Democracia é questão de treino
18 de abril de 2022 § 1 comentário

Tema recorrente tanto entre os estudiosos do assunto quanto entre os diletantes é o dos ingredientes necessários para uma sociedade migrar para a democracia.
No Capitulo IX de A Democracia na América (1830), a apenas 42 anos de distância da fundação e às voltas com as primeiras tentativas fracassadas de importação do novo sistema para a Europa e outros cantos da própria América, Tocqueville trata das “Principais causas que contribuem para manter a republica democrática nos Estados Unidos”.
Destaco esse manter porque em diversos trechos anteriores do livro ele já tinha tratado dos excepcionalismos que permitiram instalar um governo do povo, pelo povo e para o povo na América, cujas instituições têm por base, não mais a propriedade de tudo pelo Estado que se confunde com o monarca (como continua sendo nas ditaduras e quase ditaduras de hoje), mas a garantia pelo Estado da propriedade privada conquistada com trabalho por cada indivíduo. Foram eles, entre outros menores: a ausência de uma privilegiatura a ser derrubada instalada ha séculos no poder e o sistema de colonização inglês entregue a empresas privadas que, ao oferecer glebas de terra aos plebeus que se dispusessem a povoar os novos territórios criou, pela primeira vez na história da humanidade, uma nação de proprietários.

Neste capítulo Tocqueville já trata de outra etapa do processo e examina os três elementos que o debate de seu tempo apontava como decisivos para a consolidação da democracia americana: as condições físicas dos Estados Unidos que garantem acesso fácil à riqueza, a engenhosidade das suas leis e “os costumes dos anglo-americanos” (hoje dir-se-ia sua “cultura”).
É para desclassificar os dois primeiros que ele cita a América do Sul cujos povos “estão em territórios com as mesmas condições físicas de prosperidade mas não têm as mesmas leis nem os mesmos costumes e por isso são miseráveis”. E também o México, que “embora situado em território tão rico quanto o da união anglo-americana e tendo-lhe copiado as mesmas leis, não conseguiu adaptar-se ao governo da democracia”. E conclui: “se fosse preciso classificá-las eu diria que (ainda que cada uma tenha seu peso no processo) as causas físicas contribuem menos que as leis, e as leis menos que os costumes”.

É nestes que ele se concentra, então:
“Os povos europeus partiram das trevas da barbárie para avançar para a civilização e as luzes e seu progresso foi desigual. Alguns progrediram correndo; outros avançaram andando; muitos ficaram parados e dormem ainda hoje à beira do caminho. Os anglo-americanos já chegaram civilizados ao solo que sua posteridade ocupa hoje; tinham pouco a aprender, bastava para eles não esquecer (…) São muito poucos os sábios mas não ha nenhum ignorante. A população inteira está entre esses dois extremos (…) O pioneiro da marcha para o Oeste é um homem civilizado que resolveu viver por um tempo na floresta. Avança pelos desertos do Novo Mundo com a Bíblia, um machado e seus jornais debaixo do braço”.
“Não queira fazer um americano falar sobre a Europa. Vai ficar limitado às idéias gerais e indefinidas (…) Mas se você o interrogar sobre o seu próprio país, verá dissipar-se rapidamente essa nuvem. Ele explicará quais são os seus direitos e quais os meios para exercê-los; mostrará que sabe bem por quais regras se pauta o mundo político e que ele está perfeitamente familiarizado com a mecânica das leis”.

Quem se interroga sobre as condições para a democracia na babel meticulosamente cultivada com deseducação e censura institucionalizadas do Brasil a 192 anos de distância do momento em que Tocqueville o fez e mais de um século depois dos estudos de Max Weber (1905) sobre a relação que há entre a ética protestante, fruto de uma revolução que, mais que religiosa, foi educacional, e o espírito do capitalismo, filho da democracia, sabe bem da importância que essa quase perfeita distribuição do conhecimento entre os colonizadores da América do Norte teve para a fundação do novo regime.
