-solta e o faz-de-conta do Judiciário e fazer com que as sentenças expressassem as penas que de fato seriam cumpridas.
Mas a execução foi mais dificil que a formulação da ideia. A discussão arrastava-se ainda quando em 1981, com Reagan presidente, os instrumentos de democracia semi-direta que andavam meio esquecidos voltaram triunfalmente à cena com a revolta nacional contra impostos iniciada pela Proposition nº 13 (dê um google que o caso é ótimo), uma lei de iniciativa popular contra um aumento abusivo do imposto sobre propriedade (IPTU) na Califórnia. Rapidamente o exemplo migrou para a área da segurança publica. Em 1982 os eleitores da Califórnia aprovaram, com a Proposition nº 8, uma “Carta dos Direitos das Vítimas do Crime”. Ela começava por afirmar oficialmente que “a prisão serve para punir os criminosos”. Alem de baixar a idade para tratar como adultos os criminosos juvenis violentos, ela estabelecia o conceito “Tres Crimes e Você está Fora” (“Three Strikes and You’re Out”) dobrando a pena para o segundo e dando prisão perpétua a quem cometesse o terceiro. Na sequência, 21 estados passaram leis populares impondo sentenças mínimas e critérios rígidos para a progressão de penas. “Comitês de sentença” independentes e instâncias de recurso contra reduções determinadas por juizes foram tentados. E a população carcerária começou a aumentar.
Com a “Epidemia do Crack”, que lá ocorreu nos anos 80, a situação tornou-se explosiva. Antigos hospitais, quarteis e depósitos foram transformados em presidios às pressas. Estados como Michigan e Iowa passaram problemas tão graves que acabaram por criar mecanismos de “progressão de pena de emergência” libertando prisioneiros escala de crimes acima toda vez que os niveis máximos de lotação dos presídios eram ultrapassados.
O movimento de refluxo teve início com a diferenciação entre traficantes e usuários e o estabelecimento de penas alternativas só para estes. Passo a passo, anos 80 afora, a nova tendência – “a segurança da sociedade vem em primeiro lugar e a conveniência do infrator deve estar subordinada a ela” – se foi firmando com as penas de reclusão aumentando para crimes violentos e as alternativas se generalizando preferencialmente para crimes contra a propriedade.
Reconhecendo que o pêndulo tinha ido longe demais na volta do excesso de leniência, os californianos, em reformas sucessivas, também acabariam por revogar definitivamente a regra dos tres crimes em 1996. Mas com as experiências acumuladas o país chegou, em 1994, ao Violent Crime Control and Law Enforcement Act , assinado por Joe Biden, que recomendava 60 reformas incorporando o conceito de “Veracidade das Sentenças”, criando restrições mais bem definidas para a progressão de penas, institucionalizando os comites de condicional para substituir a solitária discreção do juiz nessa tarefa, criando um fundo nacional para a construção de prisões e contratação de policiais, definindo crimes de ódio e dando outras providências.
As reformas nos estados e nos municípios prosseguiram, então, a partir de um novo patamar mais claro e seguro para todos pois o sentido do sistema de democracia semi-direta é imitar a condição humana de mobilidade e ajuste permanente. O que ele tem de melhor é a força para trazer de volta à Terra as autoridades que o poder sem limites põe voando na estratosfera e obrigá-las a atacar os problemas que afligem a população pela vertente que lhes for indicada por ela. O resto acontece por ensaio e erro como é adequado à nossa espécie que, para além de estar sempre mais propensa ao erro que ao acerto, vive num ambiente tão dinâmico que cada “solução” é sempre apenas o início do próximo problema.
Democracia é isso…
15 de janeiro de 2015 § 7 Comentários
Entre o “país sem miséria” de ha quatro anos e esta nova “pátria educadora” com 7 bi a menos para o Ministério da Educação que vem vindo por aí, além da derrama do Joaquim Levy que ainda nem começou, o que mudou foi que antes, por cima do que pagávamos para ter o governo mais caro do mundo, tínhamos de prover “por fora” só a saúde, a educação e a segurança públicas que eles enfiavam nas contas deles na Suiça e agora quem quiser ter luz elétrica e água encanada também vai ter de furar o seu próprio poço artesiano e comprar o seu próprio gerador.
Estamos de volta ao modelo autárquico dos três primeiros séculos da colonização, com a diferença de que, agora, não existe mais a Casa Grande; tá todo mundo na senzala.
E se o brasileiro se acostumar com a paz?
10 de março de 2014 § 2 Comentários
Hoje no café comentei com minha mulher a estatística que a Globo mostrava no jornal da manhã sobre a relação crime x castigo cuja existência ela passou os últimos 20 anos negando.
