Que tal a gente falar sério?

24 de maio de 2017 § 30 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 24/5/2017

Se não estava antes agora a alternativa ficou absolutamente clara: ou vamos com os políticos que temos, bem ou mal mas participando do jogo, ou vamos de fato consumado em fato consumado, a reboque de juiz que ninguém elegeu.

O juiz venezuelizado é o milico de 64 modelo 2017 só que sem a reserva moral. Só sobe ao palco porque é uma reserva de imoralidade. Chega quebrando a regra, sem ter as qualificações exigidas. Já cruza a entrada carregado de todos os vícios que os milicos só tinham acumulado perto da porta de saída.

Os ultimos dias têm sido uma avalanche de “pela primeira vez na história deste país” e desta Lava Jato. Em menos de 24 horas, no grito, os 2ésleys entregaram um Congresso Nacional destruído, todas as reformas abortadas, todas as alternativas ao lulismo moídas e o homem que fez deles “campeões mundiais” escondidinho incólume num canto. E levaram direto pra Nova York a indulgência plenária para todos os crimes que confessaram rindo e mais um bolaço de dólares do país que destruíram.

Tudo anda sempre um passo adiante dos fatos. Nem um minuto de prisão. Os “furos jornalísticos” agora chegam junto com suas próprias repercussões, devidamente “precificados” e faturados. A mãe de todas as “ações coordenadas” pela PGR, “foi espontânea” e deu-se antes que o seu agente “undercover” mostrasse o valor de suas confissões. O tal “favor comprado ao Cade” por uma mala de dinheiro com entrega filmada não foi de fato entregue pelo Cade. Tambem este pagaram adiantado. A prova colhida pelo bandido já estava aceita pelos mocinhos antes mesmo de ser registrada. Só seria revelada inteira depois que ele já estivesse seguro em Nova York (com o “gravador 2” que até ontem não existia no bolso). Quem negocia o acordo de leniência dos 2ésleys com o Procurador Geral da Republica é o pupilo dileto do próprio Procurador Geral da Republica que, um dia antes da perfídia no Jaburu, desiste, no auge da carreira, do cargo de promotor federal com que sonha todo concurseiro e vira advogado de defesa…

Nada, enfim, nessa história deixa de ser sombriamente obscuro. A quem interessa essa pressa toda? Nem que não custasse senão Michel Temer isso podia ser engolido como está. Mas vai custar muito mais do que pode pagar um país em frangalhos e seus 30 milhões de desempregados e subempregados. Vai custar muito mais do que pode suportar um esboço de democracia no limiar do colapso irreversível.

Agora ao segundo andar.

1829 candidatos bancados! Quatro Odebrechts de 450 candidaturas! Cada enxadada uma minhoca. Não existe “não”. Meio bilhão sai fácil do caixa e não faz falta.

Não, não é um problema da raça, é um problema do “sistema”. Um filtro de seleção negativa. Quem não tem estômago pra isso não entra para a política e nem pode concorrer a “campeão nacional”, por mais craque que seja. O resto o tempo faz.

Propina”? Muitas vezes é. Caixa 2 acaba sendo quase sempre porque se eleger em colégios eleitorais de dimensões continentais custa muito mais do que a lei permite de Caixa 1. Quem usa a expressão “propina” como sinônimo de todo financiamento de campanha está fazendo o jogo dos ésleys: querendo chapar todo mundo por baixo. A essa altura do campeonato, aliás, o político, o jurista, o jornalista, todo mundo que faz cara de vestal escandalizada quando aparece a olho nu tudo que sempre se soube que é a regra ou é otário ou está fazendo o jogo dos ésleys. Pior fica quando podres poderes inteiros fazem cara de vestal escandalizada e avançam uns sobre os outros em nome da moral e dos bons costumes que não exigem de si mesmos.

Que tal a gente falar sério?

