O silêncio dos culpados
21 de março de 2017 § 30 Comentários
Artigo para o Estado de S. Paulo de 21/3/2017
Esta quarta-feira, 15, foi daqueles dias em que os fatos se impuseram à “narrativa” do Brasil com uma contundência de doer. Capital por capital, cidadezinha por cidadezinha, giro após giro das TVs pelo país, a mesma cena: grupelhos de funcionários públicos estáveis no emprego, com aposentadorias integrais e aumentos de salário garantidos até 2020 barrando a passagem das multidões de desempregados, subempregados e empregados com empregos ameaçados (todos menos os públicos) e aposentadorias de fome (todas menos as públicas), que esperavam passivamente nas estações e engarrafamentos gigantes que os “donos do Brasil” em “greve geral” contra as reformas da previdência e trabalhista lhes concedessem a graça de seguir na luta pela sobrevivência.
Um retrato doloroso mas fiel da nossa realidade.
Esse Brasil órfão, sem voz, abandonado à própria sorte, impedido de trabalhar, está morrendo de overdose de funcionalismo, de supersalários e, mais especialmente, de acumulo de aposentadorias e superaposentadorias precoces. Pouco mais de 980 mil aposentados da União geram um déficit maior na previdência que o resto dos 32 milhões de aposentados do setor privado somados. Não se sabe a quanto os 26 estados e 5.570 municípios com seus respectivos executivos, legislativos e judiciários empurrarão essa conta (“sem contrapartidas”!), mas somente a folha da União vai subir este ano dos R$ 258 bilhões que custou em 2016 para R$ 283 bilhões. São quase 10% a mais e como o orçamento cresceu só 7%, isso significa que, no mesmo momento em que estão arrancando catéteres de quimioterapia das veias de doentes com câncer e abandonando-os para morrer no hospital publico de referência em oncologia do Rio de Janeiro por “falta de recursos” (imagine nos “grotões”!), mais e mais dinheiro dos impostos que esses doentes pagaram é desviado das atividades-fim para os bolsos dos eternamente imunes às crises que fabricam.
Se todos os moderadíssimos cortes de despesas propostos pudessem ser executados o governo Temer prometia aos miseráveis do Brasil que chegariam ao fim de 2017 com um acrescentamento à divida que o estado atira-lhes anualmente às costas de “apenas” R$ 140 bilhões por cima dos R$ 2,81 trilhões a que o total já chegou. Mas os últimos “direitos adquiridos” pela casta dos “grevistas” de quarta-feira vão custar mais que isso e o governo já está desistindo de buscar a diferença com reformas, mesmo as que mantêm intacta a escandalosa desigualdade que ha hoje nas contas da previdência. Novos impostos já estão prontos para ser disparados.
Esta passando da hora, portanto, de darmos uma “freada de arrumação”. As emoções da Lava Jato são vertiginosas e a delícia de ver ladrões de casaca perderem o sono uma vez na vida não tem preço. Mas esquecer o cérebro no meio do caminho é catastrófico. O primeiro ponto é manter em mente que corrupção não é mais que déficit de democracia. E democracia é controle do estado pelo povo e não o contrário. “O pior sistema que existe excluidos todos os outros” como dizia Winston Churchill. A rápida evolução dessa burrada do “financiamento público” de campanhas para o seu corolário obrigatório que é a “lista fechada” é mais uma prova disso. Cassa o seu direito ao voto. O outro ponto essencial é dar a cada coisa o seu devido peso. A Lava Jato é imprescindivel. Mas fingir que só ela basta para nos tirar da rota de desastre é nada menos que suicídio. Quanto é que se rouba do Brasil por fora da lei? Via Odebrecht, a rainha do nosso cupinzeiro, foram R$ 10 a 12 bilhões de reais em cerca de 10 anos, diz a polícia. Mas sejamos realisticamente generosos. Multipliquemos esse valor por 10, por 20 vezes. Se tudo parar rigorosamente onde já chegou; se nenhuma obra mais pagar “pedágio”, funcionário inútil for contratado ou “direito” novo for “adquirido”, estaremos todos mortos e enterrados, mais nossos filhos e netos, antes que o completo cessamento da roubalheira “por fora” zere a conta do que nos arrancam todo santo mês “por dentro” com a vasta coleção de leis que só valem para “eles”.
