Primárias do PSDB e outras candidaturas ôcas

29 de novembro de 2021 § 32 Comentários

Ainda que eleições primárias diretas tenham ocorrido aqui e ali nas colônias americanas tão cedo quanto 1840, o sistema só começou a se generalizar na virada para o século 20. A reforma para torná-las obrigatórias, uma batalha que de certa forma ainda está em curso nos Estados Unidos, foi extraída a fórceps dentro do movimento de resgate da democracia americana das garras da corrupção em que a tinha mergulhado a combinação do “pecado original” dos “fundadores” de blindar os mandatos dos políticos eleitos enquanto durassem (4 anos) com o advento das revoluções concomitantes industrial e gerencial numa sociedade agrária institucionalmente despreparada para enfrentar os novos desafios. 

Os Estados Unidos eram ainda apenas as colônias da costa do Atlântico quando as ferrovias – como hoje a Amazon com relação ao mercado global – “abriram” todo o resto do continente até o Pacífico, tornando-se, no entanto o único canal de acesso a esse imenso cabedal de riquezas, assim como de escoamento para o mercado consumidor de tudo que nele pudesse ser produzido. 

Isso propiciou que empresários inescrupulosos mancomunados com políticos mais inescrupulosos ainda, que elegiam e reelegiam com seus inesgotáveis rios de dinheiro, se unissem para esmagar e açambarcar concorrentes negando-lhes transporte e servindo-lhes leis de encomenda, criar monopólios e fortunas nunca antes sonhadas, maiores que o PIB da maioria dos países, história a que você, leitor, poderá ter acesso em detalhes inscrevendo os termos “Progressive Era”, “Theodore Roosevelt”, “democracia direta” ou “antitruste” no quadro “Pesquisa” deste Vespeiro, no alto à direita desta mesma página.

Bebendo na fonte da democracia suíça que precedera a americana em quase meio milênio, a imprensa democrática e os reformadores da Progressive Era (1890-1920) importaram os remédios da democracia direta que lá se praticava. As ferramentas da iniciativa e do referendo popular de leis abriram a possibilidade de passar leis sem o concurso dos legislativos controlados pelas máfias partidárias corruptas e isso projetou a democracia moderna para um novo patamar.

O estado do Oregon foi o primeiro a conseguir implantar a iniciativa e o referendo em 1902 e, com eles nas mãos, impôs aos políticos também o recall em 1908. Com essa trinca poderosamente desinfectante nas mãos o povo do Oregon foi o primeiro a instituir eleições diretas para o Senado estadual, até então eleito indiretamente, e primárias diretas para presidente. A Califórnia logo copiou o “Oregon System” e abriu a corrida nacional para empurrar o povo mais para cima na hierarquia do poder.

Tão cedo quanto 1917 todos os estados menos quatro, onde a soberania do povo passara a ser cada vez mais direta e absoluta, já tinham adotado primárias diretas para todas as eleições estaduais e municipais. Não eram mais os donos dos partidos, eram diretamente os eleitores que decidiam quem podia ou não candidatar-se a qualquer cargo. É esse conjunto, que resultou no golpe de morte na espinha dorsal da cadeia de lealdades que sustentava a corrupção, que explica o enriquecimento exponencial do povo americano ao longo do século 20.

Para estender esse direito ao âmbito federal é que começou, no entanto, o braço de ferro com os partidos que escondiam-se atras da dupla soberania dos estados e da União e da omissão da constituição a esse respeito que continua a ser o diferencial que põe a democracia americana ainda para trás do seu modelo suíço.

A resistência – política e judiciária – foi feroz.

A primeira e maior das porteiras foi, no entanto, arrombada com a abertura às candidaturas independentes, algo impossível de contestar num regime que pretendesse continuar merecendo o qualificativo de “democracia representativa”. Com variações entre os estados, hoje qualquer cidadão americano pode candidatar-se a presidente – e daí para baixo a qualquer coisa – e ter seu nome figurando na cédula que chega ao eleitorado apenas colhendo assinaturas de eleitores (no limite mais alto, 1% dos votos necessários para eleger um deputado federal) sem ter de pedir licença a mais ninguém, ou montando um novo partido, operação ainda mais fácil desde que se tenha respaldo de eleitores.

