De onde é que vem a lama
5 de março de 2012 § Deixe um comentário
Está na entrevista de Sonia Racy com a juíza Eliana Calmon, titular do Conselho Nacional de Justiça, a “corregedoria das corregedorias” do Poder Judiciário brasileiro, hoje no Estadão:
“(A senhora) anda com segurança? “
“Não. E eu vou acreditar nessa segurança? Sou mais meu salto de sapato. Gosto de dirigir meu próprio carro. Muitas vezes um juiz quer um segurança para ser diferente. Quer uma mordomia para mostrar aos outros que ele é importante. Quem é autoridade e tem o poder de dar e tirar a liberdade tem que ser simples. Isso tudo termina sendo um pouco de doença profissional, porque quem dá a última palavra sempre fica prepotente. Por isso que digo que nós, da magistratura, tínhamos de investir na formação adequada dos juízes. Precisamos ver essa vaidade como uma doença profissional, onde você tem que se cuidar no dia a dia” (os destaques são meus).
Ela esbarrou na verdade mas não a agarrou.
Não ha formação que anule a corrupção que esse poder (de “dar a última palavra” para “dar ou tirar a liberdade“) engendra.
É o poder que corrompe (absolutamente quando é absoluto). Assim, se quisermos reduzir a corrupção que emana do Judiciário e contamina o resto do país é preciso tirar dos nossos juízes o poder arbitrário de dar sentenças diferentes para crimes iguais.
Esse é o grande desvio em que embarca a Europa latina lá atrás, no século 14, e divide a Europa em duas culturas distintas, uma muito mais sujeita à corrupção que a outra.
Não ha santo que resista ao preço que se lhe oferecerá pelo mais precioso bem da humanidade a quem tiver o poder arbitrário de dar ou tirar a liberdade alheia.
Por isso nos sistemas de Common Law, a origem comum de todos os sistemas de direito da Europa mas que só a Inglaterra preservou depois que a Universidade de Bolonha, lá no ano 1300 e poucos, criou a versão falsificada de “direito romano” que se transformou na base do nosso sistema jurídico, o juiz só cuida de aferir, com o endosso de um juri, os fatos e as circunstâncias em torno dos casos que lhe são levados e de confirmar se eles são ou não idênticos aos do precedente invocado para levar a questão ao tribunal.
Se forem, a sentença automaticamente será idêntica à do caso precedente.
Isso desloca a decisão sobre o destino do acusado do arbítrio de um simples mortal (que sempre se pode comprar) para a prova material da verdade dos fatos que é uma e apenas uma.
Essa sábia providência esteriliza a nascente de onde, nos sistemas judiciais latinos, mina a corrupção que contamina tudo o mais.
Ou seja, corrupção não é uma questão moral; é muito mais uma questão de qualidade das instituições.
Mea culpa
18 de dezembro de 2011 § 1 comentário
Gastei uma tonelada de palavras por aí abaixo para denunciar as culpas da “zelite” da imprensa para a transformação do Brasil num lugar mais ensanguentado e inseguro que o Oriente Médio nos tempos mais quentes da guerra do Iraque e não disse o principal.
Afirmar que a culpa pela carnificina no Brasil é de quem tem armas legalizadas em casa mas não puxa o gatilho é o mesmo que afirmar que a culpa pela roubalheira desenfreada de Brasília para baixo é de quem tem cuecas em casa mas não enfia maços de dinheiro público nelas.
O Brasil é o paraíso do crime pela mesmíssima razão por que é o paraíso da corrupção: porque as duas coisas ficam impunes e os criminosos podem sempre esfregar na cara da Nação o tranquilo desfrute do seu sucesso.
Tentar negar essa obviedade que clama aos céus, como faz a imprensa em peso com as raras exceções de praxe, já passou do ponto de poder ser classificado como uma mera prova de má fé. É um ato intelectualmente criminoso com agravante de dolo.
Sobre ladrões e pontes
15 de dezembro de 2011 § 2 Comentários
Em meados deste ano o governo da China inaugurou a ponte da baía de Jiaodhou, que liga o porto de Qingdao à ilha de Huangdao.
Construído em quatro anos, o colosso sobre o mar tem 42 quilômetros de extensão, inúmeros acessos por vias elevadas, sistema de elevação para a passagem de navios, e duas ilhas artificiais com equipamentos de turismo e lazer.
Custou o equivalente a R$2,4 bilhões.
Também este ano, o DNIT escolheu o projeto da nova ponte do Guaíba, em Porto Alegre , uma das mais vistosas promessas da candidata Dilma Rousseff.
Confiado ao Ministério dos Transportes, deverá ficar pronta em quatro anos. Com 2,9 quilômetros de extensão, vai engolir R$ 1,16 bilhões.
