Ha mesmo dois PTs? Siga o dinheiro…

11 de dezembro de 2012 § Deixe um comentário

din13

Minhas reações às idas e vindas de dona Dilma têm sido cada vez mais ambivalentes. E a julgar pela reação cada vez mais adversa dos investidores nacionais e estrangeiros, não estou sozinho nessa dúvida.

Redução de impostos, desoneração de folhas de pagamentos, juros baixos, câmbio alto, redução do custo da energia, abertura dos portos, sanção da discriminação dos impostos nas notas fiscais com vetos toleráveis, recusa de compactuar com ladrões pegos em flagrante, defesa das instituições básicas da democracia…

Dilma parece estar fazendo tudo certo, ainda que do jeito errado. E é indiscutível que existe um choque, ao menos retórico, entre ela e o PT assumidamente bandido.

Como enxergar melhor no meio dessa névoa?

Resolvi seguir o conselho de “Deep Throat”, o misterioso informante que levou o repórter Bob Woodward, do Washington Post, a desvendar o Escândalo Watergate que culminou no impeachment do presidente Nixon em 1974: “Follow the money”.

din2

O Fundo de Participação dos Estados (FPE), de onde sai a fatia magrela dos impostos que a União entrega para esses entes da federação, é formado fundamentalmente de percentuais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda (IR).

Somente neste ano de 2012, o governo federal deu isenções para setores escolhidos (por critérios sempre misteriosos) que implicaram uma renuncia fiscal de R$ 45 bilhões, equivalente a quase o total do que distribuiu para os Estados em 2011: R$ 48 bi.

No início desse processo, Brasília dava compensações aos Estados em função da repercussão dessa política em sua arrecadação. A partir de certa altura, nem isso mais. O total a ser distribuído via FPE caiu 20% só com essas desonerações. A União deixou também de repassar o Cide (imposto sobre importação de combustíveis) para os Estados. E por cima de tudo derramou, junto com a perspectiva de equalização do ICMS em 4% para deter a “guerra fiscal“, a redução na marra nas contas de luz que é outra das grandes fontes de arrecadação dos Estados via ICMS.

Quando oferece isenções de IPI, portanto, dona Dilma está distribuindo presentes com dinheiro alheio.

din17

Com os impostos que alimentam a União ela não tem feito a mesma coisa. Ao contrário.

A União arrecada cada vez mais através das chamadas “contribuições”, que são aqueles impostos rebatizados com esse nome tanto para permitir a bitributação que a  Constituição proíbe quanto aumentar a sua fatia do “bolo” já que “contribuições”, ao contrário de “impostos”, a União não tem que dividir nem com Estados, nem com municípios.

Contribuição sobre o Lucro Líquido (a CSLL, cuja especificação nas notas fiscais ficou excluída por veto de Dilma), Pis-Cofins, CPMF (extinta em 2008), Cide-combustível fazem o grosso da arrecadação federal. Todas estas o governo tem aumentado toda vez que a gente olha pro lado. De 1997 a 2011 a arrecadação de impostos subiu 1,9 ponto percentual enquanto as contribuições subiram 2,1%.

A conta geral para a sociedade, não é preciso dizer, sobe sempre. Em 2011, segundo recorde consecutivo, a carga chegou a 35,31% do PIB com os três entes da federação arrecadando R$ 1,46 trilhão.

din7

Mas por baixo desse numerão, o fato é que  a conta final da “repartição do bolo” dos impostos vai ficando cada vez mais escandalosa. Em 2011 a União arrecadou R$ 667,3 bilhões, descontada a arrecadação da Previdência, e distribuiu R$ 48 bilhões (7,2%) para os Estados.

Para os do Sudeste, então, onde, por coincidência, está o principal reduto da oposição, tem sido um massacre. Desses R$ 667,3 bilhões, R$ 442,38 bi saíram daqui. Só R$ 4,08 bi voltaram (0,8%), na forma de “participação” no bolo federal.

Não é atoa que temos a polícia e o professorado que temos…

Já a história da redução do preço da energia tem sido um manancial de delícias para o PT.

Não se sabe se a medida foi anunciada antes de estar pronta para que a boa nova chegasse aos eleitores na véspera da eleição ou se ela é como é porque tudo neste governo é deste nível de qualidade técnica.

din3

Dona Dilma simplesmente atirou seu “boeing” contra essa torre provocando a fuga em pânico dos investidores privados que agora tenta seduzir para investir nos portos. E enquanto espera que as elétricas dos Estado do Sudeste caiam aos pedaços sob o impacto da desconfiança semeada chama os governadores que se opuseram a dar o golpe em seus acionistas de “inimigos da redução da conta de luz”.

