Janine e a “4a agenda democrática”
30 de março de 2015 § 14 Comentários
Diz o novo ministro de Educação, Renato Janine Ribeiro, hoje no Valor Econômico, que “o Brasil teve êxito em tres sucessivas agendas democráticas” – a da democratização, a da vitória sobre a inflação e a da inclusão social em larga escala – e que, desde maio de 2013 estamos diante do desafio da quarta – a da “melhoria da qualidade dos serviços públicos“, que deveremos vencer assim como vencemos as anteriores.
O ministro está embarcando no governo Dilma num momento especialmente crítico e é louvável que se tenha esforçado por mostrar um tom concliador reconhecendo até os méritos do PSDB no Plano Real “que hoje pertence a todos”, sendo ele membro do partido para o qual, do Grande Dilúvio para frente, tudo que de ruim aconteceu para a humanidade tem sido “culpa do FHC”.
Mas temo que não vá ser tão fácil assim vencer este “último desafio”.
Diz o ministro Janine que “nunca tivemos uma democracia de verdade antes de 1985”, quando ela foi conquistada, entre outros, “pelos tres presidentes mais recentes: FHC com a palavra, Lula na organização sindical e Dilma na resistência”.
Vamos relevar o fato de que os dois últimos recusaram-se a entrar na campanha das Diretas Já e a assinar a Constituição que fundou o regime instalado em 85. Registro apenas o essencial para chegarmos ao nexo que ha entre o que vou dizer e o desafio que ele propõe agora: não considero que um regime onde não impera a igualdade perante a lei e ha cinco justiças diferentes com “direitos” e “foros especiais” concedidos a terceiros por quem já gozava deles ha mais tempo apenas porque gozava deles ha mais tempo seja “uma verdadeira democracia”. Ao contrário creio que a maioria dos brasileiros acreditar que sim, em função do que lhes foi incutido nas escolas pelas quais o dr. Janine se torna responsavel doravante, é o primeiro dos obstáculos para que venhamos a ter uma um dia.
Quanto à “segunda agenda”, estou de acordo. Sim, a recuperação do valor e da credibilidade da moeda nacional foram, como ele diz, essenciais para “restaurar a confiança no outro e no futuro” de um país que vivia em pleno descalabro inflacionário (chegando a 80% ao mês sob o hoje sócio do PT, José Sarney). Essa confianca se instalou, alias, naquele momento do Plano Real, fundamentalmente em função das provas que deu o governo FHC de que não era de uma concessão de um partido nem de um truque eleitoral que se tratava mas de um marco institucional de Estado, sacramentado por uma Lei de Responsabilidade Fiscal que penalizava com “crime de responsabilidade”, sujeito a impeachment, sua violação por representantes do Poder Executivo.
Inversamente, a desconfiança no outro e no futuro voltou a assolar o Brasil no momento em que Dilma Rousseff, depois de anos dilapidando as contas públicas além dos limites estipulados na LRF por baixo de prestações de contas muito mal falsificadas, jogou-a por terra com os préstimos de ninguém menos que Renan Calheiros, chamado a fazer o serviço sujo depois de já estar denunciado pela Pricewaterhouse como o maior destinatário individual de dinheiro roubado da Petrobras. E cá estamos nós, na sequência, com todos os prefeitos e governadores do Brasil reivindicando o mesmo “leite de pato” concedido a dona Dilma, por ter violado impunemente os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal por todos os buracos.
Sobre a “terceira agenda” ha que dizer que essa “inclusão social em larga escala” começou muito bem com o Bolsa Família quando ele era ainda apenas uma ferramenta de assistência aos miseráveis de fato, provando inclusive o ponto de que tais expedientes, desde que levados dentro de limites razoáveis, pode até oxigenar o resto da economia e beneficiar todo o país. Mas logo se foi transformando num vasto esquema de socialização da corrupção, convertido em instrumento de suborno eleitoral de massa beneficiando muito mais gente acomodada que gente necessitada.
O que o Brasil começa a colher agora, sob o cutelo do ministro-executor Joaquim Levy, é a confirmação de que “inclusão social em larga escala”, quando não é sustentada por ganhos de produtividade e melhorias nos instrumentos-meio de combate à miséria como educação, saude e infraestrutura, não passa mesmo de suborno eleitoral que será dramaticamente tomado do subornado depois de colhido o seu voto, como está acontecendo neste exato momento.