Intrigado, o matemático gaúcho Gilberto Flach resolveu estabelecer algumas comparações entre a ponte do Guaíba e a chinesa. O jornal Zero Hora publicou o espantoso confronto númerico resumido no quadro abaixo:
Os números informam que, se o Guaíba ficasse na China, a obra seria concluída em 102 dias, ao preço de R$ 170 milhões. Já se a baía de Jiadhou ficasse no Brasil, a ponte não teria prazo para terminar e seu custo seria calculado em trilhões.
Como o Ministério dos Transportes está arrendado ao PR, financiado por propinas, barganhas e permutas ilegais, o País do Carnaval abrigaria o partido mais rico do mundo.
Outra ponte recém anunciada no Brasil com pompa, circunstância e cocares é a que o PT quer lançar sobre o Rio Negro. Com 3,6 km de extensão, foi orçada em R$ 574,8 milhões mas já consumiu, por enquanto, R$ 1,07 bilhão, o dobro do previsto. O custo por km já está, portanto, em R$ 297,5 milhões, três vezes o da ponte chinesa.
Vamos ver a quanto vai chegar até o fim da festa.
Corruptos existem nos dois países, mas só o Brasil institucionalizou a impunidade.
Dia 19/07/11, o Tribunal chinês sentenciou à morte dois prefeitos que estavam envolvidos em desvio de verba pública.
Adotada esta prática no Brasil, teríamos que eleger um Congresso por ano.
Matéria sugerida por Carlos Soulié do Amaral
O “racismo invisível”, o PT e a mulher do próximo
24 de novembro de 2011 § 1 comentário
Vinha agora ha pouco no carro ouvindo a deputada Erika Kokay vociferando na Voz do Brasil contra o “racismo invisível” e pedindo providências legais contra este mal que – não adianta esconder – assola este Brasil cujo povo, de certo, só é miscigenado como é para disfarçar o que realmente pensa.
Esse “racismo invisível” é a versão moderna do “Não desejaras a mulher do próximo”.
Não bastam os fatos.
Os fatos são passíveis de prova. Confirmam ou desmentem irretorquivelmente uma acusação. Encerram a discussão. Põem as decisões a salvo do arbítrio da autoridade constituída.
Aceito o fato como prova a autoridade constituída se torna menor que ele. Tem de se submeter à evidência.
Mas, na multimilenar tradição católica, a autoridade constituída não se submete a nada. Zela, acima de tudo, pela sua onipotência.
É preciso que o súdito não tenha segurança nunca. A certeza não pode jamais entrar no seu horizonte de possibilidades. Nem o fato pode ser um refúgio seguro contra o arbítrio.
Isso o levaria a começar a ter idéias perigosas.
A fragilidade do súdito e a sua insegurança precisam ser absolutas.
A Igreja de Roma viveu quase 2 mil anos desse engôdo, submetendo todos ao terror sem abrigo seguro possivel.
Assim como ter ou não ter jamais tocado a mulher do próximo pouco importa, não livra ninguém do “pecado mortal” e da condenação ao Inferno, o fato de você jamais ter erguido um dedo ou dirigido qualquer palavra ácida a alguém diferente de você não é prova suficiente e satisfatória de ausência de preconceito e nem mesmo da sua tolerância e do seu respeito pelo próximo.
A eles interessa o que você possa ter eventualmente pensado, um dia, exatamente porque isso não poderá ser conclusivamente demonstrado jamais.
É por essa brecha que entram em cena a Inquisição, a tortura e, em última instância, a condenação à fogueira física ou moral.
Agora é a vez do PT. O “racismo invisível” não deixará de existir nem que andemos, os de todas as raças, a nos beijarmos e abraçarmos constantemente nas ruas. Ao PT só interessa o que tivermos eventualmente pensado sobre isso alguma vez. E, a respeito do que nós pensamos ou deixamos de pensar, há muito tempo que o PT já formou o seu pré-conceito, que independe completamente de confirmação pelos fatos.
O subproduto desse modo pervertido de “mandar” continua sendo o mesmo de sempre: a justificação moral da mentira e da dissimulação como imperativos de sobrevivência. A corrupção por atacado do caráter de um povo.
Já a mim, que sou muito menos exigente que o PT e a deputada Kokay (e tenho certeza de que comigo 99,9% do Brasil), bastam-me os fatos. Dar-me-ia por completamente satisfeito se, por exemplo, os correligionários da deputada e a horda faminta dos “apoiadores” do governo do seu partido secretamente desejassem o dia inteiro nos roubar mas se refreassem de jamais tocar em um tostão que fosse do dinheiro público. Ou mesmo – sejamos comedidos mesmo para sonhar – se torcessem furiosamente a favor deles, na intimidade dos seus pensamentos mas, na hora de agir, trancafiassem inapelavelmente na cadeia os ladrões flagrados roubando dinheiro público e jogassem a chave da cela fora.
