Massacres pautados
19 de março de 2019 § 11 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 19/3/2019
A maldade e a bestialidade humanas existem por si só. A violência gratuita está conosco desde sempre. Lá atrás era de deus em pessoa que ela vinha. Nem bem a espécie começara a crescer e se multiplicar e já ele tinha decidido que não passávamos de pecadores que merecíamos o genocídio por afogamento. Sodoma é torrada inteira em represália à preferência sexual de alguns. O próprio Abraão, pai espiritual dos cristãos, dos judeus e dos muçulmanos, tem seus “valores morais” testados quando deus ordena-lhe que suba ao topo da montanha, corte a garganta de seu próprio filho e queime seu corpo, assim, por nada…
O banho de sangue vem, ininterrupto, desde o Gênesis e nossa impotência contra ele continua igual. O que há de novo é que as condições de “implementa-lo” melhoraram demais.
Steven Pinker, no seu “Os anjos bons da nossa natureza”, lembra que durante incontáveis milênios o poder apoiou-se exclusivamente na violência sádica mas tem havido progresso. Desde a recentíssima “Idade da Razão” instalada pelo Iluminismo europeu começam a estruturar-se os movimentos para abolir as formas socialmente sancionadas de massacrar o próximo como o despotismo, a escravidão, o duelo, a tortura judicial, o assassinato por superstição, as punições sádicas e tantos etcéteras mais.
O século 20 transforma o terror numa ciência. Lenin é o primeiro “teórico” da eficácia que ele ganha se praticado a esmo a chegar ao poder. Cria uma religião que, como todas, gira em torno de um deus e sua ira santa e convence metade do mundo com ela. “Para quem acredita em mim a salvação aqui e agora. Para quem não acredita, a morte”. No Brasil “cordial”, Carlos Marighela escreve um manual para ensinar a por o método em prática que foi best seller mundial. Antes dele, Hitler dispensa a opção às vítimas e industrializa a morte. E até hoje poetas e seresteiros cantam em prosa e verso esse tipo de monstro.
Desde o fim da Guerra Fria, em 1989, os conflitos organizados – guerras civis, genocídios, repressão pelo estado, ataques terroristas – declinaram em todo o mundo. Mas então a internet desencadeia a diluição geral. Nestes tempos de desenfreada “embriaguez da onipotência numérica” que ela proporciona não só aos idiotas que se descobriram maioria, conforme o vaticínio de Nelson Rodrigues, mas também a todo tipo de fracassado ou portador de forma rara de deformação de caráter aos quais agora é dado sair do isolamento, encontrar seus semelhantes e lamberem-se mutuamente, a violência gratuita, reeditada como farsa, ganhou a dimensão de moda. Aquele tipo de fenômeno que, assumidamente, dispensa qualquer explicação racional. Esse meio de suicídio que se dissemina pelos porões da humanidade em função da divulgação que lhe dá a mídia, de resto inevitável, é uma doença da modernidade. O psicopata do passado, na sua solidão, jamais elaboraria ideia tão complexa para a consecução do objetivo prosaico de dar um fim à própria insignificância.
Só a nossa impotência contra o que não é racional continua igual. No mundo real os hereges já não são executados com requintes de sadismo nem se admite sacrifícios humanos para exorcizar males que vêm não sabemos de onde. Mas no mundo virtual sim. A crendice, na sua forma gregária – a ideologia – continua comandando as reações mandando queimar armas mas nunca atiradores e afirmando a intervenção de “demônios” pós-modernos – o bullying, a desatenção dos pais, as vontades não satisfeitas e quanta besteira mais subir à tampa dos “especialistas” no inexplicavel – para “justificar” o horror e isentar a humanidade da característica que a religião da hora afirma que ela não tem. É o que explica porque o terceiro monstro de Suzano não consegue ser preso por mais que prove o tarado que é.
