Como por o Brasil sob nova direção – 1
6 de dezembro de 2016 § 13 Comentários
Artigo pra O Estado de S. Paulo de 6/12/2016
No desespero o Brasil agarra-se a duas ilusões: a de que chegaremos ao fundo do poço por inércia e recomeçaremos a subir e a de que um herói providencial nos vai levar de volta à superfície.
Não vai. A condição para sairmos da espiral de desastre é deixarmos de nos iludir. A democracia moderna só nasceu, aliás, quando um grupo muito especial de homens deixou de alimentar ilusões quanto à natureza humana e sua especial propensão a se deixar corromper pelo poder. Este “poço” só terá o “fundo” que formos capazes de estabelecer tapando os ralos por onde se drena a riqueza da Nação. Não ha limite para a queda enquanto não o fizermos. O país está “fechado” com quem teve a grandeza de desafiar a impunidade da vertente política do “Sistema“. Prender ladrões é preciso. Sempre. Mas pretender ocultar, com isso, a existência das corporações que controlam o Congresso para cavar e manter privilégios legalizados, entre as quais as do Judiciário e do Ministério Público têm lugar de destaque, e a devastação que esses privilégios produzem nas contas nacionais está longe de ser um procedimento honesto ou mesmo razoavel, pois é esse o rombo que está levando o Brasil ao naufrágio.
Submeter a Nação, o Estado e todos os seus servidores à mesma lei, essência da Republica que o Brasil nunca implantou, nos poria no limiar do século 19 que fez disso o mantra sagrado da revolução. Já seria um grande avanço. Mas é preciso mais. A democracia só se tornou efetiva na virada para o século 20 quando os primeiros 100 anos de experiência republicana vivida levaram os Estados Unidos a reincorporar elementos de democracia direta à fórmula que, pela ausência deles, tinha feito naufragar na corrupção a primeira versão romana da democracia representativa.
A jovem republica tinha caído refém dos “caciques” políticos que se foram especializando em manipular contra a hegemonia da vontade popular os elementos estruturais de que os fundadores tinham aparelhado o novo regime para prevenir que degenerasse numa tirania da maioria. Eles tinham calculado mal. O que de fato se instalara fora uma tirania da minoria. Com a expressão da vontade popular tendo de passar obrigatoriamente pelo filtro das instituições de representação que eles próprios encarnavam protegidos por mandatos de duração pré-determinada que lhes garantiam uma impunidade no mínimo temporária, ficou fácil para os agentes decaídos da política instrumentalizar institutos como o da separação dos poderes ou da independência do Judiciário para colocar-se fora do alcance da lei e locupletar-se vendendo favores ao “big business”.
Era necessário, portanto, criar instrumentos para divorciar o Estado do Capital, quebrar o domínio absoluto dos “chefões” sobre os partidos políticos e contornar as instituições que se antepunham entre a vontade popular e o governo. As respostas, algumas importadas da Suiça outras feitas em casa, foram empurradas por campanhas da imprensa e dos reformadores da chamada “Progressive Era” aos quais viria a aliar-se Theodore Roosevelt, o vice que subiu à Presidência em 1901 e deu o impulso decisivo à causa. Nada que dois milhões de manifestantes nas ruas, metade dos quais carregando o mesmo cartaz, não consigam fazer com mais facilidade, aqui, que derrubar um governo do PT.
O pressuposto das soluções adotadas é o federalismo que nossa Constituição afirma mas nunca impôs. Se o poder “emana do povo e em seu nome é exercido” tem de ser exercido onde o povo está: nos municípios para todas as questões que podem ser resolvidas dentro de um município; nos estados somente quando ha mais de um município envolvido; na União somente se o que estiver em jogo for segurança nacional, defesa da moeda ou tratados internacionais.
O direito ao “referendo” das leis aprovadas nos Legislativos municipais e estaduais abriu a primeira brecha na ditadura da minoria. Decorreu naturalmente dele o direito às leis de “iniciativa” popular. Para “impor” seus novos poderes armou-se a mão do eleitor com a prerrogativa de cassar o mandato do seu representante (“recall”) mediante petições iniciadas por qualquer cidadão. Para executar o “recall” sem parar o país inteiro a cada passo, as eleições (e “deseleições”) tinham de ser distritais. O controle sobre os representantes de cortes mais amplos do eleitorado foi proporcionado por eleições primárias diretas para a escolha dos candidatos dos partidos às eleições majoritárias. A “legislação antitruste” veio para civilizar o capitalismo.
