A guerra dos trouxas

14 de abril de 2020 § 14 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 14/4/2020

Pobreza: teu nome é privilegiatura.

Desigualdade de renda: teu nome é privilegiatura.

Favela: teu nome é privilegiatura.

Colapso do sistema de saude: teu nome é privilegiatura…

A lista poderia ir longe. Todo mundo sabe onde sobra o dinheiro que falta em todos os outros lugares do Brasil.

O que mais mata nesta epidemia, é bom não esquecer, é a falta de hospitais, equipamentos e testes. Na Itália, na Espanha, nos Estados Unidos, onde quer que se olhe, com raríssimas exceções, é aí que mora o fantasma. No Brasil a comparação entre hospitais públicos e privados indica que o retardamento do inicio do tratamento está matando mais ainda. Era tal o medo do colapso do sistema de saúde – que de resto já era crônico – que o principal foco da campanha no início da epidemia do coronavírus foi “Não vá para o hospital ao primeiro sintoma. Lá é o melhor lugar para você pegar o corona. Espere sintomas como febre e falta de ar”…

Passado o pico da epidemia nas classes mais altas que importaram a doença para o Brasil, o resultado desse “erro de comunicação” aparece trágico na disparidade chocante dos números dos hospitais públicos e privados. O Sírio Libanês, com mais de 300 casos tratados, só perdeu 1 paciente. O Einstein, com mais de 400, só perdeu 1 paciente. Nos hospitais públicos os tratamentos são basicamente os mesmos mas “as pessoas estão chegando mortas ou quase mortas”. Existe a trágica exceção do Santa Maggiore. Dedicado exclusivamente a idosos, foi lá que morreram metade dos pacientes perdidos na cidade de São Paulo. Mas na rede publica o principal fator de perda de pacientes tem sido o atraso no início do tratamento. Aumentou a mortalidade até por outras causas pois as pessoas estão esperando até ser tarde demais para procurar esses “antros de contaminação pelo COVID-19”.

A quarentena, sempre é bom lembrar, não evita definitivamente a contaminação nem “salva vidas” diretamente, ela apenas espalha esses eventos no tempo. O que ela evita sim é o colapso dos sistemas públicos de saude e o flagrante dos responsáveis por ele. A epidemia mesmo só refluirá quando cumprir o seu ciclo, isto é, quando contaminar e imunizar mais da metade da população e os números de baixas aos hospitais e aos túmulos começarem a diminuir naturalmente.

O “outro lado” dessa epidemia é, porém, bem menos “democrático” que aquele que corre só por conta do vírus. E nele embalam-se os mais variados tipos de delírio. Gente como o ex-senador Suplicy, representante talvez extremo de um grupo grande de nostálgicos do século 20, está até feliz. Nunca viu o Estado tão perto de sustentar todo mundo do nada como ele sempre sonhou. Ha um mal disfarçado tom de comemoração também em círculos engajados chiques que saúdam “a desaceleração de que a humanidade estava precisando”. Ninguém sintetizou melhor que Luiz Felipe Pondé em artigo para a Folha de ontem: “Perguntar porque os pobres não fazem quarentena é perguntar porque não comem bolo, já que não têm pão”, o que põe esses governadores que ameaçam “prender e arrebentar”, mais aquela imprensa que alinha-se automaticamente com toda e qualquer multa ou tapa mais forte da “autoridade” na orelha dos seus leitores no papel das nossas Marias Antonietas.

A quarentena, para todos os efeitos eleitorais, seja como for, é jogo feito. Bolsonaro está “de mãos lavadas” da responsabilidade para a qual, diga-se de passagem, não tem alternativa que não seja temerária; os governadores vivem o seu momento de onipotência e o lulopetismo olha de fora, esfregando as mãos, o circo pegar fogo. 

O problema é como sair vivo dela e da maior recessão que o mundo já viu. Os novos miseráveis do Brasil não estão em nenhum mapa e, portanto, não dão matéria. E intraprivilegiatura tudo vai na santa paz de sempre. Enquanto “esquerda” e “direita” se esbofeteavam passou o 1º round da desidratação das reformas onde a dificuldade sempre foi identificar quem – governo ou oposição – esvaziou mais o balão do resgate do favelão nacional da miséria para que não murchasse o que mantem a privilegiatura pairando acima do que der e vier. 2019 entrando tivemos o aumento de 16,32% para toda a tchurma assinado pelo STF das lagostas e dos vinhos de “no mínimo quatro premiações internacionais” até hoje não revogados. E, já sob pandemia, a exclusão das reduções de salários do funcionalismo do “Orçamento de Guerra” e o apedrejamento sumário do Plano Mansueto. Nada de vender estatais e fechar ralos históricos. Os heróicos governadores que acusam o povo indisciplinado pela pandemia aceitam no máximo um ano sem aumento para mandar suas dividas inteiras de volta para o favelão nacional com a Lei de Responsabilidade Fiscal enfiada no mesmo saco. De passagem, liminar do condestável Lewandowski manda junto o cadáver da reforma trabalhista ao estabelecer que acordos entre patrões e empregados para driblar a crise só valem se assinados por sindicatos. 