2014 já começou…

Os governadores ainda sonham com os royalties do pré-sal para tapar o buraco em suas contas que se aprofunda de hora em hora, mas o governo federal mandou uma lei propondo que 100% desse dinheiro seja reservado para educação (o que, em tese, não seria mau se a medida viesse no contexto de uma reforma tributária ampla redistribuindo verbas e funções entre os diferentes níveis de governo e a sociedade). E agora acena com um relaxamento da Lei de Responsabilidade Fiscal e a oferta de “facilidades” para renegociar as dívidas dos governadores amigos.

Do regime de partição por regras institucionalizadas vamos caminhando, portanto, para o de concessões ao arbítrio do governo central…

din12

Last but not least, desde Lula o governo federal vem by-passando os Estados e assinando convênios diretamente com os municípios, a partir dos quais controlam-se as eleições.

Democracia e federalismo não andam juntos por acaso. Uma coisa é parte constitutiva da outra, tanto quanto autoritarismo e centralização de poder.

A história política do Brasil não tem sido mais que o fluxo e refluxo desse fator.

Transplantaram para cá o modelo que servia para o Portugal Medieval, cujo território é pouco maior que a soma de uma meia dúzia dos maiores bairros das nossas megalópoles de hoje, e começamos a jornada deste país continental que se estende até por diferentes zonas climáticas do planeta com um imperador que nomeava governadores que dependiam totalmente dele.

din8

Em 1889 veio a Republica como um esforço desconcentrador do poder político e instalou as sementes do federalismo que ainda sobrevive na denominação deste país. Nos anos 30 o Brasil conhece a sua primeira ditadura cuja tradução prática foi a volta atrás e a concentração de todos os poderes nas mãos de Getúlio Vargas. A Constituição democrática de 1946 volta a empreender um esforço descentralizador. Mas vem a ditadura militar de 64 e concentra tudo nas mãos de Brasília outra vez. A partir de 94 Fernando Henrique trabalha mais uma vez para dividir o poder e aumentar os controles da periferia sobre o centro. Desde 2003 Lula, recorrendo à subversão argentária, volta a concentrá-lo, soterrando toda resistência parlamentar ou da iniciativa privada sob caminhões de dinheiro (acrescentados ou subtraídos).

Para que todas as bondades de dona Dilma se transformassem em políticas reais de redução de impostos sobre a economia como um todo, desoneração para sempre de folhas de pagamentos e o mais que poderia nos trazer de volta para dentro da competição mundial, seria preciso cortar o enorme pelote de gordura que se pendura no corpo da Nação lá no Planalto Central.

Mas o nome dessa bola de sebo é PT.

din15

Desde o início da Era Lula a folha de pagamentos do funcionalismo federal mais que dobrou de valor. Os ministérios multiplicaram-se até a 40å  potência e o numero de “cargos de confiança” de livre preenchimento pelos membros do Executivo federal chegou a inacreditáveis 22.267 e segue crescendo. Ainda na semana passada anunciou-se a criação de mais 9 mil e poucos.

A boa hipótese, portanto, é que há dois projetos concorrentes para a economia brasileira dentro do PT, sendo que o que Dilma herdou já vai bem mais longe que o que ela gostaria de implantar.

Um está a cargo de um outro “ministério da economia” que trabalha nos bastidores mas maneja instrumentos muito mais poderosos que o oficial e trata de promover o “achinesamento” da economia nacional ou, se quiserem, a construção do capitalismo de Estado à brasileira por meio de obscuras relações incestuosas entre este BNDES que se vai transformando numa espécie de “laranja” do Tesouro Nacional, os fundos de pensão das estatais e do funcionalismo público, que é o outro nome da militância do PT, e os seus “sócios” em vias de diluição que são os antigos donos das indústrias de base que se vão transformando em monopólios avassaladores que, ou sugam para o buraco negro, ou “satelitizam” em sua órbita o resto do setor privado brasileiro.

din20

O outro seria o que dona Dilma diz que quer implantar com suas medidas – sempre provisórias – “pró-mercado”.

Essa dualidade combina com os dois discursos antagônicos com que o PT se tem expressado ultimamente: o que ruge contra as instituições democráticas e semeia quadrilhas nos intestinos do Estado brasileiro e o que afirma preferir as dissonâncias da democracia ao silêncio dos cemitérios e recusa-se a dar escudo pelo menos aos corruptos pegos em flagrante.