E assim chegamos à “quarta agenda democrática” do ministro Janine, que esbarra no mesmo fundamento básico da primeira. Como o Brasil vive na única alternativa que ha para o regime de igualdade perante a lei, que é a dos sistemas de privilégio, onde o poder de nomear para cargos vitalícios inependentemente do mérito cria castas de exploradores de um lado e explorados do outro, torna-se impossível superar o desafio da qualidade do serviço público apenas com “um forte investimento em gestão”, como diz o ministro professor.
O merecimento é a unica baliza de uma boa gestão e o resultado é a única baliza do merecimento, e o resto é conversa. Quem nunca viveu nesse universo da disputa pelo mérito regido pela qual vive o mundo todo e iclusive o Brasil aqui de fora, sequer poderá suspeitar do que seja uma “gestão eficiente”. Assim, quando o ministro Janine diz que “todos sabem muito do que é preciso fazer, desde as boas práticas de gestão até os investimentos necessários quer em material, quer em formação e remuneração de pessoal”, o Brasil aqui de fora encolhe-se à espera do que lhe virá, na sequência, pela retaguarda.
A justificativa original para a estabilidade no emprego publico nas democracias era proteger o funcionário, na eventualidade da alternância dos partidos no governo, de ser substituido por funcionários do partido seguinte com prejuizo para os negócios públicos e os interesses do contribuinte. E mesmo nas verdadeiras democracias, isso se tornou um gigantesco desafio que só foi, senão superado, ao menos controlado a partir do momento em que elas começaram a eleger a maioria de seus funcionários públicos, em vez de nomea-los, exatamente para torná-los sujeitos a recall por quem lhes tinha concedido o mandato.
Aqui a coisa já nasceu torta, com reis e imperadores vitalícios nomeando funcionários vitalícios para servirem-se dos súditos de cujos votos nunca precisariam. Quando um rei era substituido por outro, trazia a sua própria legião de funcionários para se acomodar por cima da burocracia anterior. Vitaliciedade por vitalicieade, se o rei tivesse durado o bastante o prejuizo não era muito grande porque os funcionários envelheciam com ele e a natureza resolvia tudo. Com a República é que a coisa ficou feia, já que, embora passando a eleger um novo “rei” a cada quatro anos, mantivemos todos os direitos de vitaliciedade nos “direitos adquiridos“, seja por esses “reis” para exercer seu mandato, seja pela sua propria legião de funcionários. E com isso o estado brasileiro transformou-se numa fera que tem boca mas não tem cu. Tudo que ele come fica lá dentro, mesmo depois de transformado no material próprio para ser expelido, com as consequências funestas que todos conhecemos.
Enquanto seguir sendo assim não ha nem que pensar em qualidade do serviço público. Qualidade é consequência da seleção pelo mérito, o que vale dizer, da sanção da falta de qualidade pela exclusão dos desqualificados do sistema. Com nomeações políticas, estabilidade vitalícia no emprego para todo mundo, remuneração por tempo de serviço e tudo o mais de que o ministro Janine sempre desfrutou e nunca abriu mão em sua própria carreira, qualidade é coisa que só sobrevive por raríssimo acidente.
“Vergonha na cara” ou polícia na política?
20 de outubro de 2014 § 9 Comentários
Dia sim outro também, vendo os jornais da manhã nas televisões enquanto faço a minha caminhada na esteira, vou contando a infindável quantidade de vezes em que os apresentadores repetem a palavra “vergonha”.
Seja a dose diária de miséria hospitalar, as escolas caindo aos pedaços, as ruas e estradas de asfalto de mentira sendo engolidas pelos buracos, a roubalheira na Petrobras, ou a ínfima quantidade de crimes que chegam a resultar numa punição que nos servem todo santo dia em doses cavalares antes de cada refeição, tudo acaba sempre nessa frase do comentarista chamado para arrematar as matérias: “Quando é que os nossos políticos vão criar vergonha na cara?”
A resposta, adianto-lhes, começa justmente por onde acaba a pergunta: “Quando eles não tiverem mais a opção de ter ou não ter vergonha na cara”.
