Como R. Maia levou Bolsonaro no bico

18 de setembro de 2020 § 23 Comentários

A “resposta mais agressiva à pandemia entre todos os países emergentes” não foi uma escolha deste governo, foi a consequência de uma reação mercurial de Jair Bolsonaro, que esqueceu que a reeleição é só em 2022 e queimou o seu cacife inteiro na largada só para rebater a bravata de Rodrigo Maia que empurrou, numa tacada só, dos R$ 200 propostos por Paulo Guedes, para R$ 500 o valor do  auxílio de emergência, que o bobo alegre do planalto deixou, então, em R$ 600.

Esses R$ 600 por mês injetaram na economia um volume de recursos 61% maior que a perda de renda das famílias no ano acumulado até julho. Calculada pela Pnad, a massa de rendimentos inclui todos os trabalhadores com 14 anos ou mais – formais, informais ou desalentados – que declararam ter rendimentos no período da pesquisa. No acumulado ate junho, a renda das famílias recuou R$ 66,8 bi enquanto o auxilio emergencial, segundo a CEF, injetou R$ 108,3 bi. As nove parcelas do auxílio, mesmo com a redução para R$ 300 a partir de setembro, vão injetar um total de R$ 326,8 bi na economia.

Em relação aos três primeiros meses do ano sem pandemia, a diminuição da renda no segundo trimestre foi de mais de 20%. Na comparação anual esse trimestre representou uma queda de 12%. Mesmo assim, o aumento da massa em circulação em função do auxílio de emergência foi tão importante que houve uma inflação abrupta em alimentos e materiais de construção. Salvador registra uma inflação de alimentos e bebidas de 8,5%, Aracaju, de 7,23% e Fortaleza de 7,03%. A escassez seguida de explosão dos preços do arroz responde a essa distorção: ninguém, ao plantar a safra de 2020, esperava uma explosão do consumo.

O Brasil ainda não sofreu, portanto, o impacto – que entretanto já aconteceu – da pandemia na economia nacional. Em vez de piorar, “melhoramos” o ritmo dos batimentos cardíacos dela com a droga injetada na veia pelo golpe maquiavélico de Rodrigo Maia. Só que o efeito da droga só dura até dezembro a partir de quando 20 milhões de brasileiros desempregados ficarão sem renda nenhuma se o auxílio emergencial realmente cessar como está programado para cessar em função da raspagem dos últimos tostões do Tesouro Nacional.

A Emenda Constitucional 95, de 2016, desenhada para dar um basta no crescimento ininterrupto do gasto publico sempre financiado pela expansão das receitas (leia-se aumento de impostos) e pelo aumento do endividamento (leia-se aumentos dos juros), estabelece que o gasto do ano seguinte só poderá ser corrigido pela inflação do ano anterior medida em 12 meses. Isso deixa como única saída para manter as contas dentro do universo da responsabilidade fiscal, extrapolado o qual caminha-se para o impeachment, cortar gastos primários. 

No Brasil desde sempre dividido entre privilegiatura e favelão nacional cortou-se, primeiro, é claro, todos os investimentos, isto é, a escassa parcela do orçamento que ainda pertencia ao Brasil plebeu, posto que convive com a EC 95, além da “destinação obrigatória” de todas as parcelas do orçamento que pertencem à privilegiatura, também a obrigação dos aumentos automáticos e em progressão geométrica delas ano após ano. 

O golpe de Rodrigo Maia apressou a drenagem dos restos. Agora só sobra entrar de sola nos direitos adquiridos da privilegiatura cuja primeira linha de defesa é o próprio presidente Bolsonaro, um lídimo representante da baixa nobreza dela (os fardados em geral), e a última o STF dos comedores de lagostas com vinhos tetracampeões, tendo o Judiciário, o Legislativo e o resto do funcionalismo inteiro no meio de campo e no ataque.

A primeira solução imaginada por Paulo Guedes – que, como homem de contas, enxergou o final desse beco sem saída assim que o presidente “machão” se enfiou nele – é a aprovação da PEC do Pacto Federativo que corrige a regra do teto de gastos facilitando o disparo dos “gatilhos” previstos nela mas que o STF já vem, diligentemente, trabalhando para bloquear. 

Eles devem ser acionados quando as despesas obrigatórias chegarem a 95% da despesa primária total e incluem a proibição de aumentos, reajustes ou adequações de remuneração de qualquer espécie, criação de cargos e alterações de carreiras que impliquem aumento de gasto ou criação de despesa obrigatória nova. Mas já vêm sendo diretamente desafiados por atos como a criação de um TRF inteiro novo pelo Congresso e outras decisões de legislativos e tribunais.

