Quem tem medo da verdade?

7 de abril de 2017 § 19 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 7/4/2017

Aposentadorias e “Benefícios de Prestação Continuada” (BPC) pagos a funcionários “incapacitados” representam 54% do gasto da União. A folha do funcionalismo ativo outros 41%. Sobram 5% para financiar todos os investimentos publicos. Nos estados e municípios é tal a fome dos marajás que nem para pagar a parcela do funcionalismo que, bem ou mal, de fato “serve” o público, tem sobrado.

A carga de impostos é de 36% do PIB e o deficit de pelo menos outros 10%. São 46% do PIB, mais de R$ 2 trilhões e 500 bilhões, apropriados anualmente pelo estado, R$ 2 trilhões e 375 bilhões dos quais (95%) consumidos com salários, aposentadorias, pensões, bolsas e quejandos. Um oceano dentro do qual tudo quanto se roubou em todos os anos investigados pela Lava Jato e, provavelmente nos séculos 20 e 21 somados ou talvez, até, de 1500 até hoje, vira uma gota ou, vá lá, um balde d’água.

Não é preciso mais nada para explicar porque estamos arrebentados. Um simples olhar para as parcelas dessa conta basta, também, para tornar instantaneamente lógica a aparente confusão política em que vivemos. Quinze dias atras Marcos Mendes e Mansueto Almeida, Secretário de Acompanhamento Econômico da Fazenda, publicaram na Folha de S. Paulo extenso artigo destrinchando aspectos centrais da reforma da previdência. Todo servidor se aposenta com 100% do que ganhava no ultimo dia de trabalho, coisa inédita no mundo. (Na verdade costumam ter uma ou duas “promoções” pouco antes de cruzar a linha aos 50 anos). Com 30 anos ou mais pela frente de puro desfrute, camadas sucessivas se vêm acumulando. Todas essas aposentadorias têm sido “reajustadas” muito acima da inflação junto com os salários dos servidores ativos (esses com aumentos contratados até 2020 no meio do pânico do resto do Brasil). Já os súditos no país real “se aposentam” com 70% do ultimo salário (que paga imposto a partir de R$ 2 mil e poucos) e continuam trabalhando até morrer pois se já viviam no limiar da miséria com 100%, que dirá com 70%. Essa situação é tão generalizada que o governo está criando o Regime Especial para o Trabalhador Aposentado isentando o trabalho na velhice de alguns impostos. Aposentadoria “por tempo de serviço” aos 50 anos é, portanto, um luxo exclusivo dos donos do estado. A maioria se aposenta antes disso, aliás, graças aos “regimes especiais”, mais uma das inumeras formas de roubo legalizadas com que nos sangram, exatamente semelhante aos “auxílios” e outros apelidos que dão a pedaços do salário para aumenta-lo alem do teto e sonegar imposto, só que aplicado ao tempo contado para se aposentar.

Pensões por morte são outro luxo hereditário exclusivo do marajalato. Custam 3% do PIB no Brasil quando o padrão mundial é abaixo de 1%. 32% dessas pensões são pagas a funcionários que já recebem aposentadoria. 73% vão para apenas 30% dos domicílios, todos na categoria dos de maior renda do Brasil. O gasto com “Benefícios de Prestação Continuada” (BPC) pagos a “incapacitados”, valendo em média 10 Bolsas Família cada, cresceu de R$ 14 bilhões em 2003 para R$ 49 bilhões em 2016. A maior parte foi conseguida por ação judicial, dispensando, portanto, a evidência de dedos ou membros faltantes ou outras deficiências perceptiveis a olho nu. Só juizes, mais de 10 mil dos quais recebem acima do teto constitucional e, frequentemente, salários acima de seis dígitos, e “peritos judiciais”, foram capazes de “enxerga-las”. 43% dos BPC pagos vão para a faixa dos 40% mais ricos do Brasil.

Vai por aí o escárnio e, por essas e outras, a maioria dos servidores públicos federais está na faixa dos 1% mais ricos do Brasil e quase nenhum está aquém dos 5% mais ricos. Isso antes de contar as frotas de jatos, as dezenas de milhares de automoveis, os planos de saude eternos e as mordomias mil que a favela paga para os palácios.

Uns poucos, muito poucos, entre esses abusos seriam coibidos pela reforma da previdência proposta por Michel Temer que, por ter ousado tanto, está, com todos os seus “negociadores” de reformas no Congresso, varejado de delações e a um passo de ser apeado da presidência.