Se o discurso de Dilma é sincero, então ela e o Brasil têm um problemão. Se é só um canto de sereia, então o problemão é só do Brasil.

din11

Túnel do Tempo

10 de outubro de 2012 § Deixe um comentário

Foram-se as agências setoriais, foi-se a independência do Banco Central, foi-se a transparência das contas do governo.

Está de volta a “aritmética dialética”; a conta de chegar.

A geração de superávits primários suficientes para abater a dívida líquida, o regime de câmbio flutuante e o sistema de metas para a inflação – o famoso “tripé” que, desde 1999, segurava e dava previsibilidade à economia brasileira – são coisas do passado.

Estão de volta os estímulos seletivos (empréstimos do BNDES e/ou isenção de impostos) a setores escolhidos pelo governo (ou que escolherem o governo); bomba-se o crédito ao consumo segundo o calendário eleitoral.

O resultado, em números bem medidos, está exposto no artigo Uma Hipótese para o Baixo Investimento, de Cristiano Romero, para o Valor de hoje.

Até aí”, diz um sábio amigo meu, “havíamos regredido até a era pré-Plano Real. Com o novo regime automotivo, estamos sendo empurrados de volta à era pré-Collor quando as montadoras e os metalúrgicos do Lula, livres da concorrência estrangeira, andavam de carruagem enquanto o povo ia de carroça”.

Cuidado! Delfin Netto está adorando!

25 de setembro de 2012 § Deixe um comentário

Peço desculpas aos leitores por voltar em tão poucos dias a usar esta tão definidora (conquanto chula) expressão da Última Flor do Lácio mas é que, desde que o li no Valor de hoje, depois de ter lido Miriam Leitão no Globo, ela volta-me a cabeça sem parar.

Não é de hoje, aliás, que considero este senhor como um dos mais seguros alarmes da ameaça permanente de recidiva das velhas doenças brasileiras. Sempre que ele gosta demais da situação meus pelos se eriçam. E há tempos que tem sido este o caso.

Meu pai diz que o pior tipo de filho da puta é o que escreve bem. E tem toda a razão porque são estes os mais capazes de seduzir os incautos para que caminhem de livre e espontânea vontade para o abismo.

É o caso de Antônio Delfin Netto.

Em qualquer país com polícia ele estaria na cadeia. Não pelo que diz, naturalmente, porque malgré l’Islam, todo mundo tem o direito sagrado a qualquer grau de blasfêmia. Mas pelo que fez. A assinatura dele está lá no famigerado AI-5 que inaugurou os Anos de Chumbo. Foi ministro da Fazenda do general Costa e Silva, o mais “tapado” entre todos os que nos comandaram e, desde então (1969) nunca mais deixou de ser o grande “mago” do “Milagre Econômico Brasileiro“, a mesma tapeação que o PT está voltando a encenar e que acabou numa inflação que, nas vésperas da chegada de Fernando Henrique Cardoso ao controle da economia brasileira, bateu em mais de 80% ao mês (diz a Wikipédia que a inflação média no Brasil, sob as luzes delfinianas, foi de 166% ao ano).

Mas como vivemos neste país esquisito, saiu do Ministério (àquela altura) do Planejamento dos milicos em 1985 diretamente para o PMDB e, desde então, tem a secreta admiração daquela mesma “esquerda” que, como Lula, no fundo no fundo, sempre adorou o mandonismo dos milicos e odiou o jogo com regras com a diferença que o queria vestido de rosa em vez do antigo verde-oliva.

Assim é que, mesmo se tendo envolvido em falcatruas grossas, além de fabricar um dos mais formidáveis moto-contínuos da miséria e da concentração da riqueza de que o mundo tem notícia, Delfin Netto não só safou-se da cadeia como ganhou as maiores tribunas do país para pregar a volta da infecção de que o Plano Real livrou o país. E o faz sempre com aquela inteligência perversa com que o aparelharam os anjos caídos, a cozinhar o seu velho caldo de cultura.

Hoje está no Valor a defender com exemplos internacionais torcidos como todo argumento de que se serve, a livre troca de secreções entre os bancos centrais e aqueles de quem eles foram feitos para nos proteger, como se o mundo viesse, desde sempre, na mesma contramão em que ele manteve o Brasil pelos 16 anos durante os quais reinou. Isto é, como se a regra geral fosse abrir uma exceção à falta geral de regras em função do pânico da crise, como aconteceu no curto interregno de FHC, e não o contrário.