Quando inventaram suas versões do “bom selvagem” Hobbes e Rousseau sabiam zero sobre a vida antes da civilização. Nós nunca precisamos “ser estragados” pela sociedade, pelo capitalismo ou o que quer que seja. A selvageria de modo amplamente democrático, a maldade com um pouco mais de parcimônia, sempre existiram por si mesmas. Viemos, a duras penas, sendo eventualmente melhorados pelo processo civilizatório, essa construção tremendamente precária que milênios de desgraças nos ensinaram a erguer. Mas ela mal-e-mal funciona se e quando consegue manter-se holística. A derrubada de cada barreira à nossa selvageria intrínseca pela falsa acusação de “preconceito” – o respeito à família, ao círculo da intimidade, às noções de autoridade e hierarquia; o direito de destoar da manada e o mais – enfraquece o todo e contribui para traze-la de volta à superfície.
É uma moda e um vício. Não importa quão pequena seja a porcentagem de mortes violentas em números absolutos a que a civilização nos trouxe, sempre haverá o suficiente neste vasto mundo filmado para encher o jornal televisivo da noite onde o destaque dos acontecimentos é dado pela mera disponibilidade de imagens. É onde começa a débacle como previu Paul Johnson, profeticamente, ao proclamar a tábua dos pecados capitais da imprensa no início da marcha da vida para o território sem lei do virtual. A exceção passa a ser “narrada” como regra e fornece “as provas” da “falência” dos antídotos civilizatórios básicos. Chancelada pela “intelligentsia” que sustenta, a política passa, então, a responder à falsa demanda pois “ninguém jamais conseguiu recrutar ativistas para uma causa afirmando que tudo está indo muito melhor”. E no rastro das duas vai a violência empacotada como entretenimento que a ganância, a outra cara do poder, torna universal. No fim da fila, arrastada, acaba indo a vida real. Ver trucidar crianças e depois crianças trucidarem crianças é a escalada da dose que um mundo viciado na atração de olhares requer.
Columbine, Suzano, Nova Zelândia…
A internet tornou o mundo uma coisa só. Deu a humanidade a conhecer-se sem edição e ela está odiando o que está encontrando. E então, cada vez mais, puxa o gatilho.
A doença do mundo, para variar
4 de dezembro de 2015 § 21 Comentários
Deixemos a nossa de lado por um momento…
Depois de viver a dúvida cruel – foi terrorismo ou foi só mais um simples massacre doméstico? – a polícia americana conclui pela 2a hipótese no morticínio de San Bernardino. Isso deixa estabelecido ubi et orbi, que existe agora essa nova opção do suicídio com massacre revestido de uma embalagem “ideológica” que tem tudo para “pegar” já que, até que deixe de ser novidade, renderá mais minutos de fama que os outros…
Um dos maiores conhecedores das raízes históricas do terror no mundo islâmico já tinha, aliás, aventado a hipótese de que a onda de ataques inaugurada com o de Paris reflete as derrotas que o Estado Islâmico, que se divorciou da Al Qaeda pela sua opção estratégica essencialmente não internacionalista e de ocupação de territórios, vem sofrendo no Oriente Médio. Em um ano ja perdeu mais de 25% dos que tinha ocupado. Vai daí, a legião dos deformados dos países com lei com planos de aderir ao grupo para refestelar-se no sangue massacrando e massacrando de novo lá no “Califado”, estão deixando de correr para debaixo dos bombardeios na Síria e no Iraque e agindo por conta própria em seus territórios de origem sem uma coordenação central a partir de Raqqa, a “capital” do grupo na Síria. Daí os autores do atentado na França serem todos franceses, os da América americanos e assim por diante.
