A uns falta freio, aos outros acelerador

29 de outubro de 2014 § 23 Comentários

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O PT finalmente encontrou o limite da paciência dos brasileiros. Arrancou-os praticamente à força da passividade em que gosta de estar todo mundo que tem mais o que fazer do que militância política, em geral um luxo só permitido a quem tem patrão estatal.

O que produziu o milagre foi a arrogância e a violência com que entrou na campanha armado de decretos para fazer e acontecer um amanhã que, afinal, não se materializou, chutando portas, abraçando infâmias, rosnando e insuflando ódios, certo de que ia levar no grito e por uma margem esmagadora um país inerte com uma minoria acuada.

Vem que tem!”, foi o grito que finalmente tomou pela cara.

E por muito pouco não “teve”. Mas entendeu o recado e, por enquanto, está todo cordato, pelo menos até segunda ordem.

Nada de novo, na verdade. O PT está na dele, como sempre correndo à frente do seu eleitorado e freando só quando é freado.

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Do lado da oposição, também como sempre, deu-se o contrário. Se a uns falta freio, aos outros falta acelerador. O eleitorado é que correu na frente no campo da oposição. Tanto dos candidatos quanto da campanha. E nenhum dos dois conseguiu alcançá-los.

Pense bem: o que é que fez desta eleição a mais apaixonada de todas de quantas ha memória no Brasil? Certamente não as emanações dos hormônios sexuais, seja de Dilma Rousseff, seja de Aécio Neves, dois candidatos que andam longe do nível de sex appeal a que está acostumada uma geração que sempre teve Lula nas vitrines das eleições.

O que explica, então, a avassaladora mobilização do eleitorado que se viu em todo o país?

A meu ver foi a certeza — de um jeito diferente para cada metade do eleitorado — de que era a própria democracia que estava em jogo, apesar dos dois candidatos terem fugido da discussão direta desse tema em função de duas maneiras diferentes de subestimar a inteligência do eleitor: um para se aproveitar da oportunidade que lhe foi dada de vender gato (reviravoltas com sabor bolivariano) por lebre (pratos mais cheios de comida) sem ser denunciado nem instado a se explicar por isso; o outro por julgá-los incapazes de reconhecer o gato como gato se ele lhe fosse apresentado sem a pele de lebre com que estava revestido.

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Haverá quem diga que foi a internet que fez a mágica. Mas a internet já estava aí ha várias eleições e isso nunca aconteceu. Ela foi, sim, o veículo da mágica e, muito provavelmente, também o detonador dela. Mas num sentido negativo. Ou melhor, reativo. Formou-se, sim, na reta final da campanha, uma rede anti-PT que, do meio para o fim da corrida, virou um poço de fofocas, falsos alarmes e baixarias similar à que sempre existiu na rede pró-PT.

Mas foi só uma reação espontânea dos indignados com a crescente arrogância do abraço na infâmia dos ventríloqüos de João Santana à medida em que o PT foi achando que dava para assumir na campanha oficial o mesmo tom de baixarias e mentiras que sempre rolou no vasto e subreptício universo online dos “blogueiros do tio Franklin”.

Uma coisa puxou a outra e, no fim, a baixaria engoliu as duas. Mas a diferença fundamental continua existindo: a rede de infâmias pró-PT é uma iniciativa do partido a cargo de profissionais financiados com dinheiro público e usada oficialmente como arma, que trabalha disfarçada e não se identifica como o que é. A do PSDB foi reativa e espontânea, ficou circunscrita aos grupos de eleitores que votariam no partido de qualquer jeito e certamente será fortuita. Só vazou para fora dos grupos fechados dentro dos quais nasceu quando a militância do outro lado começou a se preocupar em desmentir os boatos ou revidar as ofensas que circulavam nela.

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O voto antipopulista, contra o aparelhamento do Estado, contra o uso da corrupção como arma política e a favor da democracia desadjetivada, este sempre esteve aí desde o início da “Era PT”. O que sumiu, durante as duas eleições anteriores a esta, foram os candidatos a favor dessas bandeiras.

No auge da soma dos brilhos do carisma de Lula com o boom mundial das commodities, com a “Carta aos Brasileiros” mediante a qual o PT deu trégua às hostilidades abertas contra a democracia desadjetivada ainda em pleno vigor, mesmo um Geraldo Alkmin conhecido por seu “sex appeal” negativo renegando bem mais de tres vezes a obra de Fernando Henrique Cardoso antes que o galo cantasse recebeu 37,5 milhões de votos (39,1%), contra os 58,2 milhões (60,8%) investidos nos múltiplos atributos magnéticos de um Lula montado numa economia que literalmente “bombava”.