Resta-nos rezar pela cura. Mas esta interessa pouco à imprensa, como eu o convido a conferir lendo no www.vespeiro.com a matéria que este Estadão recusou uma semana atras.

§ 14 Respostas para A guerra dos trouxas

  • Miguel Burihan disse:

    Impecavel como sempre, concordo em numero e grau, ja o genero hoje em dia é controverso, muitas opções.
    Resta-nos atear fogo as proprias vestes

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  • Herbert Sílvio Augusto Pinho Halbsgut disse:

    Bravo Fernão, esteio da verdadeira imprensa, juntamente com outros tantos que honram a profissão de jornalista, apesar de serem proporcionalmente em menor número enfrentando um oceano de “bundamolistas (conforme termo que usou em seu post anterior)”. Ultimamente ando perdendo a paciência em relação à imprensa nhe,nhe,nhem… que finge que não vê e tem memória curta, facilitando as coisas para a privilegiatura nacional que é câncer que devora e debocha do estado democrático de direito determinado em nossa Carta Magna. Cabe aos cidadãos consciente ouvir vozes como a sua e reagir, cada qual em sua seara, como numa “conspiração benéfica” (leia-se Václav Ravel). Viva o VESPEIRO.COM !

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  • Mara Panico Grecco disse:

    Impecável, irretocável!

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  • Marco V disse:

    Pasto para gado.
    Esse título que proponho seria muito mais adequado para esse texto. Palavras escrita dentro das normas, mas o conteúdo foge da necessidade intelectual.

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  • Jair Rafaell disse:

    Renovação política necessária.

    Confusão e incoerência total, na administração da crise. Todos desejam o poder, mas falta Cultura e capacidade.

    Estamos sem Comando, a espera do imaginável.

    Futuro vai dizer

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  • rubirodrigues disse:

    Como de costume, muito bom. Apenas estranhei a figura de dois pardieiros carregando o planeta. Pressupõe ascendência presunçosa, não comprovada e muito discutível da espécie humana sobre o planeta. Me fez lembrar história antiga de estrondosa gargalhada da tribo ao redor da fogueira, quando o cacique relatou que o homem branco vindo do mar demarcou um terreno e no final declarou: é meu!

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  • Sérgio Torres disse:

    Ê.. ê… ê… vida folgada… casta privilegiada, casta feliz…

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  • Milton Golombek disse:

    Caro Fernão, parabéns pelo excelente artigo.

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  • carlosbia disse:

    Caro Fernao, seguem os textos que enviei, respectivamente, para meus contatos e ao Forum do Estadão, a respeito do seu artigo “A guerra dos trouxas”. Parabéns pela sua coragem!

    “ Vejam o artigo abaixo, que saiu no Estadão de hoje, e cujo autor faz parte do Conselho de Administração do referido jornal. Afora as considerações, pertinentes, a respeito da “privelegiatura”, e que são comuns nos artigos que ele posta regularmente, atentem-se para o último parágrafo do artigo. É inacreditável, o Estadão, baluarte das liberdades de expressão, recusar-se a publicar uma reportagem que o referido colunista produziu sobre tratamentos que foram ministrados a certos pacientes, com resultados extremamente positivos (constam nomes dos dos pacientes, dos médicos, e de certos experimentos efetuados em Wuhan). Para quem (o Estadão), que sempre se insurgiu contra a censura, como é que podemos agora classificar tal atitude? Então meus caros amigos, leiam esse artigo, apesar de longo, entrem no endereço que o autor do artigo informa (www.vespeiro.com) e leiam também a reportagem que foi RECUSADA pelo Estadão! Eu como leitor, e assinante do Estadão a décadas, me senti ultrajado!! 👇👇👇👇👇”

    “ Prezados Srs.

    Parabéns ao Fernao Lara Mesquita, autor do artigo “A guerra dos trouxas”, pois concordo com todos os pontos ali colocados. Fiquei porém preocupado com o último parágrafo do referido artigo, pois parece-me que foram sonegadas pelo Estadão informações importantes que o referido colunista ofertou para a publicação. Em honra a longa história do Estadão na defesa da liberdade de expressão, contra qualquer tipo de censura, gostaria de, como assinante faz décadas das publicações dessa conceituada Organização, ter um esclarecimento do porque da não publicação da referida matéria, e que esse esclarecimento fosse dado através da própria publicação, de maneira que nós todos, sejam assinantes, ou simples leitores, tenham conhecimento das justificativas.”