A central estaria “assumindo” todos os assassinatos porque cadáveres são essencialmente o “produto” da sua “industria” e, afinal de contas, o que abunda não prejudica…
Seja como for – suicídios com massacres “ideológicos” ou suicídios com massacres puros e simples – a pergunta que sempre me vem à cabeça é quantos dos problemas mais cabeludos da modernidade não são, de alguma forma, criaturas da mídia? Haveria esses massacres não fossem os “15 minutos de fama” que eles proporcionam? Quantos malucos das eras pré-midiáticas haveria que, na solidão dos seus delírios depressivos, teriam espontaneamente a idéia de se equipar do armamento apropriado, fantasiar de Rambo ou de jihadista e massacrar seus vizinhos antes de se despachar desta para a melhor? Quanto desse sangue todo não é mais que o produto de uma forma perversa de moda?
Seja qual for a resposta, haverá que se conviver (ou con-morrer) com ela. A tragédia sem fim do Oriente Médio é um problema sem solução dentro dos parâmetros morais do Ocidente. A única escolha que existe é entre assassinos sob algum controle e assassinos totalmente fora de controle porque o poder de estado — com as pouquíssimas exceções que vão sendo inexoravelmente engolidas pelos adeptos da regra — só se estabelece, naquela realidade cultural ainda tribal pelo assassinato em massa e só se mantém pela regularidade dos assassinatos “de reconfirmação“.
A Arábia Saudita é o Estado Islâmico estabelecido e consolidado. Tudo que Abu Bakr al-Bagdadi quer é ser Abdullah bin Abdul Aziz Al-Saud. Como ele ainda não tem uma “Arábia Bagdadita” para chamar de sua, escancara o seu “ou eu ou a morte” “wahabista” na rede mundial enquanto sua majestade Al-Saud que, ao fim de quatro ou cinco gerações de morticínios e autos-de-fé em praça pública igualmente “wahabistas”, já frequenta círculos civilizados, tenta manter aterrorizado com o “ou eu ou a morte” dele apenas o circuito fechado do público doméstico.
Ninguém me tira da cabeça, aliás, que a farta colheita de psicopatas que essa exposição planetária rendeu ao Estado Islâmico é um “bonus” que deve ter surpreendido os seus competentes “marqueteiros” que, pensando apenas e tão somente em horrorizar, acabaram por seduzir com o seu “reality show” sanguinolento.
Sim, senhores, o mal existe! Era Freud e não Rousseau quem estava certo…
Mas não acredito que fosse isso que eles queriam provar. Eles são só os autores involuntários da desoberta da nova dimensão que assumiu a doença da humanidade com a chegada da geração videogame à idade de substituir o “joystik” por um “kalash” de verdade…
Bashar Al Assad é a versão “anti-wahabista” da mesma maldição. Se cair, engendra outro Bashar Al Assad, mas requerendo muito mais sangue para se consolidar no poder do que os rios que o atual tem vertido para se manter nele.
Nos dois casos instala-se o mesmo círculo vicioso. Como quem resiste às bestas-feras são sempre os melhores, os melhores são sempre os primeiros a serem assassinados. Permanece vivo quem se conforma à ordem do terror que se apoia, essencialmente, no instituto da delação “at random” como fator decisivo de sobrevivência: passa-se a matar e a fazer matar para não ser morto, e a única saída desse estágio “colaborativo” do horror é cruzar o Mediterrâneo. Mas aí o que fica, fica cada vez pior…
Estado Islâmico perde!
23 de novembro de 2015 § 27 Comentários
Artigo para O Estado de S. Paulo de 23/11/2015
Desde que a 129a vítima tombou ferida de morte no Bataclan, 1543 brasileiros morreram crivados de balas nestes dez dias que nos separam daquela fatídica sexta-feira 13, se é que não superamos ainda, como acontece todos os anos, a média de 2014 quando 56.337 homens, mulheres e crianças foram assassinados nas ruas do Brasil a um ritmo de 154 por dia.
Descontados os outros 136 que morrem diariamente no trânsito em função da qualidade da educação e das estradas que nos impingem, isso é quanto nos tem custado “à vista” a plena liberdade de ação que damos aos nossos “terroristas políticos”.