A discussão do que realmente decide o nosso destino, portanto, nem começou. Desde o apeamento do PT do poder só o que não depende do Brasil tem nos dado sobrevida: a saúde da economia americana, os soluços da China e das commodities, os capitais que se aventuram por juros maiores que zero. O governo Temer tem vivido de expedientes; só lhe foi dado mexer naquilo que é possível mexer sem mexer no que é preciso mexer para o Brasil voltar a respirar: repatriações de dinheiros fugidos, manipulações do câmbio e dos juros, “ajustes” de estatais arrombadas via incentivo à aposentadoria, raspagens de fundos de cofres tipo FGTS para lembrar aos moribundos como é estar vivo…
A mansa passividade das multidões detidas pelas barricadas da “greve geral” de quarta-feira estando em causa questão tão explosiva quanto é a aposentadoria em toda a parte do mundo dá, no entanto, a medida dos sacrifícios que esse Brasil enjeitado e sem voz estaria disposto a aceitar se lhe acenassem com a menor contrapartida. Mas a função de expor, de medir, de comparar o que falta aos miseráveis com o que obscenamente sobra à casta que se apropriou do estado não é do presidente da republica, muito menos de um acidental e periclitante como o nosso que sofre represálias cada vez que ousa mover o nariz na direção do quadrante de onde vem o mau cheiro. Essa função é SEMPRE da imprensa.
Se não houvesse nenhum sinal de que tudo está derretendo de podre no reino dessa nossa “dinamarca” lá de cima já seria inaceitável que ela não fosse fuçar esse departamento dia sim, dia não. Mas no estado de arrebentação em que vai um país onde os pilotos e aviões da força aérea nacional estão oficialmente reduzidos à condição de choferes de marajás, as “assessorias” são do tamanho de governos democráticos inteiros e os salários e mordomias do Poder Judiciário competem com os dos tubarões de Wall Street esse silêncio é indecente.
A agonia do Brasil
19 de agosto de 2016 § 20 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 19/8/2016
Sim, a festa está linda mas não é do Brasil, é só no Brasil. Quando acabar estaremos de volta àquele Rio de Janeiro de sempre com R$ 3 bi a menos de segurança pública por quinzena onde errar o caminho é morte certa.
Aquela abertura foi, sim, uma síntese, mas do nosso velho drama roteirizado. A mais moderna tecnologia emprestando cintilância à mais retrógrada e opaca das mensagens assinada, proverbialmente, pelos noveleiros da Globo ultra especializados nesse tipo de embalagem. Um gostinho para o mundo da anti-utopia que, desde os idos de 1936 é entoada diariamente como um mantra sagrado em todas as escolas e “meios de difusão de cultura da burguesia”: a quase centenária “recriação” stalinista das supostas “raízes” de um Brasil sem empreendedores, só com usurpadores de um lado e escravos do outro, que repudia a superação, sonha apenas com a “hegemonia” da favela.
Esse “Brasil” dos “intérpretes”, complacente com a derrota como provaram que não são cada um dos atletas verde-e-amarelos nas Olimpíadas disputadas na Vila construída pelos empreendedores “que não há”, é o único representado em Brasília. O que suava nas quadras e pistas em busca de glória e remissão pelo esforço individual não tem quem fale por ele na capital mundial do horror ao mérito que as Olimpíadas honram porque meritocracia pressupõe a morte do “Sistema” que vive da distribuição e venda de privilégios.
