Essa crise econômica eterna é ecológica

19 de junho de 2018 § 9 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 19/06/2018

O Brasil não se desinteressou da política propriamente. A política é que se desinteressou do Brasil. Não precisa mais dele. Ainda faz um pouquinho de cerimônia mas é mais pra disfarçar.

O debate ideológico acabou, aliás, no mundo inteiro. Ninguém mais precisa ser convencido de nada. Não ha mais sistemas concorrentes. Nem King Jong Un nem o Castro que resta acreditam “na revolução”. A diferença que subsiste diz repeito tão somente a quem tem o direito de se apropriar de que parcela do resultado e por quais critérios, o da força ou o do esforço. E onde o estado gasta mais de 100% do que arrecada com “pagamento de pessoal” e não investe um tostão furado no que interessa à coletividade deixa de haver qualquer duvida sobre qual a escolha feita.

Só o que há aqui é um jogo de força entre fações pelo comando do butim. A “privilegiatura” nos impõe sua rapina na porrada falsificando cada vez mais ostensivamente os processos de “legitimação” da sua brutalidade. Desmancha nos tribunais o que os representantes eleitos do povo eventualmente decidem a favor do povo. Fecha cada vez mais a porta da mudança com o “financiamento publico” de campanhas e com as regras de tempo de comunicação entre candidatos e eleitores na televisão. E ao impor, agora, a proibição (!!) da produção de provas materiais contra a falsificação do voto assume-se oficialmente como o que quer vir a ser.

Houve uma aposta forte o suficiente para deter a marcha-à-ré e colocar o país andando para a frente na altura da instalação do governo Temer apenas porque, apesar de todos os pesares, ele assumiu com o tipo de discurso consequente que precede obrigatoriamente as ações consequentes. Ninguém tinha ilusões sobre a dificuldade de transformar aquelas palavras em atos, mas o preço é função da escassez e nem esse tanto pouco nós jamais tinhamos tido. O mercado reagiu mais por saudade que por esperança…

Atingido abaixo da linha d’água por intenso canhoneio por ter ousado tanto – e tão somente por ter ousado tanto – o governo Temer teve o discurso da reforma de que até então não se ousava dizer o nome enfiado goela abaixo de volta com todas as suas escamas e espinhos apontados na direção de machucar. Cada vez que tentou ressuscita-lo o bombardeio recrudesceu na forma de dossies vazados para uma imprensa fácil diretamente pelas corporações que se apossaram do estado para construir uma “privilegiatura”. Uns apontam o herege e fornecem a lenha, os outros encenam os autos-de-fé. Como todo mundo se elegeu do jeito que a lei mandava, quem ataca a “privilegiatura” tem os contatos de mucosas com os financiadores de campanha que todos tiveram escancarados com escândalo na televisão, tão certo quanto que o sol vai nascer amanhã. Para qualquer grau de obscenidades outras ha recurso … e disposição para o silêncio. A aposta é, portanto, em Darwin. Sobrevivência dos mais adaptados. A lei só se impõe pela certeza do castigo e o país está sendo ensinado a duras penas que a do crime é a unica que não falha.

Esgotado o discurso das reformas o governo Temer – como qualquer outro presidindo o colapso de uma nação esgotada por um sistema de privilégios – não tem mais nada a dizer. Tenta resistir vendendo a memória das “conquistas” que decorreram da antecipação pelo mercado de uma ate então impensavel reforma da previdência publica escondida no bojo de um mero ajuste da outra, mas é tarde. Paga – e nós junto – pela covardia de não ter enfrentado o leão de fente. A condição descamba para o desespero, porém, a cada centímetro que o discurso dos candidatos a substitui-lo se afasta da reforma da previdência pública. E não ha exceções. Quem não é assumidamente covarde é omisso.

Excluída a discussão da cura possível, tudo que subsiste é a distilação de bilis dos que se dispõem a isso, discurso que uma parcela do eleitorado compra ao menos como vingança. E então cai-se no pior dos mundos. Não ha reserva de moeda forte que aguente…

A economia é só uma medida do estado de sanidade do ecosistema institucional onde uma sociedade vive e tenta progredir. E o nosso entorta a partir da raiz. Nossa eterna crise economica é efeito, não é causa.