Graças ao “sistema de segurança pública” único no mundo que eles nos impõem, em que duas polícias que não falam uma com a outra senão por ofícios versados numa língua que nenhum outro brasileiro entende, uma encarregada de atender ocorrências nas cenas dos crimes e outra de “investigar” esses mesmos crimes a partir de frios relatórios versados nesse dialeto, somente 8% das ocorrências registradas chegam a gerar um inquérito, dos quais 0,8% chegam a uma condenação, invariavelmente a uma pena desenhada antes para “recuperar” os assassinos que para proteger os assassinados.
Mesmo diante dessa marca que faz dos ingentes esforços do Estado Islâmico para destruir a civilização ocidental uma brincadeira de criança (na última estatística da ONU eles tinham matado pouco menos de 10 mil pessoas num ano), nós acabamos de escapar por apenas 7 votos de premiar os funcionários do sistema judiciário que produz esse brilhante resultado com um aumento geral de salários que poderia chegar a 79% e que custaria ao país R$ 36 bilhões até 2019, bem no meio da batalha do governo para impingir a uma economia que agoniza nas garras dos seus abusos sem fim um imposto altamente tóxico que pode acabar de matá-la.
Já a conta em vidas que pagamos “a prazo” pela corrupção generalizada que eles disseminam é incomparavelmente maior.
O que eles e os funcionários que nomeiam para postos privilegiados de tocaia aos dinheiros públicos roubam inflando diretamente os preços ou deixando de fazer obras de saneamento e investimentos em saude pública, resultando em epidemias crônicas de doenças medievais ao lado do sucateamento do atendimento hospitalar; a forma como pervertem todos os sistemas de prevenção e fiscalização dos abusos do poder econômico nas empresas públicas e privadas, resultando em desastres recorrentes de proporções telúricas e em devastação ambiental capaz de ameaçar a saúde do planeta inteiro; o modo como aparelham o sistema de educação para rebaixar a capacidade imunológica do país à corrupção, resultando, por tabela, na marginalização econômica de gerações inteiras de brasileiros, tudo isso mata muito mais gente do que a manifestação mais visível da sua obra deletéria que é a epidemia desenfreada de criminalidade.
Para recompensar toda essa eficiência destrutiva os salários do setor público alcançaram em 2014, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, divulgada na semana passada, quase o dobro, em média, do que se paga por postos e capacitações equivalentes aqui no Brasil da 2a classe. O PT recebeu um país em que essa diferença estava em 35,5%, o que já era um escândalo. No ano passado ela chegou a 43%, diferença que não mede a que mais vale que é a total isenção ao mais remoto risco de perda de emprego e proventos, seja o que for que o funcionário venha a fazer ou deixar de fazer e o tamanho das tempestades que a economia vier a atravessar.
Ate o final do governo FHC, registra a pesquisa, os salários dos funcionários estatutários estavam defasados em razão da política de contenção de despesas que resultou no fim da hiperinflação que roubava os mais pobres e no Brasil do Plano Real. A diferença começa a ficar mais forte a partir da medição divulgada em 2005, ou seja, com a inauguração dos governos do PT. Naquele ano e em 2006 os salários do funcionalismo subiram, respectivamente, 11% e 14,5% acima da inflação, contra altas de 8,6% e 7,7% para os salários do Brasil da 2a classe com carteira assinada. A partir de 2009, com a instituição da “Nova Matriz Econômica” com que o PT partiu francamente para a destruição de tudo que o Plano Real tinha conquistado, os salários da 1a classe sairam voando enquanto os da 2a começavam a ratear. Em 2014, ano da eleição na qual a vigília permanente da “militância” (leia-se o funcionalismo público) foi decisiva para tirar o grande provedor (PT) das cordas, a diferença se aprofundou.