O problema brasileiro é “biodegradavel”. Expostos os dados ao sol a unica resposta decente, a única resposta aritimeticamente possivel, impõe-se por si só. A sobrevida da “privilegiatura” depende estritamente, portanto, de mante-los escondidos sob uma barragem a mais ruidosa possivel de mentiras. Não é por outra razão que a luta pelo poder se tem resumido à luta pelo controle dos meios de difusão de “narrativas”, o novo nome da mentira, seja pela martelação da discurseira sem contraditório daquela gente sinistra dos “horários gratuitos”, seja pelo “aparelhamento” de escolas e redações. Agora querem dar o golpe final fechando o último canal de expressão sem “tradução” da voz do povo com essa “lista fechada”.

Meu coração tem tentado mas meu cérebro recusa-se a se convencer de que é apenas ingênua e distraída essa justiça sem prioridades que, sempre em perfeita afinação com a imprensa e consonância com o tramite das reformas, arregala um olho para ladrões individuais de milhões mas sistematicamente fecha os dois para a ladroagem coletiva de trilhões sem o fim da qual o Brasil não se salva.

O passado condena? Pode ser. Mas a verdade é que Temer não pode dizer a verdade num pais onde ninguém mais diz a verdade. Como não é dele, é do Brasil que se trata, é preciso lançar uma campanha impessoal para demonstrar, sem eufemismos, a relação direta de causa e efeito entre cada marajá excluído da reforma e cada aumento de imposto, e entre cada aumento de imposto e cada emprego a menos. O Brasil precisa ser instado a fazer as escolhas que lhe restam sabendo claramente quem custa quanto ao estado brasileiro, o quê pode ser trocado pelo quê, quanta dor adicional e quanto alívio podem ser contratados pelo mesmo dinheiro escasso. Sem isso, fica fácil demais para lobos se apresentarem como cordeiros e bandidos como mocinhos enquanto nos empurram, todos juntos, para o ponto de onde não ha mais retorno.

A corrupção no Judiciário

16 de fevereiro de 2017 § 14 Comentários

Abre o olho, Brasil!

30 de novembro de 2016 § 8 Comentários

Tão perto! Tão longe!

30 de junho de 2016 § 8 Comentários

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Artigo para O Estado de S. Paulo de 30/6/2016

Desde que a Lava-Jato demonstrou que o PT é o Eduardo Cunha e vice-versa, e que há muito pouca coisa entre os dois que se diferencie radicalmente de ambos, o Brasil está paralisado na sua perplexidade.

Seriam, de fato, os R$ 0,85 de cada mensalidade embolsados pelo ministro Paulo Bernardo o maior escândalo desses “empréstimos consignados” com juros subsidiados que já montam a R$ 281 bi (4,5% do PIB) para a casta dos “com tudo” ao lado dos mais de 400% ao ano de juros do cartão do desespero dos “sem nada” de quem o Estado já toma outros 46% do PIB (36% de carga + 10% de déficit)? Pense bem: o Bolsa Familia, sempre aventado como desculpa para manter os ladrões onde estão, custa 0,3% do PIB…

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Este país de avessos, onde as escolas é que estão “ocupadas” e estudar passou a ser uma atividade clandestina que a polícia reprime de preferência a quem trata de impedi-la, teve tempo de sobra para acostumar-se com isto em que se transformou. Os sindicatos-impostos de Getulio Vargas evoluíram do primeiro e único ao 15º milésimo de hoje e a metástese prossegue sem combate ao ritmo de 280 novos por ano. E daí saltamos com toda a naturalidade para os nossos por enquanto 35 partidos-impostos a quem pagamos horários-impostos para que nos ofendam e humilhem diariamente na TV, tudo sob a proteção dos “movimentos-sociais-impostos” recheados de militantes-impostos que nos cobram hora-extra para viajar em ônibus-impostos para onde quer que sejam convocados para defender a intocabilidade dos “seus” impostos. Passados 80 anos eis-nos bancando festas nos palácios com impostos diretamente arrancados às favelas…

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Com toda a barreira de silêncio que ainda protege da exposição à execração pública que merece o mundo da côrte movida a impostos onde “demissão” não consta do dicionário, “auxílio” não é renda e os salários continuam subindo 60 bilhões por ano em meio ao pânico aqui fora, bate na cara do país inteiro o verdadeiro divisor de águas – contribuíntes x “contribuidos” – que separa os dois Brasis e não se encaixa nem a murro no repertório “esquerda-direita” dos nossos ditadores de “correção política”.

