Como é a seleção de juízes nos EUA

21 de janeiro de 2015 § 41 Comentários

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Você também acredita que deus é brasileiro? Está rezando pra ele mandar os “paus-mandantes” do “petrolão” pra cadeia por 100 anos como eles merecem, apesar dessa decisão estar exclusivamente nas mãos do STF do PT e sob a batuta do ministro Teori Zavaski?

Pois os americanos, que têm muito mais motivos que nós para achar que deus é ianque, não se acomodam com a expectativa de “milagres“.

Desde 1934, começando pela Califórnia que é por onde tudo sempre começa por lá, todo e qualquer juiz de direito até a instância estadual é submetido periodicamente a um “voto de retenção” por parte de sua majestade o zé povinho, que é quem realmente manda nas coisas naquele país cuja mera existência, não por acaso, tanto incomoda os excelsos e intocáveis “donos do poder” do segundo mundo para baixo.

Esse “voto de retenção”, que em 1937 passa a ser endossado pela American Bar Association, a OAB de lá, e é adotado quase no país inteiro, é uma das alternativas que existem para variações nos sistemas de nomeação e desnomeação de juízes que existem por lá e incluem até a eleição direta de juízes em vários estados e municípios do país.

aa00Trata-se de um referendo periódico que ocorre junto com as eleições para cargos majoritários, onde aparecem nas cédulas os nomes dos juízes ligados àquela circunscrição eleitoral, com a pergunta: “Ele continua no cargo: sim ou não”?

Não é só com juízes. Eles elegem e deselegem diretamente e a qualquer momento 9 de cada 10 dos seus funcionários públicos.

Quando a onda chegou aos juízes, lá na Califórnia, eles eram escolhidos pelo governador e ponto final. Hoje há estados onde isso continua assim, só que agora podendo ser destituidos diretamente pelo povo, e estados onde eles são eleitos juízes diretamente pelo povo.

Em 1940, o estado de Missouri, em meio a escândalos envolvendo juíze e políticos, acrescentou à fórmula californiana o que ficou conhecido como o Missouri Plan pelo qual o governador não escolhia mais livremente os seus juizes. Constituia-se uma comissão paritária composta de membros do judiciário e cidadãos comuns (normalmente 3 a 3), encarregada de receber e filtrar os nomes dos candidatos a juíz e enviar apenas alguns para que o governador escolhesse entre eles. Mas mesmo estes teriam, a partir da nomeação, de passar por “uma avaliação periódica de mérito” a cargo do eleitorado, por meio do “voto de retenção”.

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A partir dai a essência dos sistemas de entrada e de saída estava definida. Hoje reproduz-se país afora, com variações. Eis alguns fatos e números:

  • Em 38 estados os juízes das cortes estaduais supremas estão sujeitos a algum tipo de eleição.
  • Em 7 destes, os juízes são eleitos nas chapas dos partidos e, a partir daí, passam por “votos de retenção” periódicos, sem concorrer com ninguém. É só o “fica” ou “sai”.
  • Em outros 14 os juízes são eleitos de forma independente, sem revelar sua preferência partidária, embora os partidos possam ou não endossá-los.
  • Dezessete estados adotam só o “voto de retenção” periódico para juízes previamente nomeados. Alguns destes usam a variante de nomear o juiz por um período, sendo que para ganhar outro período passam por esse referendo.
  • Doze estados nomeiam os juízes de suas cortes mais altas por toda a vida (ou até os 70 anos) ou usam alguma fórmula de confirmação indireta desses juizes vitalícios periodicamente.
  • Para as demais cortes de instâncias mais baixas os esquemas de nomeação e desnomeação são semelhantes, embora o povo de cada município possa definir o seu da maneira que bem entender.

aa10Ha múltiplas regras de financiamento de campanhas para juiz para tentar limitar ao máximo os gastos e, assim, a “influência do poder econômico” sobre a justiça. Mas nenhuma resolve inteiramente o problema. No extremo, a própria Suprema Corte acaba sendo acionada com base na 1º Emenda da Constituição que proibe o Congresso de infringir seis direitos fundamentais, entre eles o de expressão, onde os candidatos reivindicam o mesmo direito que qualquer candidato a qualquer outro cargo tem de se expressar e arranjar seus canais para faze-lo.

Com isso, os custos de eleições diretas para juízes têm aumentado e alimentado a artilharia dos “contra”, que argumentam que isso acaba por submeter os juízes ao poder econômico, ao que os “a favor” retrucam que submetido ao poder econômico todo mundo está, seja juiz eleito ou nomeado por políticos, mas que eles se sentem bem mais seguros podendo nomear e desnomear eles próprios o seu juiz sujeito ao poder econômico quando ele agir como um vendido.