Em 2010, outra eleição sem “sexo” e com a economia em alta, um burocrático Jose Serra cuja campanha baseou-se numa canhestra tentativa de parecer mais Lula que o Lula, recebeu desse mesmo contingente de órfãos, à sua revelia, 43,7 milhões de votos (43,9%), contra os 55,7 milhões ou 56% conseguidos por Dilma, que acabou herdando a maior parte dos 20 milhões de votos da esquerda democrática, já então notoriamente ressabiada, concentrados em Marina Silva no 1º turno.

a11Desta vez, com a conta de 12 anos de esbanjamento populista, corrupção desenfreada e apedrejamento das instituições e dos valores democráticos por um PT que tem plena consciência da dificuldade aguda de renovar a mágica num ambiente econômico adverso em meio à fuga dos investidores, um PSDB ainda inseguro de sua capacidade de comunicação sentiu-se encorajado a reconciliar-se com o seu passado. Mas não o bastante para projetar claramente seus valores de sempre para o futuro.

Ainda que ela estivesse explicitamente ameaçada e que fosse claramente isso que inspirou a paixão crescente que tomou conta da campanha na reta final; ainda que fosse desde sempre essa a única explicação possível para que a vanguarda da esquerda democrática, que poderia dar-lhe os votos faltantes para a vitória, finalmente se alinhasse com o PSDB contra o PT, o partido recusou-se a jogar em cena o tema da defesa da democracia e, ainda que não renegasse mais a sua própria obra, insistiu em proporcionar ao PT o conforto de debater com ele apenas e tão somente os temas sobre os quais os dois estavam de pleno acordo.

De par com a falta de competência técnica de uma campanha marcada pelo improviso, isso custou-lhes a eleição.

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O recado que fica das urnas é claro. O problema da oposição ao PT não está no consumidor, está no produto. O PT é ultra profissional; todos os outros são ultra amadores. Ha um lado bom nisso porque a substituição radical da espontaneidade e da ética pela busca do resultado a qualquer custo, especialmente em política mas não exclusivamente nela, acaba levando diretamente para o crime. Mas o lado ruim é que o mundo, hoje, não é de quem tem razão, é de quem joga melhor para apresentar as suas.

A virtude, na política como em tudo o mais, está no meio.

As oposições brasileiras, para além do dever de consolidar a união que ensaiaram nesta eleição por cima de diferenças conceituais insignificantes ou dos “egotrips” dos seus caciques, como já fez o outro lado que está solidamente unido, no que tange aos esforços de conquista do poder, pelos laços que conhecemos, necessitam urgentemente um “turn around” empurrado pela incorporação de técnicas modernas de governança que despersonalizem os seus processo internos, clarifiquem os seus “valores”, a sua “missão” e as suas “metas” e defina com clareza as estratégias para atingí-los.

As oposições têm de começar a operar com um padrão de eficiência pelo menos assemelhado àquele dentro do qual vivem e trabalham todos os seus eleitores, se quiser disputar o poder com chances reais de vencer.

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Porque o plebiscito não serve

29 de outubro de 2014 § 9 Comentários

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Artigo para O Estado de S. Paulo de 29/10/2014

Serenadas as emoções da vitória a presidente reeleita foi à televisão pedir “um amplo diálogo com a sociedade” para debater as reformas de que o país necessita.

É um tom bem mais adequado ao retrato do Brasil que saiu das urnas que o do dia anterior, no discurso de agradecimento à militância compreensivelmente contaminado pelas emoções da confirmação da vitória.

Metade mais 1,64% do eleitorado acabava de sair das urnas certo de que tinha comprado a garantia de um prato de comida mais cheio pela confirmação do Bolsa Família, do Minha Casa, Minha Vida, de aumentos do salário mínimo, da criação do Pronatec e de outros instrumentos em torno dos quais a outra metade menos 1,64% representada pelo candidato de oposição declarava-se plenamente de acordo, mas entrou na comemoração da vitória do PT sendo comunicada de que o que levará para casa é o compromisso fechado com um “plebiscito” sobre a reforma política, embora essa palavra não tenha sido pronunciada uma única vez sequer, seja nas dezenas de peças da propaganda gratuita recitadas pela candidata Dilma na televisão, seja em qualquer dos oito debates presidenciais do 1º e do 2º turnos.

