Bolsonaro e a maldição da meia sola
27 de agosto de 2019 § 18 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 27/8/2019
As piores doenças crônicas do Brasil têm o peronismo no seu DNA. A socialização da teta insuficiente, cuidadosamente dimensionada para que não cesse nunca a dependência do agraciado, é a versão benigna da doença universal do populismo. A cêpa peronista é a maligna. Rói darwinianamente, de geração em geração, a moral das nações onde se instala.
A corrupção das elites pelo acesso ao privilégio através da riqueza, mesmo a conquistada por mérito, é um processo natural que, em última instância, promove a mobilidade social e a renovação das sociedades. Mas o peronismo, que Getulio Vargas instilou nas veias do Brasil, corrompe a sociedade a partir da base. A Republica Sindicalista (“Trabalhista” na versão macunaímica), criminaliza o ato de empregar e estatiza a progressão na escala social, o que é veneno bastante para deixar qualquer economia paraplégica. Mas em paralelo instala, onipresente nos céus da nação, a mensagem deletéria que tem o potencial de salgar para todo o sempre a terra arrasada: “Traia, minta, falseie que o governo garante”.
Graças à prosperidade da indústria nacional de achaque aos empregadores o Brasil tem hoje mais “escolas de direito” e produz mais “advogados” de botequim por ano que todo o resto do mundo somado. Nelas não é preciso ler um livro de direito sequer para, ao fim do percurso, ganhar a prerrogativa de cabalar trabalhadores (em dificuldade ou não é fator que se vai tornando irrelevante na medida em que o caráter aviltado passa a ser padrão) para dividir com eles um dinheiro tão fácil quanto certo de ser arrancado às vítimas por tribunais que não são de justiça, são “de classe”.
O resultado é a geléia argentina que só se diferencia da do Brasil pela longevidade e por vir com letra de tango e não de samba.
A doença, como todas as que matam seus hospedeiros, só se esgota no seu próprio paroxismo. Mortos todos os empregos, passadas quatro gerações aqui, cinco lá, com o país tentando desesperadamente livrar-se da herança maldita, não é na massa dos desempregados e subempregados vivendo sob a lei do cão no favelão nacional que se instala a resistência. É nessa horda de caçadores de cúmplices para achaques e nos “sindicatos” e “partidos políticos” estatizados que exploram o monopólio do comércio de privilégios para fazer corporações selecionadas por sua força eleitoral saltar sem fazer força para os diferentes degraus da classe média não meritocrática, ou para guindar seus patronos à nobreza da privilegiatura que vão instalando em metástese em todos os orgão vitais de governança do país.
A fase terminal dá-se com a infestação da imprensa, o aparelho imunológico das sociedades democráticas. Isolados pela língua que deu eficiência redobrada ao patrulhamento ideológico, já vamos para a 3a geração dos produtos do modelo gramsciano de censura imposta pela ameaça de assassinato midiático, exílio social e asfixia econômica dos “hereges”. A imprensa é a voz da classe média e a classe média que sobra é, cada dia mais, a classe média de teta. A meritocrática está ameaçada de extinção pela progressiva supressão do meio ambiente capaz de sustenta-la.
Na semana retrasada festejou-se como “uma vitória” a “confirmação” da MP da Liberdade Econômica pelo Congresso. A lista dos itens desbastados dela – todos os que apontavam na direção da meritocracia e da redução do espaço para o achaque ao trabalho e ao empreendedorismo, assim como ocorreu com os dispositivos revolucionários (desconstitucionalização dos privilégios e regime de contribuição) da reforma da previdência – testemunham a precisão e o zelo religioso com que a guarda pretoriana do status quo afasta de nós qualquer chance de alforria real. Sem maiores aprofundamentos, no entanto, a imprensa chama candidamente de “polêmicos” os itens amputados, num quase endosso à sua evicção, e a MP que sobra segue festejada como o que já não é.
É impossível definir exatamente quanto é por covardia, quanto por “superação orgânica do senso comum” e “absorção do discurso ideológico hegemônico” (Gramsci) e quanto é pela ignorância consequente do sucesso da censura às alternativas possíveis mas o fato é que, na imprensa ou fora dela, ninguém mais no Brasil, nem mesmo seus “inimigos declarados”, diz sobre “O Sistema” a verdade inteira ou propõe qualquer coisa para substituí-lo. 230 anos depois da Bastilha e com o país literalmente se dissolvendo ninguém levanta-se para exigir “Privilégio Zero Já” ou plantar no horizonte, ainda que só como bandeira, a meta de devolver do funcionalismo para a função, vá lá, que seja a terça parte dos 45% do PIB que hoje os palácios surrupiam ao favelão nacional sem dar nada em troca.