Miriam Leitão expõe hoje no Globo com todos os “comos” e os “quantos“, o que de fato está acontecendo. Mas como vive sob as regras estritas da nossa Lei de Imprensa, tem de ser mais comedida com as palavras que dedica às conclusões do que ainda é permitido nesta internet.

Esqueçam o palavrório do dr. Antônio. A verdade é a que Miriam Leitão descreve e o nome desse joguinho de me engana que eu gosto, pelo menos até a edição de um eventual AI-6 que de novo dispense a formalidade do voto, é estelionato eleitoral, suborno de massas, compra de popularidade (na sequência da compra de votos no Congresso).

Compra de poder político, este irmão siamês do poder econômico, enfim, nessa nossa capenga “democracia de obstáculos” onde é preciso dar um saltozinho a cada quatro anos, mas no meio do caminho pode-se deitar e rolar.

Confira o que conta a Miriam:

O Perigo Silencioso

por Miriam Leitão (para O Globo de 25 de setembro de 2012)

A gestão do ministro Guido Mantega no Ministério da Fazenda está destruindo o patrimônio fiscal que levou uma década e meia para ser construído. Dentro dessa categoria, de demolição da ordem fiscal duramente edificada, encaixa-se a decisão de o Tesouro se endividar em R$ 21 bilhões para a Caixa Econômica e o Banco do Brasil aumentarem a oferta de empréstimos.

Por 15 anos, entre o fim da ditadura militar e o ano 2000, o país executou uma enorme tarefa para acabar com os orçamentos paralelos, a conta movimento, os ralos e as fantasias contábeis até chegar à aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.

É esse arsenal que tem sido furtivamente recriado. A operação autorizada por Medida Provisória na sexta-feira é parecida com as que foram feitas para o BNDES. A dívida aumentará, porque o Tesouro tem que lançar papéis no mercado, mas a operação é mascarada como empréstimo a esses bancos. Não se sabe quando eles pagarão a dívida, por isso é impossível calcular o custo disso para os cofres públicos.

O custo médio de financiamento da dívida pública interna este ano está em 11,85%. A Selic está em 7,5%, mas o custo real é impactado pelos juros que incidem sobre títulos antigos. O Tesouro receberá do Banco do Brasil os 5,5% da TJLP nos R$ 8,1 bilhões que irão para a instituição. Haverá custo para o governo, mas ele não estará no Orçamento. Criar despesas de forma disfarçada e não registrá-la no Orçamento é contornar a obrigatoriedade de que não se criem despesas sem a definição de receitas.

A conta movimento parecia um gasto sem ônus e sem limite. O Banco do Brasil sacava no Banco Central para cobrir seu balanço. Agora, os bancos públicos têm recebido recursos de uma forma semelhante.

O objetivo da operação, segundo a nota do Ministério da Fazenda, é “manter a capacidade de expansão da carteira de crédito, garantir a continuidade do aumento da participação no mercado”.

Há sinais fortes de que o ciclo de empurrar as famílias para o endividamento está se esgotando. O crédito nos bancos públicos cresceu 27%, e a inadimplência subiu 22%, em 12 meses até julho.

Se o BB e a Caixa crescerem no mercado via competição normal com bancos privados, isso é saudável. O erro é o governo estabelecer como objetivo de política pública que eles tomem mercado à custa de subsídio público, ainda mais porque um dos bancos, o Banco do Brasil, tem sócios privados.

Se esse crescimento der lucro, será transferência de recursos públicos para particulares; se der errado, o acionista do BB pagará a conta em forma de queda de redução de dividendos. Se for capitalização, vai diluir o capital do minoritário, e isso tem que ser comunicado previamente à CVM.

O Tesouro se comporta como se tivesse descoberto a fórmula mágica da multiplicação dos recursos sem ônus. Lança títulos ao mercado e transfere o dinheiro para os bancos públicos, e eles, por sua vez, pagarão com juros baixos e no prazo que quiserem. Se é que pagarão. Há gasto público embutido aí, mas não há registro como despesa em lugar algum, e por isso o impacto fiscal é escondido. Já foram emprestados assim mais de R$ 300 bilhões ao BNDES. Agora, o mesmo acontecerá com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica.

Equívocos na política econômica pesam muito tempo sobre o país. Durante anos pagamos o preço dos erros da bagunça fiscal do governo militar, em forma de inflação. São esses mecanismos, aparentemente engenhosos, que estão silenciosamente voltando a ser criados. Parece que os economistas do governo não aprenderam a lição número um: a de que não existe almoço grátis.