Entregaram à vista, aos 2ésleys, a impunidade provisoriamente suspensa que estão entregando a prazo (curto e barato) a todos os demais. Não dá pra transitar dentro desse sistema “apelegado” sem se corromper. Não adianta sonhar com justiça enquanto houver cinco diferentes, com um monte de instâncias de recursos cada uma. Isso só existe para poder ser ordenhado. Não dá pra sonhar com funcionalidade e sobrevivência do emprego na competição global com uma lei trabalhista canalha e uma constituição de 250 artigos e 80 emendas. Essa minúcia só existe para ser ordenhada. Não dá pra falar em cidadania sem falar em federalismo; em democracia representativa com fundo partidário e horário gratuito. E, principalmente e antes e acima de tudo, enquanto existir dentro do território nacional uma área onde pondo um pé uma vez o sujeito não precisa nunca mais entregar resultados, nem temer perder o emprego, nem mesmo ter medo da lei, o Brasil não tem salvação. Nem com um milhão de leis anticorrupção e o exército americano inteiro sinceramente empenhado em impor o seu cumprimento.

Foi nesse vespeiro que o Temer mexeu. O Temer é o Temer. Mas apostou tudo em dar a primeira lancetada nesse furúnculo e estava na bica de conseguir. É isso e não o resto que incomodou. O Brasil inteiro está careca de saber disso. Por isso faz questão de se por sistematicamente fora dessas “ruas” falsificadas que andam por aí.

Só existe um jeito certo de organizar uma sociedade. Funciona no oriente e no ocidente, de polo a polo. Igualdade perante a lei, fidelidade da representação, “cobrabilidade” do representante pelo representado sem intermediários são seus fundamentos inegociáveis. Em todos os tempos e em todos os lugares os políticos servem não a quem tem o poder de eleger mas a quem tem o poder de deseleger.

O Brasil que não é do mal precisa se decidir se quer mesmo ser do bem. Temos de viablizar um meio de sair disso com os políticos que temos. Criar um caminho para quem queira mudar de lado. A adesão formal a um compromisso, avalizado pelo mandato, de adoção de uma lista mínima de princípios universalmente consagrados da democracia a ser implantados num prazo curto, terminando na transmissão do poder de decisão final ao povo, com recall e referendo sem mutretas na regra de legitimação.

Por o país sob nova direção é a reposta. Ficar no meio do caminho é ficar desse jeito que estamos.

Depois de ouvidas as gravações – 3

19 de maio de 2017 § 8 Comentários

O governo Temer está morto. Aquela gravação é letal e o que ha de menos grave nela é a questão Eduardo Cunha cujo destaque foi forçado para caracterizar os dois elementos que, tecnicamente, podem sujeitar um presidente a impeachment: obstrução de justiça e crime cometido durante o exercício do mandato. Toda essa operação foi armada para essa finalidade e isso foi o que melhor se encaixou no figurino técnico exigido. Mas o resto da conversa é bem pior que aquele trecho.

Que o que determinou a escolha do momento para trazer tudo isso que já estava guardado ha tempo nas gavetas dos operadores do “sistema” à tona não foi o amor à justiça mas sim a perspectiva de aprovação iminente das reformas que, pela primeira vez na história, arranhariam de leve a incolumidade dos marajás não tem dúvida nenhuma. Voltamos à estaca zero mas por pouco tempo. Mesmo mostrando, como mais uma vez mostraram, quem é que de fato governa o Brasil, lição de que a nação não se esquecerá ao longo do pesadelo que vem aí, terão de dobrar o lombo e voltar a discuti-las, e logo, porque a alternativa agora é a morte.

Esse serviço, venha o que vier, Temer prestou à nação. Com todas as reservas com que tentou inutilmente evitar colidir de frente com o “marajalato” (que nem no dia de ontem conseguiu encher uma praça inteira pelo país afora) está sabido e re-sabido por deus e o mundo o que é que está matando o Brasil.

É, também, horrivelmente fascinante para quem viveu as redações no tempo em que tudo era, antes de mais nada e acima de tudo, referido a isso, como o Brasil “não é matéria” para quem vive naquela longínqua estação espacial chamada Brasilia, seja os que têm por função mandar-nos as chuvas de raios lá daquele Olimpo, seja os que estão lá apenas para cobrir a vida desses semi-deuses malignos.

