Anões, unidos, jamais serão vencidos?

25 de julho de 2014 § 6 Comentários

aa9Depois de dar ao governo de Israel, diante de sua reação aos ataques com foguetes do Hamas, o tratamento que se recusou a dar a Bashar Al Assad, o envenenador, diante do massacre de sua própria população que prossegue ha mais de dois anos graças ao veto de que o Brasil é co-autor a qualquer ação com vistas a por um fim à matança, a “diplomacia” petista reage “indignada” ao coice que recebeu em troca do que desferiu.

Chamada de  “anão diplomático” que “excluiu-se da comunidade dos países civilizados” para aderir à dos países “criadores de problemas”, a corrente marcoaureliana do Itamaraty, ao contrário da do chanceler Luis Alberto Figueiredo que procurou por panos quentes no episódio mostrando que ainda se lembra das lições de Rio Branco, houve por bem “iniciar consultas com os demais sócios do Mercosul”  instando-os a aderir à sua condenação de mão única.

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Anões, unidos, jamais serão vencidos”?

É mais fácil um raciocínio desse gênero estar inspirando esta ação do que a tradição de Rio Branco, que vem sendo sistematicamente banida de nossa prática diplomática, aquela que ainda chegou a ser alegada como resposta ao destampatório do porta-voz da chancelaria israelense à nota brasileira, seguida da convocação do embaixador em Israel de volta a Brasilia, contra o “uso desproporcional da força contra os palestinos por Israel” desacompanhado de qualquer menção aos ataques com foguetes do Hamas contra alvos civis israelenses ou de qualquer apelo pela trégua diversas vezes proposta e todas as vezes recusadas por esse grupo.

É sempre desagradável ouvir verdades sobre o seu próprio país na boca de um estrangeiro, mas o que disse o porta-voz israelense está longe de ser mentira. Ele foi preciso, também, ademais. O Brasil e seu povo, na visão do ofensor, continuam sendo um “gigante econômico e cultural“.

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O episódio é, seja como for, uma espécie de resumo da tragédia do Oriente Médio onde, além da expulsão de qualquer requício de racionalidade pelas reações figadais de parte a parte inspiradas pela vingança da vingança da vingança, está a manipulação ideológica estrangeira desse conflito que ajuda tanto a mante-lo infernal como é quanto a irracionalidade que move as vítimas mais diretas dele.

Na verdade esta é mais condenável que aquela pois que a irracionalidade toma suas vítimas à revelia de sua vontade enquanto essa manipulação é fria, calculada e eivada de dolo.

A realidade que está lá é que os foguetes não cessam de partir de ambos os lados, com a diferença de que os do Hamas não acertam o alvo porque são destruídos no ar por um aparato tecnológico que os palestinos não têm condição de replicar e os dos israelenses acertam, produzindo mais de um lado que do outro as vítimas que os dois lados se esforçam por produzir.

 

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Mas o que fazer? Deixar de revidar os ataques e passar apenas a tentar desbaratar passivamente a chuva de foguetes do Hamas antes que cheguem aos alvos para os quais foram apontados? É não só impensável como algo impossível de por em prática até por um governo que desejasse fazê-lo mas que, como todo governo democraticamente eleito, age mandatado pelos alvos desses ataques.

Fingir que esses foguetes, apenas porque não acertam os alvos, não estão sendo disparados? É de uma má fé que só é tida como assumível pelo Itamaraty marcoaureliano e seus inspiradores pelo mundo afora, ao qual o outro, do chanceler Figueiredo, retruca com luvas de pelica.

Resta pressionar os dois lados por uma trégua que dê uma chance à racionalidade e ponha de volta no isolamento tanto os radicais do Hamas que indubitavelmente usam sua própria gente despedaçada como a munição para a guerra de propaganda de que necessitam cada vez mais, quanto os radicais israelenses que, lá no fundo, torcem por mais um ataque para poder revida-lo.

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A guerra, como sempre, é o paraíso dos psicopatas e dos mutilados morais, e os há por toda a parte, especialmente numa região conflagrada ha décadas, senão ha milênios .

Mas a manipulação da guerra não. A manipulação da guerra é só o cantinho dos canalhas.

É nesse cantinho escuro e mal cheiroso que se encontram para engendrar “soluções finais”, os extremistas do nacional socialismo com seu antisemitismo e os extremistas do socialismo internacionalista com seu antisionismo, de fronteiras tão sutis e que, conforme a hora do dia, as variações de temperatura e umidade do ar ou as fronteiras nacionais dentro das quais se instalam, transformam-se em anti-arabismo, em anti-islamismo ou em anti-ocidentalismo.