No Brasil Real onde a casta dos funcionários públicos vence sempre sem ter de competir e é contra a lei evitar o suicídio orçamentário haja o que houver, ha sangue na água e os predadores se assanham. Com a inflação comendo por baixo 9% do valor do trabalho ao fim de 8 trimestres consecutivos de queda da produção e mais de 100 mil brasileiros da 2a Classe se juntando à legião dos desempregados a cada 30 dias, os bancos comem soltos. O volume de crédito concedido caiu 4,4% mas a “receita com clientes” subiu 4,2%. A cada “renegociação” das dívidas de empreendedores a quem a única garantia dada pelo “governo de salvação nacional” é a de que nada na equação entre contribuintes e “contribuídos” vai mudar senão para pior, aumenta forte o “spread” entre juros pagos e juros cobrados. Os quatro maiores bancos “lucraram” R$ 31,7 bilhões no segundo trimestre, volume de drenagem que se vem somar aos R$ 67 bi recem chupados pela União para garantir que os seus funcionários permaneçam fora da crise que criaram e aos outros R$ 50 bi que vão custar a renegociação sem contrapartidas das dívidas dos estados. Na fila os governos municipais, só 42 dos quais, em quase 6 mil, têm folhas de pagamento menores que a própria arrecadação apesar do frenesi de multas com que caçam o povo pelas ruas e estradas de todo o país. Jogue-se por cima disso a tempestade de “ações trabalhistas” que o desemprego em massa precipita, montando, este ano, a algo em torno de R$ 70-80 bi e tem-se um retrato parcial do estupro coletivo que o país que trabalha vem sofrendo.
Bolsa subindo, dólar caindo? No mundo da “arbitragem de instituições” é assim: “Tá caro produzir aqui? A lei não garante? Empregar é expor-se à chantagem? Bora produzir em outro lugar”! E na contra-mão: “Tá fácil ganhar dinheiro no mole? É o juro mais alto do mundo? Vamos lá, enquanto durar!” Não tem nada a ver com a economia real. O Brasil que produz e cria empregos está sendo morto a chutes.
Nunca tantos foram tão estraçalhados por tão poucos. Como foi que isto se tornou possível?
“O Sistema” produz exatamente o resultado para o qual foi desenhado. Partindo da falsificação constitucionalmente imposta da base de toda a estrutura de representação da sociedade civil a partir dos sindicatos que dispensam simpatizantes porque são sustentados por impostos, o esquema criado por Getulio Vargas foi clonado, a partir de 1988, pelos partidos políticos. E isto fez da nossa tão propalada “democracia” uma farsa em que os “representantes” se podem dar impunemente o luxo de dispensar o endosso dos “representados” aos seus atos. Fechado em si mesmo, “O Sistema” tem la os seus mecanismos de processamento de lutas intestinas mas o respeito à hierarquia interna, uma vez estabelecida, é sagrado sob pena de “morte”, por condenação aberta quando possível, por chantagem e “assassinato de personagem” quando necessário. Desse momento em diante garantir “o seu” e o “dos seus” às custas dos “de fora”, tão certo quanto que o sol nascerá amanhã, é o que os unirá a todos, para além do falatório, nos momentos de decisão. O conjunto é absolutamente blindado contra qualquer interferência externa, sobretudo dos eleitores, tanto antes, no processo de seleção dos candidatos aos futuros “hubs” de distribuição de acesso a privilégios que são os cargos eletivos, prerrogativa exclusiva dos grandes caciques segundo critérios inconfessáveis porém explícitos, quanto depois do momento fugaz da eleição.
Esperar que o próprio “Sistema” atue contra si mesmo é, portanto, uma ilusão de noiva. Enquanto a imprensa ou pelo menos uma parte dela resistiu denunciando os avanços da casta que parasita a Nação e amplificando a voz dos que pagam a conta sobreviveram, ainda que aos trancos e barrancos, elementos de democracia nas instituições brasileiras. Depois que a ética corporativa substituiu a ética jornalística e a função institucional da imprensa, ultimo bastião dos desvalidos, cedeu lugar a uma conta de chegar na ordem das prioridades das empresas de comunicação, o caminho ficou livre.
Se a imprensa continuar a reboque da guerra de “acessos” aos dossiês com que as partes em disputa pelo controle do “Sistema” se alvejam umas às outras e seguir tratando a corrupção como causa e não como efeito da sujeição do país à ditadura de uma casta com direitos e deveres totalmente diferenciados dos do resto do povo, que ela, imprensa, esta dispensada de expor como o que de fato é, as atenções e as energias da Nação abusada seguirão dispersas e erráticas como estão hoje e não haverá meio de por um fim à opressão.