Aquela doença pega! Uns com mais outros com menos dolo, ninguém perde uma frase que seja com as hemorragias que possam nos causar. Todos os lados entregam-se com uma volúpia quase sexual às emoções  da luta pelo poder como se elas não implicassem nada mais que abstratas substituições de peças em Brasilia.

É preciso, agora, aprender a “ler” esse novo/velho Brasil. Como nunca ha uma genuína novidade de que ninguém nunca tivesse suspeitado antes nesse sistema onde abrir um partido político (ou um sindicato) garante automaticamente vida mansa paga pelo governo e qualquer candidatura tem de pedir votos em áreas quase continentais, o verdadeiro FATO a ser considerado por quem estiver interessado em saber quem é que está movendo quais pauzinhos nessa nossa eterna briga de navalha no escuro é sempre EM QUE MOMENTO se usa aquilo que todo mundo sempre soube mas, segundo o jogo das cumplicidades, fingia não saber. Olhar a coisa por esse viés do MOMENTO DA DESOVA é sempre elucidativo. A segunda chave para a compreensão da verdade é a tradicional de que falava sempre Sherlock Holmes: a quem interessa o “furo” passado ao órgão de imprensa da vez (na atual quadra dos acontecimentos, tendo em vista 2018).

Isso posto, vamos às gravações.

Aécio foi mesmo um acidente de percurso. Mas um acidente fatal. Ele não é nem muito melhor, nem muito pior do que o que está à sua volta (resista sempre ao barulho ou seu cérebro vira massa para escultura!) mas tornou-se uma questão definitivamente resolvida. Não tem remissão.

Já a gravação Joesley x Temer parece, em primeira audição, menos inofensiva do que seria bom para o Brasil e do que fazia crer a confusa descrição dela feita por O Globo. Para o que interessa, que são as reformas, nada se alteraria mais depois da simples detonação do tiro, não importa onde a bala viesse a acertar. Essa é a parte que interessa a quem puxa o gatilho e, exatamente por isso, também a que informa quem quer o quê para o país real, e porquê. O debate entre os eruditos dos meandros da corte que vem na sequência deve às vezes entediar, às vezes divertir esses “atiradores“.

Mesmo assim, “morta Inês”, examine-se o cadáver. O caso só não é absolutamente claro ainda porque o que está lá é um longo monólogo de Joesley cuidadosamente ensaiado para instruir processos em torno de três ou quatro histórias diferentes com todos os seus personagens, entremeado por murmúrios quase sempre inaudíveis de Temer. O que é inteligível é suficientemente pesado mas o contexto é o que lhe dá o último sentido; a mala de dinheiro no final é o “fio terra” que “arruma” tudo.

Aí pode, no limite, haver uma trampa. Excepcionalmente desta vez, porém, existe uma maneira de tirar isso 100% a limpo. É ir saber, na Petrobras e no Cade, qual era a situação do contrato de fornecimento de gas para a alteração do qual Joesley teria pedido a ajuda de Temer. Checando qual foi a alteração havida no contrato, se é que houve alguma, e em que valores resulta essa alteração, ficaremos sabendo se a “semanada” de R$ 500 mil ao longo de 20 anos realmente faz sentido e se já estava mesmo na hora dela começar a ser paga. E isso nos dirá não só quanto Temer tem ou não tem a ver com isso como também, se tiver, se não será obrigatório reverter uma “correção” que precisou ser comprada por tanto dinheiro.

Afinal, não lhe parece que está fácil demais para os ésleys livrarem-se de tudo que fizeram e embolsaram do que era nosso só com uma cartinha de desculpas e mais o que lucraram com sua última “aquisição“, possivelmente ilegítima, junto à Petrobras e com as gigantescas posições em dólares que, enquanto nos falavam de seu “choque” com a corrupção do Brasil, eles trataram de montar meia hora antes de O Globo detonar a bomba que eles fabricaram?

Um dia talvez o país ainda ouça as fitas onde os dois meliantes combinam com os verdadeiros donos do poder cada passo da tocaia que acabou nesse tiro de misericórdia na nuca do Brasil, e possamos ir busca-los nos palácios em que estiverem, mundo afora, gastando o nosso dinheiro, para dar-lhes o que eles realmente merecem.

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