É a baba que essa gente distila que engraxa as engrenagens das guerras.

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Como ousa não ser um filho da puta?!

27 de agosto de 2013 § 8 Comentários

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Gallantry”. A expressão remete aos Cavaleiros Errantes. O conceito funde numa só palavra as idéias de coragem, grandeza, virtude, heroísmo, desprendimento, altruísmo e apego aos mais nobres ideais.

Seus antônimos são covardia, pusilanimidade, traição, ignomínia…

O encarregado de negócios da embaixada brasileira em La Paz, Eduardo Sabóia, teve um gesto de “gallantry” ao resgatar, por sua conta e risco, o senador da oposição Roger Pinto Molina, perseguido pelo chefe dos “cocaleiros” que hoje governa a Bolívia, que estava preso num quartinho da embaixada brasileira, de quem ingenuamente chegou a esperar asilo, ha 452 dias, “sem que houvesse nenhum empenho para solucionar o problema” da parte do governo do PT.

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Para que não pairassem dúvidas sobre a natureza de sua decisão e para se defender da punição que desde sempre ele sabia que sofreria, Saboia desembarcou no Brasil com o homem que salvou dizendo que tinha feito por ele o que teria feito por Dilma Roussef, que também foi, um dia, uma “perseguida política”.

Tudo isso torna ainda mais nobre o seu ato. Entre a certeza de punição e encerramento da carreira a que dedicou a vida de quem já teve tempo para aprender exatamente com quem está lidando e a alternativa de compactuar com o esmagamento covarde de um indvíduo em luta contra um estado semi-criminoso ao qual se aliou a “diplomacia” do PT, Saboia preferiu manter-se em paz com sua consciência.

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Escolheu a História.

Escolheu entrar para a lista de gente como Guimarães Rosa e sua Aracy que, funcionários da embaixada brasileira em Hamburgo na Alemanha nazista, davam fuga a judeus, do que para a dos esbirros de Getulio Vargas que, naquele mesmo momento, entregavam a Hitler, para ser fuzilada, Olga Benário, a mulher de Luís Carlos Prestes.

Eduardo Saboia exibiu inteiro o seu caráter. O cinema do futuro ainda lhe fará justiça…

Dilma Roussef exibiu inteiro o dela.

Não é que vestiu a carapuça. Enfiou-se nela dos pés à cabeça.

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Sua incontida fúria, vibrando ao vivo e a cores na televisão, foi demais até para Antônio Patriota que, mesmo comendo na mão dela, aparentemente não conseguiu engolir todos os desaforos que ouviu por não ter conseguido impedir que algo tão luminosamente nobre brotasse de dentro do pântano petista e, ainda por cima, no centro da seara bolivariana pela qual zela pessoalmente o sinistro Marco Aurélio Garcia.

Como ousa, algum dos nossos, não ser um filho da puta!

Este episódio, mais que todos os outros, serve para enterrar qualquer resquício de ilusão que porventura tivesse restado a respeito de em que mãos caiu este país.

O pior é pouco para esperarmos dessa gente.

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Chavez faz menos cerimônia…

10 de outubro de 2012 § 2 Comentários

Faltando cinco meses para a eleição que lhe daria o quarto mandato consecutivo (lembrando que a primeira tentativa foi a mão armada), o presidente Hugo Chavez, da Venezuela, relançou o Minha Casa Bem Equipada (sucessor da versão local do Minha Casa Minha Vida).

O plano consistiu na importação, a troco de petróleo fornecido pela PDVSA, hoje sócia da nossa Petrobras, de centenas de contêineres contendo fogões, geladeiras, TVs, máquinas de lavar e outros “espelhinhos e miçangas” fabricados pela estatal chinesa Haier, que foram vendidos com descontos de 60% e créditos dos bancos públicos venezuelanos como o Banco do Povo Soberano, que cobram juros de 6% ao ano.

Também fez parte desse desinteressado “programa social” a venda de automóveis chineses e iranianos, igualmente trocados por petróleo “nosso” (do povo venezuelano) repassados com preços 15% inferiores aos de mercado e três anos de prazo para pagar.

850 mil famílias “foram beneficiadas”…

Finalmente, “para garantir a paz e a ordem nas eleições”, as Milícias Bolivarianas, uma espécie de ONG armada sustentada com dinheiro público que hoje conta 150 mil homens e mulheres do partido do coronel presidente, passou, pela primeira vez oficialmente, a dividir com o Exército Venezuelano a tarefa de “garantir a paz” nas bocas de urna do país de Chavez.