Com uma Copa do Mundo e uma Olimpíada na agulha, bilhões de dólares investidos nessa parada e “os ingleses” de olho no fogo cruzado dentro do qual o “brasileiro foda-se” vive, recrudescendo agora que os traficantes estão perdendo o medo das UPPs, algo parece ter mudado lá em Jacarepaguá.
Até enterro de policial tratado como herói com pais e filhos que choram por eles foi mostrado no horário nobre na semana passada, coisa que eu, com seis décadas de acompanhamento cerrado do jornalismo que se pratica neste país, só tinha visto em seriado americano.
A estatística referida mostrava simplesmente que em todos os 38 pontos da “Cidade Maravilhosa” em que a polícia ocupou o território que o “socialismo moreno” de Leonel Brizola tinha entregue há mais de 30 anos ao crime organizado, o número de assassinatos caiu pelo menos à metade.
Geraldo Alkmin fez melhor. Reduziu em 80% a criminalidade em São Paulo, um recorde mundial. Mas os paulistanos e o resto dos brasileiros só ficaram sabendo disso mais de três anos depois de obtida a marca, quando o feito foi comemorado numa sessão solene da ONU perto do final do ano passado. Até então não apenas a Globo como o resto da imprensa brasileira, a paulista inclusive, sonegou sistematicamente essa informação que “inglês ainda não tinha visto” ao eleitorado brasileiro que, nesse meio tempo, foi bombardeado não só com milhares de entrevistas com “especialistas” para dizer que São Paulo é uma espécie de “campo de concentração”, de tanto prisioneiro que tem, e que tirar bandidos das ruas não adianta nada, é coisa de troglodita ideológico.
Entre um e outro desses honestos debates sempre sobrava uma brecha, aliás, para dizer que quem tem razão é a Globo: o certo é deixar os trabalhadores do crime em paz e desarmar a população que obedece à lei pra tornar o meio de vida deles mais seguro. Até na página de editoriais do Estadão eu li esse raciocínio tão límpida e translucidamente torto, capenga e incompatível com os fatos repetido com poucas nuances e disfarces uma meia dúzia de vezes.
Enfim, nada prova mais indiscutivelmente o trabalho deletério da imprensa brasileira nesse e em outros campos protegidos pelo xamanismo ideológico que ainda domina nossas universidades e redações que o fato de Leonel Brizola ser, até hoje, um fator de emulação de votos insistentemente disputado nas campanhas “gratuitas” que as organizações mafiosas/partidos políticos que ele chefiou no passado nos enfiam goela abaixo em plena cidade que, quase 10 anos após a sua morte, continua imersa no pesadelo de sangue em que ele a mergulhou.
Mas a esperança é sempre a última que morre. Um dia o fogo que eles próprios ateiam chega à bunda dos incendiários e até eles são obrigados a pular da janela. De modo que, pelo menos até todos os patrocínios entrarem no caixa e a “inglesada” ir embora, há esperanças reais da gente ver bandido ser tratado como bandido e mocinho como mocinho até nas Organizações Globo, o que pode contaminar outras redações pavlovianas espalhadas pelo país.
Quem sabe, até, com alguma sorte, dar aos bois os seus verdadeiros nomes por tanto tempo venha a produzir o efeito que isso sempre produz na coragem dos políticos de tratar os problemas com um mínimo de lucidez, levando-os a acabar com a tapeação judiciária que desfaz o trabalho que a polícia faz, o que poderia facilmente redundar no brasileiro se acostumar com a paz e começar a exigir o seu direito de andar na rua em ser trucidado como um nada com a mesma inegociável veemência com que esse direito é exigido no resto do mundo.
País rico é país de falsos problemas
22 de janeiro de 2014 § 5 Comentários
O Brasil é o paraíso deles. Não resolve nenhum dos verdadeiros quase sempre porque não dá tempo de discuti-los no meio do infindável blá-blá-blá em torno dos falsos.
Veja os “rolezinhos”.
Se o “rolezeiro” é preto, branco, japonês ou índio, pobre ou rico, é um falso problema. Encher shopping center de gente então, mais ainda.
Eu aposto o meu braço direito que a maioria dos jornalistas, sociólogos, “especialistas” e “movimentos sociais” que transformaram essa discussão nisso estariam pedindo pra polícia dar porrada se os “rolezinhos” estivessem sendo organizados, “só pra zoar”, por playboys endinheirados dos jardins.
Os lojistas, então, estes rezam todos os dias pra ver os shoppings lotados. Mas “rolezinho” não é isso.
“Rolezinho” é uma turba, convocada como turba para agir como turba, constrangendo e intimidando os outros com correria, com gritaria e, se deixar, até com saque às lojas.
Têm de ser coibidos pelo fato simples de que a liberdade de cada um acaba onde começa a do próximo.
É só olhar para o problema por esse lado que ele fica simplérrimo de resolver.
Se continuar sendo tratado como o que não é, veremos nascer mais uma indústria neste “país rico“: a da ocupação de shoppings e, se derem mais tempo, a da “desapropriação” do recheio das lojas por um futuro MSN, um movimento dos sem nada de araque como todos os similares.
