Sobre ser ou não ser “de esquerda”…
9 de junho de 2016 § 13 Comentários
Esteve no Roda Viva Internacional quinta-feira da semana passada o embaixador Rubens Ricupero, um dos últimos representantes vivos da “esquerda honesta”. Considerada a escuridão em que anda mergulhada a política brasileira ouvir um desses remanescentes da geração anterior tem sempre o efeito de uma iluminação. Ricupero é um homem indiscutivelmente íntegro, bem intencionado. Mas não se permite o rigor, no seu senso crítico e na coerência entre o pensar e o fazer, de um Hélio Bicudo por exemplo. Ele mantém com o dogma aquele tipo de relação que define o bom católico: ha sempre uma barreira além da qual a racionalidade, pura e simples, não está autorizada a passar.
Dou um exemplo. Foi a meu ver exata a definição de fascismo que ele deu a partir do 59º minuto da entrevista (confira aí embaixo), aplicada a Donald Trump: “Ele é um egomaníaco com traços fascistas. Tem aquele desprezo pelo conhecimento, pela informação; tem aquela atitude típica do fascismo, diz bobagens, se contradiz, mas (afirma que) isso não tem nenhuma importância porque o Fuehrer, o Duce, nunca pode se enganar. A solução de todos os problemas está encarnada num homem. Não precisa nem apresentar programa, é ele que vai resolver tudo … É um homem que admira o Putin e que ontem recebeu o apoio do homem da Coreia do Norte, veja você!”
Se, entretanto, alguém fizesse ver a Ricupero que, substituindo-se Putin por Ahmadinejahd e “o homem da Coréia do Norte” por, digamos, “o homem da Venezuela“, esta é uma descrição perfeitamente exata de Luis Ignácio Lula da Silva, ele negaria como absurda a evidência porque é da essência do indivíduo que se define como “de esquerda” que não são os fatos e o comportamento concreto de um homem no poder que o definem como fascista ou antifascista, mas sim as suas supostas intenções.
Lá pelos finalmentes, instado diretamente por um dos entrevistadores a definir esquerda e direita ele sintetizou assim a coisa:
“É de esquerda quem acha que dá pra corrigir a desigualdade e de direita quem acha que ela é um dado imutável da natureza”.
É o tipo de definição em que está implícito aquele “nós, os moralmente superiores”, contra “eles, os mal intencionados” boa pra campanhas eleitorais mas venenosa para todo o resto. Além de pouco exata no que diz respeito ao teste da realidade histórica, cabe lembrar, antes de mais nada, que entender a diferença como um dado da natureza, como ela de fato é, não exclui o entendimento de que ela possa ou deva ser, na maior medida possível, mitigada no contexto da organização social. Na verdade qualquer sujeito adulto e com olhos de ver pregados à cabeça, até os que se consideram “de esquerda“, sabe que a desigualdade é um dado da natureza onde não existe nada exatamente igual a nada, mas não precisa, necessariamente, de uma narrativa fantasiosa, tipo o mito do “paraíso perdido” ou o do “bom selvagem” que é a sua versão mais americana, para “provar” que, do ponto de vista do acesso aos bens e aos direitos inerentes à vida em sociedade, é necessário que as coisas não sejam tão diferentes quanto são na natureza.
O verdadeiro divisor de águas está no modo de se encarar o valor da liberdade e o sentido de “civilização“: como história concreta do esforço de superação do estado de natureza ou como utopia. O divisor de águas está, para ser mais exato, no “como” e no “pelo quê” se admite trocar a redução da diferença; se isso deve ser feito preservando-se ao máximo a liberdade, bem do qual escolher o próprio modo de ganhar a vida é a expressão mais básica e essencial, ou mandando-se a liberdade às favas.
E é aí que entra a História. Ha muito que isso não é mais um mero “achismo”. Trata-se de experiência vivida posto que essas alternativas foram amplamente testadas ao longo do século 20. Aconteceram exatamente na mesma época as reformas da “Progressive Era” dos Estados Unidos, de um lado, e as revoluções socialistas e comunistas da Europa e da Ásia do outro. E essa experiência (tragicamente) vivida deixou claro que as verdadeiras alternativas são forçar a desconcentração do poder econômico com medidas a favor da liberdade, ou seja, pela pulverização da propriedade privada em favor da concorrência que deve ser a mais ampla e a mais livre possível em benefício do cidadão nas suas dimensões mais concretas que são as de trabalhador e consumidor (legislação antitruste), ou contra a liberdade, pela concentração de toda a propriedade nas mãos de uma “vanguarda” chamada Estado, que é tão feita de gente com todos os seus defeitos quanto todas as outras.