A briga é boa…

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Para os juízes federais a história é a seguinte. Desde a fundação do país os senadores e outros político do partido no governo decidiam ao seu bel prazer quem seria nomeado juiz das cortes federais. O resultado, guardadas as proporções, foi parecido com o que conhecemos por aqui. Em 1974, na Flórida, isso começou a mudar. Aquele estado foi o primeiro a tirar o poder antes exclusivo dos seus senadores e constituir uma comissão independente do governo e dos partidos para recrutar e nomear os juízes das suas cortes federais. Por dois anos a Flórida esteve sozinha nesse método. Mas entre 1976 e 1979, debaixo de uma campanha nacional por reformas no Judiciário iniciada na esteira do escândalo Watergate, outros 30 estados criaram comissões permanentes independentes para a mesma função.

Hoje comissões independentes escolhem listas prévias de candidatos tanto para os juízes estaduais, entregues para seleção final aos govenadores, quanto para os juízes federais, entregues ao Senado que, dessas listas, faz um corte adicional para submeter uma lista menor para nomeação pelo Presidente da República. Feito isso, o nomeado volta para o Senado para a sabatina final de aprovação.

Esses juízes, é claro, vêm quase sempre do filtro prévio diretamente a cargo do povo nas eleições ou reconfirmações no cargo pelos “votos de retenção” das instâncias inferiores.

aa13A Corte Suprema continua do mesmo jeito que foi desenhada em 1789, tendo passado, desde então, apenas por alguma variação no numero de membros. Hoje eles são o Juiz Supremo da Nação e mais oito juizes com as indicações a cargo do Presidente da Republica e sujeitos a reconfirmação pelo Senado. O cargo é vitalício, sem limite de idade, o que torna bem mais difícil calcular o seu “aparelhamento” partidário, mesmo havendo só dois grandes partidos.

Existem, portanto, muito mais soluções prontas, testadas e aprovadas pelo uso, para os problemas com os quais nos debatemos às cegas até hoje, do que o jornal que você lê e a televisão que você assiste querem que você conheça.

Cruzada com outras armas recorrentemente mencionadas e dissecadas aqui no Vespeiro tais como o voto distrital com recall (aqui), poderosíssimo desinfetante dos poderes Executivo e Legislativo, ou o Performance Bond (aqui), poderosíssimo agente supressor do habitat para a praga da corrupção que, desde 1897 (isso mesmo, ha 118 anos), tira a execução das obras públicas das mãos dos governos que as licitam, nos EUA, e as põe na de seguradoras que são remuneradas pelo que conseguirem economizar sobre o preço tratado, evitando que políticos e empreiteiros fiquem sozinhos no escurinho do cinema; cruzada com essas outras armas de defesa pessoal do povo, dizia, esses óbvios recursos de filtragem também do Poder Judiciário hoje adotados por metade do mundo, da Ásia às Américas, da Groenlândia à Nova Zelândia, permitem aos habitantes do primeiro mundo recorrer às orações só mesmo para aquilo que não tem remédio terreno.

O resto eles resolvem trabalhando sem que ninguém neste mundo tenha poder para vir encher-lhes o saco enquanto estão se dedicando a isso.

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Para enquadrar o Judiciário

29 de setembro de 2011 § 3 Comentários

É coisa doída de se dizer mas é verdade: as instituições brasileiras representam, sim, o povo brasileiro. E só vão, nas suas distorções e malformações, até onde ele permitir que elas vão.

Sempre que é enfrentada a canalha recua.

Ontem ia a votação no Supremo Tribunal Federal, sob o patrocínio velado de alguns dos ministros encarregados de processá-la, a Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelas máfias corporativas que representam o que há de pior no Judiciário que pretendia tirar os poderes do Conselho Nacional de Justiça de processar e punir juízes corruptos.

Na undécima hora, a imprensa finalmente se deu conta do que poderia representar para a democracia brasileira essa derrota e tomou a peito o dever de denunciar a manobra e, assim, permitir a articulação da resistência democrática que, tendo atravessado oito anos abafada dentro dos poderes Judiciário e Legislativo, andou tomando uma injeção de animo depois que, com a eleição de Dilma Rousseff, partiu-se o alinhamento automático com a bandidagem que caracterizou a Presidência da Republica na Era Lula.

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E foi quanto bastou para que a conspiração fosse barrada.

Não é uma vitória ainda posto que o “acordo” esboçado para deter a votação no STF muda as aparências mas não a essência da tentativa de reinstalar a impunidade ampla, geral e irrestrita que protegeu os juízes corruptos até 2005, quando o Conselho Nacional de Justiça foi enfiado na Constituição por emenda, justamente para deter o descalabro que ameaçava desmoralizar de vez a Justiça brasileira.