Abaixo essas instituições!
5 de agosto de 2016 § 29 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 5/8/2016
Morre-se sem hospital, o desemprego engata meio milhão por semestre, a quebradeira está só começando mas tudo que o “governo de salvação nacional” salvou foi o funcionalismo por mais quatro anos. “A condição para estabelecer um teto”, diz ele, é arrombar o teto que há. R$ 60 bi pros federais, R$ 50 bi pros estaduais, nada de contrapartidas. E ainda faltam os municipais. Como em Brasília todos os passarinhos são verdes e no Brasil quem elege é “a máquina”, não o eleitor, a dança de acasalamento é a única que se dança por lá. O país que coma bolos…
Ha algo de muito torto na lente com que o Brasil se vê. As reações não combinam com as ações. É preciso empurrar o pânico que grassa aqui fora pra dentro daquele mundinho sem pressa que fabrica as crises mas está dispensado de vivê-las. Nossa pauta política é estranhamente colonizada. Não discutimos nossos problemas, nossas urgências, nossas prioridades. Compramos as dos americanos, dos alemães, dos dinamarqueses, muito mais “modernas” e “progressistas”. Vivemos aos trambolhões mas só falamos dos mais refinados passos de balé. Não nos decidimos nunca a bater a água e a farinha do bolo mas temos tudo a dizer sobre as coberturas que ele poderia ter se existisse. Não temos a comida e a integridade física garantidas mas baixamos uma lei por minuto para prevenir que quem venha a sobreviver a esse nosso olímpico descaso para com o principal incorra no risco de pensar ou sentir “incorretamente”. O massacre é amplo, geral e irrestrito, maior que o de todas as sírias, mas “indignação” mesmo só para com os pedacinhos dele que alimentem considerações “modernas” sobre a raça ou o gênero das minorias identificáveis na pilha dos 57 mil assassinados de cada ano.
Segurança pública pra valer (e mobilidade, transporte, acesso e o mais…) só quando inglês vier. Depois, de volta ao dilúvio…
Nós copiamos o “jeitão” das democracias e trabalhamos feito loucos pelo aplauso de quem a pratica. Mas, pra brasileiro mesmo, nada. A constituição americana, com 227 anos de idade, tem sete artigos e 27 emendas. A nossa última, com 28, nasceu com 250 artigos e já tem mais de 80 emendas. A deles define os sete pilares da democracia, quantos bastam para o povo mandar nos seus governantes e não mais se deixar roubar. A nossa também os inclui, mas soterrados em 330 exceções que garantem que fique afastado das “excelências” o cálice da submissão à lei.
A função da Corte Suprema deles é garantir as sete regras; a da nossa é impor as 330 exceções. E isso faz de tudo o mais o inverso do que parece. Consagramos o “federalismo” mas vivemos a ditadura tributária centralizadora do Executivo. Instituímos “poderes independentes” mas, com tudo e mais alguma coisa transformado em “norma constitucional”, base por definição de qualquer pretensão exigível nos tribunais, o Judiciário e, no fim, o Supremo, tudo pode decidir ou “desdecidir”. Tudo acaba sempre nos onze e dos onze bastam seis…
“As instituições estão funcionando”?
Sim! Desgraçadamente! Enquanto forem as que são “abandonai toda a esperança, ó vós que estais dentro”. É claro que fora do rito institucional é a selva e que é dentro dele que temos de desmanchar essa confusão fabricada. Essa história de que é inconstitucional desconstitucionalizar o que quer que tenha sido constitucionalizado um dia é um truque barato. Até burro dá marcha-a-ré para não despencar no abismo. Para além do rito tudo tem de ser refeito. E o caminho para isso, testado e aprovado, existe.
A raiz do câncer é a “representação” subornada imposta à sociedade. Desde Getúlio come solta a metástese sindical. Desde 88 come também a partidária. Continuam “deles” as estatais, estoque de feudos a serem distribuídos aos barões que sustentarão o rei da vez. É isso que garante que tudo apodreça antes de amadurecer. Não ha quem não saiba; não ha quem não veja. Mas é proibido dizer. Vamos em frente esmurrando a faca, “proibindo” no papel que se produzam na vida real as consequências obrigatórias das causas que nos recusamos a remover.