A combinação desses aumentos nominais com a orgia de contratações que inchou os quadros do funcionalismo no país inteiro resultou na maior operação de transferência de renda do Brasil que trabalha, investe e produz para o Brasil que só queima dinheiro da história deste país. Esse efeito acelera-se exponencialmente ao longo de 2015 com o desemprego, que neste início da nossa corrida para os porões do mundo já põe 3 mil brasileiros por dia na rua da amargura, rigorosamente nenhum deles das hostes dos que ganham o dobro dos outros para fazer muito menos da metade.
O lado ruim dessa conta você está sentindo na pele. O lado bom, como diz Ricardo Paes de Barros, do Insper, reputado pelo Valor Econômico como “um dos maiores especialistas em desigualdade social e pobreza do país”, é que “Então temos uma maneira (fácil) de reduzir desigualdade, pobreza e déficit público (ao mesmo tempo): é só congelar os altos salários do setor público em geral”.
Esse tão interessante aspecto da Pnad, entretanto, só foi divulgado uma vez por um único jornal de circulação restrita – o Valor – e, mesmo assim, na edição de um “feriadão” de tres dias, o de 15 de novembro. O resto da imprensa ignorou totalmente esta como tem ignorado ou deixado de fazer outras medições definidoras da realidade nacional, o que enseja que a “militância/funcionalismo” e seus patrocinadores tratem de nos arrancar mais uma CPMF, na maior cara de pau, para não ter de tocar nem no menorzinho dos seus próprios privilégios.
Torquemadas de todo o mundo, uni-vos!
17 de novembro de 2015 § 28 Comentários
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Artigo para O Estado de S. Paulo de 17/11/2015
“Só ha um deus e Maomé é seu profeta“, diz a bandeira do Estado Islâmico. “Alá é grande” é a última coisa que ouvem as vítimas da sua truculência. Mas esses deuses absolutos têm muito pouco a ver com aqueles outros que nasceram para explicar as maravilhas e consolar as dores deste mundo. Só aparecem, na história da humanidade, depois que ela aprende a se organizar pela violência.
O wahabismo, a tal “corrente radical do Islã” em que “se inspira” o grupo Estado Islâmico é só uma tática de assalto ao poder que, como o leninismo, funciona exatamente porque não põe nenhum limite à violência que emprega para conquistá-lo e mante-lo. Não é uma questão de sutilezas na interpretação da palavra de deus (ou de Marx). O wahabista (como o leninista) é aquele que se dispõe a empunhar a arma e puxar o gatilho; a torturar e estuprar filhas diante de seus pais. Os islâmicos sem mais nem menos (como os que por aqui saltavam “o muro”) são os que levam os tiros, os que são estuprados, os que se atiram ao mar.
Alá o escambau!
O tamanho do prêmio é quanto basta para explicar essa brutalidade toda. “Fazer deste mundo o inferno é o caminho para o céu aqui mesmo na terra”, é o sinal com que a realidade instalada no Oriente Médio de hoje acena. Se você tiver estômago para ser implacável o bastante pode se tornar o rei da sua própria arabia saudita.
Deus será você mesmo!
Só o assassinato randômico rende a onipotência, grau máximo da embriaguez pelo poder. Por mais unânimes, bizarras e degradantes que se tornem as demostrações públicas de “fé” das vítimas tentando evitar o suplício, elas nunca serão suficientes. O fatalismo é um ingrediente imprescindivel. É preciso que tudo agrida a lógica e o senso de justiça; é preciso que não haja explicação; é preciso que não exista meio de garantir isenção ou prevenir o pior. A onipotência alimenta-se de doses regulares de sangue. Não ha ponto de chegada. Quando todos os “hereges” se tiverem “convertido“, os assassinos redefinirão a heresia para continuar assassinando.