Até os anos 1970s somente metade dos estados americanos tinha conseguido instituir primárias obrigatórias para presidente da república. Hoje elas acontecem em todos os estados mas cada partido, em cada estado, resolve como faz as suas. Ha “primárias fechadas” em 13 estados. São como as do PSDB. Só membros registrados do partido podem propor e votar em candidatos. Há “primárias semi-fechadas” em 15 estados, em que membros inscritos em cada partido podem votar só nos candidatos dos seus partidos mas o resto do eleitorado não filiado a partidos também pode votar nas primárias dos outros partidos. Somente 14 estados têm “primárias abertas” com todos os eleitores podendo votar em qualquer primária de qualquer partido. E ha ainda outras variações…

Assim, ainda que seja altamente improvável alguém conseguir eleger-se num pleito nacional sem apoiar-se na estrutura de um grande partido, não é impossível. E essa possibilidade torna todos os candidatos bem mais humildes e “client oriented“. E tudo, claro, sempre obedece rigorosamente ao sistema de eleição distrital pura. A proporção de votos recebidos por cada partido em cada distrito é obrigatoriamente reproduzida pelos delegados das convenções com direito a voto nas primárias partidárias.

Como já foi tantas vezes explicado neste site, a FIDELIDADE DA REPRESENTAÇÃO é a única coisa inegociável da democracia americana na qual todo poder DE FATO “emana do povo”. Tudo permanece, portanto, sempre em aberto, mudando ao sabor das leis de iniciativa dos eleitores que eventualmente forem aprovadas em cada estado a cada ano. O que é decisivo é que as alterações do modelo vêm sempre de baixo – dos eleitores – e são impostas partido acima – aos políticos – e não o contrário como acontece nesse nosso esdrúxulo sistema de “governo do povo” (“democracia”) sem povo.

Fica a seu critério, portanto, avaliar se as primárias para “escolher” o candidato a presidente do PSDB entre as opções previamente postas pelos “donos” do partido em disputa entre si têm, como as americanas, o sentido de livrar o partido dos seus caciques e submeter-se à vontade dos eleitores, ou se é apenas mais um expediente “murístico” dos “tucanos raiz” para não ter de afirmar em voz alta o seu horror a João Dória numa conjuntura de deserto de talentos em que fica muito difícil atacá-lo pelo, digamos, “excesso de competência”  que justifica a figadal rejeição que ele sofre por parte de um enorme contingente do eleitorado nacional.

O que quer o PSDB, afinal, é o melhor presidente ou o melhor candidato para levá-lo de volta ao poder, qualquer que seja ele? Pôr o povo no poder ou manter o seu poder sobre o povo?

O que se pode saber com certeza desde já é que, como todos os outros ensaios de “3a via” que se insinuam por aí, nenhum dos quais tem qualquer proposta para desentortar o sistema político e eleitoral que aleija o Brasil, tudo que o PSDB oferece à consideração do eleitorado nacional é mais um entre três “eus” possíveis como única garantia dos resultados todos que só a democracia pode produzir mas que o PSDB, como todos os demais, promete entregar só pelos belos olhos do seu candidato, sem submeter-se à democracia.

Esta – que não haja mais enganos depois de tantos! – só se instala quando o povo manda no governo. E o povo só passa a mandar no governo quando conquista os poderes do recall, da iniciativa e do referendo de leis e se torna dono dos mandatos dos políticos revogáveis a qualquer momento.

Aí, sim, eles passam a trabalhar PARA O POVO. O resto é tapeação.

A charada do 3º Milênio

29 de setembro de 2021 § 22 Comentários

O propósito da organização da vida em sociedade não é enriquecer ilimitadamente os empreendedores que sobreviverem à competição sem limites e seus acionistas mas tornar a vida suportável o bastante para que os participantes dessa sociedade vejam mais interesse em ajudar-se do que em trucidar-se uns aos outros.

Parece um objetivo modesto, mas trata-se, na verdade, de superar a lei da selva, sob a qual a humanidade viveu 99,9% de sua trajetória sobre o planeta Terra, o que faz dele um objetivo ciclópico. Tão formidável que apenas uma ínfima menor parte das sociedades humanas que, agora em rede, serão cada vez mais inescapavelmente uma só, chegou a definir esta como a prioridade da sua obra coletiva e conseguiu faze-la subir alto o bastante na escala do poder para transforma-la numa política nacional efetiva.