Se um político ou um funcionário público virá ou não a ter vergonha da omissão que mata ou do “malfeito” que faz dele um criminoso, um dia, é um tipo de luxo japonês que eu gostaria de me reservar o direito de pagar para ver somente depois que o culpado estivesse na prisão e, mesmo assim, só se tivesse garantias de que uma coisa (a pena de prisão) de modo algum pudesse vir a ser substituída pela outra (o “pedido de desculpas” alegadamente “envergonhado”) que andou tentando nos induzir a aceitar a grei de Lula nos bons tempos dos primeiros dias do Mensalão.
De lá para cá veja-se onde chegamos…
Não me venham, portanto, com “ética na política”. O que nós precisamos é de polícia na política. Quem tem de discutir ética é o legislador. A ele sim, cabe definir os limites do que é ou não é ético na forma de arregimentar funcionários e nomear pessoas para o exercício de cargos publicos; na forma de estruturar essas hierarquias e de colocá-las em ação para usar os dinheiros públicos no interesse da coletividade; nos meios e modos admissíveis de tratar de se eleger e de se reeleger. Ao político e ao funcionário público cabe apenas cumprir a lei que resulta dessa tertúlia filosófica e impor essa lei com toda a força do braço armado dela é tudo quanto é necessário para resguardar a saúde da coisa pública.
Não é preciso incluir aulas de “cidadania” nas escolas públicas nem constituir ONGs para dar pregações regadas com dinheiro do governo. Distinguir o certo do errado é algo que se faz com tanta precisão no Vaticano quanto no Morro do Borel, dependendo o pendor para um lado ou para o outro, tanto la como cá, da certeza de que a uma coisa corresponderá o Céu e à outra o Inferno.
O resto é conversa mole.
Basta que ao crime suceda inexoravelmente o castigo e à inoperância, à inépcia, à preguiça e à incompetência suceda inexoravelmente a demissão como já ocorre aqui fora com todos nós outros simples mortais, para as coisas entrarem naturalmente nos eixos.
Assim, quando você se sentir a ponto de se afogar no mar de lama que aflora dos debates presidenciais, perdido entre a meia e a anti moral em que tratam de inserir os nossos falsos dilemas, sem pé na aparente inexistência de terra firme em que tudo por aqui parece se dar, lembre-se sempre de que o milagre pelo qual você anseia já é o milagre sob o qual você mesmo vive.
Não é necessário esperar que do além desça uma vaga “cultura política” que ninguém sabe bem como definir, ou esperar que da mera sucessão das gerações venha ela um dia a se instalar espontanea e milagrosamente para nos redimir. Não ha nada de complicado nem muito menos de esotérico para esperar ou para aprender. Basta que “eles” passem a viver pela regra pela qual você já vive, pela mesmíssima razão pela qual você vive nela, a saber, porque se viver fora dela você está demitido ou vai em cana.
É simples assim.
Se continuar sendo sinalizado à casta dos ungidos da política e do serviço público que não haverá polícia para forçá-la a seguir a lei e pagar penas pesadas quando se desviar dela; se o funcionário público continuar indemissível, seguro de que basta-lhe por uma vez um pé dentro do Estado para que nenhuma força terrena possa removê-lo de lá jamais; se o servidor do Estado puder seguir trabalhando por baixo daquele cartaz que diz que ele não pode ser “desacatado”, sob pena de prisão, por mais que desacate quem lhe paga o salário todo mês não haverá “vergonha na cara” que espontaneamente cure a doença nacional.
Nem aqui, diga-se de passagem, nem no Japão, onde exige-se do faltoso, além do cargo, da multa e da pena de prisão, uma exibição pública e cerimonial de vergonha cujo sentido é acrescentar a esse pagamento em espécie também (mas nunca apenas) uma sessão formal de execração pública.
Lembre-se disso porque lembrar-se disso é o primeiro passo na direção da saída desse labirinto. Lembre-se sempre disso porque lembrar-se sempre disso é o único ingrediente necessário para que isso de fato aconteça.
Como tudo o mais, entretanto, lembrar-se disso é também um aprendizado. Para que comece, finalmente, a ser aprendido pelo povo brasileiro é preciso que seja aprendido antes pelos jornalistas posto que é à imprensa que cabe pautar os costumes da Nação. É ela quem deve fincar o marco abaixo do qual disparam os mecanismos de sanção pela ausência de mérito e, daí para baixo, os de repressão ao crime do colarinho branco.