Para contornar o impasse Paulo Guedes sugeriu os “três D” – desindexação, desvinculação e desobrigação de despesas orçamentarias – que teriam de ser Incorporadas à PEC do Pacto Federativo e, “desautomatizando” os reajustes por dois anos, reduziriam enormemente as despesa e abririam a possibilidade de manter além de dezembro a ajuda a 20 milhões de famílias de miseráveis adicionais às do Bolsa Família que está mantendo a economia viva. Foi essa a saída que Bolsonaro fechou violentamente, como se não soubesse que a festa acaba amanhã. 

Demagogos do Congresso e da imprensa, defendendo “o seu”,  repetem todo dia que o corte de subsídios e benefícios fiscais (como se também isso não custasse imediatamente, mais desemprego), a tributação de dividendos e outros expedientes resolveriam o problema. Mas a EC 95 foi desenhada exatamente para impedir a continuação desse acerto sempre via arrecadação que, no fim das contas, é o pobre quem paga. Exige redução do gasto primário.

Cá estamos, portanto, esperando dezembro chegar com o presidente que confere diariamente seus “likes” de internet e só age em função deles, embriagado com os abraços de criancinhas pelo Nordeste afora, dando rasteiras e ameaçando “cartões vermelhos” para quem lhe puser a realidade diante dos olhos. Quem quiser que acredite que, em pleno natal, ele ou o Congresso Nacional farão o que é preciso fazer. A alternativa, com qualquer que seja a cara com que nos seja entrujada, acaba em endividamento (e inflação) que vamos pagar literalmente com os olhos da nossa cara.

A escolha do Brasil

29 de outubro de 2016 § 1 comentário

tempo2

Artigo para O Estado de S.Paulo de 28/10/2016

A política está para a economia como o ovo para a galinha. E vice-versa. O “mercado” comemora o repúdio ao nada absoluto a que nos reduziu o delírio dilmista e a reabilitação dos postulados básicos da aritimética e da gestão economica, mas o problema brasileiro continua sendo essencialmente político.

Isso tem um lado bom e um lado ruim.

O lado ruim é que não ha muito que possa ser feito para evitar todo o sofrimento ainda por ser sofrido apenas com as ferramentas de gestão da economia. Temos, agora, profissionais cuidando do assunto e estamos livres da firme opção pelo suicidio do passado recente mas o “trem bala” para o crescimento em que nos recusamos a embarcar nestes 13 anos de opção preferencial pela burrice não está mais voando nos trilhos. A computação devora empregos; os monopólios universais arreganham dentes que os nacionais nunca tiveram; a insegurança geral embala a “disrrupção” universal do bom senso e já nem os Estados Unidos ou a Inglaterra escusam de surfar a onda protecionista que vem vindo.

O mundo politicamente evoluído, pequenininho, dissolve-se incontrolavelmente, em dores, na imensidão do outro.

tempo1

O lado bom é que, tendo este Brasil onde todos os lados ainda “defendem instituições” usando a primeira pessoa do singular permanecido inteiramente fora da evolução da política nos séculos 19 e 20, temos muito espaço para avançar mesmo com um mundo em crise.

Democracia e o seu corolário mais cobiçado, o resgate de sociedades inteiras da miséria, são processos ecológicos. A versão “ponto3” (depois de Atenas e de Roma) dessa bela invenção que o Brasil ainda haverá de experimentar um dia é construida em etapas sucessivas de desenvolvimento. É engendrada no momento em que a Magna Carta de 1215 faz saber ao rei de Inglaterra que toda a riqueza que o reino produz não é mais só de sua majestade restando ao povo suplicar-lhe por migalhas mas, daquela data em diante, exatamente o contrário. Vê a luz 450 anos depois quando o rei empobrecido, depois de ceder quase todo o poder ao Parlamento, distribui a propriedade da terra da “sua” América em pleno feudalismo para conseguir financiar sua colonização e abre, com a democratização do acesso à propriedade, a possibilidade prática do império de uma só lei igual para todos. Consolida-se, no seu apogeu, com as reformas da “Progressive Era” (1890-1920) de uns Estados Unidos ainda jovens quando, diante da corrupção galopante decorrente da associação do Estado com o “big business” nascente, os americanos reconhecem oficialmente que o homem exerce a sua liberdade sobretudo na sua dimensão econômica e que, portanto, é imperativo assegurar as condições mínimas para que ela continue sendo possível. O trabalho e não os relacionamentos políticos devem ser o fator decisivo de sucesso nos negócios. A inovação deve ser o unico fator legitimo de obtenção de vantagens competitivas. Garantir a sobrevivência de um bom numero de patrões e fornecedores disputando consumidores e trabalhadores deve ser o único fator de limitação da livre concorrência e o único objeto admitido das interferências do Estado na economia.