Num mundo que demanda Margareth Thatcher’s tudo que o filtro de seleção negativa permite chegar “lá” são Macri’s e Macron’s cuja derrota configura-se antes da luta começar pela timidez entre covarde e cúmplice das “reformas” que encomendam.
A conspiração gramsciana, que vai longe em toda a América inclusive a do Norte, é uma aposta na covardia humana, uma das mais formidáveis forças da natureza. Só a do instinto de sobrevivência é maior que ela. O que estamos começando a assistir no Brasil e seu entorno é o duelo final entre as duas. E começou mal: o México derrapa na direção da volta ao populismo, a Argentina parece ter fixado o rumo da Venezuela, o resto da América Latina não bolivariana igualmente balança. E o que faz todos eles voltarem recorrentemente à estaca zero é a maldição da meia-sola…
Não ha como darmo-nos o luxo de hesitações porque a alternativa é o compromisso juramentado com o desastre. Mas a pergunta que todos quantos têm pena do Brasil têm a obrigação de se fazer é até onde poderá chegar este Jair Bolsonaro “toffolizado” que, como todos eles, “elegeu-se vendendo mudanças radicais mas age como se não as quizesse” se em vez de babar ôvo incondicional e acriticamente para ele, não passarem a cobra-lo e empurra-lo com toda a força que a gravidade extrema da situação exige na direção daquilo que ele dizia ser.
18 de julho de 2019 § 1 comentário
Negras verdades
7 de janeiro de 2015 § 5 Comentários
Carlos Moore é militante histórico do Movimento Negro.
Nascido em Cuba, converte-se ao comunismo aos 18 anos e é exilado pelo regime de Batista nos Estados Unidos. Volta a Cuba entusiasmado depois que Fidel Castro, vitorioso, adere ao comunismo, mas assiste abismado ao esmagamento do Movimento Negro cubano com a prisão e fuzilamento de seus líderes civis e religiosos.
Consegue fugir e exilar-se no Brasil onde vive ha 15 anos dando palestras sobre a sua linha de abordagem do Movimento Negro.
Convidado, em meados de novembro passado, a dar uma palestra na UFRJ, foi alvo de agressões e objeto de incitação ao linchamento por parte de “professores” pagos com dinheiro público ligados ao PSTU que compunham a mesa do seminário.
Até a marca de 6:50 min. Moore descreve a agressão sofrida na UFRJ. Daí por diante diz o que sabe sobre as relações entre o socialismo real, o Movimento Negro e as religiões
Não conheço o movimento que assina a entrevista, resumida nesta edição quase exclusivamente às declarações de Moore, em que ele expressa o seu alarme com relação à doença política que está contaminando o Brasil cujo foco propagador, como fica implícito nos acontecimentos relatados, são as escolas e universidades públicas, além, é claro, das redações da imprensa brasileira onde fatos como este, que fazem parte quase que do cotidiano das escolas de todo o país hoje, raramente chegam sequer a ser registrados, o que explica porque até os grandes vestibulares para as universidades públicas nacionais, como o da Fuvest, já não se vexem de adotar como tema de redação, valendo a maior nota para o ingresso nas escolas sustentadas pelos contribuintes, provas em que é aferida, não a capacidade de pensar e escrever em português, mas sim se o candidato professa ou não a ideologia “correta“.
O crime como efeito da ausência de democracia
15 de abril de 2013 § 5 Comentários
Um sujeito dizer – como ouvi de mais de um dos “especialistas” que a imprensa guarda na gaveta para essas ocasiões – que “baixar a maioridade penal não vai resolver o problema da criminalidade” em cima da exemplar sequência de acontecimentos iniciados com o frio assassinato de um menino de 19 anos com um tiro no rosto na porta de sua casa na terça-feira da semana passada é coisa que, a esta altura do campeonato no país onde morre mais gente de morte matada do que a soma de todas as guerras declaradas do mundo, é o tipo do ato que não deixa espaço para qualquer tipo de dúvida.
Só pode ser por desonestidade.
Já o ato do jornalista que empresta seu microfone e sua câmera para um sujeito dizer um impropério desse calibre sem trazê-lo para dentro da dramática irreversibilidade do fato que ele foi chamado a comentar com o seu “achismo” leviano é ainda mais desonesto que o primeiro.
São estes que emprestam alcance e força à operação de “patrulhamento ideológico” que mantém nossas instituições amarradas, assistindo impassivelmente aos múltiplos sorteios diários dessa loteria da morte em que se transformou o simples ato de sair às ruas no Brasil de hoje.
Eu me desculpo por vir ao assunto só hoje, impedido que estive desde quinta-feira passada por estar em trânsito. Mas é melhor assim. É com a cabeça mais fria do mundo, depois de ter mais uma semana para refletir, que afirmo e reafirmo.