O poder está onde o dinheiro está

18 de abril de 2012 § Deixe um comentário

Ao longo de quase mil anos, desde a Magna Carta de 1215 que iniciou formalmente o processo, a Inglaterra, que inventou a democracia moderna, usou um único truque para ir encurralando a monarquia: manter o rei sempre pobre e dependente do Parlamento até para montar seus exércitos (só em caso de necessidade e por tempo limitado) e fazer suas guerras.

Cada vez que a coisa apertava ou um inimigo externo ameaçava a sobrevivência da dinastia da hora, sua majestade tinha de vir ao povo de mão estendida e, para obter  o que precisava, era obrigada a entregar-lhe mais um conjuntinho de direitos.

Enquanto isso, no Continente, na Europa absolutista, dava-se precisamente o contrário. Era o monarca que concentrava toda a riqueza do país e sempre que o povo ou seus representantes vinham a ele de mãos estendidas eram obrigados a ceder-lhe mais um direito para conseguir a graça de entrar para a lista dos escolhidos para não morrer de fome.

Continua sendo exatamente assim, especialmente no mundo ibérico onde o instrumento corporativista de fragmentação da sociedade vedou ainda mais do que alhures a penetração dos ares purificadores das revoluções democráticas do século 19.

Ao contrário do que ocorre nas democracias de verdade, o sistema de arrecadação de impostos no Brasil é tanto mais concentrado em cada ente arrecadador quanto mais distante ele estiver do povo que, teoricamente, é o objeto dos serviços e das obras a serem financiadas com esse dinheiro.

A União arrecada mais que os Estados que arrecadam mais que os municípios que é onde as pessoas de fato moram. No total os três confiscam mais de um terço do resultado final do trabalho de todos os brasileiros mas, depois de pagos todos os funcionários do Estado, isso não chega nem para prover aos contribuintes educação, saúde, segurança e uma infraestrutura digna desse nome. Para buscar o que fica faltando para fechar a conta o Estado, por cima do que arrecada, ainda se endivida.

O governo – enorme; tornado legião voltada para si mesma, cheia de privilégios tanto maiores quanto mais perto estiver o nomeado do ente que mais arrecada – recorre, então, ao setor financeiro privado de quem toma o que lhe faz falta a juros exorbitantes.

É por isso que, entre nós, os banqueiros não precisam fazer força nem correr risco para obter seus lucros obscenos. Eles são agentes financiadores exclusivos do Estado.

Depois de raspar o tacho do sistema financeiro privado, o governo se apresenta à Nação faminta de crédito como o provedor providencial do plasma que mantém viva a economia.  Financia da infraestrutura ao consumo de bens perecíveis, passando pela cultura, pela agricultura, pela habitação e pela indústria privada.

Se se colocasse no seu devido lugar e com o seu devido tamanho, sobraria dinheiro nos bancos privados para financiar democraticamente (sem privilégios de acesso) a produção e o consumo privados, e os bancos teriam de brigar por clientes baixando juros e ajustando custos para poder faze-lo. Nesse caso, o mérito, a qualidade do projeto e o retrospecto do desempenho econômico financeiro seriam os critérios de seleção de quem mereceria crédito ou não, e a que preço.

Mas isso não interessa ao Estado brasileiro porque fazer-se o único provedor de crédito da praça é, na verdade, o seu mais forte instrumento de poder.

Quem pode escolher a que barões (da industria) dará ou negará os bilhões do BNDES a juro subsidiado pode ter a eterna certeza da sua lealdade. Eles jamais vão encurrala-lo para exigir uma Magna Carta de direitos como fizeram os ricos barões ingleses com seu rei pobre em 1215.

Inversamente, quem tem no Estado o único provedor de crédito rapidamente aprenderá que obte-lo ou não independe de capacidade ou de performance econômica; é coisa que responde à “qualidade” das amizades que se compra junto ao organismo decisório repartindo os lucros do projeto com quem outorga os meios de coloca-lo em pé.

Entre nós, os filhos do absolutismo monárquico, os Estados são ricos e as sociedades são pobres. E, nem é preciso dizer, o governo que tem o poder de decidir quando e para quem se abre ou se fecha a torneira do crédito neste mundo regido pela economia tem a faca e o queijo na mão; tem o poder de regulagem fina até da sua própria “popularidade”: abriu a torneira do crédito o índice sobe; fechou, ele desce.