Primeira no mundo a substituir a cumplicidade com os crimes do rei pela competência individual como fator decisivo do sucesso empresarial, a democracia americana foi também a primeira que se deparou com o limite desse sistema. Na virada do século 19 para o 20, ao sair de uma economia agrária totalmente desregulamentada e ingressar na segunda etapa da revolução industrial o país viu-se às voltas com a nova configuração da falsificação da eficiência proporcionada pela combinação da entrada em cena das ferrovias com a descoberta do “ganho de escala” à custa do afunilamento dos canais do emprego (monopolização da economia) e a exploração do trabalho vil, resultando numa escalada sem precedentes do poder de corrupção dos muito ricos.

Com 4/5 do território nacional integrados à economia pelo canal exclusivo das ferrovias, ficou fácil para os empreendedores menos escrupulosos do século 19, mancomunados com os donos delas, estrangularem concorrentes negando transporte à produção deles e ganharem potência financeira bastante para lançarem-se ao carrossel de fusões e aquisições “fechando” setores inteiros da economia e, consequentemente, do mercado de empregos. 

Sem alternativa de patrão para disputar os melhores trabalhadores, os salários mergulharam em queda livre e as fortunas dos açambarcadores de mercados subiram a patamares estratosféricos. Com contas bancárias maiores que a maioria dos Tesouros Nacionais eles instituiram um virtual monopólio dos financiamentos de campanhas eleitorais o que rebaixou a zero as defesas institucionais contra a sua ação deletéria.

Lembra alguma coisa, não é mesmo?

Mesmo na flor da juventude e tendo partido da riqueza nacional mais bem distribuída da história da humanidade, posto que era a primeira sociedade composta integralmente por proprietários (cada pessoa disposta a emigrar para a América recebeu um pedaço de terra para chamar de seu, o que nunca tinha acontecido antes nem aconteceu depois desde que ha registro da trajetória humana na Terra), essa distorção sistêmica, que concretamente matou o sonho de vencer pelo trabalho, levou rapidamente a democracia americana até a beira do colapso.

Salvou-a a feliz sucessão de raríssimos eventos históricos que combinaram o surgimento de uma imprensa democrática investigativa e decididamente aliada ao povo inaugurada pela revolucionária revista de Sam McClure que fez escola e, a par de expor as falcatruas e a falsa “competência” dos robber barons, foi buscar remédios na fonte primária da democracia moderna que era então e continua a ser hoje a Suíça, com a entrada em cena de uma geração inteira de self made men na Costa Oeste àquela altura ainda completamente virgem dos vícios dos “interesses especiais” solidamente estabelecidos entre políticos e empreendedores já havia mais de um século na Costa Leste, culminando tudo com a chegada incidental à presidência da republica de um outsider da velha política que fizera carreira como reformador radical.

Da Suíça vieram as ideias do recall, do referendo e da inciativa popular de leis que anularam a blindagem dos políticos e entregaram o poder de fato aos eleitores; da Califórnia as primeiras aplicações desses remédios libertadores, cujo efeito fulminante incendiou a imaginação do país inteiro; e de Theodore Roosevelt, o vice de um presidente assassinado antes da posse, a força para projetar à escala nacional as reformas da “Progressive Era”. 

Começando pela legislação antitruste, que pôs a preservação da concorrência, única garantia concreta da elevação permanente dos salários, como o limite intransponível da competição econômica, mesmo que pela competência, TR armou o povo das ferramentas de democracia direta para vencer a barragem da corrupção da má política mancomunada à má economia, colocar o eleitor/trabalhador/consumidor no topo do sistema e abrir as portas aos Estados Unidos que conhecemos no século 20, estes que arrastaram a humanidade inteira a patamares nunca antes sonhados de liberdade, conhecimento e afluência.

A chegada da internet e a derrubada das fronteiras nacionais fez, no entanto, da maioria dos nacionais americanos que protagonizaram esse milagre uma ínfima minoria planetária imersa numa comunidade com estágios de desenvolvimento político separados por metades de milênios, e a história passou a repetir-se como farsa. O conluio das grandes plataformas de internet, as “novas ferrovias”, com os mais inescrupulosos empreendedores e o pior da politica planetária, anabolizados pela entrada da China no circuito, concentra vertiginosamente a renda e “fecha” cada vez mais setores inteiros da economia em poucas mãos, deixando bilhões de trabalhadores à mercê das feras.