Trata-se de um treino: estímulo e resposta; crime e cobrança de castigo. Não me venham com “vergonha na cara”…
Não ha, para resumir, nada por ser inventado. Para que sejam curadas as doenças do Brasil basta fazer valer para “eles” o que já vale para nós todos, sem “julgamentos administrativos”, nem foros e nem, muito menos, prisões especiais, como está prescrito na fórmula universal do remédio para este mal, aquele que se define pelo axioma da igualdade perante a lei.
O primeiro passo, senhores jornalistas, é tornar isso lembrado.
O que vem depois é mais fácil. A maneira mais prática e segura de se instituir a meritocracia na vida política e no serviço público e ir dando a cada um, “lá em cima“, exatamente aquilo que fizer por merecer, sem complicar a vida de todos quantos já temos de trabalhar e mostrar desempenho para continuar vivendo aqui fora – pois que é disso e nada mais que isso que se trata – é, como tantas vezes já se demonstrou aqui no Vespeiro, armar a mão também do eleitor brasileiro do mesmo voto distrital com recall de que já estão armadas as de todos os eleitores dos países remediados deste mundo, sem meias medidas nem meias soluções.
Nesta eleição trata-se de reconfirmar o princípio da alternância no poder que é anterior a todos os anteriores. Mas até para saber porque é tão necessário reconfirmar esse princípio sem o qual seremos atirados de volta para a Idade Média, é bom que você não esqueça o que é que queremos para sempre estável, uma vez garantida a mudança que nos manterá aptos a todas as demais mudanças.
Ser ou não ser (uma meritocracia)
25 de novembro de 2013 § 3 Comentários
Rose Neubauer, que é professora aposentada e foi Secretária de Educação de Mário Covas, escreveu um artigo neste domingo para a Folha.
“Culpar a vítima é escapismo”, clamava ela contra a decisão do governo de voltar a reprovar os alunos da escola pública que não passam de ano (aqui) como querem, antes de todos os outros lúcidos, os próprios pais desses alunos.
Em poucas palavras, o que Rose Neubauer advoga é que a solução para a qualidade miserável do ensino público brasileiro não é passar a reprovar os professores que não se mostrarem à altura da sua tarefa de modo a dar-lhes um incentivo real para se empenhar em melhorar, mas sim estender aos alunos as mesmas “estabilidade no curso” e “progressão na carreira por tempo de serviço” de que eles desfrutam no seu emprego público.
É exatamente a mesma lógica que leva às “cotas” nas universidades para alunos de escolas públicas e outras “minorias”, em vez de melhorar a qualidade do ensino que os coloca em desvantagem; ou à política de esvaziar nossas prisões “desumanas” devolvendo bandidos às ruas em vez de elevá-las a uma condição humana, privilégio que fica reservado só para os criminosos “especiais”.
Como professora aposentada e portanto sujeita ao “quiéquiéisso companheira”! de uma das categorias mais organizadas e aguerridas no seu modo de reivindicar, Rose faz uma verdadeira ginástica mental em seu artigo para evitar tocar na questão essencial que explica não apenas a tragédia do ensino público como também a de todo o serviço público que o trabalhador brasileiro carrega nas costas.
Como a indemissibilidade do professor é intocável, a culpa pelo que disso resulta tem sempre de ser “dos outros”: do governo do outro, da sociedade, da “zelite” ou do imperialismo, conforme a circunstância ou o grau do “esquerdismo” – mais primário ou mais ilustrado – do proponente.
Acontece que só uma coisa diferencia, nos dias que correm, os países de ponta dos países da periferia, passando por todos os que estão no meio: o grau de adesão à meritocracia do seu sistema político.
Ser “de esquerda” depois da Queda do Muro, da ascensão da gangstocracia na Rússia, do Capitalismo de Estado chinês e do abraço de Lula em Collor e Maluf, aliás, resume-se a isso: os dispensados da meritocracia negarem a meritocracia para poderem continuar sendo dispensados da meritocracia.
Como os gangstocratas russos, os capitalistas de estado chineses e os integrantes dos nossos 32 partidos “de esquerda” têm em comum o fato de estarem dispensados da meritocracia e viverem todos dos impostos que cobram dos que estão submetidos a ela aqui fora, as variações na repetição desse mesmo cantochão, fora a língua em que é expresso, são só de grau e de estilo.