Mas o que Tocqueville quer destacar neste capítulo é, de novo, sua admiração pelo papel formativo que as instituições autenticamente democráticas (inglesas) têm. Um papel tão grande ou maior, acrescentaria eu como brasileiro, que o papel deformativo que têm as instituições anti-democráticas…

Em capítulo anterior já discutido aqui (NESTE LINK) ele dizia, da instituição do júri, sobretudo a do júri para causas cíveis da Inglaterra, que “ele serve para dotar todo e qualquer cidadão da experiência de ser juiz, e essa experiência é a que melhor o prepara para ser livre. Ela reafirma, em todas as classes sociais, o respeito pela coisa julgada e pela idéia do Direito. É a maneira mais eficaz de, ao mesmo tempo, fazer o povo exercer o seu poder e aprender a exercer o seu poder numa democracia”.
Neste capítulo em que exalta “os costumes dos anglo-americanos”, ele constata que “É participando da confecção das leis que os americanos aprendem a entende-las; é governando que eles aprendem sobre as formas de governo” . Tudo acontece, portanto, de uma maneira orgânica que se auto-alimenta. E então aponta o fator que diferencia “os costumes” dos anglo-americanos dos do resto dos europeus para fazê-los indispostos para a democracia. “Nos Estados Unidos todo o sistema de educação está voltado para a educação política; na Europa o objetivo principal é preparar para a vida privada”. Ou seja, cada qual respondendo à sua própria história, uns aprendem a ser o poder, os outros a defender-se contra o poder.

Democracia, enfim, é sobretudo uma questão de treino. Como tudo o mais nesta vida, só se aprende de verdade fazendo.
Esse é o aspecto oculto que põe em causa a tese da “decadência da democracia americana” muito em voga num mundo quase todo ele jejuno em democracia, onde a imprensa só cobre, dos Estados Unidos, as ações do governo federal, o único espaço que ela compreende porque é aquele em que a democracia quase não entra. O “treino” do cidadão americano que, todos os dias e cada vez mais, decide diretamente, no voto, cada minúcia de tudo que afeta sua vida nos estados e nos municípios onde de fato vive, explica a resistência exasperada que, por falta de lideranças que traduzam e dêem consequência mais prática a essa forma tão rara de força, esse cidadão pleno, desconhecido de quase todo o resto do planeta e menosprezado pela sua própria mídia de massa, expressa de modo inarticulado vociferando na praça pública da internet e “votando contra” muito mais do que a favor do que se lhes apresenta nas eleições majoritárias.
É a censura dessa válvula de escape das praças publicas eletrônicas privadas que é hoje objeto da luta decisiva para a democracia nos Estados Unidos e no mundo que Elon Musk parece ter comprado. Mas isso é tema para próximos artigos.

A falta que a política faz
16 de abril de 2019 § 20 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 16/9/2019
Além das seguidas capitulações espontâneas do presidente o que mais tem comprometido a reforma da previdência é a “embriaguez da onipotência numérica” vivida pela família Bolsonaro. Trata-se de uma confusão que decorre do encantamento com a contagem de numeros absolutos revelados pelo súbito destampar de panelas ha muito forçadamente lacradas operado pelo aprendizado no uso das redes sociais, que tem levado a trágicos erros de avaliação política pelo mundo afora, da Primavera Árabe em diante.
Depois do salto proporcionado pela ânsia do Brasil de livrar-se da venezuelização que elegeu Bolsonaro, as pesquisas indicam uma volta da opinião pública ao leito da normalidade. Cada vez mais as manifestações de radicalismo só repercutem no gueto da direita incondicional que não precisa ser conquistada pois já é e nunca deixará de ser dele assim como os 30% da esquerda incondicional foram do PT e são hoje dos seus sucedâneos. Para tudo mais elas só prejudicam. Como chegar a 308 deputados (partindo dos atuais 190) mais 49 senadores que a reforma requer carimbando qualquer conversa com eles como “prova” de corrupção?
A próxima parada, diz Paulo Guedes, é o Novo Pacto Federativo que reservará 70% do dinheiro dos impostos para estados e municípios e 30% para a União. A distribuição do dinheiro dos impostos em consonância com a quantidade de assistidos por cada ente de governo, entretanto, é produto, onde ocorre, de um arranjo político revolucionário e não o contrário. Na repartição do que quer que seja a parte do leão fica com quem detem o poder. É uma lei da natureza. Logo, para inverter a distribuição do dinheiro é preciso antes por o povo no poder.