E nos momentos de vacas magras, ali estão, sempre à mão, os banqueiros privados para levar a culpa, um preço barato a pagar, convenhamos, em troca da vida de potentados orientais que levam sem ter de fazer força.

Dona Dilma e seo Mantega andam falando muito de juros, ultimamente.

É que o “espetáculo do crescimento” está começando a murchar exatamente no mesmo momento em que o ponteiro que mede a capacidade do povo de se endividar bate no vermelho e os alarmes da inadimplência disparam.

E bem num ano de eleição…

Bater em banqueiros nunca fez mal à popularidade de governo nenhum. Mas a mim é que não me enganam. Estou cada dia mais pragmático. “Se você quer saber onde está o poder, follow the money” (siga o dinheiro).

O arranjo multi-secular entre os governos e os bancos em sociedades como a nossa não mudará por iniciativa dos únicos que realmente se beneficiam dele. Simplesmente porque para estes mais que pra ninguém é que vale a máxima do Tiririca: melhor do que tá, não fica.

Vocês querem bacalhau?

3 de abril de 2012 § Deixe um comentário

Rodou, rodou, e voltamos ao ponto de partida.

Me bateu um desânimo, hoje, ao ver o ministro da Fazenda, com todo aquele circo armado em volta, lendo aquelas listas patéticas dos contemplados com a graça de por o nariz para cima da linha d’água quando o barco começa fazer água de que tive a ilusão de que pudéssemos nos livrar aí pelos começos do Terceiro Milênio.

Confecções, luminárias, call centers, móveis, plásticos…

La ia o Mantega, cheio de “erres”, atirando os seus “bacalhaus” para a plateia e,  na minha imaginação, eu via uma espécie de auditório de TV gigante onde, a cada nome sacado do chapéu, uma torcida se manifestava aos gritos de alívio, como quando o Jô Soares nomeia os convidados da sua plateia.

Nas primeiras filas do auditório do Mantega, aboletados em posição de destaque mas com um ar inteiramente blazé,  sentava-se a fina flor dos “barões do BNDES”, seguros dos seus bilhões, a nos lembrar muito graficamente que em país em que ministro da economia se dedica a montar listinhas de contemplados, só mesmo quem chora é que mama.

Reformas mesmo, nem pensar. Alterar a estrutura cuja falência o governo está confessando com seus band-aids tributário-protecionistas, de jeito nenhum.

Vamos direto e reto de volta pras carroças a preço de rolls-royce que merecemos.

O doutor Mantega mencionou a intenção do governo de obter do Congresso uma redução das alíquotas de ICMS para importados para 4% de modo a reduzir o espaço para a guerra que os governadores travam por essa brecha onde os traíras que elegemos enriquecem os espertalhões que depois financiarão as suas campanhas às custas dos empregos dos seus eleitores nas industrias nacionais que cairão de joelhos diante das importações subsidiadas com dinheiro público.

Que país, meu deus do céu!

Não estou nem culpando a Dilma, que já chegou meio no fim da festa. Pois se em países de dois partidos já não é mole aprovar políticas econômicas para tempos de vacas magras, que dirá neste pasto das matilhas de hienas da governabilidade.

Já fez mais do que eu esperava depois do que tenho ouvido por aí a respeito dessa farra do subsídio às importações, ao pelo menos mandar a lei para o Congresso de modo a “lavar as mãos”.

Mas o que me garantem fontes que sabem o que estão dizendo é que é tudo só mesmo para marcar posição pois partido por partido, governador por governador, todos já provaram ao governo a sua firme disposição de não mover uma palha para extinguir essa mina.

Vão fechar a brecha para a importação de aço, graças aos préstimos de sir Gerdau e sir Steinbruch, e de certos polímeros que interessam a sir Odebrecht, todos eles devidamente alugados pelo PT para as próximas temporadas, e o resto do empresariado que se arda.

A conferir…

Agora, que é triste é triste a sina do brasileiro que insiste em empreender. Um governo que sente a necessidade de anunciar pacotes de medidas desse tipo está confessando que sua política – ou sua falta de politica – deu o que tinha de dar e precisa mudar de rumo, mas que ele não tem condições políticas sequer de pensar nisso.

A onda da inflação das commodities só serviu para inflar egos e comprar poder. Em matéria de musculatura institucional, não avançamos um passo.

Onde estou?

Você está navegando em publicações marcadas com Mantega em VESPEIRO.