Um estudo do Swiss Federal Institute of Technology envolvendo 43 mil corporações transnacionais com propriedade cruzada de ações umas das outras revelou um núcleo duro de 1318 delas, cada uma dona de ações de mais de 20 das demais, representando aproximadamente 60% da renda planetária. Ao aprofundar o estudo, a entidade encontrou 147 dessas companhias ainda mais entrelaçadas entre si, que controlavam sozinhas mais de 40% da renda planetária. E a cada crise a coisa piora. Em apenas um ano de pandemia, de março de 2020 a março de 2021, por exemplo, a renda dos 2.365 bilionários em dólar do mundo aumentou 54%, engordando mais de US$ 4 trilhões…

Estamos, portanto, diante de uma volta ao feudalismo. Mais um pouco e restarão uns tantos castelos murados cercados de miséria conflagrada por todos os lados. No entanto, a primeira reação de um mundo jejuno de conhecimento da História diante desse descalabro é a mesma que levou a maior parte da humanidade, da primeira vez, ao mesmo patético engano: o de, aceitando a velada sugestão dos com poder, que são, como sempre, uma coisa só, armar a mão dos donos do poder político para “tirar dinheiro” dos donos do poder econômico, ignorantes, esses otários fundamentais cuja divisão sustenta o Sistema, de que são sempre eles próprios, os sem poder algum, nem mesmo sobre a sua “mais valia”, que pagam inteiro qualquer que seja o resultado dessa conta aumentada.

O ovo-de-colombo da solução que engendrou os Estados Unidos do século 20 foi manter a estrita separação entre o Estado e a economia e usar a força do Estado inteira para opor empreendedor a empreendedor, que estes sim, são animais (domesticáveis) que entendem-se mutuamente, em benefício do trabalhador. A questão hoje é como fazer a mídia planetária que, como sempre, continua sendo a única instituição capaz de por no devido lugar o ponteiro que desempata essa briga, aliar-se ao povo contra o poder político e o poder econômico, sendo que, no momento, ela é um poder indistinguível dos outros dois tão monstruoso quanto o da igreja que teve no passado o monopólio da copiagem e da censura dos livros, e sequer precisa do povo. Ao contrário, é o povo que, outra vez enganado, acredita que precisa dela para sobreviver.

Como foi que eles conseguiram

11 de fevereiro de 2020 § 31 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 11/2/2020

Todo mundo pergunta como foi que, partindo de uma situação em que tudo estava dominado” pela corrupção, os americanos conseguiram virar o jogo.

O Movimento Progressista” foi uma resposta aos problemas que se tornaram agudos depois da Guerra Civil (1861-1865) que em tudo fazem lembrar os do Brasil de hoje: urbanização desordenada com multiplicação de cortiços, favelas e violência urbana; exploração vil do trabalho; usurpação dos governos das cidades por máquinas políticas corruptas altamente profissionalizadas financiadas por empresários de araque; corrida às fusões e consolidações de empresas de setores inteiros da economia concentrando a riqueza e criando grupos gigantes com poder de corrupção ilimitado (os famigerados robber barons)…

Embora todos tivessem as mesmas queixas, até meados da década de 1890 dezenas de grupos reformistas ou de protesto separados por antagonismos em torno de minucias programáticas e vaidades imensas batiam cabeças em cidades e estados diferentes sem força para mudar nada.

Quatro fatores, principalmente, concorreram para que somassem forças a partir da crise que levou ao pânico financeiro de 1893. A ação de todas as igrejas na crítica do estado de coisas e na pregação do social gospel que associava a salvação individual também à “salvação socialpreparou o terreno. Mas foi a fundação da National Municipal League (NML), em 1894, amplamente financiada pelo empresariado que perdia com a corrupção, que profissionalizou a critica do sistema e a busca de alternativas pesquisando sistematicamente ao redor do mundo bons modelos de gestão das cidades, formando pessoal, prestando assessoria jurídica e legislativa e, principalmente, difundindo para o grande público as alternativas encontradas, municiando de argumentos e estruturando em rede” os movimentos reformistas do país inteiro.

Também foi crucial o início de uma revolução no jornalismo americano que evoluiu do sensacionalismo e do panfletarismo partidário para o jornalismo investigativo dos repórteres revolvedores da sujeira” (muckrakers) da revista de Samuel McClure que circulou entre 1893 e 1929 e expôs os intestinos da corrupção dos robber barons dos setores de petróleo, financeiro, do aço e outros, que constituíram monopólios maquiavélicos mancomunados com os donos das ferrovias e com políticos corruptos. Foram esses jornalistas, também, que pesquisaram e difundiram persistentemente nos EUA novos métodos de combate à corrupção, especialmente as ferramentas de democracia direta usadas na Suíça.