Auxiliando essa força particular, inspirada nos seus equivalentes cubano e líbio (dos tempos do falecido Muammar), estavam “observadores internacionais” convocados para avalizar a lisura da votação, entre eles o “cérebro” da diplomacia lulista, Marco Aurélio Garcia.

Na segunda-feira, pelo meio da tarde, com a colheita já apurada (eles também estão “adiante do mundo” em matéria de eleições informatizadas), a presidente Dilma telefonou ao seu colega fardado, cuja vitória saudou por 15 longos minutos, fazendo saber ao Brasil que vê no pleito venezuelano “um processo democrático exemplar”.

Alguma dúvida?

Lula e sua galeria de monstros

24 de fevereiro de 2011 § 1 comentário

Para refrescar a memória do publico, segue uma lista não necessariamente completa de alguns dos momentos mais vergonhosos que Lula nos fez passar ao colocar o Brasil ao lado do lixo do mundo na defesa intransigente de cleptocratas e assassinos pelo mundo afora.

O artigo homenageia o editorial perfeito publicado hoje no Estadão (aqui) sobre a mudança “da água para o vinho”  da diplomacia de Dilma, “uma defensora sem meios termos dos direitos humanos”, que resgata nossa dignidade no cenário internacional.

Muamar Kadafi: é brutal, sanguinário e corrupto até a medula; seu ex-chanceler, que fugiu para a Europa diante do selvagem massacre que ele comanda neste momento em seu país, diz ter provas de que ele ordenou pessoalmente o atentado de Lokerbie em que explodiu no ar, com uma bomba plantada no bagageiro, um Boeing com 250 passageiros sobre essa cidade escocesa. Documentos vazados pelo Wikileaks hoje mostram novos detalhes sobre como ele e seus filhos saqueiam o país e mantêm seu povo sob uma férrea repressão.

Lula te uma queda particular por Kadafi: chama-o de “amigo e irmão”; teve quarto encontros com ele durante seus mandatos, na Libia, no Brasil, na Venezuela de Chavez e na Nigéria.

Mamud Ahmadinejahd: é o ícone da vertente linha-dura dos radicais xiitas que controlam o país desde 1979 e, indiretamente, está ganhando força com a sucessão de quedas de ditadores sunitas no Oriente Médio. É conhecido por afirmar que o Holocausto nunca existiu e que Israel deve ser varrido do mapa. Para tanto, dedica-se a construir a bomba atômica iraniana e a testar os foguetes capazes de levá-la até Israel. Enforca opositores, fuzila manifestantes e apedreja “mulheres adulteras”. Lula o recebeu no Brasil, foi a Teerã, tentou, sem sucesso, dar cobertura aos seus métodos de burlar a fiscalização internacional de suas instalações nucleares e negou a assinatura do Brasil numa moção da ONU condenando as bárbaras execuções ordenadas por seu governo.

Fidel Castro: ficou no poder por 49 anos antes de ficar doente e ter de passá-lo ao seu irmão; fuzilou a maioria dos seus antigos companheiros da Sierra Maestra e, a seguir, seus opositores. Suas tropas participaram diretamente de gerrilhas em diversos países; treinou, financiou e deu cobertura dilomática a inumeros grupos terroristas. Com o poder consolidado, passou a fuzilar menos e prender todo e qualquer critico. Lula estava em Cuba, festejando com os carceireiros, quando um deles, em greve de fome, morreu. Comparou-o, e aos demais prisioneiros politicos de Cuba, com bandidos comuns presos no Brasil.

Para Lula, Fidel é o único mito vivo da humanidade e construiu isso com “competência e caráter”.

Hugo Chavez: age há 11 anos como dono da Venezuela; fecha jornais e TVs que ousam criticá-lo, estatiza empresas e bancos, financia governos “bolivarianos” por toda a América Latina e culpa o “Império” por tudo que incomoda o mundo, da dor de dente aos terremotos.

Para Lula, “sem dúvida, Chávez é o melhor presidente que a Venezuela já teve nos últimos 100 anos” e o problema da Venezuela é o “excesso de democracia”.

Robert Mugabe: ha 30 anos no poder no Zimbabue, isolado pela comunidade internacional em represália à violência e corrupção de seu governo e pela acusação de financiar o terrorismo internacional, Mugabe ganhou de Lula um presente precioso na véspera dos seus 86 anos, num encontro dos dois no Irã de Ahmadinejad: um jogo amistoso da seleção brasilera na véspera da Copa do Mundo.

O ditador decretou feriado, lotou seu estádio, posou ao lado de Kaká e passou semanas faturando o evento.