No campo da organização política, a alternativa está em tomar decisões a esse respeito passo a passo exigindo, a cada um, a chancela direta de todos os cidadãos que serão sujeitados a elas chamando-os a atuar mediante o exercício do recall, das leis de iniciativa popular e do referendo das leis propostas pelos representantes eleitos para mandatos delimitados no tempo e no espaço, ou entregando todas as decisões à tal “vanguarda” que não admite oposição e decide tudo em nome “do povo” sem precisar consultá-lo, nem a cada passo, nem sequer a cada mandato.
Já no da economia, a escolha está entre dar a cada um o correspondente ao que ele trabalhar para entregar ao conjunto da sociedade, ou dar a cada um o que conseguir “adquirir” como “direito especial” aliando-se à tal “vanguarda” à qual se atribui o poder exclusivo de outorga-los.
São essas as alternativas reais. E os efeitos práticos da opção por cada uma delas, tanto para a felicidade material como para a felicidade espiritual da humanidade, estão aí para quem quiser abrir os olhos e ver, seja no passado, seja no presente.
“Direita”, “esquerda” e honestidade intelectual
17 de janeiro de 2015 § 9 Comentários
Video indicado por Eduardo Gonsales de Ávila
Os cães de Pavlov
24 de fevereiro de 2014 § 2 Comentários
Se já não é mole para ninguém, mesmo com todo o equipamento de leitura da realidade exterior em ordem, entender o mundo globalizado e lidar com a necessidade de regorganizar política e socialmente uma humanidade que sequer fala a mesma língua para enfrentar um desafio que doravante só tem solução pelo todo, para os brasileiros, que vivem por traz de uma lente de distorção da realidade implantada em cada cabeça desde antes dela ter consciência da sua própria existência que determina quase que organicamente a formação dos circuitos de processamento do que os seus olhos haverão de enxergar lá fora é praticamente impossível.
Porque, para além da carga que se nos despeja do nascimento até à idade em que o cérebro humano ganha autonomia, vemos essa distorção ser reforçada a cada passo pelo vasto aparato de controle do que hoje se chama brandamente de “correção política” montado para reconfirmá-la e preservar o sistema de poder que nele se apoia.
Um sistema de poder que, se já não imola fisicamente os dissidentes em fogueiras acesas em praça pública, lincha-os moralmente, confisca-lhes o direito ao trabalho e à sobrevivência econômica (se for um político ou um operário intelectual) e se os degreda da mídia, o que equivale a uma espécie de condenação à não existência.
O “retrato” tirado do país nas manifestações de junho de 2013 – em que a multidão gritava 500 “nãos” mas não era capaz de esboçar um único “sim” neste país onde ha 32 partidos políticos, todos “de esquerda”, refletindo fielmente a “demanda” pautada pela tal lente distorsiva – é um exemplo eloquente da força desse mecanismo repressor do pensamento e da completa inadequação entre o repertório conceitual que nos é incutido e a realidade que tentamos inutilmente decifrar com ele.
Se para os filhos de outras culturas mais dóceis à evidência dos fatos, lidar com esse desafio é um longo aprendizado para o qual parte-se do zero, para nós, os filhos do dogma e do pressuposto, o aprendizado da realidade existente só pode começar para os que forem, antes, capazes de revogar a realidade suposta que lhes foi incutida a vida inteira como a única verdadeira.
São dois trabalhos. Logo, se a verdade sem adjetivos maiores que a consciência da precariedade de qualquer verdade está em 100, há quem possa partir para a busca dela do zero e ha quem tenha de partir de menos 100. Considerando-se que no primeiro terço dessa trajetória a inteligência humana não está pronta para um vôo autônomo, é fácil entender porque tão poucos logram conseguí-lo: a vida normalmente não dura o suficiente para percurso tão longo nos dois terços restantes.
Não estamos sozinhos nessa arapuca. É nesse mesmo labirinto que anda perdida toda a latinidade, aí incluída, pelas razões expostas acima, a maior parte da parcela alfabetizada dela. Sendo, aliás, a escola e a universidade os principais centros de reforço e elaboração dessa construção distorcida, é mais comum, entre nós, encontrar quem enxergue as coisas como elas são entre os que continuam virgens dessas duas experiências do que entre os letrados e, sobretudo, entre os semi-letrados que constituem a grande força de sustentação do “Sistema”.