O federalismo foi o arranjo institucional que deu consequência prática a essa inversão. A fórmula que criou governos dentro de governos, cada um deles soberano na sua esfera de atuacão mas dividido em tres poderes encarregados de filtrar as decisões uns dos outros foi, pela primeira vez na história da humanidade, uma teoria criada para ser posta imediatamente em prática estritamente dentro da característica pragmática da cultura anglo-saxônica. Não para “criar uma nova humanidade”, à latina, mas para resolver um problema específico: como montar um esquema funcional para transferir o poder do monarca absolutista humano para o conjunto da população, também humana, e evitar o retorno à condição anterior de opressão, agora por uma maioria. Esse o ponto a que chegou a Democracia 3.0, modelo século 18, que nós nunca alcançamos. E não foi suficiente. Ele teve de evoluir, no século 20, para a Democracia 4.0 que pos o indivíduo reinando soberano sobre todas as outras soberanias ao reforçar dramaticamente os poderes dos eleitores antes e depois do momento das eleições, com os direitos de cassar mandatos a qualquer momento, dar a última palavra sobre as leis que se dispõem a obedecer e submeter até os juizes, periodicamente, à confirmação do seu beneplácito. Por o carro adiante dos bois com um eleitorado inteiramente desarmado e legalmente proibido de defender-se contra a violência legislativa e regulatória dos donos do poder (como nos querem até em relação à própria vida os radicais desarmamentistas) só levará a uma multiplicação desastrosa dos focos de corrupção.
A maior dificuldade para arrumar o Brasil não está no confronto entre visões divergentes, está em formular uma visão divergente de fato, coisa que não poderá ser aprendida na práxis política corrente que, pela direita e pela esquerda, vive da distribuição de pequenos privilégios. Vai requerer um longo mergulho no estudo da teoria política, assunto hoje anatemizado como sintoma de propensão à corrupção, e da história da evolucão da democracia pois em todos os países os problemas foram os mesmos que enfrentamos e muitos conseguiram supera-los. Não é preciso reinventar a roda. A questão é como fazer isso num país que socializou o pequeno privilégio numa extensão inédita no mundo e onde todos amam o seu, cujas escolas ou estão destruidas, ou estão censuradas pelo aparelhamento ideológico, o que nos leva ao outro grande foco de ruidos dos primeiros 100 dias do governo Bolsonaro.
Nas democracias de DNA saxônico vigora um princípio que explica a resiliência delas e tem tudo a ver com federalismo. O controle da educação deve ficar o mais longe possivel de quem já tem o controle da força armada, explicitamente como elemento básico de prevenção contra a sede insaciável de mais poder que todo poder tem.
De fato não faz nenhum sentido, senão como instrumento de perpetuação no poder, que num país continental cheio de itaócas e de megalópoles plantadas em realidades culturais, geográficas e de vocação econômica radicalmente diversas umas das outras, um único órgão centralizado, como o MEC, imponha o mesmo currículo e os mesmos métodos pedagógicos para todo mundo em todos os níveis de educação. Por isso, naquelas democracias, o controle das escolas públicas não fica sequer na mão do poder municipal, fica a cargo da menor unidade do sistema, os conselhos (school boards) eleitos por cada bairro entre os pais dos alunos que frequentarão aquela escola. Com sete membros com mandatos de quatro anos desencontrados, metade eleita a cada dois anos, são esses boards que contratam os diretores de cada escola pública e aprovam (ou não) os seus orçamentos e os seus programas pedagógicos.
Um conjunto de “distritos escolares”, o primeiro elo do sistema de eleições distritais puras, único que cria uma identificação perfeita entre os representantes eleitos e cada um dos seus representados permitindo o controle direto legítimo e seguro de uns sobre os outros, constituirá um distrito eleitoral municipal. Uma soma destes fará um distrito estadual, um conjunto dos quais dará um dos distritos federais que elegerão os deputados do Congresso Nacional.