Faltava “enquadrar” o Judiciário sem, no entanto, enfraquecer-lhe a independência em relação a tudo o mais menos o povo. Instituiram-se as “eleições de retenção” (ou não) dos juizes de direito em suas respectivas comarcas.
Tudo começou com dois solitários estados instituindo o “referendo”, primeiro e a “iniciativa” e o “recall” em seguida, entre 1898 e 1902. Em 1911 São Francisco e Los Angeles transpuseram a fórmula para os municipios. Seguiu-se um século inteiro de aperfeiçoamentos conquistados passo a passo por eleitores armados de poder de vida ou morte sobre os mandatos dos seus representantes. Hoje eles decidem tudo. Na eleição de 2016, entre leis de iniciativa popular, refrendos e “recall” de funcionários, representantes eleitos e juízes 162 temas diferentes foram decididos no voto além da escolha do presidente da Republica.
Contra mudanças dessa extensão, sim, valeria negociar até anistias!
Aqui, como nos tempos do Império, Brasilia decide tudo, a começar pela “cláusula pétrea” de que seus habitantes jamais serão atingidos pelas crises que fabricam. La ninguém foi demitido e os salários continuam subindo. Na sua olímpica alienação, Brasilia não tem pressa. Está se suicidando e levando o Brasil consigo. Agitando a luta contra a corrupção para desviar a atenção dos privilégios que não admite perder, embarcou-nos num vôo para o qual o país já não tem autonomia. A economia privada, que põe comida na mesa, está em pane seca.
É acordar ou morrer!
Que fazer?
11 de março de 2015 § 14 Comentários
Artigo para O Estado de S.Paulo de 11/3/20
O que ha de surrealista nesta crise é a ordem dos fatores. Não são os fatos que configuram a crise e pautam o discurso do governo, é o discurso do governo que pauta a crise e torna os fatos cada vez mais adversos.
De par com a roubalheira tanto mais negada quanto mais exposta, esta crise não é muito mais que a insana persistência na negação da crise, agravada pela última tentativa de dona Dilma de provar-nos que os loucos somos nós, que o que sentimos no bolso não passa de uma invenção “da mídia” e que quem vai mal não é o Brasil onde o petróleo custa o dobro, é o mundo onde o petróleo custa a metade. Assim como a Petrobras é “vítima” do assalto a que se vem submetendo languidamente ha 12 anos, o PT é “vítima” da incúria chinesa, americana e alemã para tocar uma economia com eficiência e responsabilidade.
É totalmente relevante assinalar que a par de abrir-nos os olhos para os perigosos enganos a que nos empurram os nossos cinco sentidos, dona Dilma decretou que matar mulheres – e só mulheres – passa a ser “crime hediondo”, apenas porque sua augusta excelência acordou com essa boa idéia na cabeça!
O constante atropelamento da Lei, da aritimética e das instituições pelos “atos de vontade” do governante de plantão num mundo onde o dinheiro é um só e não admite mais esse tipo de desaforo é o que nos está matando.
Seria o momento da oposição provar que é diferente. Mas não será saudando o dono da Transpetro como “estadista da República” por reagir ao cerco da polícia atirando no dr. Levy que vai conseguir isso. Faria melhor se denunciasse a “camarotização” pacificamente assimilada dessa Brasilia que segue com suas obscenas enxúndias e adiposidades incólumes enquanto exige do Brasil da 2a Classe que entregue os músculos e até os ossos. Mas nem pelo exercício didático alguém fez a conta para mostrar quanto do superavit pretendido pelo dr.Levy poderia ser conseguido limpando o país de pelo menos 29 dos 39 “ministérios” que nem a presidente é capaz de enumerar de cór, com seus respectivos “ecossistemas” de parasitas. As provas de que a dos que pagam e a dos que são pagos com impostos são as duas únicas “classes sociais” em conflito insanável no país dos “exércitos do Stédile” poderiam ganhar a exposição que precisam ter, mas ninguém põe o dedo nessa ferida, primeiro porque, em lado nenhum existem “contribuintes” em Brasilia e, segundo – e esta é a verdade que dói – porque quase todos aqui fora têm algum pai, mãe, irmão ou filho na categoria dos “contribuídos”.