Vem de muito longe essa bifurcação dos caminhos da humanidade. O momento decisivo se dá no século 12 quando a primeira universidade da Europa – a de Bolonha – passa do controle dos sábios para o controle dos príncipes (com os sábios incluídos no pacote) num momento de vácuo de poder com o esvaziamento do da Igreja que mantinha todo o Continente até certo ponto “amarradinho”.
Ali ressuscita-se e põe-se para caminhar sobre a Terra a versão frankenstein de um “direito romano” torcido para parir e sustentar o absolutismo monárquico pelo expediente da constante fabricação de leis de ocasião sob a égide do lema Princeps legibus solutus est (“o príncipe” – que as baixava – “está desobrigado de todas as leis“).
É o regime sob o qual você, brasileiro, vive até hoje, 9 séculos depois, e que o ministro Joaquim Barbosa tenta solitariamente abalar nesses últimos meses.
A Inglaterra mantem o sistema da Lei Comum (Common Law) baseada na tradição, patrimônio comum a toda a humanidade até uma certa altura, portugueses incluídos com o seu “direito foraleiro” e, no mesmo século 12, faz do costume instituição, aparelha-o de um método de processo com a sistematização dos precedentes e sacramenta o juri como garantia da prevalência da procura da verdade pela interrogação dos fatos sobre o arbítrio do juiz ou as verdades reveladas.
Daí por diante nunca mais houve remédio para quem enveredou pelo desvio de Bolonha. Uma olhada neste mapa é quanto basta para confirma-lo.
Os marcos seguintes do percurso são mistos de intenção e oportunidade.
No século 16 a libido de Henrique VIII leva ao rompimento final com a Igreja Católica e à abertura da Inglaterra a todos os perseguidos do mundo, o que proporciona a uma humanidade até então sempre obrigada, debaixo de bota, a afirmar a fé do soberano, a primeira experiência de livre convivência com a diferença de crenças, de um lado, o que suscita dos reis católicos do Continente a reação pelo Terror contra a novidade que ameaçava suas prerrogativas, do outro.
A França tenta embarcar na abertura (com a revolução da Fronda) mas perde. E é lá, na Universidade de Paris, que um rico estudante basco, exigindo de cada um dos seus seguidores o juramento solene de que “Eu sustentarei até à morte que é negro o branco que meus olhos vêm se assim determinar sua santidade o papa”, funda a Companhia de Jesus, os padres soldados da Contra Reforma que, até bem perto de nós, teriam o monopólio da educação, entre outros menos longevos, nos reinos de Portugal e Espanha.
O resto são decorrências.
Porque a utopia inglesa é a da liberdade enquanto a francesa é a da igualdade de que não existe um único exemplo na Natureza?
Viver a diversidade de crenças levou os pensadores ingleses, para segurar o terreno conquistado, a erigir a tolerância em fundamento inegociável de todas as relações humanas; a tirar o pressuposto da frente do fato e o dogma da frente da experimentação. Alguém se perguntou se não haveria algo mais a fazer as maçãs despencarem do galho que a vontade de deus, a Terra saiu do centro do Universo e o homem saiu do centro da Terra.
Nasceu a ciência moderna e nasceu a democracia, cujo fundamento último é, justamente, a ausência de certezas.
E os filhos da Contra Reforma, em que estavam pensando nessa hora?
Não existe igualdade na Natureza? Sem problemas. Tratamos de imaginar uma Natureza “anterior” a esta que se vê onde a igualdade “estava presente” e, ao lado dela, um demônio que, por pura maldade, desorganiza essa santa paz. O nome desse demônio varia segundo a conveniência do momento: a “propriedade privada”, a “sociedade” … “os americanos”; essas desconcertantes manifestações concretas da própria desigualdade, enfim.
Conclusão:
Quem já nasceu sabendo; quem teve o privilégio de conversar com deus ou trocar segredinhos sobre o futuro com “a História” e vive atormentado pela renitente rebeldia dos fatos contra a ordem em que deveriam se conformar em ter permanecido, trata de “disciplina-los” punindo quem os vê como são e assim contribui para impedir a igualdade “perdida” de retomar o seu devido lugar na ordem das coisas.