Não são diferenças irrelevantes posto que podem configurar quadros que vão desde a exploração branda até à escravização aberta e ao crime. Mas os que estão aquém da meritocracia jamais vão pisar o mesmo chão das conquistas de quem está além da meritocracia.
É ela o divisor de águas.
No Brasil, tanto os partidos que têm origem nas universidades públicas quanto os que têm origem nos sindicatos pagos pelo Estado estão geneticamente comprometidos com a estabilidade no emprego do funcionalismo ou, na melhor hipótese, com uma meritocracia “sem dentes” que é aquela que até premia mas não pune.
No meio estão só os comedores de restos.
Por isso tudo que lhes resta nas disputas eleitorais é atirar dossiês uns contra os outros para mostrar quem abusa mais da sua condição de parasita do alheio.
Não é atoa que a última pesquisa eleitoral publicada continha um dado aparentemente enigmático: embora 62% da população aqui de fora (a dos submetidos à meritocracia) declare que quer que “tudo mude”, Dilma continua “ganhando a eleição” (se fosse hoje) tanto de Serra quanto de Marina Silva, que mais ou menos se equivalem quanto à força eleitoral. Com Aécio ficaria mais fácil.
É o eleitor brasileiro, na sua fina sensibilidade, ainda que inarticulada como não poderia deixar de ser num país com a qualidade da educação que o nosso tem, dizendo a mesma coisa que se ouviu nas ruas de todo o país nas manifestações de junho: que não gosta disso que está aí, adoraria ouvir algo diferente, mas não identifica diferenças concretas nas propostas dos atuais candidatos.
E não as identifica porque elas não existem.
A charada do ensino público
10 de abril de 2013 § 4 Comentários
Escola é prédio.
Mas educacão não é prédio.
No entanto, prédio é a única coisa que o eleito para um mandato de quatro anos pode mudar na equação da educação pública.
No mundo real o que decide tudo é a qualidade do professor. E qualidade, todo mundo sabe, é função da competição.
Meça por você mesmo. Você compete no seu trabalho, aprende e se renova todos os dias porque não tem alternativa; porque se não competir, perde o emprego.
Mas como todo funcionário público, o professor empregado do Estado é indemissível. Uma vez posto um pé dentro do sistema, ele se torna para sempre “estável”.
Bem feito ou mal feito o trabalho, o salário vem no fim do mês. O funcionário público avança nas promoções em função do simples transcorrer do tempo.
O responsável eleito pela educação pública está, portanto, proibido de lidar com a qualidade do ensino. Seja o que for que acontecer ele, seus antecessores e seus sucessores só poderão alterar a quantidade dos professores e, mesmo assim, só para mais.
Por isso nunca há salário que chegue.
Caímos, então, na contradição insanável de esperar que pessoas que jamais sentiram o que é viver sob pressão por desempenho formem profissionais capazes de disputar o campeonato mundial do desempenho que é cada minuto da vida de cada profissional no mundo real hoje em dia.
Agora, para ter e manter o luxo de manter-se “estável” num mundo cada vez mais insanavelmente instável, só mesmo às custas dos outros, coisa que só se consegue pelos artifícios da política, e da política no sentido mais pejorativo do termo.
Isto é, especializando-se na arte de manter-se a salvo, venha o que vier, sem ter necessariamente de fazer força, e cavando privilégios junto a quem tem o poder de outorgá-los em troca de concentrar todo o seu esforço em manter o poder de seus protetores de continuar a protegê-los.
É essa a lógica da ação corporativa.
Ha, como em toda a parte, as exceções. E dentro do ambiente viciado do funcionalismo, elas são especialmente heróicas. Mas a maior parte acaba por se corromper e por se transformar num profissional da ação corporativa. E estes, tudo que sabem ensinar é a fazer política corporativa e a falsificar os fatos para justificar o injustificável.
Por isso seus alunos entram na vida semi analfabetos mas com a cabeça cheia de slogans contra os que competem e sonhando em pular, um dia, para dentro do barco dos indemissíveis.
Enquanto houver dois Brasis – um, como o mundo real, regido pela permanente pressão por desempenho, outro regido pelas blandícias do tempo de serviço e das aposentadorias precoces – não haverá lugar para nós fora das sombras do mundo, por mais prédios que os encarregados eleitos pela educação pública construam, ainda que sejam prédios de fazer inveja a clube de lazer de rico.
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