Truque velho como a peste bubônica esse de gastar um pouco de quirera pra catar frango pro almoço, mas a gente não aprende.
E no entanto, se tem uma coisa que todo mundo sabe com certeza é que adianta tanto para a salvação da economia nacional o dr. Levy amputar músculos para preservar gordura mórbida ou fazer o ajuste burro via inflação para entregar um país que caiba nas calças por mais 15 minutos quanto o Judiciário prender mais meia dúzia de zés dirceus por meia hora e de marcos valérios por meia vida para evitar os próximos “petrolões”.
O mesmo raciocínio vale para o impeachment, ainda que não fosse no quadro de economia e instituições em frangalhos que tornam essa empreitada temerária hoje. Ele faria tanto pelo exorcismo da corrupção no Brasil quanto fez o do ex-presidente banido que está hoje atolado no “petrolão”.
Sim, democracia não é o poder de eleger, é muito mais o de deseleger. É em torno de quem tem o poder de demitir que estruturam-se as cadeias de lealdades como mostram tanto o dia a dia que todos vivemos no trabalho quanto o receituário internacional da moderna medicina institucional. Mas somente se esse poder for institucionalizado, orgânico e previsível.
Se o desastre petista ainda não atingiu a todos, é certo que, com ou sem Dilma, ninguém escapará. Impedir o PT de presidi-lo inteiro, portanto, só pioraria as coisas. Este país tão cheio de filtros distorsivos da realidade precisa de literalidade e privar o PT de colher todos os direitos autorais a que faz jus seria contribuir para que não “pegue” a vacina que pode por-nos para sempre à salvo da volta ao “califado bolivarizado” modelo século 18 com que sonha o lulopetismo emessetista.
O importante é garantir que disso resulte que, para tudo quanto é decisivo, daqui por diante, a ultima palavra, na brasileira, seja sempre do eleitor como já é em toda a democracia que pode ser grafada sem aspas. Para tanto, dois instrumentos são imprescindíveis: o “voto distrital com recall”, em uso pelo mundo afora desde 1846, e o “voto de retenção de juízes de direito”, em uso na norte-americana e em outras democracias de ponta desde 1934. Com o primeiro, divide-se o eleitorado em distritos delimitados e só se permite que cada candidato se ofereça a um, o que amarra cada representante a um grupo identificavel de representados. Dentro de cada distrito, todo eleitor tem o direito de iniciar uma petição para derrubar seu representante a qualquer momento e por qualquer motivo. Se conseguir um numero suficiente de assinaturas, convoca-se uma votação só naquele distrito e derruba-se o faltoso sem ter de perturbar a paz social ou o resto do país. Com o segundo faz-se coisa parecida no universo do Judiciário. Os juízes seguem sendo “intocáveis”, salvo por suas excelências os eleitores. A cada eleição aparecerá nas cédulas de cada distrito eleitoral também o nome dos juízes daquela jurisdição com a pergunta: “Deve o meritíssimo ter a sua incolumidade confirmada por mais 4 anos”? “Sim” ou “Não”.
Lembrar a toda hora aos participantes do jogo político quem manda em quem num governo “do povo, para o povo e pelo povo“, e demitir sumariamente quem esquecê-lo inverte o sentido das lealdades e faz o mundo dos políticos e do funcionalismo passar a funcionar exatamente como o aqui de fora, pela mesma boa razão: ou trabalha-se a favor “da empresa”, ou rua.
Para conseguí-lo, basta afirmar o que queremos com a mesma firmeza com que ja começamos a afirmar o que não queremos.
COMO FUNCIONA A SELEÇÃO DE JUíZES NOS EUA
TUDO SOBRE O VOTO DISTRITAL COM RECALL
Você precisa fazer login para comentar.