A política, o patinho feio de todo o drama brasileiro, não pode, portanto, ser o último fator a ser considerado. Se for para curar o país, terá de ser o primeiro.
Não foi por acaso que a ditadura de Getulio Vargas começou com a queima cerimonial, ao estilo nazi, das bandeiras dos estados brasileiros.
Como sair da guerra do Rio
3 de outubro de 2017 § 43 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 3/10/2017
A gente vive ouvindo o oposto mas, pensado o problema numa perspectiva histórica, o Brasil não é um caso de fracasso de um projeto educacional. Bem o contrário. Nós somos os que nunca reformamos o nosso. O mais resiliente dos casos de sucesso de um esforço de (des)educação para um modo de estruturar hierarquias morto ha pelo menos 240 anos. Não uma sociedade “an”-alfabeta nem uma sociedade de fugidos da escola. Temos sido meticulosamente “anti”-alfabetizados, na escola e fora dela, para a negação da lógica apenas lógica da ciência moderna que nasceu junto com ela desde as primeiras vitórias da democracia sobre o absolutismo monárquico. Pelo terror puro e simples da Contrareforma e da Inquisição, primeiro; pela proscrição da honestidade mediante o bloqueio sistemático do razoável pela burocracia desde a ocupação do estado pelas corporações de Getulio Vargas; pelos expedientes menos diretamente físicos de exercício de repressão por uma “hegemonia cultural” fabricada pelos sócios da “privilegiatura” a partir da falência do socialismo real.
Na cultura ibérica de eternos “cruzados” contra os “infiéis” o ofício dos educadores (exclusivamente jesuítas nos primeiros 400 anos) e dos narradores a serviço de El Rei nunca foi interrogar ou relatar fatos mas sim elaborar “provas” da existência do que não há (mas sustenta um sistema multimilenar de poder). E isso vem numa linha de coerência que percorremos sem grandes solavancos pois, desde que o pecado passou a ser caracterizado também pelos “pensamentos”, além das “palavras e obras”, a prova cabal da inocência tornou-se impossivel e todos passaram a estar sujeitos à tortura o que transformou a mentira num imperativo de sobrevivência que a escravidão confirmou com o chicote, para além da ameaça da fogueira nesta vida ou na outra.
Era disso que falava Octávio Paz quando dizia que nós, católicos, sentimo-nos confortaveis demais dentro da mentira. Foi contra a versão institucionalizada dela que protestou o primeiro protestante. E só depois que a mentira armada de violência (o dogma) foi afastada do caminho passou a ser possivel perguntar-se porque, de fato, cai a maçã da árvore e fazer-se a luz que trouxe o mundo moderno ate onde chegou.
Só a lógica não-lógica requer força para se impor. Só a lei de Bolonha, a serviço do príncipe e não da justiça, precisa de 800 páginas a cada passo para desexplicar o que a inteligência naturalmente compreende. A lei comum e a lógica apenas lógica nascem com cada cabeça e consolidam-se com a experiência prática. E os espaços que ela não define de bate-pronto, os interstícios entre o direito de cada um e o do próximo, são o espaço do livre arbítrio, as fronteiras da liberdade individual. Ninguém tem nada com o modo como cada um os preenche.
Abrir-se ao absurdo requer uma intrincada construção que começa por negar a veracidade daquilo que os olhos vêm e os ouvidos escutam, passa pela subversão da ordem cronológica dos acontecimentos para confundir causas com efeitos e termina, no extremo, pela negação da concretude até daquilo que ocupa lugar no espaço e o tato pode palpar. Qualquer semelhança entre tais expedientes e tudo quanto caracteriza o divórcio do Brasil oficial com o Brasil real hoje não é mera coincidência. A democracia é o triunfo do senso comum (no sentido inglês da expressão), daí o esforço concentrado para desqualificá-lo como pouco sofisticado ou reacionário. Ela começa pela reafirmação das cadeias de causa e efeito que até as formas de vida mais básicas são capazes de discernir e apreender. O restabelecimento da primazia do fato sobre a versão que sua majestade dá dele é o que põe a vontade do rei “under god”, e a afirmação do direito igual para todos de ser e acreditar no que quiser e como quiser até à fronteira inviolável do direito do próximo, é o que põe o rei “under the law” como decretou o juiz Coke no ato de lançamento da pedra fundamental da democracia moderna na Inglaterra de 1605 (veja como foi essa história neste link).