………

Os muckrakers e a NML deram a contribuição decisiva para a mobilização da opinião pública numa direção consistente apoiada numa espinha dorsal de sólido conhecimento.

O elemento sorte entrou, então, decisivamente em cena pela mão de Theodore Roosevelt. Vindo de fora dos currais tradicionais da política, ele foi o primeiro político do Ocidente a compreender a força do novo jornalismo nascente. Jogando fechado” com os grandes repórteres daquela geração, começou como chefe de polícia de Nova York, foi eleito na sequência governador do estado, e logo tornou-se herói nacional ao enfrentar a máfia que dominava a política local havia décadas e controlava nacionalmente o Partido Republicano. Traído, foi esterilizado” numa candidatura à vice-presidência num golpe dos velhos caciques corruptos dentro da convenção republicana. Mas com o assassinato do presidente McKinley antes da posse TR”, aos 42 anos, carismático e orador brilhante, tornou-se, em 1901, o 26o e mais moço de todos os presidentes dos Estados Unidos, servindo até 1909.

Sua primeira providência foi reviver o Sherman Antitrust Act de 1890, engavetado pelos antecessores, regulamentar a operação das ferrovias e instituir a preservação de um grau mínimo de concorrência em cada setor em benefício do consumidor como limite legal da disputa por mercados. Ao mesmo tempo atacou forte as bases do caciquismo” que viciava a política implantando eleições primárias diretas, eleição direta de senadores (antes indicados pelos legislativos estaduais) e os direitos de recall, iniciativa e referendo popular dos atos dos Legislativos e Executivos estaduais e municipais. Essas medidas vieram de encontro aos novos modelos de gestão das cidades a partir de eleições municipais despartidarizadas promovidos pela NML, o de City Council (um conselho eleito de 5 a 7 membros executando todas as funções antes prerrogativas de prefeitos e vereadores) e o de City Manager (uma variação do mesmo sistema mas ainda mais profissionalizado) e acabaram com o poder dos velhos caciques.

TR picou” o poder econômico onde estava excessivamente concentrado e, na política, deu poder de polícia aos eleitores contra os representantes eleitos o que matou o varejo da corrupção e garantiu a constante renovação de quadrosDesde então os EUA vivem em reforma permanente mas com o povo e não os políticos dirigindo a pauta, o que explica toda a diferença de desenvolvimento, afluência e liberdade entre eles e o resto do mundo.

What’s up with the USA?

7 de novembro de 2016 § 2 Comentários

tr1

Publicado em português no Vespeiro e no Estado de S. Paulo de 6/6/2016

The “Protestant ethic” usually takes the spotlight, but the most revolutionary “American exceptionalism” is that the country was born as the only nation of landowners there had ever been.

While Brazil, like the rest of the “New World”, had its vast territory divided up and distributed to 13 good friends of the king, the Virginia Company of London, along with other private companies to whom undercapitalized King James I, of England, handed the colonization of “his” America, offered, since 1618, a 50-acre property-title to anyone who was willing to make a living there.

The opening of a window like the “headright system” into Europe’s brutal medieval world where the only certainty was to die in the exact same social position you were born into (be it landowner or otherwise), was an unprecedented miracle in human History.

tr4

What made the construction of a political order based on free consent, property rights and equality under the law in the United States’ birth as a nation possible is that these were conditions that already existed in that part of the world at that time. The goal of the institutions built around this historical miracle by the Enlightenment’s elite was not to create it, but to “shield” it from returning to the former standards because of man’s natural impulse to “prevail” over their neighbor, and preserve the freedom that permitted them to undertake such challenge.

Their solution was to put effort and merit in the place once occupied by “divine right” as the only acceptable mean to legitimize the accumulation of power or wealth; that is, to legitimize social inequality. That was already a lot, but not enough. Even under the rule of merit, property, little by little, tended to concentrate again into fewer hands. Turning the 19th to the 20th century, with american democracy wraking in corruption, the “Progressive Era’s reforms” step in the political stage to condition the right to accumulate property, even if attained through merit, to the preservation of competition to the consumer’s benefit. Along with new instruments to enforce the power of the many over the few imported from Switzerland like the “recall election”, the right of legislative “initiative” and “referendum” for laws enacted by representatives, antitrust legislation, a genuine (an decisive) american inovation, attained to put political and economic power more clearly on opposite sides and thus to renew the miracle.

tr4

There is a fundamental difference between American democracy and the others that, throughout the world, eventually evolved into meritocratic systems. While for the latter it is a question of purging and overcoming their own historical experiences so that they may stop being what they culturally remain being, the problem for the former is preventing the transformation into what it never was and solemnly swore to never become from its founding day. The absence of the “original sin” on its starting point deprived the United States of the rest of the world’s hatred of property and prosperity, which it constantly associates to privilege and would translate into the communist revolutions that drenched the 20th century in blood.