Não dá mais. Batemos no osso. Agora é física a impossibilidade de levar a vida “arrecadando”. A alternativa para o certo é o errado. Não ha meias medidas. Ou mudamos pra valer, na raiz, ou nos arrebentamos todos. A corrupção não é “causa” de nada. É só a pior consequência da falta de democracia. Puni-la, apenas, não resolve coisa alguma. O que a nossa situação extrema requer é uma dose cavalar de democracia.
O Brasil não é imune à democracia. Apenas não tem ideia do que ela é. Desenhar instituições – democráticas ou antidemocráticas – é encadear dependências. É isso que determina o jogo. O nosso é mais explícito a cada ato. Na ordem institucional, como na vida, manda quem tem o poder de demitir. Você está sendo demitido, mesmo fazendo tudo certo, porque “eles” não podem ser demitidos mesmo fazendo tudo errado. Nem quando a Republica sucedeu o Império, nem nas idas e voltas das ditaduras, jamais mudou a nossa maneira antidemocrática de encadear dependências.
Descarte-se os bandidos para efeito de raciocínio. Democracia é o povo no poder, nem mais, nem menos. Mas nem os nossos “liberais” nem os nossos “desenvolvimentistas” mais bem intencionados contemplam a sério a ideia de por o povo no poder e submeter-se à vontade dele. Criticam-se mutuamente as “intenções” mas só reivindicam uns o lugar dos outros no controle das mesmas alavancas.
É isso que tem de mudar. Revoluções só acontecem de baixo para cima e, no limite em que estamos, nós vamos ter uma logo, controlada ou não. O “recall” é a chave comutadora. Dá ao povo o poder de demitir e reformar Estado adentro e o voto distrital permite que essa revolução aconteça com segurança e sem dor. Plantadas nos municípios essas sementes da saúde já invertem irreversivelmente a cadeia das dependências e, com ela, a das lealdades. Daí em diante o desmonte da doença acontece sozinho, pedaço por pedaço.
É preciso começar já
19 de abril de 2016 § 14 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 19/4/2016
72% a 27%. Impressionante a precisão! Seja qual tenha sido a sua impressão com aquelas longas horas diante do espelho, domingo, uma coisa é indiscutível: a Câmara representa, sim, a realidade nacional. A nação, através dela, falou e disse e só não a ouviu quem optou por fazer-se de surdo. Se o governo tivesse conseguido subornar a sua minoria qualificada de 172 votos como Lula anunciou oficialmente que estava tentando fazer teria “acatado a decisão soberana da Câmara dos Deputados” e enfiado Dilma Rousseff goela abaixo dos 2/3 do Brasil que não suportam nem ouvir o nome dela para encerrar de uma vez para sempre a questão do impeachment. Como não conseguiu, “é golpe”. Será “golpe” sempre, a menos que vença o único golpe que os “surdos” querem ouvir.
É alto o preço que se tem de pagar para não destruir instituições. Essa gente não merece a paciência com que o Brasil a tem tratado. Numa coisa, entretanto, têm razão. Não foi “uma vingança”, foram 367 vinganças, fora a de Hélio Bicudo assinando a denuncia de crime de responsabilidade de Dilma Rousseff por todos os outros petistas honestos que foram tombando ao longo do caminho, contra esse PT que sobrou e vive sozinho no Olimpo atirando seus raios sobre a multidão dos idiotas. Jose Eduardo Cardoso é a mais recente encarnação desse delírio. Como esmurra fatos à vontade sem que ninguém lhe atire perguntas que o tragam de volta à Terra, insiste naquela Dilma sem pecados “nem apego a cargos” com que as(os) passionárias(os) jurássicas(os) do golpe sem aspas “anulam”, a cada frase, junto com a mais patológica das arrogâncias, 72% do eleitorado pesquisado, 72% do Congresso Nacional, o rito estabelecido pelo STF, a lei de Responsabilidade Fiscal, a Constituição da Republica, a falência da Petrobras e das outras “brazes”, a aliança medida com os empreiteiros ladrões e seus doleiros, a verdade da matemática e mais todo o resto da realidade sobre a qual o sol arrebenta de brilhar.
