8 de novembro de 2019 § 15 Comentários


São duas as contas que os advogados da “distribuição da renda nacional pelo estado” recusam-se a fazer: 1) Quanto % do funcionalismo federal (e estadual?) ativo e inativo está na categoria dos mais ricos do Brasil? 2) Quanto % dos mais ricos do Brasil são funcionários públicos?

A rebelião dos desprezados

24 de junho de 2013 § 6 Comentários

foto-67

Pier Paolo Pasolini, cineasta italiano assassinado em 1975, época em que o mundo estava em convulsão e as manifestações violentas eram uma epidemia global, era um contestador radical e um homossexual assumido quando essas duas coisas davam cadeia (hoje dão prêmio) e, como tal, um ídolo da esquerda revolucionária do seu tempo.

Mas, para desgosto das facções do seu fã clube que acreditavam que a santidade era um atributo exclusivo do proletariado do qual os manifestantes de então pretendiam ser “a vanguarda”, dizia que “quando a polícia e os estudantes se confrontam nas ruas a polícia é que é o povo”.

Foi o que me veio à lembrança quinta-feira passada quando constatei, digamos assim, o “protagonismo” com que a polícia espancava manifestantes quase dentro de um hospital do Rio.

a12

Não estavam seguindo ordens. Aquela fúria, que eu já tinha assinalado com arrepios de incômodo em vários outros episódios pelo Brasil afora nos últimos 14 dias, era tão “espontânea” quanto esta edição brasileira da “manifestação em rede” que guarda não poucas similaridades com as que têm pipocado pelo mundo afora.

Com a esquerda daquela época no poder hoje neste Brasil de onde não se vê o Muro de Berlin, o que mudou em relação aos tempos de Pasolini foi a roupagem ideológica da contestação dos estudantes e o entendimento geral de que “o povo” tanto pode encarnar deus quanto o diabo.

Mas a questão de classe simbolizada nos confrontos continua a mesma. É por isso que, se me entusiasmam e enchem de esperança quando as avalio só com um olhar brasileiro, essas manifestações não me animam tanto quando as coloco num contexto mais amplo.

foto-69

Quem está nas ruas puxando essa parada (na qual tomam carona incendiários, saqueadores e pitbull’s de todas as vertentes da psicopatia) não é a classe dos excluídos da economia, é a classe dos desprezados da política nas democracias de massa.

Aquela em nome de quem nenhum partido fala e para a qual nenhum partido apela. Aquela que só é chamada para pagar a conta da festa das classes eleitoralmente significativas – entre as quais incluo a dos muito ricos – a quem os governos não se cansam de fazer afagos e todos os outros partidos cortejam, às custas do presente e do futuro dessa classe média que se tornou classe média por esforço próprio.

a7

Espremida entre os “ganhos de produtividade” do infindável tsunami das fusões e aquisições e os impostos e a inflação que sustentam o “welfare state” lá fora ou a “rede de proteção” dos sem nada mas cheios de “bolsas” aqui dentro, esta não é bom negócio representar quando o que se tem em vista são eleições.

Não nos representa! Não nos representa!” é o refrão mais repetido dentro da cacofonia de pleitos dos cartazes das manifestações. Mas, lido pelo avesso, mais que um grito de guerra ou um esgar de rejeição, ele soa como um pedido de socorro: “Ninguém me ama, ninguém me quer”…

A última eleição registrou quase 29% de votos brancos, nulos (9,85%) e abstenções (19,1%) em todo o país. São estes os desprezados que os caçadores de votos ignoram. É deles que os governos tomam 34% do PIB que não viram nada senão suborno eleitoral ou presentes do BNDES para os outros 71%.

a5

Roubados agora; roubados do seu futuro pelo buraco que se vai cavando por baixo da sucatada infraestrutura que deveria sustentar as suas condições de trabalho mais adiante. E tudo só para dar aos donos de tetas mais tempo como donos das tetas.

No país da bunda de fora tudo é mais explícito e mais ofensivo, é verdade. Mas o fenômeno é universal.

Num mundo de especialistas em pedacinhos da realidade, a política não poderia ficar de fora. A democracia de massa leva obrigatoriamente à especialização na caça ao voto, mesmo para os mais bem intencionados. Sem isso não se chega ao poder mesmo se a intenção for usá-lo para o bem.

É isso que põe em risco a sobrevivência da democracia, a forma menos ruim de se estruturar o poder.

a1

A democracia que conhecemos foi inventada para estabilizar uma sociedade homogênea, a única tão homogênea assim no ponto de partida que uma série improvável de acidentes históricos produziu. Uma sociedade de pequenos proprietários alfabetizados que não tinham tido tempo para cavar grandes fossos de desigualdade uns entre os outros.

A regra de maioria só não oprime quando o fosso não é muito amplo nem muito fundo e, portanto, os interesses são próximos e não excludentes entre si.