Todo sistema de governo é uma hierarquia. Estabelece quem manda em quem. Democracia é a forma de governo em que os representados mandam nos representantes e aqui o que acontece é o contrário. A essência da tapeação que nos impingem é que desamarrado o representante dos seus representados, todos os outros mecanismos macaqueados de sistemas democráticos para proteger os representados protegendo os seus representantes passam a jogar para inverter essa relação. Ficam eles armados para jogar só para si e contra nós e invocar as “instituições democráticas” para defender a sua moeda falsa.

Desentortar o Brasil é, portanto, muito mais simples do que parece. Basta amarrar firmemente cada representante eleito à parcela exata do eleitorado que ele representa, e dar a esses eleitores poder de vida ou morte sobre o mandato dele antes e, principalmente, depois da eleição. Isso se consegue com eleições distritais puras, direito de retomada de mandatos e referendo de leis pervertidas por iniciativa popular a qualquer momento. Armados assim os representados ficam os representantes permanentemente sob mira e impotentes para nos meter em caminhos sem volta. E isso abre o país à reforma permanente que é a condição natural de qualquer organismo vivo com pretensões a manter-se vivo num ambiente em permanente mudança.

O resto acontece sozinho. Todo mundo acaba indo em direção à felicidade se lhe for dado escolher em que direção quer andar.

Quanto a como instalar esse processo, também é simples. Encha-se de povo as principais praças públicas das principais cidades do país com metade dos manifestantes segurando o mesmo cartaz duas ou tres vezes ao longo de um ano e a coisa acontece. Exatamente do mesmo jeito que conquistamos a nossa última façanha “impossível”.

Tudo começa por acabar com a mentira

15 de agosto de 2017 § 51 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 15/8/2017

“Eleitor”, ao lado de “Brasil”, é a palavra que menos se ouve no reality show teratológico de Brasília com suas câmeras abertas e seus gravadores ocultos porque o eleitorado brasileiro está preso num cercadinho. Não precisa ser capturado.

Voto distrital puro mata de uma só vez e para sempre a proliferação de falsos partidos, barateia a eleição a ponto de dispensar JBS’s, não requer o uso de mídias de alcance nacional e amarra cada representante eleito ao seu representado. Eleições primárias diretas e “recall” fazem dos eleitores os únicos “caciques” que precisam ser temidos. Iniciativa e referendo garantem que o jogo será jogado de ponta a ponta a favor da plateia.

Mas como partimos sempre da premissa de que o povo é o problema e o estado é que é a solução, o avesso da democracia, colocamo-nos mais longe dela a cada vez que, em geral sob altas doses de indignação, o mais potente anestésico da racionalidade, engolimos mais uma das “jabuticabas” que nos atiram com a promessa de que, esta sim, vai impedir a manifestação dos efeitos obrigatórios das velhas distorções que nos recusamos a eliminar.

Para “anular o poder econômico” perdoamos os joesleys e entregamos ao estado, que não é senão os próprios indivíduos que se pretende controlar, a prerrogativa de nos dizer quanto querem gastar do nosso dinheiro e com quem para embalar suas mentiras na TV, e deixamos que mandato ganho com elas torne-se propriedade particular do mentiroso. Trocamos a decisão soberana de contribuir ou não com partidos se e quando quisermos pelo “fundo partidário” mais as “cláusulas de barreira” enquanto sonhamos com parlamentarismo ou com sofisticações germânicas. Aceitamos que os políticos decidam candidaturas só entre eles enquanto fechamos o financiamento privado, e ficamos com a “escolha” entre a cruz do “distritão” e a caldeirinha do voto em lista. Trocamos o “oligopólio da mídia” (em plena era da internet!) pela censura que, nortecoreanamente, dita que só os candidatos “deles” podem falar de si mesmos sendo o povo obrigado a ouvi-los sem contraditório.

Recusamo-nos, enfim, ao uso do mais essencial dos desinfetantes da farmacopeia democrática – “Poder para o Povo” – e por isso vivemos no limiar da septicemia política e institucional. Mas não desistimos nunca de pedir “soluções” a quem deveríamos estar impondo as nossas próprias.