É DESONESTO quem diz o que esses caras dizem. Eles próprios não acreditam no que estão afirmando.
Pode alguém, em sã consciência, negar que tirar um assassino das ruas reduz em um assassino à solta a chance de mais alguém ser assassinado?
Que outra maneira existe, em qualquer tempo e em qualquer lugar, de reduzir as chances da gente de paz ter sua vida roubada na rua, senão a de tirar de circulação cada assassino identificado?
Quem é que pretende, neste mundo, “resolver o problema da criminalidade” assim, de uma vez para sempre? Quem é que acredita que isso é possível aqui nesta selva onde ronda o bicho homem?
Mal escondida por trás dessa insistência já não está mais a ilusão ingênua do “bom selvagem que a pobreza corrompe” da infância do pensamento moderno ainda intocada por tudo quanto a História, a ciência e o acesso à informação aportaram, desde então, para enterra-la de uma vez para sempre como o mito desviante que é.
Não ha mais como negar honestamente o significado dos fatos empapados de sangue, de lágrimas e, frequentemente, de estupor, que nos caem diariamente sobre as cabeças vindos do mundo rico e do mundo pobre, dos píncaros da cultura e dos abismos da humanidade mais primitiva, para nos gritar que o mal não escolhe hospedeiro segundo as categorias de sociologias ultrapassadas, e que é preciso defendermo-nos dele do único modo que, desde sempre, se tem provado possível.
A tragédia da semana passada parece ter sido encenada de propósito para ilustrar todo o escandaloso absurdo da loucura em que vivemos exclusivamente para dar satisfação a esse tipo de mentiroso consciente da sua mentira que segue afirmando olimpicamente o inafirmável, como se estivéssemos falando da mera opção entre preferências que, de modo nenhum, implicam consequências irreversíveis.
O sujeito mata diante das câmaras porque sabe que pode; e nos dá prova conclusiva disso ao se entregar à polícia 24 antes de fazer 18 anos, o que lhe garante que cumprirá no máximo 3 anos por tal “ato infracional” (!!!).
São, do primeiro ao último, passos calculados com absoluta frieza, mas escamoteados aos autos por esse nosso subversivo e malsão Estatuto da desproporção entre as palavras, os atos e as penas que a eles se referem.
Escorando pelos lados esse parteiro da desfaçatez e da brutalidade está o falso silogismo que impede a discussão razoável do problema e mantem o Brasil polarizado enquanto da voltas na espiral do crime: de um lado os que caçam votos afirmando que “se não ha Justiça que prenda, o jeito é matar o bandido”; do outro os que o fazem afirmando que “se não ha prisões decentes, o jeito é soltar o bandido”.
Como sempre, muito latinamente, paramos na discussão dos efeitos sem nunca descer às causas do problema, que são as de sempre. Primeiro, a existência de dois brasis, um com foros e prisões especiais que permanecem sempre vazias e outro que se aperta nas nossas masmorras medievais onde metade dos detentos já cumpriu sua pena ou nunca foi julgada mas não sai por falta de advogado ou da mera condição de se expressar. Segundo, pela inexistência de um sistema real de representação do eleitor condicionada e fiscalizável onde o representante que trai o representado perde o emprego e paga por isso nos termos da lei. Da terceira em diante nem é preciso falar porque as duas primeiras põem o governo contra a Nação e o resto é consequência.
O crime, no Brasil, é mais um dos sintomas da inexistência de uma democracia entre nós. Enquanto não atacarmos esse problema fundamental nenhum dos outros será resolvido.
Mea culpa
18 de dezembro de 2011 § 1 comentário
Gastei uma tonelada de palavras por aí abaixo para denunciar as culpas da “zelite” da imprensa para a transformação do Brasil num lugar mais ensanguentado e inseguro que o Oriente Médio nos tempos mais quentes da guerra do Iraque e não disse o principal.
Afirmar que a culpa pela carnificina no Brasil é de quem tem armas legalizadas em casa mas não puxa o gatilho é o mesmo que afirmar que a culpa pela roubalheira desenfreada de Brasília para baixo é de quem tem cuecas em casa mas não enfia maços de dinheiro público nelas.
O Brasil é o paraíso do crime pela mesmíssima razão por que é o paraíso da corrupção: porque as duas coisas ficam impunes e os criminosos podem sempre esfregar na cara da Nação o tranquilo desfrute do seu sucesso.
Tentar negar essa obviedade que clama aos céus, como faz a imprensa em peso com as raras exceções de praxe, já passou do ponto de poder ser classificado como uma mera prova de má fé. É um ato intelectualmente criminoso com agravante de dolo.
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