tempo1

A tudo isso chegou-se não por qualquer tipo de deliberação romântica mas pela razão muito prática de que a História já tinha provado suficientemente que qualquer outro expediente que não tratasse de suprimir radicalmente de cena o “presunto” que o Estado serve e “moscas” como nós somos evolutivamente especializadas em farejar conduz direta e inevitavelmente à corrupção. Sob a luz desse mesmo pragmatismo, a “legislação antitruste” de prevenção à concentração da propriedade deu forma ao novo padrão de democracia e os direitos de “iniciativa” e “referendo” legislativo garantidos pela prerrogativa do “recall” a qualquer momento dos mandatos condicionalmente atribuidos pelos eleitores aos seus representantes puseram o povo efetivamente no poder e em condições de impor o respeito à nova ordem. E a prosperidade, de mãos dadas com a ciência, pode finalmente triunfar.

É desse ultimo patamar do “capitalismo democrático” com seu formidavel poder de exorcizar a ignorância e a miséria que os poucos países que chegaram a usufruir dele estão sendo constrangidos a recuar pela diluição das fronteiras nacionais e o esvaziamento do poder também da versão benigna do Estado de fazer valer legislações específicas. Mas mesmo que seja somente até à etapa anterior – a da estrita igualdade perante a lei, inclusive e principalmente para os agentes do Estado – este Brasil dos privilégios automaticamente legalizados desde que simplesmente “adquiridos” um dia tem muito que andar.

tempo1

O que ha de importante na sequência de eventos históricos acima descritos é a ordem dos fatores. Os asiáticos, que têm conseguido “viradas” nada menos que miraculosas da selvageria política e da miséria para o império da lei e a abundância em menos de uma geração, estão aí para provar que, desde que nos disponhamos finalmente a percorrer esta que é hoje uma velha estrada batida, podemos produzir o mesmo milagre em bem menos tempo que os 800 anos tomados aos desbravadores ingleses.

Ultrapassados os limites que ultrapassamos não ha mais “meias-solas” possíveis. Não haverá remissão sem a eliminação do privilégio legalizado que impede o país de respirar. E quanto mais demorar para essa questão ser encarada de frente menos fôlego restará para repor em pé uma economia exaurida. O necessário tratamento aos agentes coadjuvantes da miséria do Brasil – os “empresários” a que os donos das chaves dos cofres públicos recorrem para desviar dinheiro para fora do sistema – está em curso. Mas não basta. É preciso atacar o desvio sistemático e legalizado da riqueza nacional impondo aos agentes do Estado a mesma lei – penal, salarial, tributária, de direitos, de deveres, de segurança e de insegurança no trabalho, de aposentadorias e de pensões – que já vale para todos os outros brasileiros e demais habitantes do mundo real.

tempo1

Como se encher de popularidade

6 de outubro de 2016 § 10 Comentários


pop4

O elemento comum às eleições municipais em todo o país, mesmo nos “grotões”, é o fuzilamento com desonra do “lulopetismo”.

Na conta nacional o partido perdeu 44,8% dos vereadores e quase 2/3 das prefeituras que tinha (de 638 para 256) e foi pouco porque o PT destruiu a obra de vida de uma geração inteira e o pior ainda está por vir. Depois de passar arrasando pelo país real enquanto o baile prosseguia na Corte a ressaca da tempestade começa, finalmente, a atingir seus autores. R$ 10 bi de déficit em junho, 12,8 bi em julho, mais de 20 bi em agosto. Vai em progressão geométrica a chuva de atestados de óbito de empregos e empregadores sobre o “cartório” insuspeitíssimo da Receita Federal. A Lava-Jato, sem querer diminuir a importância da catarse que produziu, foi só um coadjuvante nesta eleição como atesta a performance do PMDB, o co-réu “não sistêmico” dela. O PT foi esmagado mesmo pelo tal “conjunto da obra” de que vinha fugindo como o diabo da cruz.

pop1

O lado potencialmente positivo é a inédita janela de oportunidade que a virulência do desastre abre. Ele amarra uns aos outros por uma necessidade básica de sobrevivência todos os prefeitos, governadores e demais atores políticos eleitos domingo ou em campo há mais tempo. Estão todos igualmente falidos e, no extremo a que chegou a causa fundamental dessa falência que é a apropriação do Estado por uma casta que não por acaso constitui o núcleo duro da militância petista, não há meio de sair da situação senão pelo desafio como nunca antes na história deste país do império incontestável do “direito adquirido” que está nos destruindo.