Devemos isso ao Lula. Ele tem apoiado muito o Mugabe“, comemorou o seu assessor de gabinete, Mike Chando.

Mugabe é um homem de princípios: não faz mas rouba. Sempre. Sua seleção está no 113ro lugar na classificação da Fifa. O estádio estava cheio. Mas os US$ 640 mil (R$ 1,08 milhão) coletados pela bilheteria nunca foram encontrados nas contas da Federação de Futebol do Zimbábue. A empresa que patrocinou o jogo está processando a entidade até hoje em tribunais suíços.

Islam Karimov: está no poder no Uzbequistão desde 1989, governa pelo terror com uma polícia temida e odiada pela população por sua brutalidade e corrupção. O Conselho de Direitos Humanos da ONU o acusa de praticar tortura, aceitar o trabalho infantil e perseguir jornalistas e muçulmanos.

Lula o recebeu em Brasília alegando querer “promover um maior engajamento entre os dois países”.

Paul Bya: é o dono da Republica dos Camarões há 28 anos; saqueia implacavelmente seu país e passa férias no sul da França, onde gasta mais de 40 mil euros por dia. A renda media nacional em Camarões é de 700 euros por ano.

Em visita ao país, Lula comemorou com o ditador num banquete as suas “afinidades eletivas”.

“Mel” Zelaya: Tentou aplicar um golpe de estado para permanecer no poder alterando na marra a constituição de Honduras, mas não deu certo. Foi barrado no Legislativo, “impedido” pelo Judiciário e destronado pelos militares. Graças a articulações do coronel Chavez, da Venezuela, e da camarilha sandinista da vizinha Nicarágua, conseguiu fugir e infiltrar-se, com companheiros armados, na embaixada do Brasil em Tegucigalpa, que os recebeu “docemente constrangida”.

Com o beneplácito de Lula, permanceu lá, cercado pelas autoridades de seu país, até que ele e Chavez esgotaram todas as tentativas de reinstalá-lo no poder e garantiram-lhe a fuga de Honduras.

Teodoro Obian Nguema Mbasogo: tomou o poder na Guiné Equatorial por meio de um golpe de Estado há 31 anos e, desde então, comporta-se como um reizinho despótico. Para a ONG Human Rights Watch, é um dos ditadores mais corruptos e violentos do mundo.

Quando foi levar-lhe pessoalmente o “apoio do Brasil”, Lula, depois de atravessar uma cidade miserável, posou para os fotógrafos como uma rainha, à direita do trono de sua majestade, num suntuoso palácio protegido por tanques de guerra.

Aleksander Lukashenko: no poder desde 1994 na Belarus é conhecido como “o último ditador da Europa”. Como Ahmadinejad, adora fazer declarações antisemitas. As eleições em que se consagrou vencedor mais uma vez, há quatro anos, foram chamadas de “uma farsa” pelo Conselho da Europa, principal organização de direitos humanos do continente.

Recebido no Brasil pelo presidente Lula, afirmou que “os dois países pensavam de maneira parecida”.

Omar Bongo Ondin: governou o Gabão, país rico em petróleo, com mão de ferro por 42 anos, até sua morte, no ano passado. Muito dinheiro e violência o mantiveram por tanto tempo no poder. Com o lucro do petróleo, ele comprava aliados e mandava matar opositores.

Lula desfilou em carro aberto ao lado do ditador quando visitou o país.

Este post foi inspirado no que foi publicado em julho do ano passado no blog O Candango Conservador (aqui)

A chance que Lula perdeu

12 de julho de 2010 § Deixe um comentário

Nesta terça-feira chegam a Madri os primeiros presos políticos libertados pelo regime cubano depois do escândalo internacional causado pela morte de Orlando Zapata Tamayo durante a ultima visita de Lula a Cuba. 52 serão soltos nos próximos quatro meses, segundo promessa de Raul Castro, o segundo governante da dinastia que impera na ilha ha 54 anos.

O extraordinário evento pode ser o marco do começo do fim da mais longeva ditadura da história das Américas, com os irmãos Castro dobrando os joelhos diante da força moral de Tamayo e de Guillermo Farinas, ha 134 dias em greve de fome pela libertação de seus companheiros de prisão.

A força moral que o nosso insigne candidato a pacificador do planeta, Lula da Silva, não conseguiu enchergar em quem usa o próprio corpo como a ultima arma de resistência pacífica contra a violência dos covardes.