Agora temos o ciclo completo. Do imperador ao proletário, todos que estiveram no comando do “Sistema” colheram variações do desastre que é só o que ele pode produzir ou, no máximo, suspenderam temporariamente seus efeitos. Caiu finalmente a ficha. É tudo uma fraude. Tudo tem sido uma fraude. E o país que não se assume como desonesto calou-se…

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Tão perto! Tão longe!

O buraco é de dar vertigem mas o tamanho do nosso atraso é o nosso maior trunfo. O mundo está todo numa encruzilhada mas é uma encruzilhada lá na frente. Tudo que diferencia o 1º do Último Mundo é, hoje, estrada batida. Para percorrê-la basta se dispor a tanto. Você saberá que o Brasil tem cura quando se começar a afirmar em voz alta, por aí, as duas balizas mais elementares da democracia plantadas ha mais de 300 anos. Apoiar o discurso do ajuste das contas públicas no princípio da igualdade perante a lei colocando na linha de cortes todos os “direitos” e isenções que não sejam comuns a todos os brasileiros é a única maneira de desarmar o torneio entre padrinhos de privilégios à custa do aprofundamento da corrupção e da miséria em que ele, mais uma vez, se vai transformando. Redefinir o direito de representação confirmando exclusivamente o dos sindicatos, partidos políticos e entidades que forem capazes de conquistá-lo e mante-lo por livre eleição e financiamento dos seus representados é o único modo objetivo de sairmos do feudalismo e começarmos a nos beneficiar do processo de depuração recorrente inerente aos sistemas democráticos. A “cláusula de barreira” que o STF matou não era mesmo a melhor solução pois cuidava só de represar a lama incessantemente produzida por um sistema torto e corrupto que acabará sempre, inevitavelmente, em “desastres da Samarco” com “danos ambientais” permanentes.

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Para que “as instituições funcionem” de fato não é a letra, é a essência democrática da Constituição, definida nos seus artigos iniciais, que tem de ser imposta acima de tudo e de todos, começando pelo desafio jurídico de toda a vasta massa de exceções e penduricalhos esboçados nos que lhe foram acrescentados na sequência e estão em conflito insanável com eles.

Quando não foram diretamente protagonizadas pelo Poder Judiciário, como as da Inglaterra do século 17 que criaram a democracia moderna, as poucas revoluções verdadeiras que a história da humanidade registra – não confundir com os banhos de sangue recorrentes para troca de comandantes de monarquias ou ditaduras das culturas latinas – consolidaram-se (ou não) nas reformas jurídicas que foram empurrando a humanidade para fora do padrão geral do privilégio institucionalizado e para dentro da igualdade perante a lei cujo corolário obrigatório é sair do “a cada um segundo o seu grau de cumplicidade para com os crimes do rei” e enveredar pelo muito menos venenoso “a cada um segundo o esforço investido na obra coletiva”.

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O que houve de empolgante no atual processo brasileiro foi exatamente o fato de ter ele partido do Poder Judiciário. Com as condenações do “mensalão” o Brasil acordou para o fato de que não é obrigatório, afinal, que o crime vença sempre, e foi às ruas para comemorar esse quase milagre e empurrar para adiante a “marolinha” que, a partir de Curitiba, assumiu ares de tsunami e ameaça fazer escola.

O Brasil Velho está vivo como prova o fato de todos os ladrões estarem presos e continuarem soltos os seus chefes. Mas o Novo não dá sinal de abandonar a arena. Seria uma excelente bandeira para essa OAB reconciliada com sua tradição histórica de alinhamento com o que é justo tomar a si, junto com os movimentos de rua, esse “Mutirão pela Igualdade Perante a Lei”, de modo a forçar o país inteiro a tomar posição em relação ao que ha de mais essencial numa ordem realmente democrática.

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Já é contra a lei exigir justiça

4 de dezembro de 2014 § 16 Comentários

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O ministro Teori Zsavaski, do STF, mandou soltar o “diretor de serviços” da Petrobras, Renato Duque, aquele indicado por José Dirceu que roubava para o PT e cujo gerente, veja bem, ge-ren-te, Pedro Barusco, concordou em devolver US$ 100 milhões (ou R$ 250 milhões, ou seja, ¼ de bilhão de reais) das “porcentagens” do que roubou para terceiros que depositou em contas pessoais no exterior no acordo de delação premiada que fez com a justiça federal do Paraná.

Duque foi preso em 14 de novembro junto com 22 outros executivos e funcionários de empreiteiras investigados na Operação Lava Jato. No dia 18 o juiz Sérgio Moro converteu a prisão dele de temporária (5 dias + 5) em preventiva (sem prazo), afirmando que Duque “detém uma verdadeira fortuna no exterior que mantém oculta em contas secretas, sendo evidente que não pretende se submeter à sanção penal em caso de condenação criminal”, havendo portanto alto “risco de fuga”.