Num sistema onde segue sendo necessário eleger-se, político trata daquilo que sabe que lhe renderá manchetes. Vide Jose Eduardo Cardoso e a recorrência do seu novo figurino de advogado de seriado de TV. É por isso que, nas democracias saudaveis, é a imprensa amplificando as queixas e os pleitos difusos do eleitorado quem pauta o discurso dos políticos. O fato da imprensa brasileira pós regime militar se ter acostumado a deixar-se pautar por eles mesmo depois – muito depois! – que os políticos deixaram de ser a expressão da resistência de um eleitorado impedido de eleger para se transformar na de uma casta que se outorga privilégios e cassou aos eleitores o direito de deselegê-la, é um elemento essencial da presente desgraça. Acentua essa distorsão o isolamento geográfico e social da Brasília que vive do e para o Estado onde não entram as crises que grassam aqui fora, cujo sintoma mais alarmante é a alienação da realidade nacional sintetizada no grito do “Não nos representa!” que pos em marcha o processo ora em curso.
A produtividade do trabalho no Brasil parou de crescer faz anos; o sistema educacional foi aparelhado e destruido e ha pelo menos tres o país anda para traz. Vínhamos numa trajetória de arrumação do Estado, valorização da regra e políticas sociais focadas nos mais pobres mas tudo isso se inverteu. Apenas com juros subsidiados pelo Tesouro para os amigos do BNDES o governo torrou R$ 323 bilhões, equivalentes a 13 anos do Bolsa Família; as contas nacionais passaram a ser falsificadas e a mentira transformou-se em “razão de Estado”. Tudo que conquistamos nos anos 90 já está perdido mas a crise mal começou. Os problemas acumulados são gigantescos, a marcha à ré será dramática partindo de um patamar já muito baixo, e não será uma simples troca de governo que resolverá tudo isso, mesmo que se supusesse toda a disposição para atacar os problemas do “Brasil real” a que esse PT que só chora por si jura hoje, como jurou sempre, ódio eterno.
Com o quesito “luta pelo poder” suficientemente encaminhado e a próxima tentativa rondando perigosamente as margens do mesmo pântano da “governabilidade” por linhas podres que acaba de tragar a obra de toda uma geração de brasileiros, a imprensa poderia dar uma contribuição muito maior ao país se passasse a trabalhar mais para informar Brasilia sobre o que se passa no Brasil do que o contrário. Obrigar os políticos a tomar conhecimento da profundidade da crise do país real; cotejar seus numeros com as amenidades e numeros da vida na Ilha da Fantasia onde os salários nunca se extinguem, os aumentos se dão por decurso de prazo, ha “auxílios” para tudo e para todos isentos de imposto de renda, as aposentadorias partem multiplicadas por 33 é obrigar o país a encarar esses fatos, primeiro, medí-los, em seguida, e fazer escolhas reais e conscientes, finalmente, sem as quais jamais sairemos do brejo. O ponto a que chegamos e o encolhimento do espaço para gorduras mórbidas num mundo implacavel com a ineficiência impõe providências que respeitem a matemática e, para chegar a elas, é preciso, primeiro, deixar que a luz do sol incida sobre a camada mais grossa da mentira que cerca a realidade do Brasil do Terceiro Milênio que segue embrulhado num discurso de falsificação da realidade que já era velho no último século do Segundo.
Um governo para o Brasil real só poderá estruturar-se em torno de uma proposta para os problemas reais do Brasil. Previdência, inchaço do funcionalismo politicamente apadrinhado, subsídios, estrutura tributária, a armadilha trabalhista, as vinculações das contas nacionais, as regras que fazem o ambiente de negócios e, sobretudo, a velocidade com que tudo isso evoluiu para pior nos ultimos anos são, ao mesmo tempo, os ingredientes da bomba que produz um deficit recorrente de R$ 150 bilhões e crescendo R$ 30 bilhões por ano sobre a qual estamos sentados, e os indicadores dos caminhos reais para desarmá-la.
O Brasil não tem tempo. É preciso começar já.
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