Para quem parte do dogma e da repressão à verdade; para quem vive sob uma ditadura dos comportamentos “corretos” ou “incorretos”; para os nascidos e criados na Contrareforma vendo toda dissonância tratada como heresia ser purgada em autos-de-fé, é a vida quem imita a arte pautada por um “diretor”. Mas a libertação está no contrário.
A guerra do Rio de Janeiro, muito mais que à disputa pelo controle dos pontos de venda de drogas nos morros, está referida à guerra de Brasilia e ramificações pelo controle dos pontos de acesso às artérias e veias do Tesouro Nacional no serviço publico, nas estatais e nos órgãos de governo pelas corporações que se apropriaram do estado e sustentam os pretensos ditadores da “hegemonia cultural” sobre tudo que for capaz de produzir eco. Uma coisa é o espelho invertido da outra. A uns une o acesso ao privilégio; aos outros une o nihilismo que resulta da impotência do esforço e do merecimento, sem a consagração dos quais não existe meio de dar a cada um o controle do seu próprio destino.
Não ha como “vencer” a guerra do Rio. As forças armadas dos Estados Unidos com todo o seu poderio e insenção da suspeita de corrupção pelo vietcong não conseguiu vencer a do Vietnã. E de qualquer jeito, guerra urbana só termina no “padrão Síria”, com cidades inteiras reduzidas a pó. O Brasil só sai do inferno enriquecendo. E só começa a desempobrecer se quebrar a “privilegiatura”. Se a força continuar derrotando a razão; se permanecer aberta uma única fresta para justificar poder ou dinheiro senão pelo esforço e pelo merecimento; se existir qualquer outra forma de legitimar poder político que não seja pela definição absolutamente clara da representação popular, a circunscrição dessa representação aos limites seguros do distrito e a submissão completa do representante ao representado pela retomada de mandatos a qualquer momento e o referendo direto de toda lei importante pelos eleitores, só restará, no final, o fuzil. De toga, como na Venezuela, ou de balaclava, como no Rio.
PT x educação: recuse imitações baratas
6 de janeiro de 2016 § 11 Comentários
Tá duro de abrir o ano! Procuro não parecer catastrofista mas minha consciência não permite…
Mas esse é o assunto de outro artigo. Hoje vamos pelo pratinho do dia.
Enviei a um amigo esta manhã o artigo de Marco Antonio Villa para O Globo de segunda-feira, “A Revolução Cultural do PT” (aqui), denunciando a tentativa do mesmo Ministério da Educação daquela boa gente que nos governa e se arroga o direito de decidir até em que banheiro a sua filha criança vai fazer as necessidades dela, de matar a pau o que resta da educação nestes tristes trópicos tornando oficial e obrigatória a falsificação geral da História do Brasil e do Mundo que, em grande medida, já vem sendo martelada nos ouvidos das duas ou tres gerações de brasileiros “formados” para ver suprema sabedoria no que dizem e fazem gente como Lula da Silva, Dilma Rousseff, Rui Falcão e cia. ltda., e acreditar que isso é só o que existe e sempre existiu no mundo.
Recebi de volta a desculpa esfarrapada com que as TVs estão lambuzando essa denuncia, que foi a que o PT lhes forneceu para ser repassada à patuléia desavisada: a de que o assunto está “aberto ao debate nacional” e a decisão será fruto desse debate, “sem nenhum viés ideológico”, etc., etc. e tal…
Como eu vivo dizendo aqui que a solução para desatolar o Brasil da lama corrosiva de mentiras, falsificações e crimes em que o enfiaram é uma dose saudável de democracia direta, aproveito para marcar mais uma vez a diferença.