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Não soou como um bom presságio pois “plebiscito” é um tipo de mecanismo que aponta exatamente na direção contrária da “união” em torno de um consenso posto que o que quer que venha a ser decidido por esse método pode, por definição, ser imposto à metade menos um dos brasileiros que vierem a votar contra o que for proposto. Por isso os plebiscitos são usados exclusivamente para dirimir questões de formulação simples e sem mais implicações que a expressamente contida nessa formulação, passíveis de serem decididas por um “sim” ou por um “não”, como aquela a respeito da qual foram chamados a se manifestar os eleitores uruguaios: “Você é a favor ou contra a redução da maioridade penal para 16 anos”?

Este não é absolutamente o caso de uma reforma política, assunto que se desdobra em inumeros subtemas, todos eles afetando diretamente o conjunto dos direitos e das liberdades de cada cidadão, e que, dependendo do modo como forem combinados entre si e até da ordem em que forem apresentados, podem ter o seu significado e os seus efeitos práticos simplesmente invertidos.

O problema é tão velho quanto a própria democracia.

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Propor diálogos nacionais é sempre um bom início de conversa. Mas quando chega a hora de materializar esses diálogos só ha duas maneiras de fazê-lo: criar um sistema em que toda a sociedade vota em representantes previa e individualmente identificados para o fim específico de mandatá-los para discutir e aprovar leis ou “mudanças” em seu nome (o “sufrágio universal”), ou confiar no governante de plantão para definir como achar melhor quem, a seu ver, representa a sociedade como um todo e chamar essa minoria para decidir as mudanças ao seu gosto.

Foram tantos os desastres ensejados pela escolha errada do modo de promover grandes decisões nacionais ao longo dos 2600 anos transcorridos desde o primeiro ensaio da democracia em Atenas, todos conduzindo a longos períodos de servidão ou a conflitos sangrentos, que a Declaração Universal dos Direitos do Homem da qual o Brasil é signatário houve por bem esclarecer o assunto.

Não é por outra razão que no Artigo 26, paragrafo 3º, ela consagra o “sufrágio universal” como a única forma legitima de eleger representantes, seja para cargos executivos, seja para discutir e aprovar as leis em governos “do povo, para o povo e pelo povo”.

Todas as outras são falsas.

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A presidente Dilma explicou nessas mesmas entrevistas que a sua sugestão de um plebiscito responde a “um apelo que recebeu de movimentos sociais apoiado por 5 milhões de assinaturas”. Mas na sequência de uma eleição que mobilizou 140 milhões de eleitores esse número só faz enfatizar sua própria insignificância.

Afinal, se a campanha toda transcorreu sob a acusação de que reeleger Dilma Rousseff para mais um mandato era o contrário de “mudar”, porque o PT preferiu correr o risco de ser visto assim numa disputa voto a voto a aproveitar a campanha para explicar didaticamente à massa dos eleitores qual era a reforma política que pretendia fazer e por que método?

Não foi, certamente, porque essa idéia só lhe tenha ocorrido diante do resultado das urnas, para pacificar o país.

O Decreto da Presidência nº 8243, assinado pela própria presidente Dilma seis meses antes da eleição determina, aliás, que “movimentos sociais” como esses que lhe entregaram os 5 milhões de assinaturas de apoio a um plebiscito, se apropriem, sem passar pelo sufrágio universal, das prerrogativas exclusivas dos representantes eleitos por todos os brasileiros de propor, discutir e aprovar nossas leis. Posta de lado a questão de serem eles parte diretamente intessada nessa troca de papéis, o fato dela contrariar diretamente não apenas a Declaração Universal dos Direitos do Homem mas também a letra da Constituição da República Federativa do Brasil coloca a iniciativa sob suspeita de constituir-se num artifício para dar ares de legitimidade a um expediente que é flagrantemente ilegítimo.

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A tática de usar o expediente do plebiscito para, uma vez eleito pelo sufrágio universal para um único mandato no poder, amarrar amplos pacotes de reformas embutidos nas quais vêm, invariavelmente, mecanismos que desclassificam o sufrágio universal como a única forma legítima de chegar ao poder, seja para funções executivas, seja para funções legislativas, tem sido sugerida pelo Foro de São Paulo, a entidade criada e dirigida pelo ex-presidente Lula que reune partidos que comungam as crenças do PT, e utilizada em vários países vizinhos do Brasil onde, desde então, não houve mais alternância no poder.

É, portanto, mais que benvindo o apelo da presidente Dilma, legitimimamente eleita pelo sufrágio universal num país dividido por uma margem de 1,64% do eleitorado, por um amplo diálogo nacional em torno da reforma política e da reforma eleitoral que se fazem necessárias. Mas desde que essa convocação comece por uma pergunta sobre o que queremos e por que métodos queremos e não pela resposta que, dentro do espírito democrático, só deveria surgir ao fim desse debate.

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