A “questão” do Sistema Prisional é outro.
A cada vez que a coisa explode a gente vê as mesmas velhas figuras de sempre dizendo que prender não é a solução, a solução é soltar, etc., etc. e tal.
Soltar quem, cara-pálida? Assassino? Estuprador de criança? Ou a metade que nunca foi condenada ou já cumpriu a pena inteira mas continua lá?
Sobre essa parte ninguém discorda.
Só que os juristas e advogados que vivem gritando contra prender – assim, genérica, ampla e irrestritamente como se não tivessem filhos, não tivessem mães, não tivessem cu – nunca lembram que é o sindicato deles, essa mesma OAB que já teve seus dias de glória, que proíbe a advocacia de graça (é isso mesmo que você leu: proibiu, pôs fora da lei a advocacia “pro bono”) que podia resolver essa metade do problema que torna a outra metade insolúvel já que, na base de tudo, está a superlotação. Não abrem mão do seu rico dinheirinho. Querem que o Estado os pague pra isso, mesmo cientes de que tudo que cai nas mãos do Estado vira o que vira.
Nunca lembram de mencionar, também, os seus inalienáveis “direitos adquiridos” que são a causa de tudo isso porque, essencialmente, o problema das prisões no Brasil tem a mesma raiz de quase todos os outros: falta de democracia.
Nossas prisões são como são ha 500 anos porque ha 500 anos há uma lei pra bacana, pra politico e pra funcionário publico e outra pro resto; uma prisão especial pra eles e as que a gente conhece pro resto.
O único jeito de arrumar isso é, primeiro, ter uma lei só valendo pra todo mundo; segundo, garantir que todo mundo que mijar fora do pinico vai preso e, terceiro, deixar claro que todo mundo que for preso vai preso na mesma prisão.
Se politico ladrão, ladrão rico e advogado criminoso fosse preso, e fosse preso na mesma prisão de todo mundo você ia ver eles arrumarem o sistema prisional inteiro num zás-tras, como que por milagre.
Mas enquanto houver dois Brasis, o dos que mandam e fazem leis mas não vão presos e o dos que obedecem e vão, dane-se o deles.
É assim que é.
Continua virando zona!
1 de novembro de 2013 § Deixe um comentário
Hoje foi dia de voltar aos assuntos.
No Brasil, o país que não aprende com a experiência, é sempre dia de voltar ao assunto.
Vamos lá.
O cagaço da “patrulha” é tamanho que até pra não fazer rigorosamente nada contra os vândalos que se auto intitulam “manifestantes” e mantém as duas maiores cidades do país em regime de curto-circuito há cinco meses foi preciso juntar um ministro da Justiça do PT, um secretário de segurança pública do PSDB e um secretário de segurança publica do PMDB com um pé no PTB.
É o país das palavras mágicas. O sujeito se declara “negro” e entra na faculdade na frente de todo mundo, ainda que tenha olhos azuis. O sujeito se declara “manifestante” e a esquerda inteira ajoelha aos pés dele mesmo que ele ande mascarado e assalte lojas diante das câmeras da televisão.
Problemas? Basta declara-los extintos na Constituição…
E os eleitores? A opinião pública?
E quem é que liga pra isso na “democracia” brasileira? O Datafolha mostrou que 95% dos paulistanos querem os vândalos onde eles merecem estar.
E daí?!
100% dos brasileiros querem, ha trocentos anos, que os assassinos, menores ou maiores de idade, os ladrões do dinheiro público e o resto da alcateia que anda à solta por aí sejam postos onde merecem estar e ninguém está nem aí.
Agora diz que vão botar “a inteligência” para “monitorar” os black blocs da vida. A mesma coisa que eles fazem com os chefões do PCC. Sabe pra que serve? Pra eles ficarem sabendo antes quem eles mandaram trucidar e continuarem não fazendo nada a respeito.
Não, não me venham com fatos! Nossa legislação “é a mais avançada do mundo“.
Na mesma reunião seleta de responsáveis pela gloriosa segurança pública sob a qual vivemos discutiram-se os números do Rio de Janeiro que mostram que pondo polícia em cima a criminalidade despenca e corre pra onde a polícia não está, onde a criminalidade explode.
Causa e efeito. Efeito e causa. Indiscutível! Cristalino!
E daí?
Vamos de bolsa família e impunidade que país rico é país sem miséria, ainda que siga analfabeto, e país sem miséria é que é país sem crime.
Tem jeito não, gente! Limpar as ruas é o mais fácil e nem isso eles fazem. Muito mais difícil, depois que a esquerda desonesta se convencer que é isso, vai ser fazer o Judiciário manter fora delas quem a polícia tira das ruas.
Zona é pouco! Amém Jesus!
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