Não foi preciso muito para encerrar o martírio das vitimas da Primavera Negra. Bastou um epurrão da Igreja Católica e um gesto – nada mais que um gesto –  do governo espanhol, que mostrou o senso de decência que o governo brasileiro não conseguiu exibir.

Lula e os anões morais que o aconselham em materia de politica internacional conseguiram colocar-se para traz dos irmãos Castro em materia de sensibilidade humanitária quando viraram as costas para os torturados do seu próprio terreiro para acudir os torturadores (atômicos) da longínqua Ásia.

Não é pouca porcaria!

Começou muito mal a carreira de agente internacional da paz que sua excelência diz que cobiça abraçar.

O que reproduzo abaixo são as fotos feitas por Yoani Sanchez, para o blog Generacion Y, na primeira noite depois da vitoria de Guillermo Farinas, e o artigo especial que escreveu para O Estado de S. Paulo.

O primeiro gole de água

O ar-condicionado ronronava às minhas costas, enquanto o cheiro de sala de cirurgia grudava na roupa verde que recebi ao entrar. Sobre a cama, o corpo enfraquecido de Guillermo Fariñas expunha as consequências de 134 dias sem ingerir alimentos sólidos e líquidos.

Permaneci um bom tempo olhando para os tubos que levam ao interior de suas veias o soro que o mantém vivo e os antibióticos para combater múltiplas infecções. Faz apenas dois dias que Coco ? apelido recebido por Fariñas dos amigos ? anunciou a interrupção de sua greve de fome para proporcionar o tempo necessário para que se cumpra a libertação dos presos políticos. O primeiro gole de água que deu depois de tanto tempo provocou em seu ressecado esôfago a sensação de uma língua de fogo que o queimava por dentro.

Com as sequelas produzidas por um período tão longo de inanição, voltar a beber e a comer não é garantia de sobrevivência para este psicólogo e jornalista independente. Sua saúde se encontra num estado limítrofe de deterioração, como consequência de outras 22 greves de fome anteriores. Ninguém pode saber ao certo se Fariñas chegará, num futuro próximo, a apertar a mão dos prisioneiros que, com sua determinação, ajudou a libertar. Um coágulo instalou-se perto de sua jugular, as bactérias e os germes infectam seu sangue e um intestino atrofiado, pela falta de uso, mal consegue conter a flora que é derramada em seu abdômen. O herói da batalha pela libertação de 52 dissidentes e opositores terá dificuldade para vencer a luta contra a morte. O homem que desafiou um governo que nunca foi caracterizado pela clemência terá pela frente um caminho difícil para vencer suas debilidades físicas.

Justo na primeira madrugada depois de anunciar a suspensão da greve de fome, a família de Fariñas permitiu que eu cuidasse dele na sala de terapia intensiva do hospital de Santa Clara. Voltei para casa triste e cansada, rodeada de anúncios otimistas sobre os presos que deixavam o cárcere, mas imbuída da convicção pessoal de que, para Fariñas, a cruzada pela vida acaba de começar. Ainda assim, me pergunto como foi possível que nos tenham cortado todos os caminhos da ação cívica, até nos deixarem apenas com nossos corpos para ser usados como estandarte, cartaz, escudo. Quando um país se torna palco de tais greves de fome, é hora de se perguntar que outras vias restam aos inconformados e quem teriam sido os responsáveis por inibir os mecanismos de expressão dos cidadãos, e por quê.

Ainda que as grandes manchetes divaguem agora sobre o trabalho de mediação do chanceler Miguel Ángel Moratinos e a negociação entre a Igreja Católica e o governo cubano, todos sabemos quem são os verdadeiros protagonistas destas lutas. Cidadãos como as Damas de Branco, pessoas simples como Fariñas e gente sofrida como o próprio Orlando Zapata Tamayo, conseguiram que Raúl Castro começasse a destrancar as celas. Sem o empurrão proporcionado por eles, os sete anos de detenção suportados por aqueles que foram detidos durante a Primavera Negra de 2003 poderiam ter se convertido numa década ou até em meio século de condenação. No entanto, um homem decidiu fechar o estômago à bênção da comida para conseguir que eles voltassem a caminhar pelas ruas de seu país e a abraçar suas famílias. Quem o vê de perto comprova que se trata de um cidadão magro e comum, que um dia vestiu um uniforme militar como soldado de Cuba combatendo em Angola.

A mesma força de vontade que o levou a caminhar 13 km ? em terras africanas ? com uma bala cravada nas costas permitiu a ele manter até poucos dias atrás sua recusa em se alimentar. O terreno onde se deu o persistente protesto foi seu próprio corpo que é, afinal, o único espaço que lhe restou para protestar.


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