The result was the most spectacular soar of freedom and prosperity combined ever to be seen by any human society, until the internet and its blurring of sovereign national boarders came to stop the ascent.

In the new reality of exportable markets of goods and labor and the absolute impossibility to enforce national legislations to control them in a globalized context, the American model of individual rights prevaling over State and corporate “reasons” have been implacably diluted in the confront with “State Capitalism”, the multitudes reduced to extreme poverty working for minuscule wages to monopolistic enterprises sustained by national treasuries sustaining dumping wars against its democratic competitors.

tr4

40 years of successive records of company merges and acquisitions followed, in a wacky race to obtain scale and “productivity gains” at the expense of salaries and work conditions along with the ever-growing interference of the State bailling out those who got “to big to fail” in the process, with fear of unemployment closing everyone’s eyes to the corresponding corruption. All of such badly compensated by a technological revolution anchored in a computer science where intellectual property rights are indefensible.

This shift has been pulling americans out off the model they had the privilege to choose for themselves and to definitly empower in the beginning of the 20th century which they had been abble to profit from for almost 80 years. The only beneficiary of the telluric economic shift that followed has beem the financial sector which profits obscenely from the recurrent “restructuring” of the wracks off production and labor. It grown up from 8% to 48% of the national economy during this period.

tr4

Donald Trump “bogie style” and Bernie Sanders “Santa Claus-style” populisms and Hillary Clinton’s dangerous liaisons with both the people who fear them and with Wall Street’s sharks, along with what sounds to us as kind of “vintage” ideological jargon assumed by the american press, are all portraits of the perplexity of a Nation that up to now has had the luxury of living in a true meritocracy, away from the hoplessness of winning by individual worth that ends up in bitterness and social warfare, and reflections of the opportunistic aproach of the Democratic and Republican establishments, allways trying to profit off the consequences of democratic capitalism’s structural shift instead of choosing to discuss the roots of the problem (one of no visible solution in a globalized context).

This election confirms the United States’ contamination by the ancestral sickness of the rest of the world. The “American model” of a generation ago rests itself firmly upon laws that are no longer enforceable in a world that is borderless and unjust. A world that, from now on, will level up by the average, which for America means settling for less. Only after that, and if the model doesn’t get lost in the way, will the world achieve, now as a whole, an institutional aparatus to defend men from men as efective as the one History turned americans able to develop and live under before everyone else on this planet.

tr4

 (Translation, Fernão Mesquita)

Dêem-nos algo por que valha a pena lutar!

29 de maio de 2014 § 4 Comentários

a16

O programa Canal Livre, da Rede Bandeirantes, de domingo passado apresentou um dos personagens mais interessantes da História do Brasil de que tomei conhecimento ultimamente.

Luis Gama, hoje quase esquecido como quase todos os personagens mais interessantes da História do Brasil, era negro, foi escravo, autodidata, jornalista e poeta e teve um papel brilhante no Movimento Abolicionista, outra história que é muito mal contada como quase toda a história do Brasil que se conta nas escolas deste país.

Esse momento é, seguramente, um dos mais brilhantes da nacionalidade. Foi um movimento de raiz, vindo de baixo para cima e, por essa qualidade quase único em nossa trajetória como Nação, bem ao contrário do que diz a versão mais conhecida de que a libertação dos escravos foi uma benesse outorgada magnanimamente pela Princesa Isabel.

O Movimento Abolicionista foi um subproduto da Guerra do Paraguai que, pela primeira vez em nossa história, mobilizou brasileiros de todos os cantos de um país que, naquele tempo, mal conhecia a si mesmo e não se pensava como um país, e que envolveu todas as raças e camadas sociais espargidas pelo seu vasto território.

a14

Foi a primeira vez na História do Brasil que brancos, negros e mestiços de diferentes classes sociais viram-se postos, ombro a ombro, na perseguição de um objetivo comum. E o efeito que isso produziu foi em tudo semelhante ao produzido nos Estados Unidos do norte pela Guerra da Secessão, não apenas em termos de consolidação de um sentido de nacionalidade mas, sobretudo, pela experiência da convivência concreta com a diversidade em situações extremas onde todos dependem de todos e peles de todas as cores e tonalidades rompem-se a toda hora para mostrar o quanto somos iguais por dentro.