Já quem se pergunta humildemente porque diabos as coisas são como são, logo aprende que as respostas têm estado muito mais frequentemente erradas do que certas e que há grande chance de haver erro nas suas próprias convicções do momento e verdade nas alheias, e que portanto, a liberdade – de pensar, de dizer e de agir para lá e para cá ao sabor dos acontecimentos – tem de ser inegociável, ou não haverá segurança possível para ninguém.
Pelos direitos dos animais!
3 de dezembro de 2013 § 6 Comentários
Vão asfaltar a estrada Cunha-Paraty.
Dizem que é pra ter uma saída pro povo de Angra dos Reis e cercanias em caso de acidente com as usinas nucleares construídas naquele lugar que os índios chamavam de “Pedra Podre”.
São aqueles 9,6 km de terra que atravessam o Parque Nacional da Bocaina que os ecologistas vêm impedindo de asfaltarem desde o milênio passado.
Não se vai perder nada que já não tenha sido perdido. Você atravessa esses quase 10 quilômetros e mais os muitos quilômetros que os antecedem e que os sucedem e não vê uma única mancha de mato que não seja uma capoeira mirrada e empobrecida, embora aquilo seja um paliteiro de morros agudos com encostas que já foram cobertas de luxuriante Mata Atlântica.
Desde que eu as conheço que elas já estão peladas e lavadas. Desmataram tudo tantas vezes que hoje, além dessas capoeiras de “pau-de-flor“, só ha aquelas extensões de samambaias duras como arame que são tudo que nasce em solos super-ácidos, esgotados para todo o sempre.
No mais, são as rachaduras na terra mostrando que aquilo ainda vai desabar um dia.
Esse tipo de proibição, aliás, é dos enganos mais trágicos deste país de tantos enganos. Lá pelos anos 70, quando a economia deu uma embalada e a depredação recrudesceu, os ecologistas, de tanto perder batalhas, adotaram como um axioma essa política de impedir o acesso das pessoas aos lugares onde ainda havia natureza que valesse a pena conservar.
Como este é o país onde não se consegue controlar nem o vão do MASP, não porque não haja polícia mas porque não se admite que a polícia aja, eles passaram a proibir a construção de estradas. Resultado: só entravam os bandidos, os clandestinos que iam lá pra depredar, agradecidos pela retirada de cena de todas as testemunhas “a favor” do mato em pé.
Desse momento em diante a luta passou a ser, não mais por educar ambientalmente a população, mas por segregá-la dos ambientes íntegros o que implica na total impossibilidade de se educar ambientalmente a população, já que educação ambiental não é outra coisa senão frequentar o meio ambiente íntegro, testemunhar o seu funcionamento e, assim, aprender a amá-lo e respeitá-lo.
Instalou-se, com isso, um círculo vicioso. Mais um!
Ambientalistas cada vez mais radicais de um lado e populações isoladas odiando-os cada vez mais, do outro, uma equação que justificava e continua justificando cada vez mais o incêndio criminoso e a corrupção madeireira à mão armada que continua, já lá vão quase 50 anos, devorando o que resta do Brasil.
No resto do mundo, a caça e a pesca esportivas e, subsidiariamente, o turismo ambiental “de paisagem” conseguiram a solução mais inteligente de fazer as pessoas ganharem mais dinheiro com a mata em pé do que com ela feita carvão. Então, além dos amantes da natureza, também os amantes do dinheiro, que são em muito maior número e muito mais poderosos, se aliaram aos que se dedicam a conservá-la.
Mas aqui os ecologistas, que junto com o resto das pessoas e graças a eles próprios, não frequentam as matas ha pelo menos três gerações, não sabem como se comportam os bichos e de que forma interagem a fauna e a flora, assuntos que literalmente apaixonam quem é do ramo que é de quem saem as verdadeiras soluções, e perderam, junto com todas as suas outras vítimas, qualquer relação com a natureza real.
Do discurso ecológico sobraram só as formas mais radicais e cretinas de abstração. Uma discussão exacerbada sobre “o bem” e “o mal” que confunde alhos com bugalhos (e quem sabe o que são essas coisas hoje?) , vaca com animal selvagem e gente com bicho.
Quebrou-se o fluxo das gerações. E o brasileiro, que já não tem mesmo contato com a sua própria história, tem menos noção ainda do quanto seus antepassados viveram uma relação íntima com a natureza.