A primeira, de todos os tempos, é a mais básica. Mate para não ser morto. É daí que vêm os “soldados”. O resto da “mensagem” são “os meios” de cada momento. A de hoje é a do congraçamento planetário do mal. Porque não se agora dá? Torquemadas de todo o mundo, uní-vos! Que venham os psicopatas e os suicidas! Adeus ao tédio do crack e da heroína. Ha muito mais emoção em explodir e ser explodido.
A humanidade já viu isso em todos os tempos, em todas as línguas e em todas as latitudes. Essa é a história de todos nós. A barbárie é o padrão e o terror tem sido o instrumento universal da conquista e da manutenção do poder desde que há memória, inclusive nessa Europa das monarquias absolutistas que vieram cruxificando, degolando e queimando hereges até “ontem“.
Mas desde a fatídica sexta-feira 13 de Paris ha uma avalanche de tentativas de explicação mais sofisticadas da barbárie. É um perigo pois discutir as “razões” de assassinatos em massa é abrir espaço para que seus autores as forneçam e para que se apresente quem as aceite. A idéia de que a barbárie tem de ter uma “causação” racional decorre daquela crença de que o homem é essencialmente bom e tem de haver a interferência de algo externo para corrompê-lo. A história e a ciência apontam para o contrário. A barbárie é que é o estado natural da espécie, e ela tende a se tornar total sempre que é aparelhada de uma “religião“.
O Estado Islâmico é o fenomeno dos morros cariocas com ambições exponencialmente multiplicadas; o crime organizado com domínio sobre um território e amado/odiado por uma população imersa no horror que não tem a quem mais recorrer, só que sentado em cima de um mar de petróleo. Em que momento o chefe de uma quadrilha vira um rei e um complexo de favelas vira um estado nacional como o Iêmen do Sul? Historicamente a resposta tem dependido tanto da geografia quanto da oportunidade. Lá foram a corrupção e a guerra; aqui foi a corrupção sozinha que se encarregou dessa metade da receita. O resto depende do tamanho do butim.
A luta pelo poder sem limites tem uma lógica própria. Perder o poder que se instala e se mantém pelo assassinato significa a certeza de ser assassinado. Daí o vale-tudo. A cada “chefão” morto corresponderá uma nova guerra pelo seu espólio. Foi para deter a infindável espiral da barbárie nesses infernos dentro dos quais o suicídio na flor da idade passa a ser uma opção racionalmente palatável que a democracia foi inventada. Mas foi preciso esperar pelo surgimento de um território isolado por um oceano de distância do mundo culturalmente dominado pelos degoladores e torturadores de sempre e seu aparato “religioso” para que a idéia do império da lei encontrasse um chão onde pudese fincar raízes sem ser arrancada, supliciada e queimada viva à vista de todos para reafirmar o império do terror.
Fala-se, agora, num “sofisticado aparato” que teria sido necessário para perpetrar os assassinatos de Paris. Mas o que houve de essencialmente diferente neles dos que Al Capone protagonizava na Chicago do século 20, dos que o PCC perpetrou em São Paulo em 2006, ou ainda, das chacinas endêmicas do Brasil? O problema é o inverso; é a facilidade com que qualquer um pode perpetrar uma barbaridade, especialmente se não fizer questão de sair vivo da experiência.
O terrorismo é uma doença crônica tanto quanto o crime organizado e diferencia-se dele muito mais pelo tamanho das ambições envolvidas do que pelas condições que os tornam resilientes. Deus só entra nisso como coadjuvante e confundir as coisas é fazer o jogo do inimigo. As multidões que têm invadido a Europa não escolheram esse caminho. Gostariam de ter ficado em casa se o Estado Islâmico não estivesse lá. A solução para os dois problemas é uma só e a mesma. É imprescindível “ocupar os morros” e garantir a segurança neles, ou nunca haverá paz “no asfalto”. E para isso é necessário que todas as vítimas joguem juntas e a favor de uma “polícia” que faça por merecer essa confiança.
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