É isso que garante que não haverá nada de novo em que votar em 2018, uma eleição que, para o bem ou para o mal, será a última de uma era pois, neste mundo vaso-comunicante não ha mais como fechar fronteiras nacionais e resolver tudo com emissão de moeda falsa e inflação e isso mata o modelo populista. Nem para o funcionalismo de verdade sobra mais. O estado não cabe mais na nação e ou ela se impõe a ele instituindo a igualdade de direitos e deveres e podando radicalmente a gordura mórbida ou ele se imporá a ela pela violência. Não fazer nada ou tapear com meias-medidas é quanto basta para que os serviços essenciais, já pra lá de periclitantes, entrem definitivamente em colapso e o caos transforme o Brasil num imenso Rio de Janeiro a caminho da Venezuela.

A clara consciência de que assim é, no mundinho fechado de Brasilia, é que explica a virulência da “campanha de 2018” que vimos assistindo ha mais de três anos. O país ficou pequeno demais para abrigar a “privilegiatura” e a democracia ao mesmo tempo. Um dos dois terá de morrer e eles são os primeiros a saber disso.

Sair dessa rota de desastre vai exigir romper o pacto da mentira que sustenta o modelo brasileiro. Tudo que se tem passado, dos atos às “narrativas” da guerra de imundices a que temos assistido, respeitadas as exceções que fazem a regra, está referido à disputa para ver quem se vai apropriar de quanto do que é nosso sem fazer força. E isso precisa passar a ser dito e repetido diariamente e com todas as letras.

O Brasil já sabe de tudo. Só falta quem se disponha a fazer-se seguir por ele. Mas não se vai tirar o povo da apatia com que expressa seu repúdio à continuação da tapeação com eufemismos. É preciso apontar onde e com quem está o que falta na conta. A roubalheira por fora da lei aqui é a maior do mundo mas é um nada. Os ésleys e odebrechts não merecem qualquer migalha de perdão mas o que pesam é troco. O que arrebenta este país é a roubalheira por dentro da lei. A roubalheira automatizada pela lei.

O fundo partidário foi triplicado de 2014 para 2015. Está em R$ 819 milhões. Agora querem R$ 3,6 bi. Seriam 12 vezes o valor de 2014! Merreca se considerado que o que se compra com ele é o poder de ditar, pelos próximos quatro anos, quem fica com quanto do que mais se arrancar de nós, e que cada um desses novos “direitos adquiridos” é um caminho sem volta.

Não dá mais!

Os jatos, os carros, as casas, os empregados, os seguros-saude, as assessorias, os salários turbinados, os “auxílios” de arrombar teto, os “reajustes” leoninos sem inflação, as aposentadorias integrais na flor da idade, tudo isso tem não só de acabar mas de regredir ao limite do sustentável. Um único marajá-mirim, de apenas R$ 50 mil, aposentado por 40 anos ou 480 meses custa R$ 24 milhões a valor presente. Quantos empresários de sucesso conseguem fazer isso sustentando empregos uma vida inteira? Uma aposentadoria média do INSS, de R$ 1600, levaria 15 mil meses (1250 anos) para acumular esse valor.

Nunca tão poucos deveram tanto a tantos. Não ha que reinventar a roda. Só existe uma cura para isso. O povo elegendo e, principalmente, deselegendo, escolhendo suas leis, contratando e demitindo, definindo quem ganha quanto e até quando, livre para mudar e mudar de novo quantas vezes for preciso e na hora que for preciso até acertar. Não ha Exército que conserte o que está aí, sobretudo se mantida nossa justiça a mais cara e a mais leniente com o crime do mundo. Este país só se salva enriquecendo. E só começará a deixar de empobrecer se e quando trocar o privilégio pelo mérito também “lá dentro”, exatamente como já é aqui fora.

Choque de verdade no paraíso da mentira

17 de maio de 2017 § 2 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 18/5/2017

Nos primeiros dias do segundo ano do governo Temer e indo para o quarto de paralisia o Brasil segue perdido nos falsos diagnósticos do mal que o acomete.

A ultima vez em que os fatos que a Lava Jato investiga foram avaliados no seu devido contexto foi nas sentenças do mensalão. Desde então tanto a imprensa quanto o Ministério Público deixaram a conspiração pelo poder de lado, focaram nos indivíduos e têm tratado tudo como se a acumulação de dinheiro fosse o fim ultimo de toda essa roubalheira.

Se fosse verdade, disso decorreria que o estado, benfazejo como “rousseaunianamente” é, não precisa de reforma, só precisa de limpeza. Mas o Brasil real não embarca mais nessa. Já entedeu que essa luta é pelo controle e a preservação e não pela desmontagem do “sistema” e tem pouco a ver com ele. E expressa o seu ceticismo com uma crescente indiferença. A “voz das ruas” calou-se. A “vanguarda do proletariado”, mesmo com as aposentadorias e os “direitos trabalhistas” que desempregam todo mundo menos os funcionarios públicos na berlinda, não enche uma praça de tamanho médio nem a rogo pessoal e intransferível do “maior líder da história da classe operária brasileira”.

Michel Temer e seus economistas hesitantes são os únicos que, por obra do destino, bandearam-se para a causa do país real. Só que se pusesse o foco no problema como ele é incidiria num “sincericídio”. Assim, tenta responder ao desafio jogando nos bastidores com as armas do passado. É um esforço louvável pela persistência, mas vão. O “sistema” mostra-se imune aos venenos e manhas que ele próprio inventou.

O populismo “socializa” as migalhas da corrupção para adubar o chão em que vai plantar a sua mentira. Estamos em plena safra. Mente a esquerda, criminosamente, quando diz que o “achaquismo” trabalhista não desemprega nem ha rombo na previdência; mentem o centro e a direita, por omissão, quando pedem mais sacrifícios ao povo “para salvaguardar o seu próprio futuro” e só, como se tudo que estivesse em jogo fosse a questão atuarial e demográfica que também existe.

Hoje 28% da população, 57,9 milhões de pessoas, numero que corresponde ao eleitorado cativo de Lula, é diretamente sustentada pelo estado. Recebe todo mes um cheque do seu provedor. Estatisticamente falando, toda família brasileira tem, portanto, ao menos um pé embarcado no “sistema”. Senão o seu próprio o de alguém muito próximo que bebe na mesma fonte em que a ponta de cima da “privilegiatura” se empanturra. E isso torna fluidas todas as fronteiras e distorce todas as cadeias de cumplicidade.

A esmagadora maioria desse quarto da população que também sabe identificar a mentira mas tem menos meios de se dar o luxo da verdade recebe um salário mínimo ou menos. 13,4 milhões dividem os R$ 24,7 bi do Bolsa Família. Tudo que os 5.560 municípios sustentam, que em geral é o que o cidadão comum realmente tem, é mantido com outros magérrimos R$ 27,7 bilhões. Os estados, vale dizer, as polícias e os professores, as duas primeiras corporações a pularem fora da reforma da Previdência, consomem R$ 106 bi. E a União, que não é Brasil, é Brasilia, se empanturra com R$ 273,6 bilhões. Como as aposentadorias “deles” se dão aos 50 anos e são “reajustadas” com os aumentos dos funcionários da ativa que, somente nos estados, foram de 50% acima da inflação em 10 anos, o INSS custa hoje R$ 507,8 bi. Mas não são os soldados das PMs, as professorazinhas do ensino básico e nem mesmo os “amarajalados” funcionários do rés do chão do Legislativo e do Judiciário que levam essa conta a essas alturas. O estado que nos assalta a pretexto de “redistribuir a renda” faz exatamente o contrário. Por cima de cada uma das corporações que o controlam boia a nata dos que cavam os seus privilégios legislando em causa própria, criando falcatruas semânticas ou simplesmente empilhando fraudes em cima de fraudes que, em geral, são eles próprios os encarregados de coibir, para fazer do céu o seu único limite.

Esse grupinho sabe exatamente o cheiro de revolução que têm os seus proventos indecentes num país que foi levado ao esgotamento muito mais que pela outra, por esse tipo de roubalheira “legalizada”. E como não ha argumento racional capaz de vender o seu peixe, trata de institucionalizar a mentira.

A imprensa e o resto do país viveu a semana retrasada inteira da troca apaixonada de insultos em torno do tema do impedimento das autoridades judiciárias para decidir sobre “feitos” de que (CPPenal, art. 252, IV) “ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado”. Mas a concessão ou não de habeas corpus é a faixa mais estreita da imensa zona de conflito em que todos vivem mergulhados. Sendo o Ministério Publico, com média de aposentadorias de R$ 30 mil, o Judiciário, com R$ 29 mil, e o Legislativo, com R$ 25 mil no país em que a média aqui fora é R$ 1,6 mil e o limite legal R$ 5,5 mil, que chance tem a minoria interessada em justiça de não ver o seu trabalho desfeito pela maioria se a cupula da Lava Jato não denunciar o problema como ele é em vez de seguir com enxugamento de gelo e silêncio? Qual o jornalista, especialmente os que viveram e constituiram família no isolamento de Brasilia, cujos “conjuges, parentes, consanguíneos ou afins” não são “parte direta ou indiretamente interessada” nas prerrogativas da “privilegiatura”? Porque, ao fim de quatro anos, o tema dos supersalários, das super-aposentadorias, da colonização do estado pelas corporações e pelos caronas dessa intrincada cadeia que se alimenta do Brasil dos Miseráveis não se apossou sequer da “voz das ruas”?

Não seria porque dinheiro pouco têm sob as asas do estado muitos e são todos um pouco cumplices do “sistema” que a ninguem nega ao menos “um golinho”?

É um choque de verdade que está fazendo falta aqui no paraíso da mentira. O resto acontece sozinho.

A hora da verdade

10 de maio de 2017 § 8 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 10/5/2017

A nossa “revolução fundadora” está em pleno curso ainda que, por enquanto, à revelia da maioria de nós. E é irreversivel. Difícil, depois de 500 anos e entre tantos abismos materiais e educacionais, é refundarmo-nos para o bem evitando rupturas e explosões “venezuelizantes”.

Partimos de um labirinto. Ha leis demais e órgãos públicos demais. As competências são sobrepostas, cruzadas, conflitantes. Nada pode ser definido com clareza, tudo pode sempre, e impunemente, não ser aquilo que parece.

A questão das prisões preventivas é exemplar. Onde está o ponto de equilíbrio entre a necessidade de forçar delações sem as quais não sairemos jamais desta “lenociniocracia” que mata mais de 60 mil por ano e a de assegurar respeito aos direitos individuais? Só ha uma maneira boa – Winston Churchill dizia que era apenas a menos ruim – de resolver problemas como esse. Ninguém deu a isso resposta melhor que a elite do Iluminismo. Com 241 anos de aperfeiçoamentos do modelo do qual não adotamos ainda sequer os pilares da fidelidade da representação, da igualdade perante a lei e do controle do governo pelo povo não falta com que começar. Não temos de inventar nada, temos só, como os japoneses, como os coreanos, como tanta gente de sucesso no mundo, de desinventar tudo que inventaram para nos manter fora da democracia.

O problema é que não ha como fazer isso de modo totalmente pacífico. Será preciso uma dose não pequena de criatividade e arbítrio para desmontar esta arapuca. O STF do bem deu um belo drible quando confirmou a legalidade das prisões a partir da 2a Instância, a estaca zero do mundo civilizado da qual nunca deveríamos nos ter afastado. Mas o outro abriu a porta da ratoeira. Deixar bandidos flagrados sem um horizonte previsivel é decisivo para empurrá-los a uma delação premiada mas é também o que define tecnicamente a ausência de um estado de direito. Agora, dizer que isto em que vivemos é um estado de direito…

Todas as respostas necessárias à reconstrução do Brasil envolvem esse tipo de dilema. Será preciso considerar judiciosamente, a cada uma delas, os custos e benefícios que, para fazerem mesmo sentido terão de ser avaliados no devido horizonte de tempo e dentro da sua circunstância. Trata-se de contrabalançar cinco séculos de respostas que quase sempre desfavoreceram o lado do bem. Isso ensejará que o outro lado argumente como se não houvesse nada acumulado no outro prato da balança, sempre com lógica para o horizonte imediato ou para o ponto considerado fora de seu contexto. E seus argumentos, tomados isoladamente, parecerão fazer tanto sentido que até o mais notoriamente venal dos argumentadores poderá recorrer a eles sem que se possa, tecnicamente, acusa-lo de desonestidade.

Essa é a nossa “revolução fundadora” porque não é mais uma opção deixar de faze-la. Lula, com o seu lendário senso epidérmico de oportunidade, se deu conta imediatamente disso. O que o tirou da depressão em pleno ocaso da sua capacidade de incendiar platéias medida de cima dos palanques, foi ter-lhe caido no colo, na undécima hora, o “argumento” capaz de “ressuscitar a militância” que andava com vergonha de mostrar sua carteirinha do partido.

O que, exatamente, amarra no mesmo enredo gente tão diferente quanto José Dirceu e sua guerra imaginária contra “ditadores” e “cães da ditadura” do milênio passado na qual militância política e assalto a banco se confundem, os ministros do STF com seus diferentes graus de suscetibilidade às tentações terrenas, Michel Temer e suas madalenas arrependidas, o cavaleiro errante de Curitiba e seus fiéis escudeiros do Ministério Público, o oportunismo atávico dos ladrõezinhos e dos ladravazes de dentro e de fora do Congresso e, pairando acima de todos, Luís Ignácio Lula da Silva, o reciclador geral da nossa mixórdia, em cujas mãos nada se perde, tudo se transforma em benefício do “eu”?

O bolso, ora!

As ações e as intenções são genuinamente diferentes mas na entrada, no meio do caminho, ou na saída, o papel desempenhado por cada um desses atores tem mostrado uma mesma inconsistência. Um elo fraco que, na “hora H” expõe seu flanco, afrouxa a sua garra e enseja que o filme recomeçe do zero.

A defesa, por ação ou omissão, da parte que a cada um deles cabe no latifúndio dos privilégios da estabilidade no emprego e do salário independente de resultado eternamente garantidos, das acumulações e “auxílios” para os quais o céu é o limite e das superaposentadorias precoces e frequentemente hereditárias onde tudo isso termina é que tem impedido que se feche o círculo e os põem a todos mais próximos uns dos outros do que de quem paga essa conta.

Os ladrões que uns prendem e os outros soltam são só os agentes de uma coisa muito maior e menos eventual. Toda essa roubalheira está a serviço de comprar as eleições que não têm outra finalidade senão manter os “marajás” como e aonde eles estão.

O populismo não é senão a socialização da corrupção. Lula, como sempre, confia cegamente na venalidade dos indivíduos e das massas. E para ele resta vencer ou vencer; ou a presidência de um Brasil definitivamente “venezuelizado”, ou a cadeia.  Por isso é absolutamente focado. Não perde tempo com argumentos. Confia na “escala” das esmolas que espalhou e do “poder de convencimento” que seus fieis soldados Jose Dirceu e Marcelo Odebrecht lhe garantiram mantendo a roubalheira “antes, durante e depois” da Lava Jato para nos levar para aquele Brasil sem imprensa e sem lei que promete.

O Brasil do bem vai ter de se decidir. Não se ganha essa guerra sem o povo na rua e nem o argumento do “acerto das contas publicas”, nem a ameaça do aquecimento do inferno em que vivemos movem quem quer que seja a sair de casa. O que, sim, une o Brasil que paga essa conta com miséria numa indignação cada vez mais visceral é o privilégio fora do qual e contra o qual todos os nossos personagens hesitam em se colocar. E no entanto, da imprensa às tribunas do Congresso ou às bancas dos tribunais essa é a chaga menos exposta e a palavra menos pronunciada no barulho todo que se fez até aqui.

Por um fio!

3 de maio de 2017 § 9 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 3/5/2017

A era das manifestações sem povo e contra o povo vai chegando melancolicamente ao fim.

Só em Brasilia, onde o marajalato ameaçado de desmame não tem contra quem impor-se à força foram dispensadas as barricadas que, no resto do país, ilustraram com perfeição a nossa “luta de classes” pré-Queda do Muro: contribuídos x contribuintes; aposentados integrais x aposentados pela metade; barrantes x barrados; sindicalistas x trabalhadores. Foi uma desolação a tal “greve geral”. O dinheiro do imposto sindical ainda compra sindicalistas mas, definitivamente, não compra mais a massa dos compulsoriamente sindicalizados.

É uma situação única na História essa nossa. A “jabuticaba” das “jabuticabas”. Um lado ainda tenta mas já não cola. O outro lado só não cola porque não tenta.

Até o Congresso Nacional, que abriga os mais sensiveis narizes da raça às mais leves oscilações do vento, registrou oficialmente a virada nas votações da noite de 27/4. Falta ainda a confirmação por tres votações do Senado e da Camara neste país em que nem o passado é estável, é verdade, mas a virada moral, a rendição argumentativa, já foi votada e assinada. É um golpe de morte na essência da “privilegiatura” a queda do foro especial para 35 mil dos “pares da corte” pouco mais de um ano depois de ter sido o nosso “rei” oficialmente declarado submetido “a deus”, significando a prevalência dos fatos sobre as suas olímpicas “narrativas”, e “à lei” pela Operação Lava Jato e pelo STF.  Isso e mais uma reforma trabalhista que avançou muito além do cosmético de sempre e, ainda, o “desdentamento” da Lei de Abuso de Autoridade literalmente imposto pela opinião pública à cafajestocracia que começa a ingressar no território do passado, definitivamente não é pouca coisa para um país indigente de comemorações como este andava.

A alegoria reacionária encenada no plenário pelos beneficiários diretos do peleguismo e do trabalhismo achacador afastados das tetas quase centenárias não deixou dúvida quanto à certeza deles próprios de estarem sendo empurrados para fora da História do Brasil. Foi a primeira brecha no dique do amestramento pelo estado das instâncias básicas de representação da sociedade que, começando com o imposto sindical de Getulio Vargas, petrificou-se com o Fundo Partidário da Constituição de 88 e chegou ao paroxismo com o financiamento público de Organizações Não Governamentais Organizadas pelo Governo do “lulismo” que fechou o país à democracia representativa, fez explodir a corrupção e pos o trabalho em vias de extinção em todo o território nacional.

Não existe força no mundo que possa constranger uma Câmara de Deputados, um Senado da Republica e um Supremo Tribunal Federal com o retrospecto e o pedigree dos nossos a fazerem o que o povo realmente não quisesse que eles fizessem só porque assim lhes tivesse determinado um governo provisório desprovido de qualquer sombra de charme e sem a chancela das urnas, como querem nos fazer crer alguns dos mais notórios falsários do “horário gratuito”. Por mais que soneguem à massa as informações que realmente importam, o repudio ao marajalato esta posto. Só falta quem, no governo ou fora dele, nos tres ou no 4º Poder, se disponha a puxar a fila indicando ao Brasil um caminho prático que lhe permita dar o chacoalhão que o país está louco para dar na árvore da qual pende essa fruta podre. O inimigo já reconhece na pessoa de Temer, aliás, a mão que quer arranca-lo da teta. É a unica glória do presidente interino e ele ja esta pagando o preço de te-la. Mas o outro lado das barricadas não o enxerga como o instrumento da virada, muito mais que pelo seu passado, por este presente no qual ele hesita em se lhe oferecer como tal.

A falha de comunicação do governo esta em dirigir-se à “2a classe” que não recusa, ainda que não aplauda, as reformas que sabe necessárias, para repetir-lhe o que ela ja está doloridíssima de saber: que se elas não forem feitas o futuro é o presente; viramos todos um imenso Rio de Janeiro. Como também não é absolutamente o caso de explicar à “privilegiatura” como ela está matando o Brasil porque ela sabe exatamente o peso que tem neste desastre – conforme fica diariamente demonstrado pelo fato de seus próceres não perderem tempo argumentando suas razões, tratam somente de criar miragens para desviar a atenção dos fatos – o que o governo tem de fazer é expor à minúcia o que eles tentam esconder, qual seja, a relação direta de causa e efeito entre esses privilégios e a miséria que custa sustentá-los.

Se exibir exaustivamente o gráfico e os personagens arquetípicos da “distribuição da renda” no universo da previdência comparando a 1a com a 2a classe e, dentro da 1a classe, os “barnabés” com os “marajás”, o “sistema” já cai de podre. Mas se, junto com isso, mostrar com os respectivos custos os jatinhos e os carros de luxo ao lado dos trens de subúrbio; as mordomias ao lado dos barracos; as escolas na Inglaterra pagas aos filhos dos “marajás” pelos pais das escolas das balas perdidas, os “auxílios” mil isentos com o imposto sem correção sobre os salários quase mínimos, os planos de saude eternos ao lado dos hospitais do horror; se expuser tudo isso ao lado das falcatruas em série tipo Bolsa Pesca em Brasilia, os milhões de Benefícios de Progressão Continuada pagos a gente na flor da idade dispensada de exame médico; os 9 milhões de aposentadorias do setor rural quando só ha 6 milhões de pessoas em idade de se aposentar no campo segundo o Censo; se o “dream team” mostrar, enfim, na ponta do lápis, que diferença tudo isso faria descontado do sacrifício extra que está pedindo aos aposentados de R$ 1,6 reais, aí sim a “pelegada” toda ia ficar sabendo o que é uma MANIFESTAÇÃO DE MASSA e não demorava nem cinco minutos para que uma verdadeira reforma do Brasil, com a da Previdência dentro, fosse aprovada por unanimidade no Congresso Nacional.

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