A convivência com a diversidade, num mundo em que uns viviam na Casa Grande e outros na senzala e em que a todos, do palácio real à sarjeta, eram impostas as mesmas crenças e as mesmas “verdades” e vedado qualquer desvio dessa linha estreita “por pensamentos, palavras ou obras“, é a matéria prima da ideia de tolerância que se consubstancia institucionalmente na ideia de democracia.

Foi exatamente assim e foi exatamente por isso que ela começou a nascer na Inglaterra de Henrique VIII quando ele baniu a intolerância católica e abriu o país a todas as crenças perseguidas da Europa; foi exatamente assim e foi exatamente por isso que ela saltou das teorias dos fundadores para o real “governo do povo, pelo povo e para o povo” que só se estabeleceu de fato com as reformas da Progressive Era que começaram a se esboçar a partir do final da Guerra de Secessão.

a15

Assim também foi praticamente aí que a ideia de Nação saiu dos textos dos teóricos e dos idealistas e se materializou nas ruas e nas selvas da vastidão brasileira.

Luis Gama,  que mais de uma vez usou as páginas do jornal A Província de S. Paulo, precursor de O Estado de S. Paulo, como sua tribuna, ao lado de Julio Mesquita, um filho de pai analfabeto ha pouco chegado ao Brasil quase tão pobre quanto aquele ex-escravo, e milhares de outros que, como esses dois, se tinham “feito” sozinhos longe dos latifúndios escravocratas e das benesses do imperador, era um representante da esmagadora maioria dos brasileiros de seu tempo que tiravam do esforço próprio a sua subsistência, ao contrário do quadro falso pintado pela historiografia marxista para a qual só existia, aqui, o senhor e o escravo e nada no meio, que continua sendo a única vendida em nossas escolas.

Essa condição não é alheia à circunstância de ambos terem sido figuras de proa desse momento brilhante da consolidação da nacionalidade brasileira na Campanha Abolicionista que mobilizou o país inteiro. (Leia mais sobre esse Brasil dos empreendedores neste link)

A entrevistada do Canal Livre, Ligia Fonseca Pereira, autora de Com a Palavra, Luis Gama (à venda neste link), uma coletânea de seus textos sem interferências da curadora “pois que ninguém pode explicar melhor o que ele foi do que ele próprio“, como ela ressaltou sabiamente, mostrou-se mais uma da grei dos intelectuais sérios que este país, apesar de tudo, tem produzido, especialmente no campo da pesquisa histórica onde se vem colhendo uma safra cada vez melhor de produtos.

a20

É essa revisão da verdadeira História do Brasil que, pouco a pouco, vai desintoxicar o inconsciente coletivo nacional fazendo o país passar pela necessária seção de psicanálise coletiva, que é no que consiste a tomada de consciência do que foi o seu próprio passado, experiência que fará com que a nacionalidade entenda, finalmente, como foi que se tornou aquilo que é, passo sem o qual nunca conseguirá tomar as rédeas do seu próprio destino.

É este o processo que, no final, vai nos redimir do estado patológico e da crise de identidade em que nos precipitou um século inteiro da empulhação interpretativa pseudo científica vendida em nossas escolas à guisa de História do Brasil, mas que não passa de manipulação ideológica barata, esta mesma que saltando das universidades para as ruas, chegou ao paroxismo com a vulgata lulista que já não se contenta com manipular apenas os fatos do passado, sente-se à vontade para fazer isso também com os do presente bem diante dos olhos de quem acabou de vive-los.

Luis Gama, como a nata dos abolicionistas de São Paulo e de outros estados brasileiros (as revoluções pernambucanas beberam nessa mesmíssima fonte) pertenceu à Loja Maçônica América, fundada por brasileiros que estiveram nos Estados Unidos, frequentaram a mesma loja maçônica de George Washington e outros dos grandes fundadores da democracia americana, e se encantaram com as promessas encerradas no movimento revolucionário que nascia ali com o propósito de fundar uma sociedade de iguais onde o esforço individual e o merecimento substituiriam a cumplicidade com o último criminoso a conquistar a coroa pela força que tinha prevalecido nos últimos dois milênios e na qual continuamos chafurdando até hoje, como a única fonte de legitimação da conquista de poder e de dinheiro.

a0

A Loja Maçônica América expressava desde o nome com que foi batizada a esperança do melhor material humano que o Brasil tinha produzido até então, de chegar um dia ao mesmo sucesso a que já tinham chegado os revolucionários do norte.