Não sobrou nenhum elo vivo entre nós e ela, enfim.
E no entanto, teria sido tão simples quanto qualquer outro aprendizado. Quem já foi ao Netflix ou à Apple TV e alugou a maravilhosa série de documentários de Ken Burns chamada Os Parques Nacionais – A Melhor Ideia da América, poderá conferir ao vivo como os americanos, quando aquilo começou a funcionar ha pouco mais de 100 anos, fizeram um monte de burradas, sujaram e quase depredaram aquelas maravilhas todas mas, pela insistência, conseguiram, afinal, segurá-las e ensinar o povo a usá-las de forma civilizada, assegurando um patrimônio insubstituível para as gerações futuras.
Coisa de gringo!
Brasileiro – mesmo os do povo – tem horror a povo. Não acredita na capacidade dele de aprender coisa nenhuma. Acha que o povo tem de ser mandado; tratado na porrada; barrado no baile porque se entrar estraga tudo. E quanto mais “vanguardista” e “amigo do povo” se diz o ideólogo de plantão, pior ele é nesse culto cego ao autoritarismo “iluminado” do “eu é que sei o que é bom para você”.
De modo que taí. Os famigerados “direitos dos animais” passaram a valer tanto quanto os direitos dos demais brasileiros. Estão lá, em alguma estante, em alfarrábios os “mais avançados do mundo” que os cupins devoram gostosamente enquanto os titulares desses direitos morrem atropelados no asfalto porque não têm mais onde ser e estar. Não vai sobrar nada a menos que um milagre (que pode ser a internet onde tudo pode ser visto, medido e comparado) afinal os ilumine com a luz sem aspas do conhecimento.
Quando o segundo sol chegar…
14 de março de 2013 § 3 Comentários
Quase sem merecer registro nos jornais, o Orçamento Geral da União foi aprovado anteontem no Senado Federal, como sempre sem que nenhum dos “nossos representantes” tomasse conhecimento ou discutisse qualquer dos números que continha.
Os três meses de atraso da votação deveram-se ao fato da peça orçamentária se ter constituído, desta vez, no pivô das chantagens de deputados e senadores cúpidos que passaram todo este início de ano salivando em público em cima de um suposto tesouro ainda enterrado a oito quilômetros abaixo do oceano com que don Lula I andou excitando o apetite desses predadores.
É caso para se pensar.
A democracia moderna nasceu justamente como função da longa luta do Parlamento inglês para tirar do rei o poder de usar o dinheiro alheio como bem lhe aprouvesse e entregar ao povo e seus representantes a atribuição de determinar, tostão por tostão, como e aonde deve ser investido o que é da coletividade.
Por isso, até hoje, é essa a principal função dos Parlamentos civilizados.
A obra democrática consolidou-se quando, depois de arrancar do rei o controle sobre o dinheiro que não é dele, tratou-se de submetê-lo, e a todo o resto dos mortais, a uma única e mesma lei.
No país dos foros e das prisões especiais, a mais alta das quais fica invariavelmente vazia, não existe nem uma coisa nem a outra.
Não demos ainda nem o primeiro comezinho passo fundador de uma democracia. Tudo que temos por aqui que faz lembrar uma, a começar pela própria “Independência”, foi-nos outorgado pelo rei.
Continua sendo assim.
Aquilo que tomamos, por aqui, como os grandes divisores de águas “ideológicos”; toda a discussão política brasileira gira em torno da momentosa questão de saber se quem chegou à posição de fazê-lo a cada trecho de nossa história pelos tortuosos caminhos do conluio, do conchavo e da corrupção, está outorgando a seus súditos, em sua onipotência, “a coisa certa” ou “a coisa errada”.
A estes, definida cada sucessão, só cabe torcer pelo menos mal…
O Brasil ainda está por fazer a sua revolução fundadora, que será aquela que finalmente nos libertará da herança maldita de don João VI e seus 15 mil ávidos puxa-sacos que invadiram o país pelo Rio de Janeiro ha pouco mais de 200 anos para iniciar a mãe de todos os saques, que ainda não terminou.
Ela acontecerá quando o país for realmente unificado e emancipado pela educação e começará por uma revisão crítica de sua história.
Só então encontraremos uma identidade nacional para colocar no lugar disto que se parece com ela hoje, mas é só uma visão bandalha da vida que, como tudo o mais, vem nos sendo impingido por uma elite doente através da televisão.
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