Cada enxadada uma minhoca
21 de outubro de 2011 § 1 comentário
Na infância da corrupção no Brasil havia sempre dois lados na roubalheira: uma empresa ou entidade pública e uma empresa ou pessoa física privada. O dinheiro tinha de sair de dentro do Estado para ser roubado e o ladrão público e o ladrão privado tinham de dividir o produto do roubo.
Agora na maturidade, exibindo toda a plenitude do renovado vigor que a “Era Lula” instilou nessas práticas, o parceiro privado tornou-se desnecessário.
Os empresários de que o governo não pode abrir mão foram oficialmente adquiridos via BNDES. Tornaram-se sócios oficiais da “viúva” e o PT, que quando quer sabe controlar as coisas melhor que ninguém, põe os seus fiscais sentados dentro dos conselhos das empresas deles e exige que se comportem dentro das melhores práticas de governança corporativa em relação ao seu dinheiro.
Mas para o varejo da roubalheira, a novidade é que o ladrão público verticalizou totalmente a atividade, dispensando o antigo parceiro privado.
Feita a partilha do país depois de cada eleição e atribuído o devido território privativo de exploração a cada partido que contribuiu para a tomada do todo, cada um está livre para criar, interna corporis, as suas próprias empresas e ONGs a quem repassará o dinheiro que sai dos seus orçamentos endereçado “para o benefício do povo” para voltar, integral e limpinho, para o bolso de quem o liberou.
A proliferação em metástese de ONGs em torno dos 38 ministérios criados pelo “nosso líder” para assistir ao seu povo em todas as necessidades, sub-necessidades e outras dobras menores das atividades e carências em que se envolve é apenas e tão somente a resposta do “mercado” à oferta previamente criada pelo senhor presidente, no melhor estilo de indução do desenvolvimento pelo Estado que ele sempre pregou.
“Aqui estão os bilhões. Criar uma ONG é o caminho para enfiá-los no bolso”.
Pronto!
Seriam essas as “organizações populares” e “movimentos sociais” que deveriam aprovar por aclamação as políticas do PT em assembléias convocadas pelo PT, em substituição ao velho modelo da democracia representativa com o Congresso Nacional e todo resto daquela parafernália obsoleta, conforme prescrevia o Plano Nacional de Direitos Humanos que o PT em peso assinou na virada de 2009 para 2010?
Tudo leva a crer que sim.
Para ONGs e “movimentos sociais”, depois que o dinheiro entra não ha nenhuma fiscalização sobre seu uso e nem legislação que o exija. Exatamente como nos sindicatos.
Já a velha estrutura por onde costumava transitar o dinheiro do povo antes do PT – Congresso, governo federal, governos estaduais, governos municipais – sofre controles por todos os lados que, ainda que funcionem cada vez mais precariamente, são, junto com a imprensa, os que criam os incômodos que, a cada mês, têm obrigado o partido a fuzilar cerimonialmente algum “companheiro” flagrado com a mão na massa, ainda que sempre com as balas de festim do mero “afastamento” em direção a uma aposentadoria dourada.
Já no que diz respeito a eleições, o PT nasceu e se criou no sistema de aclamação em petit comité que sempre vigorou nos nossos sindicatos pelegos no qual não existe nenhuma obrigação de representatividade aferível, e onde os dissidentes mais incômodos costumam receber o tratamento dispensado a Celso Daniel e tantos outros.
Já as eleições que nossa Constituição sacramenta e o mundo democrático exige, fazem questão de que todos votem, e os que não votarem expliquem o que os impediu de fazê-lo, o que põe as coisas fora do tipo de controle sobre os imprevistos a que o partido está acostumado internamente.
Enfim, não chegamos ainda ao ponto de substituir o Congresso pelas ONGs e “movimentos sociais“, como prescreve o PNDH mas, a se permitir que elas continuem enriquecendo na velocidade em que vão nunca se sabe neste país onde nada se institucionaliza, tudo se compra.
Eis porque essa coisa de escândalos de corrupção nos ministérios petistas é só uma questão de cutucar. Qualquer dos 38 em que imprensa se dispuser a meter o nariz não dará erro.
Cada enxadada trará a sua minhoca depois que Lula determinou qual é a regra do jogo.
Mas não ha meios de se fazer isso com rapidez ou excesso de rigor sob pena de por o governo inteiro na rua (já que corrupção por aqui não dá cadeia mesmo) e provocar uma rebelião aberta contra a qual a presidente não teria um único aliado dentro das forças políticas organizadas.
Como lembrei hoje mesmo a uma leitora que comentou o fim de Kadafi, a coisa mais fácil do mundo é abrir as portas do inferno. E a mais difícil é catar um por um os demônios soltos, empurra-los de volta para as profundezas e trancar a porta de novo
O Brasil terá de passar por um lento e desgastante processo de reeducação para retornar de onde Lula o atirou.
Você precisa fazer login para comentar.