Repete-se a toda hora que “o sistema político brasileiro fracassou”. Essa não é a exata expressão da verdade. O sistema que está aí entregou exatamente aquilo que foi desenhado para produzir. A pedra fundamental em que se apoia é a falsificação da representação política do país real pela compra com dinheiro público dos sindicatos, dos movimentos sociais e dos partidos políticos antes mesmo de se apresentarem aos seus eleitores e simpatizantes. Segue-se, na arquitetura do desastre brasileiro, a blindagem dos governos constituídos pelos produtos dessa primeira distorsão subversiva contra qualquer revide de suas vítimas, a não ser com enorme prejuízo imposto a elas próprias como está acontecendo agora. E completa o anel de ferro a decretação da irreversibilidade perpétua de toda e qualquer mamata outorgada pelas criaturas desse caldo de cultura às castas por elas cooptadas para se apropriarem do trabalho alheio sem a obrigação de oferecer nada em troca, que é o tal “direito adquirido” que essa Constituição dita “Cidadã” mas que de cidadania é a antítese, torna pétreo.

pop1

Continuar chamando as coisas pelos nomes errados é induzir ao êrro de diagnóstico e excluir a mera possibilidade da cura. Daí a importância que “O Sistema” dá à “construção de narrativas” que garantam que toda leitura da realidade será distorcida e do foco absoluto que mantem no controle dos instrumentos de propagação dessas leituras distorcidas.

O que estamos assistindo nesta eleição é a pré-estreia da “disrupção” da hegemonia da “narrativa” distorcida da realidade nacional. Ela continua formalmente prevalecendo nos meios políticos, acadêmicos e artísticos, em parte da imprensa e em muito da internet “organizada” mas o resultado prático produzido pelos seus autores no poder é mais forte que qualquer versão. Agora é de sobrevivência que se trata e quem se puser à frente dela será aplastado como ficou demonstrado domingo.

A conclusão da eleição de 2016 libera o governo interino para expor o problema nacional inteiro. O Brasil está na iminência de se transformar num imenso Rio de Janeiro. Não haverá, muito em breve, dinheiro para os serviços básicos, para salários do funcionalismo nem para as aposentadorias e pensões na União, nos estados ou nos municípios. As três reformas postas sobre a mesa por enquanto são genericamente essenciais mas, como sempre, deus ou o diabo estão nos detalhes. Até onde se ventilou por enquanto, nenhuma põe dinheiro no caixa já, a não ser com mais prejuízo ainda para a mais que periclitante “galinha dos ovos de ouro” pela míngua das já esquálidas infraestruturas física, de saúde e de educação, as únicas que não estão cobertas pela intocabilidade automática que a “Constituição Cidadã” garante a tudo quanto o país oficial conseguir surrupiar aos cidadãos.

pop1

A “narrativa” falsa do momento é que as reformas necessárias são “polêmicas” porque requerem “decisões impopulares” dos governantes. O sinal claro desta eleição, no entanto, é que nada pode ser mais popular que fazer o que realmente precisa ser feito, e que quem ousar fazê-lo será carregado em triunfo pelos eleitores. Privatizar estatais feitas para o roubo e reapertar as “frouxidões deliberadas” que foram pendurando multidões de “não pobres” no sistema de assistência à pobreza, “não funcionários” nos quadros do funcionalismo, “não salários” isentos de IR nos mais polpudos salários públicos, “não trabalho” no serviço público; tudo isso garante avalanches de votos e píncaros de popularidade a quem abraça a causa e desanuvia o horizonte futuro mas não desarma a força devastadora do desastre presente. É essa e só essa a parcela do problema sensível à boa gestão que João Dória e outros candidatos vitoriosos venderam e o eleitorado comprou.

Não há como fazer o Estado voltar a um tamanho sustentável e conquistar uma popularidade ainda mais indiscutível senão desmontando os privilégios obscenos que tornam desembestados os números da Previdência que não são os que dizem respeito aos 33 milhões de quase misérias que ela remunera, mas sim os do milhãozinho de “marajás” que pesam sozinhos mais que todos os outros somados. Não há gestão que produza a mágica da necessária união nacional contra isso senão uma quase mágica gestão da política apoiada na arma invencível da verdade.

pop1

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