Como Ligia Fonseca explicou de forma brilhante, Luis Gama e os outros abolicionistas que se congregavam nas lojas maçônicas brasileiras ligadas às suas congêneres espalhadas por todo o mundo de então eram “homens de rede” no sentido moderno da palavra, pois que trocavam ideias e conspiravam através do primeiro protótipo de “rede mundial” criada com o propósito explícito de facilitar a livre troca de ideias e informações que a humanidade constituiu: exatamente as lojas maçônicas.

Sua admiração pela revolução americana, pelo seu federalismo e pelo seu sistema de divisão de poderes era tanta que foi de Luis Gama que saiu a sugestão de batizar o país que surgiria da nossa revolução republicana de Republica dos Estados Unidos do Brasil, nome que o Brasil de fato adotou dos albores da República até o início do regime militar.

Foi a esta altura da entrevista, porém, que um dos jornalistas presentes fez a seguinte intervenção:

É curioso que um negro como Luis Gama não tenha reagido ao (ou “percebido o”, não me lembro quais foram as palavras exatas) fundamento racista que marcava e seguiu marcando a sociedade norte-americana”.

a1

Lígia Fonseca Pereira, negra ela também, ficou tão desconcertada e perplexa quanto eu ao ouvi-la.

Superadas a surpresa e a dúvida (a afirmação/pergunta teve de ser repetida para ela compreende-la) ela gentilmente tartamudeou algumas palavras hesitantes enquanto na minha cabeça bombava a pergunta: “E precisava um negro ex-escravo no último país ainda escravocrata das Américas, olhar para os Estados Unidos para conhecer o racismo?!!! Seria necessário esse turismo intelectual para experimentá-lo ainda hoje?

Eis aí nu, pelado, com a mão no bolso o drama brasileiro!

O  jornalista autor desse comentário — ninguém me disse, eu mesmo sou testemunha — é das pessoas intelectualmente mais íntegras e cultivadas que conheci na profissão.

O que teria sido aquilo, então?

Não é possível viver no ambiente contaminado do debate intelectual brasileiro, do primeiro ano de escola ao último ano de vida, impunemente, é a resposta. Esse antiamericanismo resiliente, quase orgânico, subliminar, involuntário até, como suspeito que tenha sido o caso desta vez, é uma das manifestações da força que tem a lavagem cerebral por que passa todo brasileiro a cada minuto de sua trajetória por este vale de lágrimas. A própria Lígia Fonseca Pereira, cabe registrar, viveu os últimos anos de sua atividade acadêmica no exterior e foi a partir de lá, respirando ares mais livres dos carregados miasmas do Segundo Milênio que ainda predominam por aqui, que ela encontrou a paz necessária para fazer a sua pesquisa.

a6

Luis Gama – foi o que ela passou o programa inteiro explicando – viu nos Estados Unidos aquilo para o que a imprensa brasileira insiste em fechar os olhos até hoje: a superioridade moral da utopia e, mais especialmente, o conjunto genial de meios para realizá-la desenhados pela elite do que de melhor a humanidade produziu no seu melhor momento — o Iluminismo — que foram as instituições pelas quais a metade boa dos norte-americanos lutou até a morte contra a metade ruim, ombro a ombro com os escravos desta – e cinco milhões de pessoas perderam a vida nessa luta fratricida! – coisa que a metade boa da população brasileira não consegue encontrar motivos suficientes para fazer exatamente porque tem-lhe sido sonegada — pela escola, pela imprensa, pela televisão — uma referência pela qual valha a pena lutar.

É exatamente isto que continua pendurado no ar nesta eleição.

É disso que estão à procura os 70% de eleitores que “querem mudanças profundas”  mas não encontram quem as formule e proponha. Era exatamente isto que perambulava pelas ruas de todo o país às cegas em junho de 2013: a ausência de uma referência decente pela qual valha a pena lutar que, entretanto, está onde sempre esteve e todos os povos do mundo que “deram o salto” a encontraram, mas que a “inteligentsia” e a imprensa deste país isolado pela língua ainda se recusam a por onde nós estamos.

a119

Onde estou?

Você está navegando em publicações marcadas com Progressive Era em VESPEIRO.