O que se propõe é “estabelecer um prazo” para que as corregedorias de cada tribunal processem as queixas contra juízes corruptos e outros desmandos em seus terreiros particulares e, “somente se não houver punição nenhuma nesse prazo“, dar ao CNJ a prerrogativa de tomar a si o julgamento do caso.

Essa “punição nenhuma“, porém, pode desaparecer se, por exemplo, essas corregedorias viciadas aplicarem as punições mínimas aos crimes máximos dos seus juízes apenas para não permitir a entrada em cena da única instituição que vem dando provas repetidas de uma real disposição de limpar aquele poder dos “bandidos de toga” cuja presença a atual titular do CNJ, Eliana Calmon, denuncia e todos e cada um dos brasileiros sabem que se escondem nos nossos tribunais.

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Ontem ainda, o país inteiro assistiu à figura patibular do tenente-coronel PM Claudio Luiz Silva de Oliveira, acusado de ser o mandante do massacre da juíza Patrícia Acioli – aquela que ousava prender policiais criminosos – declarando que “acredita na Justiça” e está certo de escapar impune do seu hediondo crime.

Excluído o ministro Cezar Peluso e a escória semi-sindical que se abriga sob a sigla da Associação dos Magistrados Brasileiros, ele é, no momento, o único brasileiro que “acredita na Justiça”. Todos os demais acreditam, sim, na necessidade de seguir muito adiante com a faxina que o CNJ está começando a empreender para que possamos sonhar com uma Justiça sem aspas um dia.

Ha um paralelo importante entre esses dois casos.

Sob o governador Geraldo Alkmin a quem, com todas as outras culpas e defeitos que possa ter, não se pode negar esse mérito, São Paulo viu os números da criminalidade reduzirem-se em mais de 80% em poucos anos, o que é um fato, apesar da imprensa, muito desonestamente, se negar a mencioná-lo sempre que o assunto criminalidade vem à baila.

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Isso não foi consequência do recolhimento de armas legalmente registradas de cidadãos honestos nem de qualquer outro dos fetiches que a televisão e os jornais costumam chacoalhar sobre a cabeça do distinto publico sempre que um crime bárbaro vem lembrá-lo de que ele não passa de um alvo móvel, mas apenas e tão somente da rigorosa faxina que ele empreendeu nos quadros da polícia paulista.

Primeiro estabeleceu-se um rito sumário para os processos administrativos contra policiais corruptos. Logo em seguida, o governo de São Paulo criou a sua própria versão de CNJ ao dar diretamente ao seu Secretário de Segurança a prerrogativa de fazer a corregedoria de todas as suas polícias em vez de deixá-las nas mãos dos próprios fiscalizados como continua acontecendo no Rio onde o crime e a policia são cada vez mais indistinguiveis.

O efeito foi fulminante.

Agora, assim como os juízes que se querem intocáveis estão atirando contra o CNJ, os policias que têm saudades da intocabilidade em São Paulo estão atirando contra essa medida pedindo aos tribunais que os ajudem a devolver as corregedorias para os peixes sem dentes com que estavam acostumados a se enfrentar quando se comportavam como “bandidos de farda”, exatamente como querem fazer os “bandidos de toga” com essa ação que está agora no STF.

É preciso não afrouxar a pressão ou eles conseguirão o que querem.

A iniciativa “conciliatória” do ministro Gilmar Mendes de manter duas instâncias de corregedoria, sendo a única delas que é efetiva “subsidiária” da que não é, significa acabar, na prática, com as propriedades desinfetantes do CNJ.

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Muito mais eficaz é fazer o que propõem os senadores Demostenes Torres (DEM-GO), apoiado até pelo líder do PT, Humberto Costa (PE): emendar, se preciso for, a emenda constitucional que resultou no artigo 103-B da Constituição e criou o CNJ, de modo a que fiquem ainda mais claras as prerrogativas que esse conselho tem e deve continuar tendo de disciplinar o Judiciário.

Não ha, é claro, nenhuma duvida quanto ao propósito para o qual ele foi criado. Mas, como sempre, nossos juristas se aferram a vírgulas e artifícios semânticos para “interpretar” as leis em benefício próprio, arrogando-se o direito de desmanchar com um “me engana que eu gosto” aquilo que os representantes do povo fizeram passando por todas as votações com quóruns qualificados das duas casas do parlamento que uma emenda constitucional requer.

A correição rigorosa de todos os malfeitos da magistratura e da polícia, muito mais especialmente que todos os outros, são, por razões óbvias, um imperativo inegociável.

Enquanto só os criminosos “acreditarem na Justiça” para lhes garantir a impunidade não superaremos o estado selvagem. Trata-se, aqui, de plantar a pedra fundamental por cima da qual se ergue todo o edifício da democracia, que é a da igualdade de todos perante a lei.

No dia em que o Brasil experimentar, finalmente, essa delícia, nunca mais abrirá mão dela.

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