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No dia 20 de novembro o Tribunal Regional Federal de Porto Alegre negou habeas corpus a Duque pelas razões acima. Mas o ministro Zsavaski discorda. Acha que “não ha razão nenhuma para que a prisão seja mantida”, bastando reter o passaporte de Duque, o mecenas dos gerentes, que volta para o aconchego do lar.

Teori Zsavascki compôs, ao lado de Roberto Barroso, a dupla de ministros do Supremo que abriu caminho para anular as condenações de José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino por formação de quadrilha no escândalo do mensalão.

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Em 19 de maio passado ele ordenou que fossem soltos todos os 12 elementos até então presos na Operação Lava Jato e suspensos todos os inquéritos e ações penais até então abertos, sob a alegação de que o juiz Sérgio Moro “estava usurpando competência da suprema corte”. Sua alegação baseava-se no surgimento de ligações telefônicas grampeadas com ordem judicial em que Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef conversavam com os deputados Andre Vargas e Cândido Vaccarezza, do PT, ambos com direito a foro privilegiado, a respeito de outras falcatruas envolvendo o Ministério da Saude quando era comandado pelo candidato Alexandre Padilha, do PT, ao governo de São Paulo.

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A ordem provocou escândalo na opinião pública e o juiz Moro argumentou que tratava-se apenas de “encontro fortuito de provas” e que, por via de qualquer dúvida, já tinha desmembrado o processo reservando as informações e depoimentos envolvendo políticos para o STF e tratando de levar adiante apenas e tão somente as que apontavam para os seus “operadores” e subordinados no esquema criminoso de saque à Petrobras.

O ministro Zsavaski não teve alternativa senão, tres dias depois da ordem de soltura, voltar atras dizendo que tudo não passara de “um malentendido”, e todos foram novamente presos, exceção feita ao próprio Paulo Roberto Costa, cuja delação premiada é o pivô de todo o escândalo do “petrolão”, que passou para prisão domiciliar embora não tenha direito a foro privilegiado, seja só um ladrão comum.

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Por muito pouco, portanto, não ficou firmada jurisprudência do STF de que não são só os políticos com mandato flagrados roubando que têm “direito” a “foro especial” no STF, mas todo e qualquer ladrão que esteja roubando para eles, com eles ou envolvido em diferentes falcatruas desde que pelo menos uma delas envolva um ladrão com mandato.

De lá para cá o ministro Barroso, colega de Teori no STF, negou ordem ao Congresso Nacional para que a CPI da Petrobras tivesse acesso às delações premiadas de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, o que simplesmente esvaziou essa frente de oferecimento de justiça.

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Agora Teori volta à carga e lá se vai o mais alto dos meliantes até aqui alcançados pela lei comum – exceção feita ao tesoureiro Nacional do PT João Vaccari Neto que nenhum jurista sabe dizer porque continua solto. E é ele, junto com Barroso e mais sete ministros nomeados pelo PT (o substituto de Joaquim Barbosa está para ser indicado por Dilma) num total de 11 ministros do Supremo que vai decidir se, como, quando e de que maneira serão investigados e processados os mandantes da Operação Lava Jato com direito a “foro especial“, ou seja, os “pelo menos 70 deputados e senadores” cujos nomes já foram apontados pelos delatores.

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O dramático nisso tudo é que, dado o sistema de nomeação de ministros do STF e as garantias de que eles desfrutam, o país fica constrangido a noticiar e discutir fatos da limpidez de significado destes como se tudo não passasse de uma questão técnica: quem tem e quem não tem “direito” a “foro especial” e como se fatia uma investigação e um processo sobre uma quadrilha onde ha quem tenha e quem não tenha foro privilegiado, segundo os múltiplos aleijões institucionais sujeitos aos quais está o Brasil, para que justiça possa ser feita.

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Pode-se, até segunda ordem, noticiar cada passo desse roteiro, mas já não se pode discutir o seu significado no contexto do processo que corre ha 12 anos para fazer do Judiciário brasileiro isto em que se está transformando sem que quem ousar fazê-lo corra sério risco de incorrer nas penas da lei. E isso explica esse estranho ambiente surrealista em que todos os jornalistas, especialmente nas televisões, se obrigam a se mostrar impassíveis diante de toda e qualquer monstruosidade institucional com que se deparem.

O Brasil já ultrapassou o estágio de subversão das instituições a partir do qual passa a ser contra a lei exigir justiça.

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