Foi assim que respondi ao meu amigo:
“Prezado P…,
É esse o velho truque da falsa democracia direta da esquerda: eles dizem, dos seus projetos-golpes, que estão “abertos às contribuições do público” sendo, portanto, democráticos e não impositivos. Mas não dizem como as sugestões eventualmente aportadas serão processadas.
Quem escolhe as que serão adotadas e as que vão para o lixo? Por qual critério? De maioria? E quem afere essa maioria? Quanto valem essas maiorias se as convocações para as “contribuições” forem feitas em voz baixa ou se elas só puderem ser dadas em sessões de “debates” ou “audiências” às quais só funcionários públicos indemissíveis ou ongueiros profissionais têm tempo para comparecer?
É aí que a coisa pega…
Os repórteres do antigo 4º Poder – aquele poder de pautar o debate político da nação que hoje os acionistas das empresas jornalísticas delegam sem nem querer saber pra quem desde que lhes entreguem os lucros combinados – nunca chegam a esses detalhes. Não haveria nem tempo pra essa discussão nas entrevistas das mídias de massa, tipo TVs, ainda que houvesse a disposição (que não há) de trava-la. Engolem com casca e tudo o cala-boca que é essa desculpa de que se trata de uma (falsa) obra coletiva e aberta como se isso fosse explicação bastante e fica o dito pelo não dito. O povo baixa a guarda e a vida segue…
Por conta de expedientes de “legitimação” desse grau de “sofisiticação” e “qualidade” mata-se, no Brasil de hoje, sem que ninguém tenha saco de olhar um pouco mais fundo para mais uma falcatrua, coisas “desimportantes” como sistemas educacionais inteiros. Quando o país finalmente abre o olho, já está morto e enterrado no arbítrio como as venezuelas da vida…
Abraço,
Fernão.
PS.: O truque é tão velho e recorrente que entre as dezenas de figuras jurídicas do que os americanos chamam de “ballot measures” (as leis de iniciativa popular e outras formas de intervenção direta de que todo cidadão dispõe para enfiar nas cédulas – os “ballots” – de toda eleição as questões que acha importantes pedindo um “sim” ou um “não” de seus pares por cima e à margem das tramoias dos legisladores), ha uma que se chama “Advisory Question” criada especificamente para a finalidade de tirar da boca dos maus jornalistas essa mentira surrada de alegar do nada que a “opinião pública” pensa assim ou assado sobre tal ou qual assunto.
Qualquer cidadão pode propor uma tomada de posição realmente legitimada pelo voto sobre uma questão qualquer – se a comunidade acha ou não acha bom que haja um currículo nacional unificado, por exemplo – e enfiá-la na cédula da próxima eleição se conseguir a adesão de um numero suficiente de eleitores do seu distrito eleitoral, apenas para que fique claramente sabido qual de fato é a posição daquela comunidade sobre aquele assunto, para qualquer eventualidade futura.
É claro que, entre essas “ballot measures” eles podem escolher também as variadas formas de “iniciative” ou de “veto referendum” para fazer ou desfazer as leis que algum legislador ou governante esperto tiver tentado lhes impingir com um decreto qualquer de véspera de Natal, ou se recusado a propor apesar da manifesta vontade do povo de que assim fosse feito, ou alguma outra variação dos luxos a que se podem dar os nossos “inimpeacháveis” representantes uma vez eleitos, dessas a que estamos acostumados por aqui e a imprensa já “acha normal“. Lá tem espaço pra essas delicadezas: a “Advisory Question” entra no jogo só a título de “recomendação” ao legislador que porventura esteja alimentando alguma idéia “esperta” em resposta a “factóides” igualmente “espertos” plantados na imprensa, por exemplo…
Isso sim, meu caro, é a democracia direta verdadeira; um conjunto de hábitos e procedimentos recorrentes de higiene política que desinfeta a mentiraiada podre e previne as mortíferas epidemias de lepra moral como essa que nos assola, com decisões legitimadas por todos os eleitores em processos acima de qualquer suspeita.
De modo que, cuidado! Recuse imitações baratas, sobretudo em se tratando de “remédios” que podem nada menos que matar de uma vez para sempre a democracia que se alega para receitá-los!
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