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  • Ethan Edwards disse:

    Excelentes artigos – este e o anterior, sobre o novo tratamento contra o coronavírus.
    Incidentalmente, o que vem acontecendo nos mostrou também outra verdade que, como de hábito, só se revela plenamente nas crises (quando as pessoas perdem a paciência para conversa fiada e lero-lero): as estruturas gigantescas e centralizadoras do Estado são inúteis para enfrentar situações imprevisíveis como uma pandemia. Os médicos e pesquisadores de Wuhan tinham diante de si todas as evidências de que um vírus mortífero estava se espalhando, sem controle. Poderiam ter efetuado medições, equipar os hospitais locais e tomar medidas de prevenção. Não fizeram nada disso, porque dependiam das “autoridades centrais”; quando tentaram, corajosamente, divulgar o que acontecia, foram silenciados. No Brasil não foi muito diferente. Os governos estaduais centralizaram desde o primeiro momento as decisões… apenas para descobrir, no dia seguinte, que não têm pessoal qualificado para produzir as informações indispensáveis para o combate à epidemia. E, sem dados confiáveis, não conseguem estabelecer o momento seguro de encerrar a quarentena. Não sabem se já houve o pico ou se ele ocorrerá quando terminar a quarentena (no inverno…). Não conhecem as taxas reais de letalidade. Não sabem quantos estão contaminados, mas assintomáticos, e quantos já desenvolveram anticorpos para o vírus. Não sabem que taxas de contaminação devem ser registradas (provavelmente…) quando terminar a quarentena e se o sistema de saúde será capaz de suportar taxas de contaminação superiores a X… É um voo cego. Ao centralizar tudo, acumularam uma quantidade de dados que agora não são capazes de manejar. Dezenas, talvez centenas, de instituições privadas, dotadas de pesquisadores qualificados, poderiam estar envolvidas nesse processo desde o início e ajudá-los a tomar decisões. Mas a fé na onisciência da burocracia estatal é inabalável. Tudo no Estado, nada fora do Estado… Só nos resta apertar os cintos e rezar.
    Parabéns pelos artigos.

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    • Herbert Sílvio Augusto Pinho Halbsgut disse:

      Concordo consigo Ethan e tenho apontado que no Brasil temos uma carência imensa de planejamento feito por pessoas preparadas e nos locais certos, na hora certa. E os que se habilitam espontaneamente a participar, exercendo seu direito de cidadania, são barrados e tratados como inimigos da coisa (deles) pública. O poder no Brasil tem dono e ainda não é o do povo – de quem o poder deve emanar segundo nossa Carta Magna – que é tratado de forma debochada por aquele que deveria estar governando baseado nas opiniões de especialistas, pesquisadores e pessoal administrativo de grande vivência na prática da administração publica correta. Estamos todos num grande balão de ensaios onde muitos patidinhos e politiqueiros disputam, a qualquer preço, votos nas próximas eleições, mesmo que o preço seja colocar em riscos a saúde de todos. É nessas horas que sentimos a necessidade de um Poder Judiciário bem constituído por membros de notória capacidade e muito conscientes do dever e responsabilidade que tem para a defesa do Estado e da Nação.

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  • lourenco augusto de meireles reis disse:

    plano mansueto virou plano para pagar salários dos funcionários públicos estadiais e municipais, que não podem ser demitidos e não podem diminuir salários . a arrecadação caiu parece que mais de 40% , e não sei como iriam pagar os salários .
    o projeto MAIA aprovado disse que tem de gastar na saúde,É PARA BOBO ACREDITAR
    ,
    VIVA O SINDICATO DOS LESAS PATRIAS.

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  • Cirval disse:

    Só faço uma observação, quando se fala na disseminação da Covid-19 no Brasil. Quem deveria comandar o processo de prevenção em seu início era o presidente da República, mas, ao contrário, disse tratar-se de uma gripezinha e nenhuma providência tomou. O mínimo que deveria fazer e ter cuidado com ela e, até agora, zomba da Covid-19. Quando ocorreu a primeira morte na China e já descoberto que era um novo coronavírus, governantes como Trump, Boris Johnson e o presidente brasileiro deveriam, pelo menos, tomar algumas precauções contra ela, mas, não, em vez de precauções, tripudiaram sobre ele. Era tempo suficiente para fazer alguma coisa e não fizeram. Talvez nem precisassem da “quarentena burra”. Agora, deixar a coisa correr até que o tempo imunizasse a parcela da população “necessária” é de uma imbecilidade em que custo a acreditar. Boris Johnson teve a vantagem dos hospitais públicos funcionarem e lhe salvarem a vida, mas, no Brasil, onde a maioria da população é doente e os hospitais públicos estão caindo aos pedaços, alguma medida preventiva deveria ter sido tomada. E é na gente doente que a Covid-19 gosta de se instalar, porque faz a festa. E tem que se esquecer que o grupo de risco está apenas entre os idosos! É sabido que o número de infectados é mais de 15 vezes aqueles conhecidos oficialmente. Quando a Covid-19 se manifestar nesses casos, vai ser uma tragédia. Agora, é o que Deus quiser. Se nos EUA já estão amontoando cadáveres, imagina-se aqui. Tem razão a deputada Janaína Paschoal quando diz que temos que encontrar uma outra alternativa para 2022 – embora tenhamos matéria mais grave para resolver – que não seja o atual presidente nem o PT. Ambos já se mostraram inviáveis para liderar o país.

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  • Jose disse:

    Foi o Fernão quem escreveu este texto?

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