Só assim o sonho da tolerância pôde descer dos devaneios dos filósofos e se instalar no panteão dos fundamentos de uma ordem social concreta.

Mas o fosso está se ampliando e afundando mesmo na sociedade que inventou a democracia moderna. No apogeu da sua trajetória rumo à igualdade de oportunidades ela trombou de frente com a única contribuição concreta do socialismo real além dos monopólios estatais que foi a legião de miseráveis sem nenhum direito que ele criou e que, derramados pela internet sobre o mercado globalizado, está empurrando o mundo inteiro de volta para o capitalismo selvagem.

des8

As classes médias urbanas educadas e conectadas, a tal “burguesia” que o PT odeia e que, em todos os cantos do mundo, não tem quem fale por ela e reage como pode, via internet, é, onde quer que se olhe, a vítima empobrecida dos “campeões nacionais”, dos “too big to fail”, dos monopólios estatais ou seja lá que nome lhes deem os governos que os patrocinam e tornam indecentemente ricos e que, em troca, financiam as vastas operações de compra de votos para seus patrocinadores via a promoção de miseráveis para “miseráveis-e-um-pouco” e de desempregados para “meio-empregados” que estão em curso no planeta inteiro.

Eles são os primeiros emigrantes para o Novo Mundo da Aldeia Global lá do futuro onde, então em escala planetária, haverão de ser reeditadas um dia reformas como as da “Progressive Era” (1870-1920) com que os americanos ensinaram o mundo a domar e opor uma à outra as feras do Capital e do Estado, o que permitiu que quatro ou cinco gerações de privilegiados que os imitaram em diferentes rincões do planeta tivessem um gostinho antecipado do que ainda ha de ser a sociedade global de amanhã.

a3

Os riquixás de Nova York

21 de junho de 2012 § Deixe um comentário

Tenho uma amiga que vive dizendo que, no Brasil, a rua da praia tem altíssima rotatividade.

O pessoal dos apartamentos de frente para o mar vive sendo substituído. Bobeou, sai de lá e acaba caindo, rapidinho, lá na rua de trás, colada no morro“.

É uma regra universal. Mais cedo ou mais tarde acontece com pessoas, países, impérios, culturas e até deuses.

É a vontade de olhar longe e pegar aquele ventinho da praia, aliás, que faz a maioria das pessoas se disporem a sofrer tudo que é preciso sofrer para trabalhar e “ir pra frente”.

Em 1982, quando a China finalmente se abriu, fiz uma longa viagem por lá como repórter d’O Estado de S. Paulo. E nos primeiros dias, antes que eu me rebelasse e conseguisse mudar ordens vindas de Pequim, enfiaram-me doses maciças de “museus da revolução”, enaltecendo como obras quase divinas os delírios megalomaníacos através dos quais o ego superalimentado de Mao Tsetung afundou aquele terço da humanidade no terror, na miséria e na fome.

Um dos símbolos onipresentes da era de iniquidades que ele lavou naquele sangue todo eram os riquixás. As fotos daquelas charretezinhas puxadas a gente, com um chinezinho esquálido no lugar do cavalo e um “vosselência” refestelado atrás estavam penduradas em lugar de destaque em todos esses “museus da revolução”, como a anunciar o que viria e a justificar a violência com que veio.

Nos Estados Unidos não existe esse negócio latino de “trabalho mixo”. Trabalho é trabalho e qualquer um, por mais humilde que seja, costuma ser desempenhado com competência até pelos filhos dos bilhonários em férias. Mas carregar os outros nas costas é diferente. Não se admitia isso por aqui, nem para quem se dispusesse a carregar nem, muito menos, para quem podia pagar pra ser carregado…

Passado o terremoto de 2008, porém, uma charge tornou-se o símbolo dos novos tempos que o mundo estava enfrentando. Nela via-se um Tio Sam depauperado e magrelo puxando um riquixá onde se refestelava um gordo capitalista chinês.

Foi o primeiro sinal. Mas charge é charge. Vive de exagerar a realidade.

Ontem, no meio da maior onda de calor deste verão novaiorquino, saio de um teatro da Broadway em plena tarde – varando um ar quase irrespirável que se podia cortar com uma faca – e vejo-me cercado por…implorantes puxadores de riquixás que, com a competência marketeira do centro mundial do capitalismo, fechavam, com suas charretes puxadas a bicicleta, os espaços entre os carros estacionados, de tal forma que foi preciso andar um bom trecho rua abaixo até conseguir uma brecha para conseguir atravessa-la.

Tá cheio de americano puxando riquixá em Nova York, enquanto os bonus dos resgatados de Wall Street continuam bombando na casa dos bilhões!

Quanto tempo isso aguenta antes que apareça um Mao Tsetung ianque?

Onde estou?

Você está navegando em publicações marcadas com desigualdade em VESPEIRO.

%d blogueiros gostam disto: