Mata Atlântica? Tá salva não!
6 de junho de 2015 § 22 Comentários
A Rede Globo anda espalhando por aí que “a derrubada de Mata AtIântica caiu 24% em 2014“. Bom, televisão a gente sabe como é. Essa “informação” era, na imediata sequência, diluída em imagens de uma anta albina “tida como assombração“, e por aí afora…
Mas a Rede Globo sabe fazer bom jornalismo quando quer e, assim, deveria ter mais cuidado com esses números sempre rescendendo a absurdo que passa adiante sem investir uma grama de raciocínio para checar a sua credibilidade quando o assunto é sério como este é e os possíveis prejuízos potencialmente irreversíveis como estes podem ser nos limites a que já chegamos.
Da até “gastura” falar dessas coisas com o país arrebentado como o PT o deixou, mas não dá pra ficar quieto. Vamos lá…
Eu frequento regularissimamente o maior pedaço de Mata Atlântica que sobrou neste planeta, no Vale do Ribeira, há mais de 40 anos. Vejo com meus olhos o que está acontecendo por lá quase metro por metro. A situação em São Paulo esteve mais ou menos estabilizada durante uns bons anos enquanto em Santa Catarina o pau comia solto. Até a predação “a tesourinha” dos palmiteiros, que mina na sua base a capacidade daquela floresta de produzir a fauna que trabalha para semea-la e mantê-la e que, toda ela, tem na semente da palmeira juçara uma fonte essencial de alimentação, tinha diminuído no Vale. Não em função da repressão da atividade mas, como sempre, do esgotamento que eles próprios conseguiram produzir no objeto da sua cobiça graças à falta dessa repressão. O de sempre: somos um país sem lei onde não ha crimes, só “atos infracionais” ou menos que isso, e ninguém vai preso por nada, de modo que correr atrás de palmiteiro é só se arriscar a ter de se enfrentar com ele porque, ainda que preso, será solto em poucas horas…
As tentativas de adaptar o açaí da Amazônia (Euterpe oleracea) á região não funcionaram. Surgiu naturalmente, por polinização, um híbrido dessa palmeira com a juçara nativa da Mata Atlântica (Euterpe edulis) que é estéril e ainda pode virar um problema enorme se não houver um esforço rápido para eliminá-las da região. E por tudo isso a febre palmiteira foi baixando. O Vale vivia da banana, os ladrões de palmito ficaram do tamanho do que restou para roubar, os processadores do produto do roubo, que tooodo mundo conhece desde sempre seguiram impunes como sempre, e por aí foi-se ficando.
De uns cinco a sete anos para cá, algo começou a mudar, e em velocidade crescente. A pupunha (Bactris gasipaes) é uma palmeira amazônica que nasce em touceiras de quatro, cinco troncos por planta, e produz um palmito de boa aceitação no mercado. E esta se adaptou ao Vale às mil maravilhas. Cresce mais rápido lá, onde chove mais que na Amazônia na média anual; não requer tanto trato assim depois de plantada e dá vários cortes em ciclos mais curtos que os anuais se bem manejada.
É, em resumo, um sucesso econômico, o que a arma da força que o dinheiro tem. E as derrubadas recomeçaram. Cada vez que vou lá vejo mais e mais encostas peladas encrespando de pupunha; a grilagem de áreas de parques e reservas ganhou novo impulso; não há diferença nenhuma na velocidade e na explicitude desse processo mais perto ou mais longe das sedes locais dos guarda-parques e reservas florestais. Ha dinheiro para fechar olhos ao que quer que seja…
O pau está comendo, ao contrário do que diz a Globo. A crise da Dilma reduziu, sim, um pouco desse ímpeto, porque o povo está comendo menos pizza e pastel de palmito, que é a porcaria em que se transforma a força da Mata Atlântica neste país sem informação nem pulso, mas isso é questão de tempo. O fato é que existe agora uma nova e poderosa força econômica empurrando a devastação da Mata Atlântica e se o ambientalismo brasileiro continuar insistindo em fechar os olhos a isso e atrapalhando ou proibindo a única alternativa que o resto do mundo adota contra a força da agricultura — que é a lei ajudar a fazer a caça e a pesca esportivas organizadas, que dependem da mata em pé, valerem mais do que os produtos da agricultura, que depende da mata deitada — a pupunha vai comer, já, mais um pedaço consideravel do futuro dos nossos fihos e netos.
A falta que a caça faz
18 de maio de 2015 § 13 Comentários
Subi para cá correspondência trocada com Luiz Barros nos comentários de artigo anterior em função da importância do tema:
Fernão,
Estou aqui lembrando de uns tios queridos de minha infância, e nisto vejo o Renato, de Taubaté. Ele era exímio caçador.
Acho que foi a falta de amantes da caça e da pesca que dificultou a preservação da fauna e flora, porque os esportistas, como ele era, faziam mais bem para a preservação, com amor verdadeiro aos bichos, do que os vigiólogos de gabinete.
(…) só conheço um pouco de pesca, nada de caça. Você poderia por gentileza me dizer se a descrição que faço de um homem e seus perdigueiros é correta?
Renato chegava ao sítio bem cedinho (…) com seus dois ou três perdigueiros (…) Vestia aquelas galochas que vinham até o peito e se prendiam por suspensórios ao ombro, qual macacão fossem: para entrar no brejo, se os cães para lá o levassem.
Cão e caçador sincronizavam instinto e ação e, enquanto um levantava a caça o outro fazia mira, acompanhando o voo rápido ascendente ou rasante, em linha reta ou ziguezagueante…
Resposta:
Não ha, felizmente, falta de caçadores e pescadores esportivos no mundo, Luiz, e digo felizmente porque é como v diz: o que sobrou no planeta de natureza conservada sobrou por causa deles.
Aqui os caçadores (os esportivos, digo, porque quem vive no mato continua como sempre foi) estão quase extintos porque o Brasil é exceção no mundo, aí incluidos ate paises como Cuba, e persegue-os furiosamente desde 1983, ultimo ano em que a caça foi aberta legalmente por aqui (com exceção do Rio Grande do Sul).
Os caçadores são essenciais pelo fato elementar de que fazem perdiz, por exemplo, valer muito mais que soja, o que torna um excelente negócio, nos países onde eles continuam livres para prestar esse serviço às gerações futuras, comprar areas de cerrado (ou savana como chamam la fora) para mantê-las íntegras o bastante para continuar produzindo o que produziram naturalmente nos ultimos bilhões de anos até que, como dizia Nelson Rodrigues, os idiotas descobrissem que são maioria e passassem a nos oprimir: isto é, perdiz.
Nos EUA a economia da caça e pesca esportivas gira em torno de US$ 400 bi/ano (isso mesmo! ⅓ ou ¼ do PIB brasileiro. Procure o site dos censos americanos; uma edição sim, outra não, faz-se esse censo nacional, detalhadíssimo, por lá). Eles são o pais com mais área selvagem conservada do planeta, ai incluidos os africanos. Todos os seus bichos nativos têm hoje rebanhos maiores que os que se calculava que existiam no Descobrimento, graças ao que rende esse negócio.
Ainda na semana passada vi, também o balanço anual de caça da França: 1 milhão e 200 mil peças foram abatidas em 2014 (considerados só mamíferos como javalis, cervos e caprinos dos Alpes, na caça de alta montanha) gerando bilhões de euros que são investidos na compra e conservação da quantidade de florestas íntegras que é preciso manter para garantir colheitas de quantidades como essa sem abalar o equilíbrio (as cotas são estabelecidas a partir de censos anuais de caça feitos pelos cientistas e pesquisadores de campo). São milhares de empregos, entre guiagem e hotelaria, aí incluídos os de cientistas e gestores de fauna que tratam de aprender com a natureza em vez de cagar regras sobre ela como gostamos de fazer aqui.
Também nesse tema vamos, como em tudo o mais, pelo avesso do mundo, portanto.
Aqui o cerrado, produtor das perdizes, é o bioma mais ameaçado de todos. Na verdade está praticamente extinto, condição que acredito que já seja irreversível, dada a fragmentação do pouco que sobra, o que terá implicações dramáticas para o armazenamento de água no subsolo do Brasil dos nossos filhos e netos.
O cerrado, minha primeira grande paixão de natureza, é uma floresta de cabeça pra baixo, com uma trama de raízes que penetram a grande profundidade no solo com um volume de matéria vegetal muito maior que o que ela mostra acima do solo, o que proporciona a formação dos aquíferos como o Guarani, um oceano subterrâneo de água doce que cobre mais de um terço do nosso território e gera as nascentes de mais de metade dos nossos rios. Essa trama de raízes do cerrado é que mantém o solo poroso e nas temperaturas necessárias à continuação do processo que resulta nos aquíferos.
Hoje está tudo compactado e cada vez mais impermeável logo abaixo da superfície totalmente tomada por gramíneas africanas e leguminosas asiáticas, e isso porque nossos “ecologistas” de bermuda colorida e chinelo de dedo acham que esta é uma questão “ética” a ser tratada por critérios emocionais e decretaram “imoral” a prática diuturna de todos os demais seres vivos, animais e vegetais (caçar e ser caçado), a mesma que alimentou seus ancestrais até que dominassem o planeta a ponto da cretinice deixar de ser punida com a morte, como continua sendo na natureza, e dar o resultado que tem dado.
Sorte do Blairo Maggi!
Nos tempos em que este país ainda pensava com a cabeça havia caça regulamentada, sim, e quando abria a temporada via-se gente feliz carregando suas espingardas pelo país afora pelas ruas, nas estações e nos trens que chegavam até o Mato Grosso (a unica via para la então), e o mais que continua acontecendo em todos os países civilizados do mundo, sem que ninguém se assustasse com isso.
Mas como aqui a Globo mancheta todo dia que “as armas de fogo mataram não sei quantos este ano”, o que me remete sempre à curiosa ideia de revólveres com pernas andando por ai e atirando em gente por conta própria, possuir uma arma de caça, ainda que não possam ser confundidas nem com os revólveres e pistolas do crime desorganizado, nem com os fuzis do organizado, é visto como um crime mais grave, mais comentado, mais noticiado e mais perseguido que os dos autores dos 56 mil assassinatos por ano com que convivemos numa boa. É prático e fácil porque quem tem arma registrada tem endereço certo e sabido, sendo portanto muito mais fácil e seguro de infernizar do que quem não tem e dá tiros na cara de quem lhe enche o saco ou até por menos que isso.
Na Globo o cara por traz da arma não conta, o crime não é crime, que supõe culpados, é “violencia” que significa outra coisa, sem dono, do que resulta que os criminosos passam a ser “infratores” que não devem ser tirados das ruas onde andam os nossos filhos porque a prisão não consegue “recupera-los”. Foda-se quem vier a ser morto por isso…
Enfim, nós somos brilhantes, Luiz, sabemos mais e melhor que o mundo e por isso colhemos os resultados que colhemos. É justo que seja assim!
Já o seu personagem, conheci inúmeros como ele de quem morro de saudades. Também eu tive tios caçadores a cujas expedições aderi a partir da segunda metade dos anos 60. Era o tempo em que o sertão começava ali por Araçatuba, a Mata Atlântica ainda estava agarrada ao mar no litoral entre Rio e SP, quase virgem, e ia assim até a foz do Rio Doce, um dos nossos paraísos destruídos. Só recuava para Oeste da metade da Bahia para cima. O sertão da Bahia emendava com o do Rio das Mortes e daí, Amazônia acima, ia intacto até o Caribe. Conheci esse Brasil selvagem e seguro e cordial como nunca foi o “civilizado” de ponta a ponta e isso foi crucial na minha formação.
Ser caçador não é uma escolha, é uma condição de quem tem a felicidade de nascer sujeito a ela. Instala-se no imaginário do portador antes da capacidade de raciocinar. É anterior e mais forte que ele.
A sua descrição remete a um caçador de batuíras, aves do brejo, vôo rápido e errático como o de uma borboleta à jato, tiro muito difícil, cozinha excelente, bom desafio pros perdigueiros. Vê-los caçar; recuperar o instinto ancestral como numa transfiguração instantânea assim que pisam um campo com caça, oferece ao observador a primeira experiência mais íntima com as forças do atavismo. Eram muito comuns — eles e as batuíras — no iterior de SP no tempo em que ainda havia a natureza em pé que nossos ecologistas fizeram questão de entregar para a agricultura, unica maneira legal de fazer terra render dinheiro neste país infeliz. O interior de SP era famoso pelas areas de banhados — brejos de cabeceiras dos seus muitos riozinhos onde pelo mês de outubro ocorriam as eclosões de vagalumes aos milhões que, ao anoitecer, pareciam trazer o céu ao chão. Hoje estão quase todas devidamente drenadas para que a agricultura e a “civilização” se instalassem até sobre o ultimo centímetro disponível, onde as batuíras e batuirões, também ditas narcejas ou corta-vento lá no Rio Grande do Sul (“bécasse” e “bécassine” nos restaurantes do mundo) eram rainhas.
Agradeça aos nossos herois da natureza a extinção de tudo isso. Eles acreditam piamente, e assim ensinam às nossas crianças, que os alimentos vêm dos fundos dos supermercados, devidamente embalados em plástico e sem sangue, e que o verdadeiro amor à natureza, sem o incomodo dos insetos, do calor e dos demais componentes dos “programas de índio” (aqueles que ainda fazem parte do currículo escolar do resto do mundo, como acampar no mato e entender o que de fato acontece lá dentro), deve ser vivido em manifestações no vão do Masp, com cartazes “criativos” e fantasias de caveira contra a caça e etc..
Historicamente falando ha duas correntes de ambientalismo no mundo. A que nasce nos EUA (o Boone & Crocket Club, frequentado pelo presidente Theodore Roosevelt, foi a origem de tudo) e na Inglaterra, onde chegou a haver uma filial dele, pela mobilização de caçadores e pescadores, seguidos de pesquisadores e cientistas que, como v diz, amam e entendem como funciona a natureza real (não a que está na cabeça dos nossos urbanóides) e deu origem à linha do WWF (World Wildlife Fund), que usa a caça e a pesca esportivas como ferramentas de conservação, e a corrente ideológica e urbanóide que surgiu de militantes franceses (como os que vieram para a USP, hélas!) que resistiam à explosão de uma bomba atomica em Mururoa no pesqueiro Rainbow Warrior e deu origem ao Greenpeace, anti-caça e bom de discurso, de marketing e de midia. WWF era “dono” das florestas, Greenpeace dos mares, até que este veio se meter na Amazônia com a minha ajuda (sem muitas ilusões, vim a ser diretor do Greenpeace do Brasil, cargo de que me demiti “atirando” em pouco mais de um ano, história que ainda conto aqui num outro dia).
É esse o ar que assume a nossa crassa ignorância sobre tudo nesse campo particular, Luiz…
O “bom selvagem” em ação
7 de maio de 2015 § 18 Comentários
Reza o decreto “politicamente correto” que o homem originalmente era um santo que vivia em perfeita comunhão com a natureza (embora já naquele tempo comesse…) e que o que deturpou tudo foi a contaminação dele pela ganância imposta pelas culturas européias.
Não é só um truísmo, é fato histórico que uma famosa “entrevista” com um tupinambá feita por Jean de Lery, cronista que esteve no Rio de Janeiro com Villegaignon no final dos 1500, lida pelos intelectuais franceses dos séculos 16 e 17, inspirou toda a lenda rousseauniana que fez do “bom selvagem” um arquétipo e uma “lei da natureza” de onde nasceu o braço esquerdo do pensamento ocidental. Foi, por assim dizer, uma versão “científica” do mito católico onde o agente poluente do “paraíso” seria o conhecimento…
Mas a verdade é bem outra como sabem os antropólogos, os arqueólogos, os historiadores da botânica, as pessoas que frequentam os ambientes selvagens reais e outros homens e mulheres humildes que cuidam mais de fazer “perguntas à” que “afirmações sobre” a natureza, à história e aos fatos. E o que estes nos dizem é que o homem sempre foi o que continua sendo, e isto inclui o seu exacerbado apego a certas mentiras renitentes, principalmente as que dizem respeito à sua própria natureza freqüentemente tão pouco “respeitável” segundo os cânones do que supostamente “é correto” ser ou não ser, sentir ou não sentir. É, ao contrário, a civilização, a lei e o medo da polícia que o impedem de sair por aí dando pauladas em tudo quanto se move.
Não obstante, é em nome dessas mentiras tão caras à metade da humanidade que não consegue se encarar como aquilo que é que nós todos pagamos os barcos, os motores de popa (60 cavalos com tele-comando!) e até os celulares com que estes representantes dos “povos da floresta“, em vez de guarda-la dos predadores aqui do mundo sem salvação, registraram o sublime ato de amor à natureza que se vê neste filme.
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